Recentemente, em 12 de fevereiro de 2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou mais um interessante recurso a respeito da violação de direitos autorais envolvendo uma empresa de engenharia e uma arquiteta, empresária individual (1). A empresa de engenharia foi contratada para realização de projeto e execução de uma edificação para fins residenciais em Itapecerica da Serra, na Região Metropolitana de São Paulo. A arquiteta, por sua vez, durante a execução das obras, fora contratada para projetar a arquitetura de interiores, incluindo “paginação de pisos e revestimentos, projeto de iluminação, projeto de móveis planejados, gesso, layout da piscina e indicação de paisagista” (2).
Por força dessa autuação sua, o escritório de arquitetura divulgou fotos das obras da área externa da piscina e projeto do imóvel em 3D no Facebook (fotos depois removidas por ele mesmo), sem conferir os créditos à empresa de engenharia que também contribuiu para a obra final. Deve-se notar que, neste caso, não houve coautoria porque os profissionais atuaram em aspectos distintos da mesma obra. O Tribunal de Justiça deixou isso claro: “Não se trata propriamente de coautoria na obra, mas sim de obras que se sobrepõem ou se integram nos ramos diversos do campo intelectual, até formar o todo”. A integração se deu em função do resultado final comum para o qual convergiram as pessoas jurídicas.
Na teoria do Direito Autoral, isto se chama conexão de obras. José de Oliveira Ascensão explica bem a figura que ocorre quando a criação de cada autor “é perfeitamente determinada, e apenas a divulgação e exploração da obra se faz em comum” (3). Ela não se confunde nem com obra em coautoria e nem com obra coletiva – que pressupõe iniciativa, organização e responsabilidade de única empresa –, todas “afloramentos” (como diz o professor português) da criação integrada.
Em primeira instância, a ação foi julgada improcedente porque o magistrado entendeu que não houve dano sujeito à reparação, sobretudo com a retirada das fotografias da rede social. Ademais, diz ele, “a ré [o escritório de arquitetura] também fora contratada para elaboração de projeto no mesmo imóvel em que o autor procedeu ao seu trabalho. Ainda que haja distinção de atividades, fato é que a ré ali também tinha interesse em demonstrar o seu trabalho”.
Já o Tribunal, diversamente, julgou procedente a ação por entender que houve omissão de autoria quanto ao projeto de engenharia, o que resulta em violação ao direito autoral da empresa de engenharia. Entendeu, pois, que se deu a integração do trabalho intelectual de engenharia e arquitetura porque cada empresa trabalhava em aspectos distintos da obra que, no final, se fundiram no “resultado visual final do imóvel”. Assim, na divulgação dele em rede social era necessária a identificação também do autor do projeto de engenharia.
Como disse a Desembargadora Mariella Ferraz de Arruda Pollice Nogueira, “na medida em que não há como se retratar visualmente o layout da piscina e área externa em que inserida, sob o aspecto dos resultados do projeto, de forma dissociada da atuação de engenharia pela autora [a empresa de engenharia], forçoso reconhecer que, ainda que a publicação realizada pela ré [o escritório de arquitetura] tivesse por objetivo divulgar sua própria atuação profissional, era necessário conferir a devida identificação do projeto de engenharia a seu criador, evitando confusão e justamente, a violação ao direito autoral em relação àquele trabalho intelectual”.
O fundamento legal desta correta decisão está no art. 108 da lei geral dos direitos autorais no Brasil, que é a Lei nº 9.610/98, e que dispõe: “Quem, na utilização, por qualquer modalidade, de obra intelectual, deixar de indicar ou de anunciar, como tal, o nome, pseudônimo ou sinal convencional do autor e do intérprete, além de responder por danos morais, está obrigado a divulgar-lhes a identidade”. É que, antes, o art. 24/II da mesma lei diz que constitui direito moral de autor “o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra”. Este talvez seja o ponto central porque o trabalho de arquitetura se conectou a outro trabalho profissional, cuja autoria foi omitida na divulgação da obra pela rede social.
Cumpre registrar que a lei do CAU, de 2010, preocupou-se com a questão da autoria plúrima no art. 14 ao exigir que cada profissional especificasse o seu campo de atuação em quaisquer documentos e peças publicitárias, sob pena de corresponsabilidade. No aspecto “positivo”, o mesmo vale para os direitos autorais, sob pena de pagamento de indenização. Foi o que aconteceu no caso.
Portanto, o Tribunal, reformando a sentença que julgara improcedente a ação por violação de direitos autorais, decidiu condenar a arquiteta, na pessoa jurídica, ao pagamento de danos morais no valor de R$ 5.000,00, ponderando, dentre outros aspectos, o caráter didático da penalidade e a remoção do conteúdo antes da intervenção judicial. Este dano nem precisou ser comprovado, decorrendo do só fato da violação do direito. Ainda determinou a obrigação de creditamento da autoria de ambas as empresas em novas divulgações da obra. Cabe recurso aos Tribunais Superiores.
notas
1
Ap. 1011970-42.2015.8 26.0361 da Comarca de Mogi das Cruzes
2
TJ-SP. Apelação : APL 10119704220158260361 SP 1011970-42.2015.8.26.0361 – Inteiro Teor. São Paulo, Tribunal de Justiça de São Paulo, 12 fev. 2019. As demais citações da sentença são deste documento.
3
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito autoral. 2ª edição. Rio de Janeiro, Renovar, 1997, p. 90.
sobre o autor
José Roberto Fernandes Castilho é professor de Direito Urbanístico e de Direito da Arquitetura na FCT/Unesp.