Do alto do Reichstag a vista da cidade é panorâmica. Difícil dizer o que mais chama a atenção, se o edifício em si com sua monumental cúpula, erigida a partir do projeto de revitalização idealizado pelo arquiteto inglês Sir Norman Foster, se o verde do parque Tiergarten, se os diversos edifícios de arquitetura e tecnologia arrojados, se as dezenas de guindastes que identificam os canteiros de obras ou o portão de Brandenburgo símbolo da nação alemã.
A cidade foi arrasada como muitas outras ao final da 2ª Grande Guerra, pela “incompetência, a recusa frenética de aceitar a realidade e a desumanidade do regime nazista”, como registra o historiador Antony Beevor. Dividida pela “guerra fria” cuja expressão maior foi o infame muro, materialidade da notória expressão cunhada por Winston Churchil “cortina de ferro”, para definir a linha divisória entre a Europa ocidental e os países do leste sob influência da então União Soviética viveu tempos difíceis, de horror, dor e separação, da ascensão do nazismo em 1933 até a reunificação em 1989.
Andar por Berlim é como flanar pelo século XX, por suas manifestações artísticas e antagonismos políticos. Bauhaus, Expressionismo, Fritz Lang, Rosa de Luxemburgo, Bertold Brecht, convivem com o espectro assustador da lembrança nazista. É como rever livros, filmes, idéias e talvez sonhar com um futuro mais promissor. É conviver com uma urbanidade, uma qualidade de espaços públicos e uma oferta de entretenimento e atividades culturais, como poucas cidades podem oferecer. A arquitetura como expressão artística de apropriação coletiva é sem dúvida a grande atração. São tantos e tão significativos os edifícios que qualquer conjunto de citações, certamente incorrerá em injustiças. O Reichstag, a nova Chancelaria, a Casa Marie Elisabeth Lüders, a Estação Central de Trens e o complexo da Sony, que nos faz sentir nos tempos dos Jetsons, são amostras da qualidade dos exemplares da produção arquitetônica que se vê por quase toda cidade.
A arquitetura alemã contemporânea reflete a pujança da economia do país e ilustra a tão almejada reunificação. Tecnologia de ponta, vidro, aço e alumínio. Transparências e geometrias inusitadas. Contraste entre o histórico e o novo, harmonizado pela qualidade das intervenções. Percebe-se o cuidado com as escalas e a adequação dos espaços às funções e atividades urbanas a eles destinadas. É nítida a intenção de que a cidade se prepara para reassumir o brilho de outrora e reocupar seu lugar, entre as grandes metrópoles mundiais. Não apenas por suas dimensões ou dinamismo econômico, mas principalmente por sua expressão cultural.
Talvez a arquitetura alemã de hoje proporcione o mesmo impacto que a brasileira, em contexto cultural e sócio-econômico diverso, provocou entre as décadas de 40 e 60 do século XX. Sem Brasília, que promoveu a elasticidade dos limites formais da arquitetura, rompendo paradigmas e estabelecendo novas fronteiras estéticas, a Berlim atual teria uma configuração menos ousada. Embora as analogias não sejam lá muito apropriadas, impossível não fazê-las.
As impressões aqui relatadas são de um turista vivamente impressionado com o que viu, apressado, ainda sem tempo de uma reflexão mais profunda. Mas não tão desavisado quanto à superficialidade de suas observações e quanto ao fato de que as percepções e os sentidos podem ser enganosos. De alguém que de repente se encontra em um cenário, em uma encruzilhada da história, sempre vislumbrada por olhares alheios.
Jane Jacobs em seu clássico livro Morte e vida de grandes cidades, preconiza dualmente, que as cidades trazem consigo as sementes de sua morte e de seu renascimento. Berlim ao que parece, escolheu o caminho da vida e exibe a um mundo cada vez mais pessimista, sem utopias e de um individualismo que trás uma ilusão de liberdade e autonomia, uma janela iluminada de esperança.
sobre o autor
Luiz Philippe Torelly, arquiteto e urbanista.Luiz Philippe Torelly, Brasília DF Brasil