Por ocasião da elaboração do livro Itinerários de estudos como aventura intelectual: a dimensão paisagística no projeto da cidade contemporânea (1), de 2017, tentei contactar a historiadora Christiane Crasemann Collins, uma vez que ela fora grande entusiasta durante o processo da elaboração do livro. Na ausência de respostas, procurei notícias que pudessem informar sobre seu estado de saúde, dada sua avançada idade. Em um ritual costumeiro de busca de final de ano, me deparei no The New York Times com seu obituário, datado de 08 de maio de 2018 (2).

Apesar de meses do acontecido, durante alguns dias, fui recolhendo os cartões postais afetuosos que ela frequentemente me enviava, dada a proximidade que se estabeleceu entre nós em três ocasiões muito significativas na minha vida. A primeira foi em Viena, em novembro de 2003, por ocasião do Symposium Camillo Sitte, o primeiro congresso da série de três que celebraria o centenário de Camillo Sitte; a segunda, em Bauru/Agudos, por ocasião do evento brasileiro “Camillo Sitte e a circulação das ideias em estética urbana: Europa e América Latina: 1880-1930”, em outubro de 2004; e a terceira, em julho de 2008, em Chicago, Estados Unidos, na 13th International Planning History Society (IPHS) Conference.

Do primeiro encontro, em Viena, cujo objetivo foi montar o programa do evento brasileiro, lembro-me de sua perspicácia e argúcia ao desmontar a primeira versão do programa do congresso e exigir a participação de 70% de convidados latino-americanos. Seu primeiro argumento: favorecer a circulação das ideias do personagem na América Latina, uma vez que tal estudo ainda não havia sido feito. O segundo, mais contundente, buscava priorizar os estudos locais. Não houve crise diante da radical mudança, mas aprendizado e enriquecimento, pois com muita doçura mostrou-me a melhor forma de construir o programa de um congresso daquele porte.

Afinal, essa havia sido a intenção de Donatella Calabi, ao colocar em minhas mãos inexperientes tão grande incumbência, cujas atas foram publicadas no CD contendo os anais do evento (3). Além disso, devido à dificuldade na ocasião de produzir um livro bilíngue, alguns textos foram selecionados para publicação no livro Sitte, Hegemann and the Metropolis: Modern Civic Art and International Exchanges, editado por Charles Bohl e Jean-François Lejeune, sob intermediação da própria Christiane Collins (4).

Do segundo encontro, ficou-me a lembrança de uma convivência mais intensa. Após o final do congresso em Bauru, Christiane decidira passar dez dias na cidade para se recuperar da cansativa viagem, o que possibilitou conversas diárias, almoços, discussões em cima de livros, leituras conjuntas e passeios pela região, cujo registro palpável é a entrevista publicada no portal Vitruvius (5) e reproduzida na revista Registros (6), com o título sugerido por Collins: “Trajetórias transatlânticas”.

Do terceiro encontro, em Chicago durante o congresso do IPHS, lembro-me de que o diálogo começou com a cobrança imediata de uma visita à sua casa para uma temporada de estudos e, na sequência, pela realização do curso itinerante que, segundo ela, seria a nova forma de despertar no aluno a experiência da obra e da cidade.

Nascida em Hamburgo, na Alemanha, Christiane imigrou primeiro para o Chile e depois para os Estados Unidos. Ela e seu esposo, George R. Collins, publicaram Camillo Sitte: The Birth of Modern City Planning, cujo “boneco” sem capa definitiva me foi presenteado com carinhosa dedicatória. Posteriormente, recebi seu livro sobre Werner Hegemann (7), juntamente com cartão postal da exposição The Gates (project for Central Park, NY City), cuja intervenção a deixou bastante impressionada.

Ela lecionou nas universidades de Colúmbia e Cornell, nos Estados Unidos, inicialmente como substituta do historiador da arquitetura Christian Otto. Embora tenha viajado intensamente à procura de arquivos e obras, residia em Falmouth, no estado de Massachusetts, como mostra sua foto com o título “mi casa”. O último cartão que me enviou data de dezembro de 2009 e dizia: “un gran abrazo y los mejores deseos para el Año Nuevo” e, ao final, “Mi single style’ casa (1888) se asoma entre las árboles al otro lado del Oyster Pond”.

Infelizmente, não chegou às suas mãos o livro, no qual é citada como incentivadora das viagens de estudo, mas essas viagens fazem parte integrante do currículo do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unesp de Bauru, e serão parte integrante da especialização lato sensu em Planejamento Urbano e Políticas Públicas: urbanismo, paisagem, território.

notas

1
RETTO JR., Adalberto da Silva. Itinerários de estudos como aventura intelectual: a dimensão paisagística no projeto da cidade contemporânea. Curitiba, Monalisa, 2017.

2
ROBERTS, Sam. Christiane Collins, Scholar Who Fought a Columbia Gym, Dies at 92. Nova York, New York Times, 8 mai. 2018 <https://www.nytimes.com/2018/05/08/obituaries/christiane-collins-scholar-who-fought-a-columbia-gym-dies-at-92.html>.

3
RETTO JR, Adalberto da Silva; CALABI, Donatella; PROFYRIOU, Heleni (Orgs.). Camillo Sitte e a circulação da ideias de estética urbana. Europa e América Latina: 1880-1930. Bauru, Cultura Acadêmica Editora/Fapesp, 2006 (CD).

4
BOHL, Charles; LEJEUNE, Jean-François (Org.). Sitte, Hegemann and the Metropolis: Modern Civic Art and International Exchanges. Londres, Routledge, 2009.

5
RETTO JUNIOR, Adalberto da Silva. Christiane Crasemann Collins. Entrevista, São Paulo, ano 06, n. 022.02, Vitruvius, abr. 2005 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/entrevista/06.022/3316>.

6
RETTO JR, Adalberto da Silva. Trajetórias transatlânticas. Registros, n. 3, 2005, p. 102-109.

7
COLLINS, Christiane Crasemann. Werner Hegemann and the Search for Universal Urbanism. Nova York, Norton, 2005.

sobre o autor

Adalberto da Silva Retto Júnior, professor de Urbanismo da Unesp – Bauru e coordenador do Curso Internacional de Especialização lato sensu em Planejamento Urbano e Politicas Públicas: urbanismo, paisagem, território.