Discreto, elegante e com notável desenvoltura e segurança, logo dá a conhecer sua prodigiosa e exemplar memória, estimulada por um incansável interesse e prazer por arquitetura. Esse mérito o torna capaz de citar incontáveis arquitetos e comentar com facilidade destacados projetos e construções de arquitetura. Ao observar com atenção, pode acrescentar detalhes da construção da cidade, pode sustentar opinião bem formada sobre os assuntos da profissão. Critica e elogia. Com esse ânimo estabelece convicções e supera preconceito e nacionalismo. Há muito, defende a construção sistemática de arranha-céus nas metrópoles e aprende com a arquitetura internacional. Dessa forma, evita a fácil postura romântica e regional.
Formado nos anos dourados da arquitetura brasileira, vai compartilhar, com sua surpreendente geração, um momento fecundo de difusão de arquitetura moderna no Mackenzie. Escola que apesar das previsíveis contradições daqueles anos, oferece um ambiente destacado e oportuno para aprender arquitetura consensual. Vantagem e qualidade certamente consideradas quando lhe é feito o convite para lecionar na FAU USP.
Parece provável que um ensino mais focado na construção do edifício e o contato com o ensino acadêmico o tenham alertado das regras e da disciplina na arte e que, por isso, Saraiva preferisse entender a concepção do edifício como a busca e obtenção de ordem por intermédio de princípios, portanto, através de uma sensibilidade configuradora diversa daquela que prefere reservar valor ao que seja novo e inventivo. Pode ser que essa adesão a uma noção moderna mais formativa tenha acompanhado o arquiteto ao longo de toda a sua carreira, afastando-o do teoricismo e experimentalismo que privam a arquitetura de uma eficiente teoria e sistema nos últimos sessenta anos. Sabe fazer coisas diferentes com experiência e princípio constante. Isso ajudaria a explicar a consistência de sua arquitetura, ao permitir a distinção entre estrutura abstrata e estrutura material em seus projetos, entre a coerência moderna e a adesão à figura brasileira que reveste as operações fundamentais dos objetos. Permitiria superar a vaga e aparente dualidade entre escola carioca e escola paulista, prováveis reflexos de um mesmo fenômeno, para especular sobre uma complicada expressão composta como é a do moderno brasileiro.
É, também, possível que essa retidão, essa insistência, ajude a entender o desconforto que Saraiva deixa transparecer com relação à arquitetura contemporânea e à arquitetura ensinada aos jovens em escolas, instituições às que sempre esteve ligado.
Petulante, como ele mesmo gosta de lembrar, e com a escassa experiência de recém-formados monta uma equipe para participar do Concurso para o Plano Diretor da Nova Capital. Assim inicia sua trajetória como personagem ativo da história da arquitetura brasileira e mostra o entusiasmo com que abraça sua tarefa.
Pedro Paulo de Melo Saraiva deixa uma obra importante. Iniciada com irretocáveis residências unifamiliares, algumas projetadas ainda na escola, e alavancada com primeiro lugar no concurso do Edifício 5ª Avenida, São Paulo, em 1958. Outras obras notáveis são: Edifício Porto Fino, Santos, 1961; Edifício Pedra Grande, 1962; Edifício Solar do Conde, 1962; Clube XV, Santos, 1963; Edifício Albar, 1963; Sede Social Clube Esportivo Sírio, 1966; Esaf – Escola de Administração Fazendária, Brasília, 1973; Edifício Acal, 1974; Residência de Praia do Engenheiro Mário Franco, Guarujá, 1974; Sede Administrativa da Prodesp, Taboão da Serra,1975; Mercado Municipal de São Paulo, 2002; Sede Confea, Brasília, 2007, e Reurbanização do antigo aeroporto de Ilhabela, 2014-2015.
Saraiva deixa muitos amigos, colaboradores e admiradores.
nota
NE – publicação original: ESPALLARGAS GIMENEZ, Luis. Homenagem a Pedro Paulo de Melo Saraiva. 29 de junho de 1933 a 16 de agosto de 2016. Website do Instituto de Arquitetura e Urbanismo de São Carlos, Universidade de São Paulo – IAU USP <www.iau.usp.br/index.php?option=com_content&view=article&id=542>.
sobre o autor
Luis Espallargas Gimenez é arquiteto (1977) e doutor pela FAU USP (2004). É professor do IAU USP São Carlos desde 2007 e autor do livro Pedro Paulo de Melo Saraiva, arquiteto (Romano Guerra, 2016).