Anhangabaú, Paulista, estes novos centros de encontro e manifestação vieram depois, muito depois, aos poucos...
Anos duros, anos cinzas, anos de chumbo, anos em que éramos assaltados em nossas materialidades e nossas imaterialidades... Lá se iam nossas riquezas mas também lá se iam nossa dignidade, nossa identidade, nossa liberdade, às vezes nossa esperança...
Mas havia uma cidadela, um ponto de resistência e simbolicamente este ponto era o marco zero da cidade, a Sé... E dentro dela um gigante.
Um gigante franzino, fala mansa, quase irritante de tão mansa (para um jovem de pouco mais de 16 anos tornava-se às vezes insuportável, interminável), andar suave, sorriso permanente nos lábios e um brilho no olhar que iluminava a tudo e a todos à sua volta. Um gigante dentro da Sé. Havia um gigante dentro da Sé.
Para lá corriam os pobres, os desvalidos, os marginalizados que eram tantos... são tantos, somos tantos. Porta sempre aberta, o gigante sempre pronto a acolher, a ajudar, a proteger...
Enquanto ali esteve, uma Sé nunca foi tão Sé em uma cidade.
Toda e qualquer manifestação, contra a ditadura, a carestia, contra o desemprego, a favor da anistia, ampla, geral e irrestrita, a favor dos pobres, a favor da justiça e paz, a favor da autodeterminação dos povos, a favor dos índios e dos imigrantes e exilados, a favor da vida... Todas estas manifestações aconteciam na Sé...
O primeiro comício a favor das diretas foi lá... Sob a guarda e a proteção do gigante. Tínhamos todos a clara sensação que ao menor sinal de perigo, de covardia, aquelas portas estariam escancaradas e lá dentro estaríamos todos protegidos. Como de fato tantas vezes ocorreu.
A Sé era o centro nervoso, pulsante, libertário...
Mesmo ferida, atacada por projetos urbanísticos e pela violência do Estado continuava a ser a Sé. O centro das atenções, o grande espaço articulador da cidade, a referência de fé e de cidadania. Enquanto lá esteve o gigante assim foi.
Agora ele ali restará para sempre, na sua cidadela, na nossa cidadela, a nos proteger como sempre fez. A simbolizar a luta por justiça e paz, por dignidade para todo ser humano, pela eliminação da pobreza e das desigualdades, pela liberdade de ser, de pensar e de agir. A simbolizar o amor pela juventude e o carinho pelas crianças. A paixão pela vida.
Na Sé, agora, mora um gigante. Que é o marco zero de São Paulo, Dom Paulo, Cardeal Arns...
Muito obrigado.
sobre o autor
Valter Caldana é arquiteto, professor da FAU Mackenzie e representante do Conselho Municipal de Política Urbana no Comitê de Acompanhamento e Avaliação da Implantação do Plano Diretor Estratégico.