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O arquiteto Luiz Carlos Toledo, com doutorado em arquitetura hospitalar, comenta as necessárias mudanças dos hospitais após a pandemia de coronavírus em curso.

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TOLEDO, Luiz Carlos. Arquitetura hospitalar. Ideias para combater a Covid-19 e as ameaças futuras. Drops, São Paulo, ano 20, n. 153.06, Vitruvius, jun. 2020 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/20.153/7793>.


Hospital Sarah, Salvador. Arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé
Foto Nelson Kon


Ao iniciar este artigo presto uma singela homenagem às famílias que perderam entes queridos durante a pandemia, aos brasileiros invisíveis aos olhos do Estado, às equipes de saúde que diariamente arriscam a vida nos hospitais, ao SUS, o nosso inquebrantável Sistema Único de Saúde, e à Fiocruz, por apontar os melhores caminhos para enfrentar a Covid-19.

A arquitetura hospitalar não será mais a mesma após o combate a Covid-19, e é bom que não seja, do contrário permaneceremos despreparados para enfrentar a atual pandemia e aos futuros ataques à nossa sobrevivência que certamente virão enquanto a humanidade não tomar juízo e deixar de tratar tão mal nosso planeta.

Com o anúncio de novas manifestações da Covid-19 em países que julgavam ter se livrado da epidemia, torna-se imprescindível que comecemos a repensar nossa rede pública de atenção à saúde, estabelecendo estratégias para adequá-la ao enfrentamento da atual pandemia e ao aparecimento de doenças desconhecidas, em nível epidêmico.

É preciso que a experiência adquirida pelas equipes da saúde que estão na linha de frente do combate a Covid-19 seja transmitida à profissionais de outros campos de atuação, entre eles, os arquitetos que atuam no projeto e na construção dos Estabelecimentos de Assistência à Saúde.

O planejamento, a programação e o projeto desses estabelecimentos são regulados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, através da Resolução-RDC n. 50 de 21 de fevereiro de 2002. Desde sua criação a resolução sofreu várias atualizações, com a chegada da Covid-19, pressinto que passará pela maior de todas, podendo-se prever, desde já, mudanças no percentual de leitos de UTI, a diminuição do número de leitos por enfermaria, o aumento do espaçamento entre leitos, e a criação de internações individuais, como foi feito pela Fiocruz no hospital que construiu para o combate a Covid-19. Também pode ser previsto o aumento do número de ambientes dotados de sistemas especiais de condicionamento e exaustão do ar e, até mesmo, o retorno de algumas barreiras físicas descartadas nos últimos anos.

É imprescindível que se comece a pensar e planejar a implantação estas mudanças, se isso tivesse sido feito quando o vírus surgiu na China, ou quando chegou ao Ocidente, vários erros no enfrentamento da Covid-19 poderiam ter sido evitados. Neste artigo me detenho em dois deles: a localização equivocada dos hospitais de campanha e a arquitetura efêmera adotada para construí-los.

O equívoco na localização dos hospitais de campanha

Localizar esses hospitais em estádios de futebol e em centros de convenções, como foi feito no Rio e em São Paulo, foi um grande equívoco, haja visto que a retomada das atividades esportivas e do turismo de negócios estaria comprometida pela ocupação desses espaços pelos hospitais de campanha. Além disso, a infraestrutura disponível nesses equipamentos atende apenas parcialmente às necessidades da infraestrutura hospitalar. Com efeito, os hospitais de campanha poderão contar apenas com o fornecimento de energia e água potável, nem mesmo os sistemas de condicionamento de ar e tratamento de esgotos, quando disponíveis, servem para o uso hospitalar, que exige sistemas especiais para funcionar.

O equívoco de adoção de uma arquitetura efêmera

O combate a pandemia já nos ensinou que os hospitais de campanha terão que funcionar por um longo tempo, razão pela qual a adoção de uma arquitetura efêmera para construí-los foi mais um tiro no pé!

A Fiocruz, como sempre, deu um banho de gestão e tecnologia, ao projetar e construir, em apenas dois meses, um hospital permanente, integrado ao SUS, com 195 leitos de tratamento intensivo e semi-intensivo, servidos por um sistema de exaustão e filtragem do ar para diminuir o risco da transmissão da Covid-19 no próprio ambiente hospitalar, protegendo as equipes de saúde e os pacientes de maior exposição ao vírus.

Ideias para o combate à Covid-19 e às ameaças futuras

Quando vejo a quantidade de despautérios que estão sendo cometidos no combate à pandemia sou tomado por medo e raiva. Esses sentimentos e a vontade de entrar na guerra contra o vírus, além de guardar o distanciamento social, me estimularam a apresentar algumas ideias para a adequação dos hospitais que estão sendo construídos para o combate à Covid-19, vamos a elas.

A meu juízo os hospitais de campanha, sempre que possível, deverão ser localizados junto a unidades que já integram a rede hospitalar, para que possam se beneficiar com os recursos humanos, serviços, equipamentos e infraestrutura destas unidades, redimensionadas e adequadas às novas funções.

O compartilhamento dos apoios logístico, técnico, diagnóstico, administrativo e ensino e pesquisa disponíveis na unidade integrante da rede com o hospital de campanha ampliaria a resolutividade do tratamento da Covid-19, pela sinergia entre as equipes dos dois hospitais, pelo acesso aos equipamentos de diagnóstico, e à infraestrutura implantada. Desta maneira o dinheiro público que seria empregado na duplicação desnecessária de equipamentos caríssimos, como os tomógrafos e aparelhos de Raio X, e os gastos necessários para desmontar os hospitais de campanha, poderia ser investido na melhoria da rede de saúde.

Os hospitais de campanha funcionariam, no futuro, como estruturas permanentes de grande flexibilidade, capazes de assumir diversas funções na rede de atenção à saúde. Poderiam ser construídos sobre lajes que cobririam as áreas de estacionamento, obra de fácil execução que poderia ser realizada sem grandes interferências no funcionamento do hospital existente. Para facilitar futuras modificações no programa dessas unidades, após o controle da pandemia, as lajes deverão ser projetadas numa altura de no mínimo 4,5 m em relação ao piso do estacionamento, permitindo que boa parte das obras de reforma possa ser feita sob a laje, reduzindo os impactos na operação do hospital.

Estou seguro que, mais do que nunca, será necessário revisitar a obra de João Filgueiras Lima, principalmente os hospitais da Rede Sarah, onde Lelé desenvolveu métodos construtivos que garantiram grande flexibilidade e economia nas modificações, por vezes radicais, nos ambientes hospitalares. Com o uso de ventilação e iluminação natural e a paisagem que parece penetrar no interior dos hospitais da Rede, para se reunir aos jardins internos, Lelé nos deu uma pista de como deveriam ser os hospitais do futuro.

Para desenvolver e aplicar essas ideias, transforma-las em projetos e, principalmente, vê-las realizadas será necessário, além de muita vontade política, continuidade administrativa e capacidade de gestão, reunir as melhores cabeças para pensar como será a arquitetura hospitalar após a pandemia e, salvo engano, boa parte dessas cabeças neste momento se encontra na Fiocruz.

sobre o autor

Luiz Carlos Toledo, arquiteto, mestre e doutor pelo Proarq UFRJ, diretor da Mayerhofer & Toledo Arquitetura, autor do Plano Diretor Sócio-Espacial da Rocinha (2006) e diretor da Casa de Estudos Urbanos. Recebeu do IAB-RJ o título de Arquiteto do Ano em 2009.

 

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