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architexts ISSN 1809-6298


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A autora faz um balanço do I Congresso Internacional de História Urbana realizado na cidade de Agudos e que teve como tema “A circulação de idéias em Estética Urbana – Europa e América Latina. 1880-1930”


how to quote

PEDROSO, Marialice Faria. Sobre a estética das cidades. Camillo Sitte e a Der Stadtebau. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 058.04, Vitruvius, mar. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.058/488>.

A circulação de idéias em Estética Urbana – Europa e América Latina. 1880-1930” – esta foi a temática do I Congresso Internacional de História Urbana realizado no Seminário Seráfico de Santo Antônio na cidade de Agudos de 7 a 10 de outubro de 2004. O evento constituiu-se num momento de estudos e reflexões sobre a história do urbanismo para marcar o centenário da morte de Camillo Sitte em 16/11/2003 e a publicação da revista Der Stadtebau em 1904.

Esse Congresso internacional foi uma iniciativa da Faculdade de Arquitetura da Unesp, campus de Bauru, em parceria com a Universidade Sagrado Coração, juntamente com o curso de doutorado em “Storia dell’Architettura e delle Città, Ciência dell’Arte e Restauro” da Scuola di Studi Avanzati in Venezia, Itália. A representação italiana contou com a coordenação da Dra. Donatella Calabi e deu continuidade ao congresso “Camillo Sitte e i suoi interpreti” organizado pelo Dr. Guido Zucconi, também professor da escola veneziana, somado às pesquisas recentes do simpósio ocorrido em Viena em novembro de 2003 e à Jornada de Estudos sobre Camillo Sitte acontecida em janeiro de 2004 na cidade de Veneza. A Dra. Calabi é autora de vários livros sobre História Urbana, atua como professora no departamento de História no Istituto Universitario di Architettura di Venezia, sendo também presidente da Associação Italiana de História Urbana e membro da diretoria da Associação Européia.

Quanto à composição do quadro de pesquisadores o encontro privilegiou tanto os estudos europeus como os americanos de norte a sul. Teve como autoridades no tema além dos representantes de Veneza, Dra. Calabi e Dr. Zucconi, a Dra Christiane C. Collins, Independent Scholar dos Estados Unidos que foi quem primeiro traduziu para o inglês a obra de Camillo Sitte introduzindo os conceitos camillianos nas universidades norte-americanas e também na América Latina. Ainda como expositores, apresentaram-se a Dra. Vilma Hastaoglou-Martinidis, professora de Thessaloniki, Dr. Andréas Hofer, da Wien’s University of Technology e o Dr. Marco Pogacnik da Universidade de Veneza. Dos países vizinhos vieram Dr. Arturo Almandoz, da Universidade Simón Bolívar da Venezuela, Dra. Margarita Montanez, da Faculdade de Arquitetura de Montevidéo e Dra. Alicia Novick da Universidade de Buenos Aires. O Brasil teve representações com os professores doutores Ivone Salgado da PUC-Campinas, Maria Stela Bresciani da Unicamp, Maria Cristina da Silva Leme da FAU-USP, Hugo Segawa da FAU-USP e Dr. Carlos Roberto Monteiro Andrade da EESC-Usp, que foi o responsável pela tradução mais recente de Sitte a que temos acesso em português, incluindo comentários, sobre a obra original.

A responsabilidade pelo evento histórico-científico teve garantido seu sucesso graças ao empenho, entre outros, do professor da Faculdade de Arquitetura da Unesp e arquiteto Adalberto Retto Junior, doutor em História Urbana e ex-aluno da Puc-Campinas. Apontando caminhos, o I Congresso Internacional de História Urbana apresentou não somente debates de alto nível mas lançou um leque de idéias e desafios aos pesquisadores e projetistas de cidades. O evento além da excelente organização, foi contemplado com momentos de fruição estética em que se apresentaram a Orquestra de Câmara de USC de Bauru e um show musical na praça com o grupo Veritas de Agudos. Ao encerramento os congressistas tiveram acesso a quatro roteiros de visitas programadas direcionados a pontos de interesse, alguns com estudos já em andamento, que são as cidades da região de Bauru, fazendas e estações ferroviárias que ativaram a economia no período da cafeicultura.

A contextualização das idéias de Camillo Sitte

A importância das discussões que aconteceram nesse congresso revela a atualidade das propostas e o valor de Sitte em defesa dos princípios artísticos que devem nortear o ato de projetar as cidades. Filho de um arquiteto famoso, ele próprio adicionou a seu currículo desenhos e construção de um espaço segundo seus princípios. Suas propostas pontuavam a relação harmônica que deve existir entre o objeto construído e os vazios que o rodeiam. Isso envolve a polêmica do século XIX entre a “cultura do engenheiro” versus valores históricos e artísticos de projeto. Já em seu tempo, o urbanista vienense analisou e apontou falhas nos casos existentes cuja rigidez matemática e funcionalidade eram as diretrizes principais em detrimento do bem-estar, padrões estéticos e da humanização, qualidades imprescindíveis no tratamento de locais públicos. Segundo ele, o resultado final do projeto devia privilegiar o conforto tanto físico quanto espiritual dos usuários e incorporar às vezes um dado acidental para enriquecê-lo. O pensamento sitteano foi esquecido por um certo momento mas hoje se encontra entre as referências mais importantes para quem trabalha e prioriza dados tanto de beleza quanto de fruição e apropriação do espaço pelo homem. O traçado das ruas e o posicionamento das praças também pontuaram essa discussão assim como o uso de retas ou curvas no desenho urbano. As exposições teóricas no congresso trouxeram à tona nomes importantes no ramo alguns alinhados outros, nem tanto, com as propostas de Sitte. Fizeram parte desse elenco Camille Martin, Haussmann, Bouvard, Charles Buls, Hugo Moucret, Eugène Broerman, Rubiani, Saturnino de Brito, Vitor da Silva Freire, etc. Por diversos méritos a proposta urbanística divulgada pela Stadtebau ampliou seus efeitos nos diversos continentes.

Um registro do pensamento sitteano em Campinas

O antigo Largo da Matriz Velha foi o pioneiro jardim da cidade de Campinas. Tinha um significado religioso e cívico pois numa de suas extremidades existia a Casa de Câmara e Cadeia e na outra, a Matriz Velha ou Igreja do Carmo. Através de uma solicitação pública dirigida à Câmara Municipal o local foi contemplado, em 1870, com uma “modernização”, ou seja, um “embelezamento” transformando o antigo rocio em local mais agradável para a população freqüentar (2). A partir de então uma “cultura de jardins” foi incorporada à cidade (3). Por indicação do Dr. Ricardo G. Daunt em 1889 a Câmara Municipal decidiu atribuir à quadra o nome de Praça Bento Quirino incluindo nela a igreja matriz e cadeia.

Vizinha à Praça Bento Quirino, local da memória histórica da cidade, existe hoje um pequeno jardim localizado na lateral do monumento-túmulo de Carlos Gomes. Era o antigo Largo do Capim que se tornou o Largo do Mercadinho conforme aparece no Mapa da Cidade de Campinas feito pelo engenheiro Luiz Pucci em 1878 (4). Seu nome atual: Largo Antonio Pompeo. Foi em 20 de maio de 1886 que a Câmara deliberou dar esse nome “à primeira praça ou rua, que de novo se abrisse” e assim aconteceu com a remoção do Mercadinho criado em 1871. Vê-se no mapa de 1900 que ali existia um vazio, uma reentrância, um alargamento da rua Tomaz Alves/Bernardino de Campos na confluência com a Dr. Quirino. Situada defronte ao prédio do Jockey Club Campineiro as fotografias antigas mostram o local como ponto de parada de carroças e depois, de carros antigos.

O espaço justifica em si a presença dos princípios artísticos segundo Camillo Sitte e lembra a configuração das “praças mobiliadas” e com “ruas perpendiculares com a linha de visão” (5). Por longos anos ele permaneceu como um pitoresco largo ao lado do terreno da antiga cadeia. Em 1905 em lugar da Casa de Câmara e da prisão foi construído o monumento-túmulo de Carlos Gomes. Mais tarde o vazio do lote vizinho foi “mobiliado”, substituído por pequena praça para servir de átrio ao edifício de um clube, atual Jockey Club Campineiro inaugurado em 1925 (6). Esse edifício levou vários anos para ser finalizado e se posicionar como um dos mais elegantes da cidade. Na sua conclusão, ele que é um polígono em alvenaria, livre de edifícios vizinhos em 3 fachadas, recebeu um projeto do arquiteto Christiano Stockler das Neves. Com ornamentação inspirada no estilo Luís XVI, modelo predileto do autor, ele dialoga com as duas praças associadas. Uma escala compatível gera a harmonização do edifício com o seu entorno principalmente em relação ao Largo Antonio Pompeo. A construção possui uma ornamentação refinada segundo a formação profissional de Christiano da Neves pela Universidade da Pensylvania que incorporava os princípios da École des Beaux-Arts de Paris com a Fine-Arts School americana. A matriz parisiense aproximava-se dos postulados de Camillo Sitte enquanto a vertente americana voltava-se para um ensino mais pragmático.

Com o alargamento da rua no trecho denominado Tomaz Alves ainda preservou-se esse bem público. A pequena praça superou os interesses utilitários e imobiliários em uma área bastante valorizada economicamente. Assim, na prática, prevaleceu o bom-senso e incorporou-se ao repertório do centro histórico de Campinas um exemplo de “urbanismo da sensibilidade”.

notas

1
Agradecimentos a Elisamara de Oliveira Emiliano, Celina Fernandes Almeida Manso, Dr. Herculano Passos e Dr. Vesa Kaskela.

2
LIMA, S. Barbosa de. Os jardins de Campinas. O surgimento de uma nova cidade. Dissertação de mestrado. Fau-PucCampinas, 2000, p.34.

3
Ibid., p. 41.

4
KASKELA, Vesa. Uma praça em cima da outra? Texto protocolado e microfilmado sob o no. 99600 no Serviço de Registro de Títulos e Documentos de Campinas, em 17 de maio de 1999.

5
SITTE, Camillo. A construção das cidades segundo seus princípios artísticos. São Paulo, Ática, pp. 47-9.

6
Uma polêmica sobre a nomenclatura das duas praças foi resolvida com a pesquisa do Dr. Kaskela conforme a publicação: COSTA, Maria Teresa. “Quirino e Pompeu protagonizam erro Histórico”. In Correio Popular. Caderno Cidades, 04/07/1999, p. 07.

bibliografia complementar

AMARAL LAPA, J.R. A cidade os cantos e os antros. Campinas 1850-1900. São Paulo, Edusp, 1995.

BURKE, Edmund. Uma investigação filosófica sobre a origem de nossas idéias do Sublime e do Belo. Campinas, Papirus/Unicamp, 1993.

REIS FILHO, N.G. Quadro da arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1987.

sobre o autor

Marialice Faria Pedroso é doutora em arquitetura e professora de Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo da Unip Sorocaba

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