Li, estarrecido, as sugestões do economista Roberto Macedo sobre a “vulnerabilidade dos edifícios envidraçados de Brasília”, em artigo publicado no Estadão (1).
Interessante examinar as referências de “segurança” do articulista em dois exemplos: o Palácio de Buckingham e a Casa Branca. O primeiro, construído no início do século 18, é a residência oficial da realeza britânica. A crônica do Palácio registra que em 1982 a Rainha Elizabeth II, em seu quarto, despertou tendo a sua frente um pintor desempregado, que entrou pulando o muro.
A Casa Branca foi construída no final do século 18 para sede do governo, e é precisamente contemporânea ao Capitólio de Washington. Será que “as paredes grossas e grandes e fortes portões” deste edifício, sugeridos pelo economista como solução de invulnerabilidade, impediram o triste episódio de 6 de janeiro de 2021?
Como é possível derrubar inexpugnáveis fortalezas? A mitologia nos ensina: não foram as poderosas muralhas de Troia que evitaram os gregos vencerem. Não parece ser questão de “paredes de alvenaria e as portas de ferro ou madeira grossa”. Trata-se de um pensamento mais elaborado.
O economista “viu pelo jornal” e conseguiu, quase como um arquiteto, imaginar as medidas de estruturas com vidro que, “se quebrado, permitem o ingresso de pessoas”. Também eu vi pelo jornal que os vândalos não precisaram quebrar essas estruturas: alguém facilitou, ou deixou entrá-los. Deu para reparar que os estilhaços estão bastante espalhados pelo lado externo do prédio. Isto é, vidros foram vandalizados de dentro para fora.
Felizmente o articulista é precavido ao opinar sobre os prédios e procura referências: “mas como avaliá-los não sendo eu um arquiteto? Orientei-me pela citação que encontrei de um arquiteto, Buckminster Fuller, americano, tido como de renome mundial”. Cautela desnecessária: Fuller não é “tido”, mas “é” um inventor extraordinário. E a partir das palavras de Fuller, questiona: 1) o desenho está de acordo com o objetivo do prédio? 2) É funcional? Lendo as propostas arquitetônicas de Macedo, elas me soaram mais convenientes para bunkers. Hoje, nem uma agência bancária ostenta a aparência de bunker. E muitas são cercadas de vidro. O aparato e a aparência de bunker não cabem para o que os três edifícios atacados devem simbolizar: a democracia.
Como arquitetos, podemos divergir sobre soluções arquitetônicas, como economistas divergem sobre temas de sua seara. Mas, definitivamente, arquitetura de bunkers não está de acordo com o objetivo e nem é funcional para compor a paisagem de uma cidade, sobretudo a capital do país. Isto sim, é “claramente errado”, usando as palavras do articulista. Chamamos essa síndrome defensiva de “arquitetura do medo”. Não é o medo que justificou o reconhecimento de Brasília e seus principais edifícios como Patrimônio da Humanidade pela Unesco.
Eu também creio nos quatro pontos (ao lado de tantos outros que lidamos como arquitetos) que Buckminster teria dito a um jovem arquiteto. Mas eu tenho quase a certeza que Fuller diria outra coisa para um economista sênior.
nota
1
MACEDO, Roberto. Os vulneráveis edifícios envidraçados de Brasília. Estadão, São Paulo, 19 jan. 2023 <https://bit.ly/3D3HlN1>.
sobre o autor
Hugo Segawa é arquiteto, professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.