A arquitetura de Richard Rogers e de seu escritório é comumente associada ao movimento high-tech. O Centro Pompidou cristalizou uma corrente de reflexão que marca o renascimento da relação que os arquitetos têm com o sistema de produção. Muitas análises destacaram em particular a estética que Richard Rogers e Renzo Piano elaboraram a partir da lógica estrutural, da disposição interior e das redes de distribuição (2). A corrente high-tech continuou sua ascensão nos anos 1990. Muitos a entenderam como a expressão de uma reconquista do campo da arquitetura sobre um saber fazer técnico. Sua banalização acabou por produzir uma forma de desventura estilística, no qual o fetichismo do detalhe de montagem prevalece sobre o procedimento, detalhe no qual a sofisticação traz principalmente a marca de um retorno caricato do ornamental, em detrimento da expressão de uma inteligibilidade da realidade produtiva (3).
A distância de Richard Rogers deste movimento e a diversidade dos edifícios que ele fez depois do Centro Pompidou mostram que longe de se fechar em uma linguagem homogênea e uma doutrina, ele soube – conforme foi projetando – renovar sua arquitetura, em particular nos materiais e nos registros construtivos que ela evoca (4). Assim fazendo, ele mostra uma relação entre a arquitetura e a produção que lhe é própria e cujas condições demandam precisões. Que visão do mundo da construção Richard Rogers tem pelo conjunto das obras de seu escritório e de seus procedimentos de concepção?
Qual ciclo econômico ele está buscando quando denomina a associação de Partnership? E como circula a informação sobre o processo de concepção à fabricação e posterior construção de um edifício, como a sede do Lloyd’s of London ou do terminal 4 do aeroporto Barajas? Como uma lógica construtiva, que se manifesta pelo desenvolvimento de resoluções técnicas, é enfrentada por Richard Rogers no ato de pensar sua arquitetura se isto precede a edificação? A quais lógicas de /clientes/vitruvius/mediação ele recorre para tornar inteligíveis seus projetos?
Construir uma identidade: os primeiros trabalhos e invenção de um modo de ação
Desde o início dos anos 1970, com o sucesso de crítica do Centro Pompidou e o grande reconhecimento profissional que se segue, Rogers constrói uma identidade que ele ancora ao mesmo tempo em uma cultura social e familiar, e também em uma filiação espiritual inserida em uma geografia complexa entre Londres, Estados Unidos e Itália.
Richard Rogers segue um ciclo de estudos na Architectural Association de Londres ,onde se misturam os discursos sobre a arquitetura radical, a militância política e as análises críticas sobre experimentações urbanas no domínio da habitação social (5). Seu parentesco com Ernesto Rogers, principal figura do grupo BBPR e personalidade influente na arquitetura italiana (6), abre um horizonte intelectual de primeiro nível à análise crítica da modernidade. Ele descobre no outro lado do Atlântico a arquitetura de Frank Lloyd Wright e de Louis I. Kahn, onde as realizações como o museu de Arte de Yale (New Haven,1951-1953) ou os laboratórios de pesquisa de Richards da Universidade da Pensilvânia encarnam um renascimento estético de arquitetura moderna e do pensamento construtivo. É igualmente o tempo de procura no domínio de arquitetura doméstica e do mobiliário integrado, onde as experimentações industriais de Charles e Ray Eames e de Ezra Ehrenkrantz em Los Angeles, ou ainda as casas de Paul Rudolph em Saratosa (7) representam aos olhos de um europeu uma colaboração exemplar entre projetista e fabricante.
Sua estadia nos Estados Unidos é igualmente a ocasião de engajar uma colaboração com Norman Foster, também bolsista no departamento de arquitetura, para o concurso do campus científico de Yale; uma parceria que foi formalizada na volta à Londres com a fundação do Team 4 com suas respectivas esposas, Susan Rogers e Wendy Foster. Marcado pela idéia de integrar a maior quantidade possível de parâmetros técnicos e construtivos à concepção de um projeto, Rogers e sua equipe desenvolveram o princípio de design community, onde prevalece a pluridisciplinariedade e decisões compartilhadas.
Rogers mostra um grande interesse pelos invólucros, os materiais compostos e o desenho das montagens. Sua análise da Casa de Vidro de Pierre Chareau e Bernard Bijvoet mostra sua sensibilidade a esta qualidade ao mesmo tempo espacial e construtiva (8). Ele desenvolve um método de trabalho que associa arquitetos, engenheiros e fabricantes – modalidade de ação que permanecerá recorrente em todos os seus projetos e em seu discurso sobre a arquitetura e seus modos de produção. Contudo, seu espaço de ação direta não é nem de domínio industrial, nem o da engenharia corporativa. Ele delimita, como arquiteto, um outro território de atividades que torna possível a elaboração de um modo de ação em representação levando de uma agência a outra (9), este princípio de design community que rebatizará no final dos anos 1970 como Partnership. Atrás deste nome se organiza uma rede de competências que entram em sinergia durante a elaboração de um projeto. Ao longo de mais de trinta anos, Richard Rogers e seus sócios mais próximos, como Laurie Abbott, Mike Davies, Marco Goldschmied ou John Young, elaboraram uma organização na qual as marcas e responsabilidades do grupo de colaboradores são atingidas de maneira precisa (10). A Partnership é também por extensão uma rede exterior ao escritório, envolvendo além de consultores independentes empreendedores ou gestores esclarecidos, que lhes permite, se não o compromisso direto de novos projetos, ao menos comunicar esta filosofia de trabalho a um público mais amplo, procedente do domínio industrial e financeiro.
Dentre os projetos concebidos, entre 1967 e 1971, quatro mostram a reflexão desenvolvida por Rogers sobre o mundo produtivo e sua representação. Parece então já integrado o fato que a produção em série do mundo industrial tem provavelmente pouco a ver com a arquitetura, e que a escala de intervenções desta se dá principalmente no cruzamento entre especificação e a manufatura. Rogers definiu uma nova forma de ratio do projeto, que se fundamenta em um rigor das montagens e em uma linguagem que encarna uma compreensão racional dos materiais e sua resistência mecânica. Por exemplo, a fábrica de eletrônicos Reliance Controls, na qual espaços de produção e laboratórios de pesquisas e desenvolvimento são reunidos sob um mesmo teto. Sua unidade arquitetônica é fruto de uma coerência estética entre a estrutura metálica, o fechamento exterior e a flexibilidade da disposição interior.
Nesta direção, e somando as competências e as redes de seu novo sócio Renzo Piano e do engenheiro Ted Happold, Rogers se lança na aventura do Centro Pompidou em Paris. O fruto desta colaboração produz um dos edifícios mais expressivos do fim do século XX, tanto na relação que a sua estética mantém com a técnica, como em sua implantação na paisagem urbana. As referências ao Fun Palace de Cedric Price e ao projeto mega estrutural Plug-In City do Archigram são expressas (11). Com o Centro Pompidou, o invólucro se torna o lugar de gestão da complexidade estrutural, térmica e distributiva do edifício.
Se a parceria com Renzo Piano se enfraquece depois da abertura do Centro e se cada um reorienta sua atividade em geografias divergentes, a experiência parisiense marca profundamente a prática respectiva, onde a modelagem tem uma parte preponderante na maneira de conceber e de comunicar.
A experiência técnica da Partnership
A maneira de agir de Richard Rogers consiste em produzir alguns croquis simples, esquemas, que lançam as primeiras idéias e desemboca rapidamente em um trabalho de maquetes sobre os detalhes de montagens e de amostras de materiais. O princípio tem como efeito produzir uma passagem rápida de representação à experimentação por modelagem, em escala reduzida ou tamanho real. O lugar de experiência técnica na criação arquitetônica de Rogers, não é nem a empresa – lugar de pensamento técnico do fabricante –, nem o canteiro – lugar de saber fazer material do construtor –, mas seu escritório, no qual as maquetes de detalhe, materiais, desenhos e croquis são testemunhos desta apropriação do mundo produtivo e da sua representação. Richard Rogers está construindo uma memória da experiência construtiva. Se houver uma relação entre a esfera do engenheiro e da construção, poderia ser por esta ação desencadeada por uma apropriação da produção de um objeto técnico. Com a criação da Partnership, o método de trabalho elaborado passo a passo desde os anos 1960, constitui uma cultura de empresa capaz de gerar projetos complexos de escalas muito grandes.
A sede do Lloyd’s é um exemplar dentro desta propensão de juntar em um mesmo desenho (no sentido de intento e não de desenho gráfico), lógicas técnicas heterogêneas. Se a cobertura em concreto armado é determinante para organizar, sobre um território restrito dentro da City, a sobreposição dos espaços dos escritórios, a sutileza do projeto reside nesta capacidade da equipe em integrar em uma mesma identidade processual as redes e os dispositivos interiores e exteriores de segunda linha. Mais do que somente a força formal das estruturas metálicas, que a crítica na época reduziu a uma estética high-tech, o que reúne os projetos como laboratórios NAPP (Cambridge, 1979), a usina Fleetguard ou também a usina de microprocessadores Inmos, é no procedimento de concepção que, com um mesmo dispositivo, integra todos os parâmetros técnicos e programáticos.
A Partnership e a construção de uma identidade procedimental
Além da única descrição formal, estes projetos revelam que Rogers não concebe um objeto técnico numa lógica de continuidade e de experimentação entre concepção e produção; não tem a possibilidade de dominar esta experiência coletiva do mundo produtivo. Ele utiliza em contrapartida uma enorme quantidade de critérios, às vezes heterogêneos, ligados entre outros aos materiais; integra os parâmetros da engenharia ligada aos da térmica, acústica e iluminação; e os identifica em um programa e em um projeto arquitetônico constituindo uma coerência global. Este modo de agir contribui em grande partida para a identidade de “construtor” que é moldada pela equipe de Richard Rogers ao longo dos projetos.
O senso comum levaria a pensar que, por estas lógicas de modelagem, Rogers se liga ao real da produção. Ao contrário, através do aperfeiçoamento deste procedimento técnico, ele instaura uma distância que define um espaço de inter/clientes/vitruvius/mediação que lhe é próprio: ele pode então agir como sujeito que enuncia e que cria uma linguagem. O desenvolvimento da informática no começo dos anos 1990 permitiu passar da modelagem analógica à numérica e teve um impacto importante sobre a formalização do projeto: os fluídos e as redes se dissimulam na massa dos edifícios e não são mais exteriorizados como no Beaubourg ou no Lloyd’s, como se pode ver na resposta ao concurso do “Trésor” de Nottingham. Entretando este salto tecnológico não questionou o procedimento geral de concepção, mas facilitou o compartilhamento da informação em particular com os consultores engenheiros.
A epiderme como figura do imaginário
A escolha do invólucro não remete a uma pura questão produtiva (custo, racionalidade industrial), mas a uma questão cultural e estética que recorre a uma figura. O invólucro, tal como é concebido no Palácio da Justiça Bordeaux ou, mais recentemente, no Aeroporto de Barajas de Madrid e o Parlamento do País de Galles, reflete primeiramente a marca de uma escolha individual.
Para o Palácio da Justiça de Bordeaux, é esta figura da epiderme que permite interpretar a imagem dos barris de madeira, não de maneira literal, mas transposta pela modelagem numérica das paredes das salas de audiência. Sua geometria garante um efeito térmico ao conjunto do edifício e sua tecnologia permite a produção da estrutura em uma economia racionalizada. Isto também ocorre para o projeto de Barajas, como a única ação individual possível do arquiteto para ultrapassar a engenharia complexa do terminal, gerado coletivamente, e, atribuindo ao todo uma qualidade espacial longe das normas habituais de grandes equipamentos aeroportuários. A figura da epiderme é uma forma de se posicionar frente às grandes lógicas sócio-econômicas mundiais. Ela dá a Rogers, enquanto sujeito que enuncia, a possibilidade de repor uma problemática geral dentro de um contexto singular, por intermédio de um discurso próprio.
Se Rogers não pode ser ator direto do jogo produtivo e construtivo, ele o substitui no seu imaginário com um conjunto de procedimentos de representação, acionado por esta figura da epiderme que funciona como o “motivo” do projeto (12).
Esta acoplagem figura-procedimento permite escapar à clivagem, amplamente disseminada e mantida pelo aparelho doutrinário ao longo do século XX, entre a autonomia do pensamento e as condições materiais de execução, para reposicionar a ação do arquiteto, em uma organização social e econômica infinitamente mais subtil (13). Pelo procedimento da Partnership e da figura da epiderme, Richard Rogers construiu um universo que, por transposição, lhe permitiu incorporar a complexidade do mundo técnico exterior para constituir uma narração singular.
notas
1
Este texto é um extrato do artigo originalmente publicado no catálogo da exposição Richard Rogers + Architectes, ocorrida no Centre Pompidou em Paris (Galeria Sul, nível 1), de 21 de novembro de 2007 a 03 de março de 2008. O texto e as imagens foram reproduzidos em Arquitextos do Portal Vitruvius com a autorização do autor e do editor. Richard Rogers + Architectes. Paris, Editions du Centre Pompidou, 240 p., 23,5 x 28 cm, 340 ilustrações coloridas.
2
Sobre este assunto, ver BANHAM, Reyner. The Architecture of The Well-Tempered Environment. Chicago/Londres, The University of Chicago Press/The Architectural Press, Ltd., 1969 [1984].
3
Ver DAVIS, Colin. ”Le High-Tech n’est-il qu’un style?”, L’Architecture d’Aujourd’hui, n° 237, fev. 1985, p. 42-46. Id., High-Tech Architecture, Londres,Thames & Hudson, 1988.
4
A obra mais exaustiva e que lhe diz respeito é POWELL, Kenneth. Richard Rogers complete works. Londres, Phaidon Press, 1999 (vol. 1), 2001 (vol. 2), 2006 (vol. 3).
5
Richard Rogers nasceu em Florence em 1933. Apesar de sua educação ter sido feita essencialmente na Grã-Bretanha, ele foi muito influenciado pela cultura italiana, em particular no domínio das artes, da arquitetura e do urbanismo. Ele se formou na l’Architectural Association de Londres em 1959 e conseguiu uma bolsa de estudos em 1961 para um máster em arquitetura na Universidade de Yale (New Haven, Connecticut) nos Estados Unidos.
6
Ernesto Nathan Rogers, primo do pai de Rogers, foi o fundador da agencia BBPR com Gian Luigi Banfi, Lodovico Barbiano Di Belgiojoso e Enrico Peressutti. Cronista que colabora regularmente nas revistas Casabella e Domus, sua reputação repousa sobre uma produção ancorada na modernidade arquitetônica de antes e pós guerra como a torre Velasca de Milão.
7
Entre as realizações mais conhecidas de Paul Rudolph em Saratosa evocamos as casas Siegrist (1949) e Healy (1950).
8
ROGERS, Richard. “ La ‘casa di vetro’ di Pierre Chareau: una rivoluzione che non continua”, Domus, n° 443, Milão, out. 1966, p. 8-20.
9
Sucessivamente, Rogers foi um dos principais protagonistas dos seguintes escritórios: Team 4 (1961-1967), Richard + Su Rogers (1967-1971), Rogers + Piano (1971-1978), Richard Rogers + Partners (à partir de 1978) rebatizado em seguida de Richard Rogers Partnership. O escritório hoje se chama Rogers Stirk Harbou + Partners (RSHP).
10
Das principais associações, somente Richard Rogers e Mike Davies continuam a exercer, Graham Stirk e Ivan Harbour se juntaram à equipe de “projeto diretores”.
11
Para compreender a aceitação do Centre Pompidou na sua abertura, ver o número especial da L’Architecture d’Aujourd’hui que lhe foi consagrada (fev. 1977, n° 189). Sobre as vanguardas arquitetônicas dos anos 1960 e a grande crítica, ver ROUILLARD, Dominique. Superarchitecture. Le futur de l’architecture 1950-1970. Paris, Éditions de la Villette, 2004.
12
Sobre a questão do “motivo“ no processo de criação de como de um processo, ver FÉDIER, François. L’art en liberté. Cours de philosophie. Paris, Pocket, 2006, p. 198. Neste mesmo espírito, o autor faz uma análise original dos termos “arabesco”, “ornamento”, “decoração” (p. 211-236).
13
Esta reflexão arquitetônica se inscreve na tese de doutorado: ROUYER, Remi. Architecture et procès techniques. Les figures de l’imaginaire. Antoine Picon (dir.). Paris, Université de Paris I-Panthéon Sorbonne, 2006. Mais sintético, ver ROUYER, Remi. “Architecture, technique et représentation. Les figures de transposition”. EAV, n° 13, Versailles/Paris, École Nationale Supérieure d’Architecture de Versailles/Éditions de la Villette, 2007-2008.
sobre o autor
Rémi Rouyer, é arquiteto e professor-assistente na Escola de Arquitetura de Versailles.
[tradução marina rosenfeld]
Rémi Rouyer, Paris França