Beatriz de Abreu e Lima: O senhor uma vez mencionou que Zaha Hadid visitou o Brasil e que ela considera Niemeyer um grande mestre. Ela se referia a um período progressista, no final dos anos 50, quando o Brasil produzia uma arquitetura de vanguarda muito ligada à tecnologia do concreto armado. Até que ponto o senhor acha que a produção de arquitetura de hoje está relacionada com tecnologias de construção? Ou o senhor diria que existe maior relação com as tecnologias de software?
Patrik Schumacher: Depende mais das tecnologias de software. De certo modo, ainda não houve uma outra revolução na construção civil da mesma grandeza da introdução do concreto armado, do aço e do vidro e que resultou na arquitetura moderna. Portanto, ainda estamos trabalhando com mais ou menos a mesma tecnologia que Niemeyer. Não aconteceu muito mais além disso. Existem experimentos modestos, muito recentes, com materiais novos, porém, na verdade, a maior parte do repertório do novo design não está relacionada com a tecnologia e sim com programas de modelagem. Sem essas ferramentas de modelagem, os designs mais sofisticados não poderiam ser produzidos com o mesmo nível de competência e precisão. Isso teve um impacto enorme nas morfologias dos recentes projetos arquitetônicos experimentais, porém, esse impacto não foi tão grande em termos de obras construídas, pois é muito difícil traduzir a sofisticação dos repertórios em obras construídas. No entanto, isso está acontecendo pelo menos no campo da construção de superfícies complexas e na utilização de sistemas de controle numérico para fabricação de painéis com modulações variáveis. Existem, por exemplo, superfícies complexas de vidro que são trianguladas, como uma maquete em 3D de CAD (Computer Aided Design – Desenho Assistido por Computador), ou ainda, tomando-se o experimento de Frank Gehry em Bilbao, onde grandes blocos de poliestireno foram esculpidos a partir de maquetes escaneadas para o computador gerando moldes para a fabricação de uma grande variedade de painéis pré-fabricados de concreto. Portanto, existem certos mecanismos de produção controlada por computador que são introduzidos, em um nível bastante experimental, e mudam as possibilidades de projeto também. (...) Greg Lynn está trabalhando nisso e Gehry também.
BAL: Em uma palestra proferida por Zaha Hadid, ela mencionou que sua arquitetura tem origem nas investigações que realizou em termos de desenho, desenhos que geram espacialidades. Na mesma palestra ela mostrou as últimas pesquisas do escritório em espaços gerados com o auxílio do computador. Como está sendo usado o computador no escritório?
PS: Bem, eu acho que essa questão é paralela à pesquisa feita pelo DRL. Por um lado, é claro que usamos animações para visualizações internas e externas (walk-through, fly-through), porque tornam o fluxo espacial geral muito mais claro e pode-se então ter mais certeza do resultado e conhecer a fenomenologia resultante. Embora isso também pudesse ser feito antes por meio de desenhos à mão, havia sempre um pouco de incerteza sobre o fato de se estar inventando demais ou se o resultado seria realmente como o desenho. Os projetos nos quais eu trabalhei e que foram construídos, confirmaram de maneira surpreendente que é possível antecipar os espaços por meio de desenhos 3D feitos à mão. Só que hoje em dia, os computadores fazem a mesma coisa mais rápido e com mais precisão.
BAL: Então, as técnicas para projetar com o computador chegam tarde no processo de criação, digamos, apenas como representação do que já foi criado...
PS: Exatamente. Não se pode descartar isso, mas esta é uma maneira diferente de se desenvolver uma arquitetura. Eu ainda projeto por meio de plantas baixas e percebo a limitação disso, e paralelamente desenvolvo todos os elementos tridimensionais, mas é diferente, eu projeto com volumes e jogo planos no espaço. Começo a partir de uma projeção no plano e isso sempre regula e limita a liberdade com a qual eu sou capaz de pensar o espaço. Os trabalhos iniciais de Zaha, com suas pinturas, eram em grande parte analógicos e ainda era necessário projetar com maquetes ou plantas. As pinturas de Zaha permitiram ações mais liberais como, por exemplo, a distorção. Tratava-se inicialmente de uma distorção em perspectiva isométrica, e depois, da distorção e deformação reais de objetos, introduzindo um outro registro formal ou processo compositivo. Hoje, é possível distorcer uma determinada figura, ou colidir duas figuras e depois alongá-las; algo que era desconhecido antigamente. Esta foi uma das audácias produtivas de Zaha.
BAL: Em minha opinião, os primeiros projetos de Zaha eram conceitualmente digitais...
PS: Sim, (...) isto foi antecipado quando o trabalho era inteiramente manual. Portanto, de certa forma, podemos dizer que há quinze ou quase vinte anos, quando Zaha usava a pintura, as projeções múltiplas e perspectivas, era algo mais inovador, mais forte do que o que estamos fazendo agora, mas eu não tenho problemas em admitir isto. Não se pode reinventar o mundo a cada dois anos. Foi um momento raro de inovação. Não faz sentido perpetuar a pintura, pois a pintura já cumpriu seu papel; hoje, é muito imprecisa, muito lenta e por isso tentamos trabalhar com o computador.