Há duas semanas o Brasil tinha 15 mil mortes pelo Covid. Hoje são 30 mil e é provável que o número anterior tenha tido mais impacto emocional do que o atual.
Esse é um dos efeitos mais interessantes – e perigosos – do comportamento humano. Em princípio é um mecanismo de autodefesa, que funciona tanto em nível individual e fisiológico quanto no âmbito social e mental. Quando um excesso de informação, visual, sonora, olfativa, ameaça nossos sentidos eles se defendem reduzindo sua sensibilidade.
Vivemos isso no cotidiano. O ruído de um aeroporto é insuportável quando nos aproximamos, mas nosso ouvido vai se “acostumando”. Ao entrar em um ambiente muito iluminado ficamos ofuscados, mas logo nossos olhos logo regulam a quantidade de luz e voltamos a enxergar.
Essas são defesas fisiológicas e essencialmente involuntárias. Mas há autores que, mais de um século atrás, intuíram que nossa mente funciona de uma maneira parecida. Diante do risco de que um excesso de informações “estresse” nosso cérebro, encontramos mecanismos de rebaixá-las. Ficamos entorpecidos e desatentos até que algo, que pode ser uma memória, uma coisa menor, mas inesperada, provoque um “choque”. E obrigue a parar e pensar.
No mundo inteiro já são 350 mil mortos e nos Estados Unidos a “gripezinha” dos Trump e Bolsonaro já matou mais pessoas – sim, são pessoas e não apenas números – que as guerras da Coréia, do Vietnã e do Iraque somadas.
Aqui alcançamos o patamar de mil mortes por dia e isto já parece “naturalizado”, quer dizer, não provoca mais comoção. Poderíamos lembrar que isso é equivalente a um incêndio da boate Kiss (242 mortos em 2013) mais um desastre de Brumadinho (259 mortos em 2019) e mais duas quedas de avião da TAM (199 mortos em 2007). Por dia! Todos os dias!
Já está claro que a trupe do genocida quer aproveitar a “fixação da imprensa” na pandemia para “passar a boiada” das motosserras e vender “a porra toda”. Que a turma do posto Ipiranga acha até bom que morram idosos porque isso alivia as contas da Previdência.
Mas, seu Salles, tinha também que aproveitar para acabar com o Projeto Tamar? É certo que as tartarugas são longevas, mas ajudar a extingui-las vai melhorar as contas públicas?
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é professor titular do IAU USP São Carlos.