Uma das marcas mais fortes do governo Bolsonaro, desde seu início, é o desprezo e o ataque à cultura, à ciência, ao conhecimento em geral e às universidades públicas em particular.
Basta lembrar que já em 15 de maio do ano passado, as ruas do Brasil foram tomadas por estudantes, universitários e secundaristas, professores, pais e cidadãos para lembrar que a ciência é fundamental e que nenhum país que o ignore terá papel relevante no mundo contemporâneo.
Depois de um ministro da educação que mal sabia falar português, veio outro que insistia em agredir a ortografia, mas era pródigo em criticar as universidades como antros de balburdia, sexo ao ar livre e plantações de maconha.
Muitos analistas insistiram nos paralelos com os regimes autoritários, com a frase de um potentado nazista a respeito de cultura e revólver ou com o famoso “viva la muerte” do fascismo espanhol.
Mas esses paralelos não explicam por que os que tanto atacam as universidades insistem em afirmar títulos acadêmicos que não tem, falsificando seus currículos ou mentindo em suas declarações públicas.
Damares inventou um mestrado inexistente; Salles mentiu sobre o seu em Yale; Ricardo Vélez, o primeiro ministro da educação, teve 22 mentiras identificadas em seu currículo e Weintraub enganava as revistas em que publicava seus artigos falsamente originais.
A indicação de Carlos Decotelli, depois de Weintraub fugir com passaporte falso para os Estados Unidos, pareceu uma novidade na área. Afinal o novo ministro, militar aposentado, teria uma sólida carreira acadêmica, com graduação, mestrado, doutorado na Argentina e pós-doutorado na Alemanha.
A ilusão durou dois dias. O Reitor da Universidade de Rosário, Argentina, sentiu-se obrigado a esclarecer que não, o “Doutor” Decotelli não tem o título daquela Universidade, ao contrário do que dizia o seu currículo Lattes e o anúncio de sua nomeação.
O governo se apressou a mostrar um certificado de que Decotelli havia, sim, cursado as disciplinas do doutorado. E a Reitoria se viu obrigada a esclarecer que isso era verdade, mas que a tese, afinal, foi reprovada.
É como se um de nós fizer o curso da autoescola, for reprovado no exame e tentar convencer a polícia rodoviária de que está, sim, habilitado a dirigir.
Se o desprezo às universidades e aos seus procedimentos é verdadeiro, por que então alegar títulos imaginários? Desconfio que este seja um tema mais adequado para psicanalistas do que para cientistas sociais.
PS – Depois que este texto foi enviado para a publicação, saiu a notícia de que a FGV identificou plágio na dissertação do senhor em questão. Já não sei se a questão é para psicanalista ou é o velho e simples caso de polícia.
nota
NE – Publicação original: MARTINS, Carlos A. Ferreira. Freud explica? Jornal Primeira Página, São Carlos, 28 jun. 2020.
sobre o autor
Carlos A. Ferreira Martins é Professor Titular do IAU USP São Carlos.