Escrevo esse artigo sob o impacto de mais uma leva de declarações oficiais pelas quais autoridades públicas metropolitanas buscam eximir-se de responsabilidades pelas enchentes, propalando uma sua inexorável inevitabilidade e jogando a Deus e à Natureza a culpa maior por esse trágico desígnio.
Tais recorrentes declarações só podem ser associadas a um ambiente de incompetência e ingenuidade técnica, irresponsabilidade pública e esperteza política. Atributos religiosamente pagos e sustentados pelo pobre e vitimado contribuinte.
Determinada por suas características urbanas e pela característica de seu meio físico natural, a equação das enchentes na metrópole paulistana pode assim ser expressa: “Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão, tendo como palco uma região geológica já naturalmente caracterizada por sua dificuldade em dar bom e rápido escoamento às suas águas superficiais.”
Essa equação, para um exitoso enfrentamento das enchentes, sugere 3 frentes especiais e concomitantes de trabalho: aumento da capacidade de vazão das drenagens naturais e construídas (bueiros, galerias, córregos, rios), através de sua ampliação (como no caso do Tietê) e de seu constante desassoreamento e limpeza; drástica redução dos processos erosivos que ocorrem especialmente na zona periférica de expansão urbana e do lançamento irregular de entulho da construção civil e do lixo urbano. A erosão implica hoje no aporte de mais de 3,5 milhões de metros cúbicos anuais de sedimentos para o interior de córregos e rios reduzindo em muito sua capacidade de vazão (até hoje as administrações públicas tem agido sobre as conseqüências da erosão no bilionário desassoreamento dos rios, sendo desde há muito preciso trabalhar sobre as causas, sobre as áreas-fonte dos sedimentos); aumento da capacidade de retenção superficial e sub-superficial das águas de chuva, evitando ou retardando que essas cheguem tão rapidamente e em grande volume às drenagens, medida de implementação essencial, mas que não deve continuar a ser proporcionada através dos deletérios piscinões (hoje vendidos como a panacéia para todos os males, mas que na verdade, considerando-se o assoreamento por sedimentos e lixo, assim como o alto grau de poluição das águas de superfície, são verdadeiros atentados urbanísticos, sanitários e ambientais). A maior retenção de águas de chuva pode ser conseguida pela soma de uma série de medidas de fácil execução, como, por exemplo, pequenos e médios reservatórios domésticos e empresariais, calçadas, valetas e tubulações drenantes, poços e trincheiras de infiltração, praças drenantes, intenso plantio de médios e pequenos bosques florestados (uma área florestada tem a capacidade de reter até 80% do pico de uma chuva intensa).
Para a implementação desse conjunto de medidas técnicas, há uma elementar necessidade no campo da gestão: a perfeita articulação entre as administrações públicas estaduais e municipais na metrópole paulistana, uma vez que hoje, incompreensivelmente, são instâncias que não se comunicam e não somam esforços.
Há sim, solução para as enchentes metropolitanas, ao menos para torná-las episódios que ocorram em pequena dimensão e em espaços de tempo que contam algumas gerações de cidadãos. Falta apenas maior responsabilidade pública e uma salutar dose de respeito à população.
sobre o autor
Álvaro Rodrigues dos Santos, geólogo, ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e Ex-Diretor da Divisão de Geologia, ex-diretor Geral do DCET -Deptº de C&T da Secretaria de C&T do Estado de São Paulo, ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico e Social de Mogi das Cruzes. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar” e “Cubatão”. Consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente. Álvaro Rodrigues dos Santos, São Paulo SP Brasil