O conceito de “ato falho” foi criado pelo fundador da psicanálise, Sigmund Freud no livro Psicopatologia da vida cotidiana, escrito em 1901. Ele se referia aos momentos em que o inconsciente “dribla” a autocensura consciente e expressa, por palavras ou gestos, seus desejos profundos.
Embora incorporada ao vocabulário cotidiano, não é frequente ver a expressão na boca de altos dignitários.
A viagem do atual presidente aos Estados Unidos provocou muita polêmica. Um dos poucos consensos foi que a declaração de que os imigrantes ilegais brasileiros “não têm boas intenções” e envergonham o país, foi um enorme tiro no pé.
Diante da reação decepcionada e furiosa das entidades de defesa da colônia brasileira, que votou maciçamente em Bolsonaro, o presidente usou as redes sociais para pedir desculpas e dizer que “foi um ato falho”.
É razoável supor que o presidente não seja um conhecedor das teorias de Freud, apesar de muitos acharem que tanto suas obsessões com a sexualidade alheia como seus vínculos familiares são melhor compreendidos à luz das teorias do pensador austríaco.
Senão ele saberia que usar a expressão “ato falho” para pedir desculpas é outro ato falho. Em lugar de dizer simplesmente que errou, ele reconheceu, freudianamente, que não deveria ter dito, mas é o que verdadeiramente sente.
Águas passadas dirão seus simpatizantes, com certa razão porque neste governo, uma semana atrás já é longínquo passado.
Mas agora a bola (ou bala?) veio para os pés do ministro da Casa Civil que, na visita ao Chile elogiou o ditador Pinochet que, para implantar a reforma da previdência em seu país, “lavou as ruas de Santiago num banho de sangue”.
O ato falho consiste em substituir a palavra “manchou” pela palavra “lavou”, isto é, eliminou a sujeira.
Cabe perguntar se isso expressaria a convicção íntima de Lorenzoni de que, para implantar a mal chamada reforma na previdência, valeria a pena “lavar” as ruas das nossas cidades num “banho de sangue?
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – IAU USP São Carlos, e acredita que manchar é o contrário de lavar.