Jean Nouvel é o laureado com o Prêmio Pritzker 2008. Previsivelmente. Seu nome fazia parte há tempo dessa lista tácita de potenciais elegidos a ficar com o chamado “Nobel da Arquitetura”. Sua escolha era questão de tempo. O eco do nome dos próximos possíveis laureados ressoa já com uma certa nitidez uma vez se tenha feito pública a escolha do último.
Com seu Pritzker, Nouvel já é legitimamente outro membro da corte arquitetônica.
“Estou muito contente de estar num clube de bons amigos como Frank Gehry, Renzo Piano e Zaha Hadid”,
declarava no momento de se anunciar sua nomeação. Seu sobrenome vem a dias sendo repetido insistentemente nos meios: citam-se todos seus projetos recentes e aqueles que atualmente estão em construção; se enfatizam as qualidades que o jurado do Prêmio considerou para lhe tornar merecedor do reconhecimento e que unicamente reiteram aqueles aspectos já bem consolidados entre a crítica para identificar os traços fundamentais da produção criativa e aproximação teórica do personagem à arquitetura.
O anúncio do Premio Pritzker constitui uma das notícias anuais de importância. O galardão se erigiu como um acontecimento de pretendido peso, blindado e quase intocável em sua aura de prestígio, capaz de ignorar as vozes discrepantes e a descrença ante ele.
Talento, visão, compromisso
O prêmio foi instituído em 1979 pela Fundação Hyatt, com o propósito de “homenagear anualmente a um arquiteto vivo cujo trabalho construído demonstre uma combinação de talento, visão e compromisso, e que tenha realizado contribuições significativas para a humanidade e o entorno construído através da arte da arquitetura”. Uma motivação de espírito decididamente filantrópica que em seu princípio reconheceu trajetórias fundamentais na realização da História da Arquitetura do século XX, mas que nos últimos anos - em paralelo com a consolidação da sociedade do espetáculo – se transformou em um dos pilares fundamentais para o enaltecimento da oligarquia arquitetônica, e como um referente para a ambição de novas gerações de arquitetos, que perseguem com avidez ingressar nesse olimpo vazio alçados na celebridade, e necessitando de idéias pessoais, críticas e capacidade de reflexão.
Para meditar o fenômeno Pritzker deve se partir da premissa de que na realidade galardões como este não aportam nada de novo ao já sabido: só servem para terminar de legitimar a exaltação mediática de um arquiteto. Seria ingênuo outorgar a este tipo de lauros a motivação de reconhecer e incentivar a pesquisa arquitetônica, nem o de reconhecer a inovação criativa que permitisse propor alternativas às tendências estabelecidas. Sua conseqüência ou sua finalidade é, de fato, todo o contrário. Nas contadas ocasiões em que se rompeu com esta norma, como exceções confirmando a verdadeira regra, se produz uma espécie de sensação de decepção, já que a consciência coletiva sobre este tipo de prêmios parece aguardar e só compreender o reconhecimento a estas arquiteturas do personalismo e da espetacularidade.
Sem direito a réplica
Partindo destes supostos, por que se propor dedicar tempo a refletir sobre algo de valor e credibilidade meramente relativos e que se define por si mesmo? E a reflexão deve se propor, porque o Pritzker e muitos outros prêmios arquitetônicos em seu rastro são a reafirmação de uma inércia que demasiados acatam e ante a qual não se apresentam oposições críticas desafiantes. E esta passividade outorga um beneplácito popular que vai em detrimento da distinção, reivindicação e afirmação de valores cruciais para a arquitetura mais interessantes que os que está propondo esta constelação de estrelas ao uso que integram, segundo essas palavras de Nouvel, esse exclusivo clube de amigos. Uma afirmação que o francês faz superficialmente, mas que corrobora que a arquitetura não escapa à tendência global sobre o significado da celebridade e seu status, e que nos dá pistas sobre a peremptória necessidade de romper com esta inércia e acabar com o culto a esse consolidado engano.
Se faz necessário pôr em crise a razão de ser do Prêmio Pritzker, não defendendo por invalidar ou abolir sua existência, mas reconhecendo claramente que esta se sustenta na necessidade do próprio Prêmio de imbuir-se de prestígio por meio de consolidar multinacionais do glamour arquitetônico, que por sua vez se retro-alimenta do próprio prestígio de ficar com o prêmio e beneficiar-se dos interesses que circulam entorno a ele. O grande perigo é que não se escutem ou se debilitem as poucas vozes que apontam que este se trata de um caminho intelectual e criativo morto, que proclamem que ser arquiteto não consiste somente em gerar espetáculo e que se faz um pequeno favor às vindouras, criando esta atitude propensa a pensar que a arquitetura é o cenário de um reality show e que chegar a um nível de prestígio na profissão depende mais da posse que dos méritos e capacidades reais.
Uma má digestão
É necessário entender que a geração deste teatro arquitetônico, que o poder auto-arrogado do Pritzker está validando, encarna a visão decadente e espetacularizada do mundo presente, arrastando um mal digerido fim da modernidade. Se se considera esta forma de aproximação como a única conseqüência possível para a arquitetura em uma sociedade hiper-capitalizada e /clientes/vitruvius/mediatizada - e como quase sua única alternativa -, se incorrerá num erro grave e provavelmente irreversível. A forma de atuar e exibir a imagem e personalidade desses oligarcas da arquitetura são fruto mais de tempos em esgotamento (ainda que se resistam) que da realidade. Estas concepções personalistas tenderão a desaparecer por sua própria saturação, sua debilidade ética e sua falta de responsabilidade, e pela ausência da força ideológica que, sem nenhuma dúvida, em algum momento possuíram e defenderam, mas que ficou extraviada entre a escravizadora parafernália de seus icônicos edifícios-objeto e as estratégias de marketing indispensáveis para vendê-los... Entre as quais faz parte possuir um Pritzker.
Se Jean Nouvel suscitou um grande interesse com suas primeiras obras, que lhe levaram a ser exaltado como um arquiteto de culto, hoje recebe o Pritzker num momento em que é famoso e desejado, quando tenta a todo custo cumprir com essas expectativas do que se deseja dele. Capaz de perpetrar projetos como o medíocre parque do Poblenou - próximo ao seu maior triunfo icônico, a Torre Agbar, e significativa e pomposamente inaugurado uma semana depois de receber tão apreciado galardão - em cuja realização se acusam as debilidades que supõe ter abandonado o controle sobre os projetos e distanciar-se do compromisso do arquiteto com sua obra e com a sociedade para concentrar-se em consolidar o peso de sua pessoa mediática. Mas Nouvel não é o único, e sim um a mais dos que elegeram participar nesta carreira para o triunfo.
notas
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Artigo publicado originalmente na coluna “Arquitectura y diseño”, nº 845, do caderno “ABCD las artes y las letras“, de ABC Periódico Electrónico S.L.U, Madri, em 12 de abril de 2008.
[tradução ivana barossi garcia]
sobre o autor
Fredy Massad e Alicia Guerrero Yeste, titulares do escritório ¿btbW, são autores do livro “Enric Miralles: Metamorfosi do paesaggio”, editora Testo & Immagine, 2004.
Fredy Massad e Alicia Guerrero, Barcelona Espanha