Beatriz de Abreu e Lima: Existem algumas questões filosóficas envolvidas em seu trabalho? Como a estética e a metafísica se encontram com a prática?
Patrik Schumacher: Existem muitas camadas filosóficas. (…) Eu acho que o que a filosofia deve ser, e tem sido, é uma reflexão sobre os mais gerais e básicos valores e propósitos de cada trabalho e de cada esforço; é uma reflexão sobre o que eu estou tentando conquistar, qual a minha visão do mundo, qual a minha contribuição, qual o meu conceito de progresso, progresso social, progresso tecnológico, e a que tudo isso pode levar. Em última instância a filosofia nos pergunta: o que devemos fazer? Eu acho que deveríamos refletir sobre isso em termos da civilização global. Digamos que eu me coloque no contexto como parte do destino da civilização mundial, no contexto do destino do movimento histórico da civilização mundial: todo o resto se torna intermitente e em última instância limitado. O outro aspecto da Filosofia diz respeito a questões de epistemologia e método. Como eu descrevo algo e a linguagem da descrição para representar o contexto no qual estou operando; a questão da comunicação, como eu comunico valores, mas também a questão sobre como estou interferindo, quais são os meus métodos de investigação etc.
A Filosofia acarreta reflexão metodológica; a questão dos princípios que guiam minha atividade. É legítimo começar intuitivamente, experimentar e apenas fazer, mas quando isto pára? Em algum ponto eu sinto a necessidade de um tipo de malha de avaliação sistemática com a intenção de rever o que fiz e seguir adiante. Eu preciso formalizar minha pesquisa e pós-racionalizar sobre o que foi feito. Estas questões de grande generalidade são questões filosóficas; e também questões sobre as ferramentas de especulação como “o que é um desenho?”, “como um desenho atinge significado?”, “quanto posso especular com linhas, símbolos e ferramentas gráficas?”, “o que significa introduzir novos sistemas computacionais?”. E podemos nos referir de novo à Filosofia, que tem refletido, por exemplo, sobre como a linguagem constitui significado, e como a linguagem evolui. Temos estudado conceitos como o estruturalismo ou o pós-estruturalismo, que reconhecem que a linguagem está sempre evoluindo, e que podemos experimentar com ela para encontrar novos caminhos. Eu concordo com uma epistemologia pragmática e acredito que, no fundo, todo discurso / linguagem – virtual, visual, ou em forma de desenho – precisa estar atrelado a algum tipo de prática. Como o meu discurso guia a minha prática? O que eu posso fazer com isso? O que um desenho significa é o que posso fazer com aquele desenho. “Este desenho significa algo?” “ Ele pode ser traduzido em outro desenho que vai ser mais tarde traduzido numa instrução para construir?”
Então, há teorias filosóficas e sistemas que estão no nível de questões de epistemologia, reflexões na forma de representar, e em termos de métodos científicos: estruturalismo, pragmatismo, pós-estruturalismo. Mas a Filosofia geral, para mim, é aquela que fala também da trajetória histórica da nossa civilização, o Marxismo. O princípio de partida filosófico de Marx é conhecido como Materialismo Histórico, o que significa que todos os fenômenos culturais e relações humanas estão evoluindo de acordo com a reprodução econômica, e isto inclui todas as instituições sociais, valores familiares, relações pessoais, modelos de comunicação, até mesmo nossos sensos de identidade. (…) Tudo versa sobre como nos reproduzimos materialmente. A questão é: quais mecanismos na divisão do trabalho e na alocação de responsabilidade dentro da formação total da sociedade são mais produtivos em termos de distribuir todo o conforto material, e elementos de nossa necessidade material? Todo o progresso é dirigido pela busca por uma produtividade subseqüente. E esta é uma das razões pelas quais eu me interesso por organizações empresariais, métodos de trabalho e modelos de organizações para o trabalho, que são motores primários da transformação social. E é onde no fundo operam os critérios de seleção social. É uma questão de facilitação da produção do mais alto padrão de vida possível; a conquista de novos níveis de liberdade material. Eu acredito que o progresso social é possível, e realmente se torna necessário junto ao progresso material. Eu acho que não faz muito sentido ter um tipo de utopia social romântica, pensando em como podemos ser bons uns para os outros, respeitar-nos mutuamente, viver juntos, se esse modelo não puder reproduzir naturalmente a existência de conforto e segurança para todos nós. (…) A minha convicção é de que existe um enorme potencial social e material desconhecido na democratização. Admite-se que a democracia é socialmente progressista e a minha convicção é a de que níveis mais altos de participação democrática em todos os aspectos da vida econômica e política levaria a níveis mais altos de produtividade social em geral.
É por isso que me interesso pelas organizações empresariais, onde realmente se observa uma tendência para um processo de trabalho mais participativo, e isto prova ser mais efetivo no nível atual de sofisticação de tecnologia e em relação à complexidade e sofisticação das necessidades e exigências do mercado. Somente agora certas idéias e diretrizes de esquerda provam ser produtivas dentro do contexto limitado da organização empresarial e lograrão funcionar se forem radicalizadas e estendidas à sociedade como um todo. (…) Dentro das próprias corporações hoje em dia existe um questionamento da hierarquia e unidades auto-organizadas emergem como formas de comunicação mais democráticas. Isto é socialmente progressista e realmente funciona. Estas novas formas são introduzidas porque cumprem seu papel e as empresas são mais ou menos forçadas a se re-estruturarem na imagem de progresso social para permanecerem competitivas. É isto que acho estimulante, ideologicamente isto não é reconhecido, e no campo da política nós temos cada vez menos democracia. E isto eu acho apavorante. (…) Toda a pobreza global e corrupção, todas as ineficiências do sistema, tem a ver com regimes políticos antiquados, anacrônicos e opressivos, alimentados e mantidos pelo sistema capitalista. Somente uma revolução social poderia mover a sociedade adiante.