Ao fazer parte da primeira geração da minha família que pôde ter acesso ao ensino superior me senti grato por superar certas barreiras, porém ao longo do curso de Arquitetura e Urbanismo me vi ainda mais grato e ciente que superei tantas outras que de tão próximas aparentavam ser condições “naturais” que a vida impõe. Desde o esforço da minha mãe Eliete para me inserir na pré-escola, o qual a fez por um ano andar seguidas madrugadas para suprir a função de que o Estado não era capaz: levar e trazer crianças de seis anos por um trajeto de 2km que tem a travessia da Rodovia SP-101 como obstáculo; aos ensinamentos do meu pai Sebastião de como se locomover a pé ou de transporte público pela cidade, contar os apartamentos de um prédio pela sua volumetria e saber lidar com situações adversas encontradas nas ruas de vários bairros Campinas, tudo para concluir sua jornada sem exceder ou subestimar o número de panfletos entregues para atender a população.
Dada a minha perplexidade diante dos arranha-céus do bairro Cambuí, que me faziam parar boquiaberto por sua beleza e engenhosidade, reação normal para um adolescente que foi criado num loteamento desconexo da malha urbana de Monte Mor, uma cidade-dormitório que orbita entorno da metrópole. Hoje percebo que meu encantamento não era por um ou outro edifício isolado e sim pela composição morfológica e socioespacial que via da janela do ônibus. No entanto, de nada adiantaria tal fascínio caso um professor não tivesse me indagado no intervalo entre aulas do ensino médio sobre a possibilidade de eu prestar algum vestibular, pois o tema era tabu na minha escola, como em muitas outras nas escolas públicas.
Rompido o limite do ingresso na graduação os anos seguintes transformaram meu modo de ver o mundo não só por razões acadêmicas, mas por razões pessoais. A chegada do meu filho Dhimitri deu ressignificado valioso aos gestos mais simples que podem haver: um sorriso, um olhar, um abraço, um engatinhar e cada passo conquistado. Que em toda minha ausência teve sobrecarga à sua mãe, onde se passei desapercebido foi por que ela é das melhores mães que eu poderia imaginar que alguém pudesse ser. Que só nas visitas mensais pude ter alento das minhas crises de ansiedades pelas incertezas do futuro. Que ainda que se somasse todas as horas escritas, desenhadas e mal dormidas para concluir este trabalho nenhuma se faria mais exaustiva física e mentalmente do que educar um bebê recém-nascido.
Sendo assim, agradeço ainda aos mestres pelo conhecimento adquirido, especialmente aos professores que orientaram este trabalho, as minhas amigas de graduação Ana Isabella Páfaro, Celia Leme e Michely Falcioni, que me ajudaram quando mais precisei, ao meu amigo Welisson Rocha pela força, aos meus colegas de trabalho pela flexibilidade nos momentos cruciais, aos que idealizaram as cotas e ao Prouni.
Agradeço sobretudo à vida: esse caos organizado por coincidências e desencontros.
sobre o autor
Enderson Fernandes é arquiteto e urbanista recém formado pela Universidade Paulista – Unip (2018). Teve como tema de trabalho final de graduação o "Direito à Cidade – democratizar o Centro com Habitação de Interesse Social". Seu objeto de estudo foi a cidade de Campinas SP.