Oscar Eduardo Preciado Velásquez: Estou gravando novamente no escritório de Caá Porá, em Quito, devido a um problema técnico. A gravação foi enviada para um servidor na nuvem e o link se extraviou, e a verdade é que eu queria aproveitar o trabalho deles de alguma forma para resenhá-lo em minha pesquisa e também mostrá-lo à equipe do grupo de estudos no Brasil. Vou ler algumas coisas... (como já falei) aqui está a Paula Izurieta, ela é arquiteta da Universidade Católica aqui em Quito, trabalha com Gabriel Moyer, eles são do grupo Caá Porá e também está a Nicole Andrade, arquiteta, também da Católica, que apoia eles aqui no escritório.
Em princípio, agradecer vocês por me permitir estar aqui. Acho que seu trabalho deve, de alguma forma, ser mais divulgado porque representa várias coisas, ele está enquadrado dentro de um conceito que é arquitetura da comunidade, (segundo alguns autores) existe arquitetura para a comunidade, da comunidade e com a comunidade, acho que a sua é mais da comunidade e se entende como um processo pelo qual a comunidade chama vocês para fazer a arquitetura deles. Então já por aí, o seu trabalho envolve várias coisas. Acho que envolve uma reinterpretação das técnicas vernaculares da população, a arquitetura tradicional dos povos indígenas do Equador. Há uma coisa interessante e é que são práticas que podem ser chamadas de desmodernizantes, porque saem fora desse ideal da arquitetura moderna, em direção a esse trabalho do arquiteto da modernidade e, reinterpretação, porque de alguma forma vocês se inserem na dinâmica diária dessa população. Lembro que, na entrevista que foi feita inicialmente, o Gabriel comentou comigo que vocês faziam um mapeamento coletivo das atividades diárias dessas pessoas.
Paula Izurieta: A ideia é como que sempre percebemos que eles nunca concebem graficamente sua comunidade. Isto é, onde estão as casas, a casa comunal, o campo de futebol, a pista de decolagem, então para nós é muito interessante que, quando nós estamos reunidos pela primeira vez, é também a primeira vez que eles desenham a sua comunidade. Que eles compreendem gráfica e espacialmente e até em escala o Rio, onde fica a estrada, onde estão os embriões, onde estão os ceibos. Essa relação entre a natureza em que vivem e sua comunidade é muito importante, porque os nossos marcos urbanos não são os mesmos que eles têm na selva, por exemplo. Para eles, é muito importante os ceibos, por exemplo, então eles sempre dizem: aqui neste momento temos cinco ceibos em tantos hectares. De certa forma, eles vão entendendo sua escala de acordo com esses pontos, desses marcos importantes, que talvez para nós não são assim, mas para eles sim, então é muito importante esse momento deles fazerem essa expressão gráfica, na qual pela primeira vez desenham sua comunidade e expressam graficamente onde ela está e a espacialidade. Para nós é muito importante porque também assim entendemos o que é para eles o mais importante. Eles também fazem pequenos desenhos, quando significam uma coisa, quando eles fazem grandes desenhos, significam outra. Por exemplo, eles sempre desenham o ceibo muito grande, porque é um marco para eles, então ali vamos analisando os desenhos para entendê-los.
OEPV: Eu acho isso muito interessante. Esse trabalho que vocês fazem, independentemente de haver lucro ou não, mas o trabalho que vocês fazem primeiro para ajudar às comunidades a se reconhecerem, para ajudar às comunidades a reinterpretar seu espaço, a se entenderem espacialmente, acho que tudo isso tem que ser estudado em profundidade, muitas coisas estão acontecendo lá. Continuando um pouco, há uma troca de posições e de hierarquias, ou seja, o arquiteto como técnico, não mais se posiciona em um nível superior. Esse ideal do arquiteto técnico dirigente está intimamente ligado ao perfil criado pelo Movimento Moderno. Penso que o seu trabalho está posicionado ao lado dessa comunidade, acompanhando essa comunidade, mas nunca desde uma posição hierárquica.
PI: Claro, é que o importante para nós não é dizer o que eles devem fazer, mas escutar a sua história, e nós vamos analisando quais são as figuras importantes dessa história, com isso já podemos ir desenvolvendo junto com eles os espaços que eles precisam e a forma, fazendo uma pesquisa de como eles construíram antigamente e os materiais que usam atualmente, as histórias que eles têm com os materiais. Eles dizem: então, esse tipo de madeira, por exemplo o peine de mono serve para isto..., aquela outra, serve para isso, tal coisa é possível. Existem madeiras que são usadas para o interior e para o exterior. Eles têm esse conhecimento porque é muito importante saber como se comportam os materiais dependendo da sua localização. A madeira não se comporta da mesma forma na selva e nas montanhas. Também, por exemplo, a madeira amazônica é boa para ser usada lá. Na hora de trazê-la para as montanhas e construir com madeira amazônica se comporta de maneira diferente. Ouvindo eles, podemos saber bastantes coisas e analisar bastantes coisas para poder definir os parâmetros que a comunidade precisa. Sim, não é nada hierárquico, é mais uma coisa de escutar e analisar. Também com o nosso conhecimento eles também fazem isso, nos escutam e analisam os nossos conhecimentos, portanto, é um compartilhamento de conhecimento para alcançar um único objetivo que é a espacialidade.
OEPV: Uma simbiose feita entre a prática que se aprende na academia...
PI: Claro.
OEPV: E seus conhecimentos. Há outra coisa que eu tinha aqui, há outras perguntas. Como, aquele sujeito que sempre foi subalterno, um grupo indígena que historicamente foi assim, agora adquire, digamos... existe uma inversão de posições. Como aquele arquiteto que sempre foi o sujeito de poder, agora trabalha para essa comunidade. Acho super interessante também como vocês apreenderam todas as dinâmicas dessa comunidade. Você já está me dizendo, o assunto dos materiais próprios do local. Analisando algumas das coisas que vocês têm no seu site, vi, por exemplo, o que trabalharam (bem, você me contou sobre isso) em Esmeraldas com um projeto que eram os Palenques (Quilombos) Culturais.