Atribui-se a Pedro Aleixo, vice-presidente do Marechal Costa e Silva, ter afirmado, em 13 de dezembro de 1968, no ato da assinatura do AI5, que inauguraria o período mais brutal da ditadura civil militar, que “o problema deste ato não é o senhor e os que governam o país, mas o guarda da esquina”.
O fato de seguirmos repetindo essa afirmação mostra o quanto somos reféns – às vezes involuntários – de uma visão elitista e demófoba. Demofobia, diz o dicionário, é horror a povo. Aquele que, segundo outro general, cheirava pior que os cavalos.
Meio século atrás, essa visão preservava os generais, a priori, da culpa pelas atrocidades que seriam cometidas nos anos seguintes. Era uma forma de dizer que a responsabilidade não é do rico ou poderoso que ordena e estimula, mas do pobre que segue as ordens ou o exemplo.
O clamor internacional contra a impunidade da execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, obrigou a polícia a chegar até os autores do crime. Mas a demanda pela identificação do mandante do crime já arrefeceu.
A morte de inocentes em tiroteios, execuções sumárias ou balas perdidas se transformou numa rotina que é preciso alguma excepcionalidade para romper.
Nesta semana a excepcionalidade veio do número de tiros (oitenta!) com que uma patrulha do exército executou um trabalhador modesto e preto no carro em que passeava com sua mulher e filho.
O presidente demorou seis dias para manifestar uma vaga solidariedade à família. Mas se apressou a dizer que não foi o Exército. O ministro da “justiça” disse que incidentes acontecem. Os comandantes dizem que o episódio será apurado e, se houver culpados, eles serão punidos.
Não é preciso ser vidente para saber que, se alguém for punido, será o pobre que cumpriu ordens ou seguiu o exemplo e não os estimuladores da violência desenfreada.
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP São Carlos.