As manhãs de domingo, no interior paulista, têm cheiro de frango assado. A modorra matinal vai cedendo à busca do melhor frango nas máquinas expostas nas calçadas. Mercearias, pequenos mercados, padarias, restaurantes a quilo expõem as almejadas aves aos transeuntes que querem complementar a refeição dominical com um belo assado.
Rotativas de água na boca. O cheiro deixa os pequenos centros das pequenas cidades do interior paulista com ar de fome. Pode-se guiar pelo belo odor de assado que circunda a igreja na praça central. O odor tenta.
Enquanto a igreja ainda está plena, os botecos, as padarias, os “supermercados” têm os seus fiéis frequentadores tomando cerveja e algumas doses da pinga, sentados em cadeiras de plástico, acompanhando o torpor da pequena cidade, enquanto a missa não acaba, com seus típicos chapelões de palha.
Os frangos assando chamam os fiéis da igreja, dos botecos nas manhãs sonolentas de domingo. Nada mais paulista. Logo após os cultos (a Deus ou a Baco), as ruas ganham movimento: é a busca do santo frango, o mais perfeito, o mais tenro, o mais assado nas manhãs de domingo das pequenas cidades.
Não deixa de ser amável, não deixa de ser reconfortante que senhoras com roupas de ginástica, com roupas de vestir em casa, com roupas de ir à missa transitem pelas calçadas com seus fiéis bebedores de cerveja. Elas querem escolher o melhor, o maior, o rememorável frango assado, pelo menos, daquele domingo (no próximo, será outro, maior, melhor, mais rememorável).
As máquinas de frango em funcionamento dão a certeza de que a rotina não será quebrada, de que o mundo tem uma ordem, de que tudo volta ao seu lugar depois da semana de labuta. É o frango assado que recompõe o mundo nas pequenas cidades do interior paulista. Por isso, é reconfortante o cheiro do assado. É aprazível ver as máquinas nas calçadas ao lado de restaurantes improváveis, mas que se travestem nessas manhãs.
Nos domingos de manhã, as senhoras escolhem o “seu” frango, aquele que fará o seu orgulho luzir pelos elogios após a refeição. Que reconforto. O mundo está ordenado. Missa ou culto, cerveja ou frango circulam em torno das praças centrais ciosamente cuidadas das pequenas cidades do interior paulista. Palanques cotidianos, dos quais, prefeitos, que tentam demonstrar o seu “zelo” pelo público, cultivam com canteiros, bancos, postes de iluminação de gosto duvidoso e a indefectível marca da administração “Prefeitura Municipal trabalhando”.
Pode-se saltar de cidade em cidade pelas estradas vicinais com suas paisagens de cana-de-açúcar ou pasto ou uma mata ou somente mato descuidado. É quase invariável. Predomina a cana, predomina o pasto. E sempre deve-se ter atenção a chacareiros ou trabalhadores rurais com seus automóveis (?) em péssimo estado, ora cruzando a via sem atenção, ora ultrapassando outro carro pior. O chapéu de grandes abas feito de palha é o sinal mais visível do estilo do motorista.
Vão para a cidade, para a praça central: a cerveja é tomada na calçada com vagar, afinal é manhã de domingo e o cheiro do assado indica que o mundo está seguindo a sua ordem natural: a repetição do ciclo semanal: tempo morto, já que é cíclico: os domingos retornam como lei do universo: os frangos retornam como lei do mundo ordenado. Todos sabem disso: o mundo é o mesmo, reconhecível, pois não muda, não se altera, só gira eternamente no seu próprio eixo – frangos também. A ordem é reconstituída nos domingos de manhã. Até os cachorros sabem disso e se estiram preguiçosamente pelas calçadas, sonhando com o frango e na expectativa de que alguém lhes atire um pedaço de carne ou lhe dê um afago. Demonstram alguma alegria balançando sem esforço a cauda quando lhes falam em tatibitate.
É domingo de manhã e o cheiro do assado se espalha pela cidade, pelas cidades, pelas paisagens invariáveis. Porém, porém, depois da refeição, depois do melhor, do maior, do mais tenro frango assado, o tempo entra numa espécie de melancolia, o mundo recomposto se acaba nos domingos à tarde. Os programas televisivos, ao anoitecer, já mostram que o mundo irá recuperar a sua turbulência, a avidez da vida está prestes a chamar. O ciclo se fecha, o caos retorna. O universo só ganhará ordem novamente no domingo seguinte, quando as máquinas de assar estiverem nas calçadas e os tipos mais variados, com seus grandes chapéus de palha, estiverem bebericando em cadeiras de plástico que estampam marcas de cervejas, nos botecos preguiçosos das pequenas cidades do interior paulista e, então, senhoras ávidas sairão na busca do “Santo Assado”. É o eterno retorno do frango assado.
sobre o autor
André Luiz Joanilho, doutor em História, é professor aposentado do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina – UEL.