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drops ISSN 2175-6716

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Abilio Guerra escreve texto de homenagem a Edgar De Decca, historiador e professor do IFCH Unicamp, falecido no dia 26 de dezembro de 2016.

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GUERRA, Abilio. Edgar De Decca, historiador. Nunca temos tempo para sonhar. Drops, São Paulo, ano 17, n. 111.09, Vitruvius, dez. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/17.111/6343>.


Onze exemplares do livro O nascimento das fábricas, de Edgar De Decca
Foto Abilio Guerra


No dia 11 de janeiro de 2015, às 12h11, chegou uma mensagem pelo chat do Facebook:

— Caro Abilio, você também foi excelente aluno e colega naqueles tempos de renovação. Seu texto relembrando aqueles momentos é brilhante. Abraços do Edgar de Decca.

A mensagem do meu antigo professor no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas se referia a um pequeno artigo que escrevi em homenagem a Ítalo Tronca, falecido dois dias antes. Tronca era membro titular da “troica”, que era como nós alunos chamávamos, com um misto de orgulho e satisfação, a trinca de jovens professores formada por ele, Edgar de Decca e Stella Bresciani. Engajados, militantes, inteligentes, atualizados, muito bem preparados para aquele momento histórico, onde a abertura democrática em curso demandava novas formas de pensar o passado, o presente e o futuro.

Na minha singela homenagem, que somente a generosidade atávica de De Decca poderia classificar como “brilhante”, eu relembrei o frescor e vigor daquele período, a diversidade de personalidades que se aninhavam em três grupos distintos – os marxistas tradicionais, os marxistas renovadores e os migrantes da USP, uma taxionomia borgiana que sempre me esmero em fazer... –, mas todos eles compartilhando da responsabilidade de construir uma escola renovada de historiadores, destacando a solidez da formação clássica, mas abrindo as portas para os ventos frescos que vinham da França e Inglaterra (1). Um período rico da minha vida, que fica cada vez mais valioso conforme passa o tempo e os personagens da história vão sendo deixados para trás pelo enredo que se escreve sozinho, como uma máquina maligna descontrolada.

De forma premonitória, respondi logo a seguir:

— Edgar, é muito gostoso ler sua mensagem, pois o tempo passa muito rápido e deixamos inexplicavelmente muita coisa boa de lado. Obrigado por tudo.

Eu entrei na graduação em História no IFCH Unicamp em 1980, quando cursava o terceiro ano de Arquitetura e Urbanismo na PUC-Campinas. Como era meu segundo curso universitário, me dava o direito de escolher as disciplinas dos professores com os quais me identificava. Fiz dois ou três com De Decca nos primeiros semestres. Como ele estava afiado! Tinha terminado o doutorado na USP recentemente, transbordava de certezas, de confiança, de alegria, pois nunca faltava em seu rosto um sorriso largo genuinamente feliz. Era do seu temperamento, é assim que sua figura ficou gravada na minha memória.

Testava com os jovens estudantes as hipóteses que estava desenvolvendo e que logo mais se tornaria livro, o hoje já clássico 1930, o silêncio dos vencidos. Foi De Decca quem nos revelou que a chamada Revolução de 1930 foi uma construção narrativa, urdidura complexa no âmbito das representações ideológicas promovida pela dominação ditatorial, cujo maior legado foi jogar no silêncio as vozes dos vencidos de sempre, a classe trabalhadora (2). Nos convocava a olhar o mundo do ponto de vista dos oprimidos, dos sufocados, dos silenciados. E, de lambuja, nos dava argumentos para negarmos a designação “Revolução de 1964” para o golpe militar que ainda sobrevivia naquele momento, onde a “abertura lenta, gradual e segura” promovida pelos governos Geisel e Figueiredo convivia com espasmos de violência rancorosa. Como era bom ouvi-lo, como nos sentíamos inteligentes! Mas inteligente era o Edgar, na verdade era brilhante.

Edgar virou um cara importante, participou de inúmeras comissões, associações e conselhos, ganhou prêmios e distinções, foi Pró-Reitor e Vice-Reitor da Unicamp. Curiosamente, dois momentos que guardo na lembrança são da vida prosaica e descontraída, como aquele dia distante quando nos encontramos por acaso no Parque do Ibirapuera, ele de bermuda branca, ao lado do filho (ou seria filha?...), ou aquela tarde, mais distante e antiga ainda, quando entrei na sala dos professores e me deparei com De Decca e Marco Aurélio Garcia sentados com os pés sobre a mesa, descontraídos, falando animadamente sobre futebol, uma descoberta de tirar o fôlego, quase tão surpreendente como descobrir que nossos pais fazem sexo. Não escolhemos as lembranças que viram marcas indeléveis em nosso próprio ser, mas fico contente em carregar essas duas, agora símbolos da imensa humanidade que ele me transmitia.

Uma terceira lembrança está guardada em minha biblioteca. São onze exemplares do O nascimento das fábricas, de Edgar De Decca (3). Um dia os encontrei em saldão de um sebo, que havia adquirido como ponta de estoque alguns títulos da editora Brasiliense. Fiquei incomodado em ver os livros do meu querido professor naquela situação e arrematei o pequeno lote. Meu intuito era presentear amigos, colocá-los em estantes onde seriam consultados. Nunca fiz isso, mesmo tendo renovado o desejo ao longo dos anos e das décadas. Quando fiquei sabendo que Edgar tinha nos abandonado, fui verificar se os livros continuavam lá, aguardando os leitores que lhes havia prometido. Abri aleatoriamente um dos livrinhos e me deparei com o título de um capítulo: “nunca temos tempo para sonhar”.

Edgar Salvadori De Decca faleceu ontem (4), vai ser enterrado hoje, logo a seguir. Vai viver do “brilho inútil das estrelas” na companhia de José Roberto do Amaral Lapa, Héctor Hernan Bruit, Nicolau Sevcenko, Alcyr Lenharo, Déa Fenelon e Ítalo Tronca, minha constelação pessoal. Eu deveria estar velando seu corpo, mas fiquei sabendo muito em cima da hora e não foi possível. Escrevo essas linhas como sucedâneo imperfeito, afinal os rituais existem para ser cumpridos à risca.

notas

1
GUERRA, Abilio. Ítalo Tronca e a história a contrapelo. Sobre o historiador e o contexto de sua atuação. Drops, São Paulo, ano 15, n. 088.04, Vitruvius, jan. 2015 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/15.088/5396>.

2
DE DECCA, Edgar. 1930, o silêncio dos vencidos – memória, história e revolução. São Paulo, Brasiliense, 1981.

3
DE DECCA, Edgar (1982). O nascimento das fábricas. Coleção Tudo é História. 5a edição. São Paulo, Brasiliense, 1987.

4
Professor do IFCH Unicamp, Edgar De Decca faleceu no dia 26 de dezembro de 2016. O velório e sepultamento ocorreu no dia seguinte, no Cemitério Parque Flamboyants, no Bairro das Palmeiras, em Campinas.

sobre o autor

Abilio Guerra é professor de graduação e pós-graduação da FAU Mackenzie e editor, com Silvana Romano Santos, do portal Vitruvius e da Romano Guerra Editora.

 

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