Há momentos em que tudo fica claro.
Nas tragédias gregas é o instante em que o destino do herói se revela. E como o destino é mais forte que os deuses, aí a plateia antevê o desenrolar do futuro, tanto do herói como do coro, que representa os cidadãos.
Também é quando se descobre que os deuses não se movem por justiça, mas por humanas paixões: ódio, vingança, desejo, ganância, rivalidades.
Na paródia de democracia que vivemos, o julgamento em segunda instância do “caso do sítio” do ex-presidente Lula é um desses momentos reveladores.
Após o Supremo suspender a prisão após a segunda instância, o TRF4, segunda instância da justiça federal do sul do país, saltou correndo 1084 processos para julgar aquele em que a juíza Carolina Hardt, substituta de Moro, havia condenado Lula a 12 anos de prisão pelo caso de Atibaia.
O Supremo também havia determinado, em outro julgamento, que processos em que o acusado não teve a última palavra antes da sentença deveriam ser anulados. O TRF4 ignorou essa orientação, em clara provocação.
Poucos dias antes o mesmo TRF4 havia anulado uma sentença da mesma juíza porque ela havia reproduzido partes inteiras da argumentação do Ministério público sem colocar aspas.
Contra Lula, a juíza ter copiado partes inteiras da sentença anterior de Moro foi considerado normal. Até o fato dela copiar “apartamento” em lugar de “sítio” foi irrelevante. No dia a dia de quem mexe com computadores isso se chama corta e cola. Na academia, se chama plágio. Na justiça, pré-julgamento.
Mas o interessante foi o aumento da pena para exatos dezessete anos, um mês e 10 dias. De onde viria tal precisão científica?
A pena é de 6.250 dias. Um sexto (tempo para passar ao regime aberto) são 1.041 dias. Se o leitor somar esse número à data da condenação (27 de novembro de 2019) descobrirá que o ex-presidente poderá sair da cadeia em 3 de outubro de 2022. Ou seja, exatamente um dia após a eleição presidencial de 2022, se ela vier a ocorrer.
Lula acaba de descobrir que os deuses determinaram seu destino – e o nosso. Ele será condenado, não importa como ou quando.
Para que seja possível terminar de vender o Brasil, “até o palácio presidencial” como disse o Posto Ipiranga, aquele que nos ameaçou com o AI5 caso tentemos resistir.
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do IAU USP São Carlos, viveu o primeiro AI-5 e lembra que durou 16 anos.