Inquietações de um arquiteto
Beatriz de Abreu e Lima & Mônica Schramm
Dali relembra seu encontro com Le Corbusier: Le Corbusier perguntou ao Dali se ele tinha idéias sobre o futuro de sua arte. Dali respondeu que a arquitetura seria “mole e peluda“. [Racine, Michel. in Nos Jardins de Burle Marx, org. por Jacques Leenhardt, editora Perspectiva, São Paulo, 1994. Do original em francês Dans les jardins de Roberto Burle Marx]
O discurso sobre a forma (material) e da própria composição ainda parece permear todo o discurso do arquiteto. No entanto, os artistas, escritores, arquitetos e engenheiros têm se ocupado cada vez mais em encontrar formas de representação do invisível, do imaterial; outros têm trabalhado para operar as interfaces entre espaços virtuais e reais. A questão da forma e da composição de formas e volumes deixam de ser determinantes no processo de criação do arquiteto. As novas maneiras de viver, trabalhar, se relacionar e se divertir, produzir, consumir, requerem espaços de transição e indeterminação.
Arquitetos como o entrevistado Patrik Schumacher, atuam em um limbo, uma zona fronteiriça interessante, propondo soluções formais, materiais e ao mesmo tempo moldando o utópico; preocupados com a configuração de novas concepções de espaço, com o futuro e o cotidiano humano no século XXI.
O fato de Patrik Schumacher ser sócio da arquiteta iraquiana radicada em Londres, Zaha Hadid, não é o aspecto mais relevante de seu posicionamento plural. Às vezes seus polêmicos pensamentos político-filosóficos dão a impressão de eclipsar sua arquitetura. No entanto, são pensamentos intrincados e interdependentes…não é à toa que Patrik defende, com sua prática e ensino de arquitetura, os direitos de “brincar” e experimentar (1), adotando a corajosa posição de defender o não-visto, o ainda não experimentado, o aparentemente irracional.
Seu pensamento não é uma colagem ou composição de temas. Ele é mais mutante, insurgente, fronteiriço, inquieto e indeterminado, como sua arquitetura. É um pensamento escorregadio e não-simplista, cheio de territórios, margens e áreas, que se fundem sem barreiras disciplinares. É fruto do estado de transição em que se encontra a profissão de arquiteto e da desmitificação da “aura” do arquiteto ou indivíduo criativo.
Sua visão sobre a questão dos centros difusores e centros consumidores de cultura representa uma das abordagens de um assunto que há muito vem sendo encampado por aqueles que discutem uma identidade nacional para a arquitetura e, conseqüentemente, nos faz refletir sobre o papel a ser desempenhado para a arquitetura produzida no Brasil.
Contexto
Esta entrevista com o arquiteto Patrik Schumacher, juntamente com as entrevistas com o filósofo Andrew Benjamin e o engenheiro Charles Walker, disponíveis neste mesmo site, compõem (ou recompõem) um importante cenário. Estas pessoas têm em comum o fato de possuírem alguma ligação com a Architectural Association School of Architecture, a AA School de Londres (2) e mais especificamente com o seu Design Research Laboratory – DRL (Laboratório de Pesquisa em Projeto), cujas investigações digitais abordam temas relativos a arranjos e organizações espaciais e sociais emergentes.
As entrevistas foram feitas em Londres, em janeiro de 2000, pela ocasião do término de meus estudos de mestrado no DRL/AA. A idéia de realizá-las surgiu de forma intuitiva tentando reunir óticas diversas de uma realidade multifacetada. No entanto, as entrevistas apontam para a complementaridade dos pensamentos dos entrevistados e para a adequabilidade de seus discursos ao contexto europeu comunitário e globalizado.
Nota-se, também, o marcante caráter interdisciplinar e difuso da atuação profissional dos entrevistados.
O cenário delineado assume relevância por sua própria lógica e coerência, abrindo todo um campo de possibilidades para pensarmos simultaneamente sobre o contexto brasileiro.
notas
1
Em inglês “play” and experiment.
2
A Architectural Association School of Architecture, a AA School, ou simplesmente AA, é uma escola de arquitetura dirigida pela Architectural Association, entidade independente, fundada em 1847 em Londres, para promover o livre debate sobre arquitetura. É uma escola reconhecidamente engajada em discursos contemporâneos de arquitetura, constituindo um efervescente centro de debates.