O Julio Artigas, meu primo, foi um personagem marcante da minha infância; seu jeito espalhafatoso e histriônico causava no menino que fui um misto de admiração e receio. Lembro-me nitidamente de sua voz alta, bem postada e de seus braços sempre em movimento. Suas risadas firmes faziam-me sorrir. Boas risadas. Bons sorrisos.
Ele, a cada vez que me via, invariavelmente brincava com meu tamanho: “Elisinha (minha mãe), esse moleque vai ficar do tamanho de uma girafa!” O tempo passou. O tempo não cansa de passar. Bons tempos.
Julio era nosso vizinho no bairro do Campo Belo, em Sampa. Nos víamos menos, mas por morarmos praticamente no mesmo quarteirão, os encontros casuais eram frequentes; um “oi” rápido, uma buzinada de carro. Bons encontros.
Ainda que nos consideremos donos de nossos destinos, é a vida e não nossas vontades que nos carrega para lá e para cá. Assim mudei-me para Minas Gerais. A minha Sampa foi, paulatinamente, cristalizando-se em lembranças. Julio também. Boas lembranças.
Sempre que passo na frente da casa do Vilanova Artigas lembro-me do Julio; quase que o vejo, de relance, com a cabeleira branca, de calça jeans surrada e camisa com as mangas puxadas, abrindo o portão de ferro.
Recentemente recebemos aqui em casa um presente: o lindo livro de contos (ou crônicas?) da Rosa Artigas, irmã do Julio, contos (ou crônicas?), sobre sua mãe, Virgínia Artigas, mas que, como não poderia deixar de ser, inclui outros personagens. Como minha mãe. Como o Julio. Bons contos (ou crônicas?). Bons personagens.
Seguramente inspirada na iniciativa da Rosinha, nesse final de semana mesmo minha mãe contava à Pitu histórias de família, histórias com saber e sabor de avó, histórias com e de crianças que ainda subiam em árvores, que ainda brincavam sem computadores, que ainda sujavam os pés de lama e que ainda comiam frutas do pé. Histórias são os contos (ou crônicas?), que ainda ninguém escreveu com tinta, moram desenhadas em nossos pensamentos. Uma das crianças dessas histórias é o Julio. Boas crianças. Boas histórias, que renderiam outros bons contos. Ou crônicas.
Julio decidiu nessa madrugada viver tão somente em nossas memórias e nas reminiscências da família. Que não são poucas. Boas memórias. Boas reminiscências.
Obrigado, Julio. Você permanece parte indelével de todos nós. Inclusive da Clarinha, minha filha de oito anos que só te conheceu através das pontes das histórias, dos contos e das crônicas familiares, porque a eternidade, em particular essa eternidade de família ateia e comunista, teima em habitar as recordações próximas, que viajam pelas gerações sem medo qualquer do tempo.
(Na foto o Julio menino que conheci nas memórias de minha mãe e nos contos – ou crônicas? – da Rosa, junto de seu pai, Vilanova Artigas).
sobre o autor
Alexandre de Oliveira Périgo é engenheiro, consultor de gestão empresarial e fotógrafo.