Beatriz de Abreu e Lima: Quando se aumenta a velocidade de produção do escritório por meio de computadores sobra mais tempo para a pesquisa e para a pós-racionalização do que foi feito?
Patrik Schumacher: Isto realmente acontece muito, a pós-racionalização tornou-se uma rotina. Nós "brincamos" um pouco com a máquina e depois interpretamos os resultados. Mas isto já era possível antes do computador. O que quero dizer, é que a velocidade de produção foi acelerada nos últimos anos e um projeto feito há dois anos já está de várias maneiras ultrapassado em termos de suas idéias conceituais e formais, bem como em termos de técnicas digitais de projeto. Portanto, existem ciclos acelerados de inovação. Acho que percebemos o mesmo em relação aos alunos do DRL que se formaram há dois ou três anos, eles parecem não ter o mesmo nível dos alunos que freqüentam o curso atualmente. A dinâmica de grupo do estúdio é mais forte e mais rápida que qualquer progresso individual. Isto é bastante interessante.
BAL: Como o senhor vê a tendência, no escritório de Zaha Hadid, em direção a uma Arquitetura “topográfica”? Por que elementos como o piso têm sido tão importantes?
PS: Isto vem sendo investigado sistematicamente. Zaha introduziu a noção de paisagem artificial há muito tempo e eu acho que esta é uma analogia poderosa que introduz muitos elementos novos e poderosos ao repertório arquitetônico. Portanto, em primeiro lugar, é importante que usemos o termo Paisagem Artificial para que possa ser tratado como um tema abstrato. Não estamos falando sobre uma imitação visual da natureza. Estamos falando apenas sobre certos elementos de composição como inclinações e curvaturas no sistema. Também estamos falando de definições espaciais mais indeterminadas e abertas como, por exemplo, cumes, vales, uma floresta com graus de densidade; elementos que marcam e organizam o espaço com, digamos, gradientes, com divisas indefinidas e formas latentes. Quando você escolhe uma paisagem para um piquenique, existem vários territórios, áreas e margens em potencial, que, diferentemente da arquitetura, não são estritamente definidos. Há muita riqueza formal, mas não existem limites determinados e distintos, não existem lugares absolutos. No caso da arquitetura fica bem claro que, por exemplo, existe uma igreja e você pode se encontrar com alguém, na entrada ou no pátio da igreja. Não podemos nos encontrar com alguém na frente de uma montanha, é um lugar indeterminado, mas existe. Você não pode encontrar alguém na frente de uma floresta ou no centro de uma clareira, porque não existe um centro definido, porque não existe uma dimensão definida. São idéias mais vagas, mais abertas; são aquilo que você apreende, em um certo momento, por razões específicas. Os gradientes, as inclinações, as divisas indeterminadas, dão-nos liberdade de ver e encontrar o que queremos ver e encontrar. Existe latência, ou seja, um tipo muito produtivo de flexibilidade, que não exige transformação física ou elementos móveis.
BAL: Estas investigações são puramente formais ou existe um outro objetivo nisto?
PS: A investigação formal é apenas um aspecto. O verdadeiro objetivo é facilitar novas formas de vida, buscando um espaço que se torne mais flexível, mais aberto e indeterminado. Os tipos de eventos que a nova arquitetura tem que atender, são latentes, ao invés de determinados. Os eventos contemporâneos não são mais como, por exemplo, um sermão em uma igreja, que é uma instituição definida e fechada. Para projetar um espaço público hoje em dia, temos que levar em conta sistemas formais abertos, vagos, indeterminados, latentes, que atendam bem à eventos e à seqüências de eventos abertos, latentes, indeterminados ou parcialmente determinados. Faz sentido, socialmente falando, introduzir estes outros registros de articulação espacial. Faz sentido socialmente falando; este é o critério fundamental.
BAL: O trabalho no Laboratório de Pesquisa em Projeto (DRL: Design Research Laboratory) desenvolve-se com equipes não hierárquicas. Isto ocorre também no escritório?
PS: No escritório, a Zaha diz "Nós fazemos…", porque esta é a nossa realidade e certamente a assinatura dela não está em todos os elementos do trabalho, há um processo colaborativo. Em termos de idéias e input criativo o processo não pode ser reduzido a uma figura central, isto seria uma ilusão – uma das ilusões do capitalismo. O capitalismo reforça a idéia de que a produção cultural e as idéias criativas necessitam ser alocadas em indivíduos dominantes e prevalecentes. Há uma obsessão do capitalismo em pensar desta forma porque sob o capitalismo o esforço criativo, as conquistas coletivas e a inovação no trabalho são sempre apropriados por indivíduos, proprietários. Assim, todo o trabalho do escritório deve aparecer como propriedade da Zaha. Para qualquer cliente em potencial ou colecionador de arte deve ficar claro a quem pertence a autoria do trabalho, a quem eles devem se dirigir para comprar o trabalho e a quem eles devem reivindicar seus direitos em caso de algo não funcionar etc. O capitalismo funciona desta forma – tudo precisa ser propriedade de alguém para que seja passado adiante e utilizado sem ambigüidade, mas isto é externo ao processo de trabalho e envolve todo um discurso cultural e mecanismos culturais. A existência de ambigüidade em torno da propriedade bloquearia o ciclo de reprodução. (…) Zaha é proprietária de tudo e isto é um fato legal; é ela quem tem os direitos de copyright sobre o trabalho e ninguém mais. Porém, isto não deve ser confundido com a substância da produção do trabalho.
BAL: Na Architectural Association (1) as disciplinas de projeto têm por base os trabalhos individuais e encorajam o aluno a desenvolver trabalhos distintos e originais. Foi dentro deste sistema que Zaha Hadid começou a desenvolver suas idéias, e também foi onde encontrou fundamentos para dar origem a seu escritório...
PS: A arquitetura ainda é uma profissão onde o sistema legal está focalizado no indivíduo ao invés de estar focalizado na firma. O arquiteto é registrado como um indivíduo. No Laboratório de Pesquisa em Projeto nós trabalhamos em equipes. Temos certos aspectos que são produzidos individualmente, mas eu acho que é um erro da maioria dos sistemas educacionais centrar-se no indivíduo como a unidade de produção predominante. Particularmente, no meio acadêmico, é absolutamente certo que se você é um escritor ou pesquisador, um sociólogo ou filósofo, obterá sempre conquistas individuais. Há uma falha muito grande nisso. Na Física e na Medicina existem equipes grandes de pesquisa. Esta é uma situação inevitável quando se está envolvido com grandes projetos tecnológicos, que requerem equipes grandes e esforço coletivo. É bastante limitante para a Ciência Política, a Sociologia etc, que o trabalho se realize apenas através de indivíduos isolados. Tudo bem, é difícil estabelecer regras, mas a experiência da esquerda radical prova que é possível (…) A esquerda desenvolveu uma efetiva autoria coletiva. Muitos livros, mesmo que tenham sido escritos por indivíduos, foram numa fase final, pesquisados e discutidos coletivamente. Eu acho isso muito importante. Não faz sentido achar que toda a contribuição tem que ser atribuída a um único autor, e que tem que espelhar a opinião desta ou daquela pessoa em particular. (…) Por que a arte é sempre a arte de um artista? Por que a arte não é produzida por um grande e anônimo grupo de colaboradores? Por que tem que ser atribuída a uma só pessoa? Apenas o capitalismo é obcecado por isso – pela busca de um proprietário. Tudo isso deve ser muito mais radicalizado, devemos trabalhar em equipes cada vez maiores. (…)