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drops ISSN 2175-6716

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Nadia Somekh, presidente do CAU-BR, comenta sugestão de reforma dos palácios dos três poderes no Brasil.

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SOMEKH, Nadia. Os edifícios de Brasília refletem o nosso projeto de país. Drops, São Paulo, ano 23, n. 184.05, Vitruvius, jan. 2023 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/drops/23.184/8693>.



Dizem que toda crise traz oportunidades. No caso dos ataques à democracia e às sedes dos três poderes, nossa oportunidade é sensibilizar a sociedade sobre a importância da Arquitetura e do Urbanismo para um projeto de país. Mais do que a depredação material, os ataques de 8 de janeiro tinham como objetivos destruir símbolos da nossa democracia, da nossa cultura e da nossa excelência técnica, representados pelos prédios de Oscar Niemeyer.

Infelizmente, esses símbolos foram mais uma vez atacados em um artigo de opinião publicado aqui no Estadão, pelo economista Roberto Macedo – “Os vulneráveis edifícios envidraçados de Brasília, de 19 de janeiro de 2023 (1). Confessando seu desconhecimento total sobre o tema, e embasado em uma única citação pinçada de um livro sobre educação, ele promove uma confusão de conceitos sobre a função da Arquitetura e propõe soluções medievais para as reformas que estão sendo feitas na Praça dos Três Poderes.

Ignora, por exemplo, que Brasília é Patrimônio Mundial da Humanidade, tombado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) – justamente com o intuito de preservar suas características originais para apreciação das gerações futuras. É um reconhecimento oficial do valor daquela obra para a compreensão da história e da identidade de uma nação e, como no caso de Brasília, de toda a humanidade.

O autor do artigo sugere, entre outras barbaridades, substituir as fachadas de vidro “por paredes de alvenaria e as portas por outras de ferro ou madeira grossa para dificultar o ingresso de indesejáveis”. Surpreende que não tenha aconselhado também a escavação de um fosso com jacarés em volta do Palácio do Planalto. Na sua concepção, os monumentos da nossa República servem apenas para hospedar “poderosos privilegiados”: políticos, juízes e “seus” funcionários.

Na verdade, essas edificações de concreto e aço – nascidas da mente de um gênio, Oscar Niemeyer – simbolizam e celebram a democracia, a criatividade brasileira e a autodeterminação dos povos. São casas (e funcionários) de todos os cidadãos, não de poderosos de ocasião. Presidentes, parlamentares, juízes vêm e vão. O que fica é a soberania popular, também representada pelas leis e pelo voto.

Quando Lúcio Costa fez o projeto do Plano Piloto, sua preocupação não era afastar a população da Esplanada dos Ministérios. Pelo contrário, o espaço é definido como um “extenso gramado destinado a pedestres, a paradas e a desfiles”. A própria construção de Brasília, ao contrário da crença popular, “trata-se de um ato deliberado de posse, de um gesto de sentido ainda desbravador”.

Nós, arquitetos e urbanistas, estamos buscando cada vez mais espaços para mostrar à população como a nossa profissão pode contribuir com a qualidade de vida das nossas cidades, muitas vezes separadas pelos muros invisíveis da desigualdade social. A devastadora banalidade do texto do senhor Roberto Macedo, infelizmente, remete à desconsideração com a Arquitetura e o Urbanismo no Brasil, onde 82% das obras são feitas sem o auxílio técnico de arquitetos e engenheiros.

Não podemos jamais desconsiderar a dimensão civilizatória da Arquitetura e do Urbanismo. Da mesma forma que Brasília e suas obras de arte simbolizam a nossa democracia, cada edificação de cada cidade brasileira representa pedaços de nossa cultura, nossos valores, nossas ambições enquanto sociedade. De nossa parte, nós arquitetos e urbanistas queremos participar de um projeto de país que valorize a inclusão, a cultura, a sustentabilidade, o conforto e – principalmente – a dignidade.

Na década de 1960, quando Brasília foi construída, nosso projeto para o Brasil focava na modernidade e no desenvolvimento. Era a “Capital da Esperança”. São esses valores que foram vilipendiados em sua forma arquitetônica e continuam sob ataque. Neste século 21, precisamos construir um novo projeto de país. Com uma Arquitetura e Urbanismo que nos represente e nos inspire a voos cada vez mais altos.

Qual projeto vamos construir após a depredação?

nota

1
MACEDO, Roberto. Os vulneráveis edifícios envidraçados de Brasília. Estadão, São Paulo, 19 jan. 2023 <https://bit.ly/3D3HlN1>.

sobre o autor

Nadia Somekh, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil e professora emérita da Universidade Mackenzie. Com apoio das entidades nacionais de arquitetos e urbanistas (IAB, FNA, AsBEA, ABEA, ABAP e FeNEA).

 

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184.05 arquitetura simbólica
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