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drops ISSN 2175-6716

abstracts

português
Carlos A. Ferreira Martins, professor do IAU USP, comenta os atos falhos presentes na fala do presidente brasileiro e de um dos seus principais ministros.

how to quote

MARTINS, Carlos A. Ferreira. Atos, falhas e atos falhos. Falam também em sangue aqueles que só pensam em sexo. Drops, São Paulo, ano 19, n. 138.04, Vitruvius, mar. 2019 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/19.138/7303>.


René Magritte, “A traição das imagens” (“La trahison des images”), 1929
Foto divulgação [Los Angeles County Museum of Art]


O conceito de “ato falho” foi criado pelo fundador da psicanálise, Sigmund Freud no livro Psicopatologia da vida cotidiana, escrito em 1901.  Ele se referia aos momentos em que o inconsciente “dribla” a autocensura consciente e expressa, por palavras ou gestos, seus desejos profundos.

Embora incorporada ao vocabulário cotidiano, não é frequente ver a expressão na boca de altos dignitários.

A viagem do atual presidente aos Estados Unidos provocou muita polêmica. Um dos poucos consensos foi que a declaração de que os imigrantes ilegais brasileiros “não têm boas intenções” e envergonham o país, foi um enorme tiro no pé.

Diante da reação decepcionada e furiosa das entidades de defesa da colônia brasileira, que votou maciçamente em Bolsonaro, o presidente usou as redes sociais para pedir desculpas e dizer que “foi um ato falho”.

É razoável supor que o presidente não seja um conhecedor das teorias de Freud, apesar de muitos acharem que tanto suas obsessões com a sexualidade alheia como seus vínculos familiares são melhor compreendidos à luz das teorias do pensador austríaco.

Senão ele saberia que usar a expressão “ato falho” para pedir desculpas é outro ato falho.  Em lugar de dizer simplesmente que errou, ele reconheceu, freudianamente, que não deveria ter dito, mas é o que verdadeiramente sente.

Águas passadas dirão seus simpatizantes, com certa razão porque neste governo, uma semana atrás já é longínquo passado.

Mas agora a bola (ou bala?) veio para os pés do ministro da Casa Civil que, na visita ao Chile elogiou o ditador Pinochet que, para implantar a reforma da previdência em seu país, “lavou as ruas de Santiago num banho de sangue”.

O ato falho consiste em substituir a palavra “manchou” pela palavra “lavou”, isto é, eliminou a sujeira.

Cabe perguntar se isso expressaria a convicção íntima de Lorenzoni de que, para implantar a mal chamada reforma na previdência, valeria a pena “lavar” as ruas das nossas cidades num “banho de sangue?

sobre o autor

Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – IAU USP São Carlos, e acredita que manchar é o contrário de lavar.

 

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