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architexts ISSN 1809-6298


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Este artigo é a segunda parte da discussão sobre os modelos de morar, utilizados em peças promocionais divulgadas nos encartes e cadernos de classificados dos jornais dominicais, prospectos e internet na cidade de Recife


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AMORIM, Luiz Manuel do Eirado; LOUREIRO, Claudia. Dize-me teu nome, tua altura e onde moras e te direi quem és: estratégias de marketing e a criação da casa ideal 2. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 058.06, Vitruvius, mar. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.058/490>.

Se as estratégias de marketing exploram valores externos ao objeto arquitetônico em si, tais como a localização e atributos paisagísticos, para valorizar o produto imobiliário, três categorias, ao menos, são exploradas na caracterização do edifício: a dimensão programática, envolvendo o programa do edifício, do apartamento, além da verticalização e a dimensão simbólica, expressa através da denominação do empreendimento. Neste artigo, estas dimensões serão discutidas.

Dos programas: “dize-me o que tens e te direi quem és”

a) do edifício

Com relação à edificação, as campanhas promocionais expressam não somente o lado pragmático do empreendimento – o programa arquitetônico, mas também a quantidade de elementos e equipamentos coletivos oferecidos, atrativos que visam seduzir uma nova classe média. As peças promocionais normalmente ressaltam a diversidade de serviços e equipamentos oferecidos, tais como a existência de sistemas de ar-condicionado central – o must da década de 1970, água quente, TV a cabo (incluída nas taxas de condomínio) ou central de gás. Algumas enfatizam os sistemas de segurança: CCTV, controle remoto de portões, sistemas de comunicação interna e central de segurança. Em tempos de racionamento de água, ou de energia elétrica, o poço artesiano, ou o gerador, tornam-se elementos que distinguem o empreendimento.

O programa arquitetônico vem se tornando mais complexo nas últimas décadas, com uma maior disponibilidade de serviços coletivos que estendem os limites e os domínios das unidades privadas. Assim sendo, playgrounds e áreas de recreação tornam-se mais e mais sofisticadas com a inclusão de sala de ginástica, agora apelidada de fitness center, piscinas, quadras poliesportiva e salas de jogos, além de cozinhas totalmente equipadas, que por vezes ganham o charmoso apelido de ‘espaço gourmet’’. Estes serviços e equipamentos, sua quantidade e características, são traços distintivos explorados nas peças promocionais: “o arco de tesouro” – recorrendo ao edifício; “o tesouro” – o apartamento; o edifício batizado de Cap Ferrat.

Na realidade, estes serviços e instalações representam uma compensação para a perda da privacidade que era oferecida pelos antigos jardins floridos e quintais frutuosos das residências, em favor de uma vida cotidiana mais fácil, prática e mais segura. De fato, segurança é um dos mais citados itens em pesquisa (2), realizada pela associação de empreendedores imobiliários em Recife (ADEMI-PE – Associação de Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco).

A outra face da moeda é que esta maior disponibilidade de áreas comuns justifica a redução do tamanho do apartamento. Várias atividades domésticas passam a ser realizadas fora do apartamento, tais como as comemorações importantes da família, ou mesmo o simples ato de receber amigos nos fins-de-semana e que passam a ser compartilhadas, também, com vizinhos. Desta forma, a vida social coletiva parece se intensificar, da mesma maneira que as estratégias de vigilância coletiva e de ajuda mútua. É comum ver empregadas e babás compartilhando o papel de vigilante com porteiros e zeladores do edifício. Por isto, o desenho de playgrounds e salão de jogos é de importância vital. Hillier demonstrou em seus estudos o quanto a existência de uma rede de espaços utilizadas por diferentes categorias de pessoas e supervisionada por olhos responsáveis é importante para a comunidade (3).

Desta forma, as mudanças ocorridas nas relações sociais a partir do pós Segunda Guerra, com os adultos da família, inclusive a mulher, agora totalmente inserida no mercado profissional, ocupados em tarefas não-domésticas, são minimizadas pela oferta de tais serviços e equipamentos coletivos, da mesma forma que serviços de apoio surgem com intensidade cada vez maior, como os serviços de transporte escolar, ou o apoio de ‘mães-de-aluguel’, que substituem as tarefas antes desempenhadas pelos membros da família.

b) do apartamento

O domínio privado do edifício é explorado nas peças promocionais a partir dos atributos programáticos, que prescrevem o universo doméstico particular. Algumas tendências podem ser observadas. O primeiro traço de distinção social do programa arquitetônico do apartamento é sua complexidade, associada ao tamanho da unidade: quanto maior a área, mais complexo o programa.

O mercado oferece uma grande variedade de tipos planos, de unidades do tipo sala-e-quarto, até apartamentos duplex, mais complexos, com cinco ou seis quartos, três ou quatro salas, terraços e piscinas. O apartamento de três quartos é a solução mais comum para famílias de classe média. Em todos os casos, o programa é cuidadosamente dividido em zonas ou setores que estruturam atividades domésticas de uma maneira particular, cada zona dedicada a um conjunto de atividades e relacionada a um grupo de moradores. Esta estrutura setorial ordena a interação potencial entre os habitantes, visitantes e estranhos, tornando-a previsível e carregada de significado social. Esta regra é mantida, até mesmo quando o tamanho do apartamento é reduzido para ser adaptado à capacidade de compra de potenciais consumidores. Por exemplo, um apartamento de três quartos comercializado nos anos 1970 teria em torno de 160.00 m², enquanto que os produtos recentes oferecidos ao mercado têm 80.00m², mantendo, no entanto, os mesmos setores funcionais.

Estudos sobre a organização setorial das residências recifenses, desenvolvidos por Amorim (4), demonstram como a distribuição e agrupamento das atividades domésticas foram sendo alteradas com as mudanças nas relações sociais, na estrutura familiar e como decorrência de novas concepções arquitetônicas. Indícios de processo semelhante estão sendo identificados em estudo que observa o conjunto de edifícios de apartamento construídos no Recife (5). Estes estudos demonstram que a organização setorial e a definição de certas relações entre os setores, ou seja, entre atividades domésticas e seus agentes, constitui-se em um estilo de bem morar, que vem sendo reproduzido, também, pela força da divulgação promocional, adquirindo o caráter de modelo a ser reproduzido, mesmo que algumas normas prescritas pela estrutura setorial sejam pervertidas no uso familiar cotidiano. Tal modelo é definido pela classificação e agrupamento de atividades domésticas em três grandes setores – social, privado e serviço – organizados de forma a permitir não somente uma maior centralidade ao setor social, mas, também, fácil acessibilidade ao setor de serviço e isolamento ao setor privado.

Esta estrutura está presente em unidades habitacionais de diversos tamanhos e destinadas às mais diversas classes sociais, sugerindo a ocorrência de um genótipo de habitação, sendo que a diferenciação entre classes é definida pela complexidade do programa arquitetônico: quanto mais alto o status social, mais longo é o texto que prescreve as propriedades arquitetônicas que se pretende obter. Assim sendo, os setores permanecem imutáveis, mas o texto que estabelece os requisitos programáticos de cada um deles é alterado. Percebe-se a intenção de especialização funcional dos cômodos, ampliando o programa arquitetônico, tanto do ponto de vista do número de ambientes para cada setor, quanto na descrição de suas propriedades. Desta forma, há um aumento de classificação no texto, sendo que o conceito de classificação aqui refere-se ao número de elementos que definem uma estrutura doméstica – maior o número de elementos, maior a classificação, o que significa dizer que maior é a especialização dos elementos que compõem a unidade, assim como mais fortes são os seus limites.

No setor social, por exemplo, a sala única multifuncional encontrada em apartamentos populares e de classe média, é ampliada com a espacialização de atividades específicas a medida que status social aumenta. Assim, surgem as salas de visitas, de jantar, de jogos, de TV – mais recentemente conhecida pelo pomposo apelido de home theatre, etc. O aumento no número de rótulos, definindo ambientes específicos, é sinal de uma maior classificação e maior complexidade dos seus atributos.

No setor privado, o fenômeno é mais significativo. Nos apartamentos populares, o cômodo ‘quarto’ nunca é adjetivado, seja para identificar seu usuário (casal, filho, filha) ou para definir graus de importância (quarto principal). Nos apartamentos de classe média surgem as adjetivações e os novos rótulos (suíte), como estratégia para destacar cômodos com maior especialização funcional. O cômodo ‘quarto’ passa, então, a fazer parte de um complexo espacial, com a ampliação das comodidades oferecidas. Ao quarto de casal en-suíte, o máximo do conforto da classe média, são incorporados o closet, nova denominação para o antigo quarto de vestir, a sala de ginástica ou o escritório. Nestes casos, a suíte é master, e pode até oferecer dois sanitários e dois closets, classificados por gênero – masculino/esposo e feminino/esposa. Desta forma, quanto maior o status social, maior a diferenciação espacial dos domínios de cada membro da família, indicando forte classificação pelo aumento dos rótulos que indicam o lócus de cada um.

As peças promocionais também ressaltam o setor de serviços, particularmente enfocando o número de espaços e a peculiaridade do programa: o setor pode ser composto por uma única cozinha e área de serviço, encontrado em pequenos apartamentos, mas também incorporar dois, ou mesmo três quartos (para serviçais e motorista), despensa e copa – espaço tradicional para as refeições da família.

O elemento programático mais anunciado nos apartamentos de classe média é o quarto-reversível – uma solução engenhosa que permite o uso do quarto de serviço ora como um espaço do setor privado, ora como do setor serviço. Do ponto de vista morfológico, o ambiente forma uma espécie de by-pass de um a outro setor, gerando um anel interno que inclui a sala de estar, a área de serviço e o corredor dos quartos. Sua origem está relacionada a emergência de novos arranjos familiares, atendendo as necessidades de famílias que não mais podem pagar pelos serviços permanentes de uma empregada doméstica, ou daquelas que necessitam de mais espaço, mas não podem pagar mais por apartamentos com maior área.

O quarto-reversível é o primeiro sinal da necessidade de arranjos espaciais mais flexíveis, para atender diferentes composições familiares e prenuncia uma tendência que vem se consolidando nos últimos anos, que é a oferta de diversos arranjos espaciais. Esta tendência responde às constantes reformas nos apartamentos comercializados, antes de serem habitados, que, em certos casos poderia atingir 100% das unidades (6). Por conseguinte, maior flexibilidade de arranjo começa a ser oferecida ao mercado, com vistas a evitar ou reduzir o número de reformas e a idéia de reversibilidade que aparece primeiramente relacionada ao quarto de serviço se estende a outros elementos da unidade, como, por exemplo, o quarto, de um total de quatro, contíguo à sala de estar, que pode, sem grandes alterações, ser convertido em home theatre. Desta forma, a possibilidade de escolha de um arranjo particular se tornou um atributo importante a ser explorado nos anúncios. Outra conseqüência desta tendência é o aparecimento de estúdios e lofts (7) , oferecidos a uma nova sub-cultura identificada com certas classes de jovens profissionais.

Em resumo, o programa arquitetônico do apartamento é explorado nas campanhas publicitárias para: (a) expressar o arranjo espacial tradicional, revelando a organização do plano, a segregação da área de serviço, o isolamento de espaços privados, etc.; (b) expressar status social, enfatizando o número de quartos ou espaços particulares; (c) ressaltar a flexibilidade do plano, oferecendo possibilidades de arranjos a serem selecionados por compradores.

Da altura do edifício: “prédios altos - porque o Recife pensa grande...”

A ADEMI-PE, em 2003, iniciou uma massiva campanha institucional em torno dos prédios altos, tema que causou, nos anos anteriores, intensos debates entre os profissionais ligados à produção de habitação de alta renda, técnicos da prefeitura e população, em torno da modificação da Lei de Uso do Solo então vigente e que resultou na conhecida “Lei dos Doze Bairros” (8), de 2001. A lei, para condicionar o uso e ocupação do solo à oferta de infra-estrutura, entre outras determinações, limitou os gabaritos nestes doze bairros, bem como a possibilidade de remembramento de terrenos.

A campanha da ADEMI-PE respondia, segundo seus dirigentes, a uma pesquisa encomendada pela entidade que detectou uma diminuição nas vendas de unidades neste tipo de prédio, em função de um certo sentimento de medo da população (9). Considerados os vilões da perda de qualidade de vida em 12 bairros nobres da cidade, a produção deste tipo, no entanto, não diminuiu, posto que muitos projetos já haviam sido aprovados antes da vigência da lei, mas os indicadores de venda não correspondiam à oferta de unidades em edifícios altos.

Na campanha, cujo slogan é “Existe algo maior que os prédios altos do Recife...”, três apelos incitam os espectadores, ou leitores dos principais jornais da cidade, a associar tais vilões a questões nobres, sem dúvida socialmente relevantes. No primeiro anúncio, algo maior que os prédios altos são questões sociais associadas ao desemprego – a criação de empregos diretos e indiretos – os primeiros, segundo as peças promocionais equivalentes a 30000, acrescidos de 150 mil empregos indiretos –, e ainda a formação da mão de obra e assistência à saúde do trabalhador, e inclusão social seriam vantagens advindas da construção de prédios altos.

Na segunda peça promocional, o tema explorado foi a preservação do verde e, por conseqüência, da qualidade de vida na cidade – segundo os promotores, o prédio alto ocupa uma parcela menor do terreno do que ocupariam os prédios baixos, o que garantiria a preservação do verde e a circulação de ar. Assim, segundo as peças promocionais, os prédios altos não só ajudariam a preservar o verde, mas até mesmo criá-lo, bem como favoreceriam a drenagem de águas pluviais. Este seria um outro valor acrescido pelo prédio alto, que é, na campanha, associado ao edifício Caetés, de tradição moderna, construído na década de 50 do século passado, com cerca de 20 pavimentos. Por fim, a terceira peça apelava para o orgulho da população, sentimento tão caro ao nordestino, sobretudo ao povo do Recife, cidade onde dois rios ‘... se juntam para formar o Oceano Atlântico ...’ (10) O orgulho de que fala a propaganda da ADEMI-PE é de uma arquitetura e uma engenharia de qualidade, sempre associada à ousadia de construir alto. Esta competência seria, ainda, de longa tradição na cidade e teria como ícone a Torre Malakoff, no século 19 o edifício mais alto da cidade. Assim, de uma só tacada, invocava-se o sentimento de auto-estima e amor-próprio e a tradição e gosto pelo passado, tão em voga.

O novo skyline do Recife, desejado pelas incorporadoras, no entanto, esconde, por trás das qualidades que se querem vender, alguns mitos. Na verdade, tais edifícios servem à competição entre empreendedores, baseado na convicção de que quanto mais alto o prédio mais o empreendedor mostra seu poder e sua realização – torna-se uma chancela de sua competência técnica, a ser exibida na fachada do edifício, onde se apõe o logotipo da empresa. O verde que se preservaria é outro mito – a menor taxa de ocupação é apenas da torre de apartamentos, que se assenta sobre um bloco horizontal de garagem, com dois ou três pavimentos que ocupa grande parte do terreno. Parece que o prédio alto é bom para alguns, para outros é bom, mas, como diriam os americanos NIMBY (not in my back yard, ou seja, não no meu quintal). O apelo parece não ter funcionado, uma vez que a campanha teve uma curtíssima duração. No entanto, o mito da altura é persistente ... Morar muito alto, torna o morador um escolhido entre poucos – ninguém está acima dele, somente Deus: sua visão é privilegiada (11).

Dos nomes de edifícios: dize-me com te chamas e te direi quem és ou ... Quem puxa aos seus, não degenera

O nome do edifício, tal como o nome de uma pessoa, é um identificador que tem várias dimensões e significados: não somente individualiza o indivíduo, mas sugere traços de sua origem, tais como classe social, idade, religião. Nascidos antes da década de 1950, geralmente eram registrados com nomes duplos: Maria Tereza, Ana Luiza, Luiz Felipe, Paulo Roberto, todos nomes com um certo toque aristocrático. Na década de 1950, excessos são eliminados e os nomes tornam-se mais simples: Claudia, Ricardo, Roberto, Virgínia ... O nome, portanto, pode identificar a idade da pessoa: Mateus, Pedro, Tiago, nome dos apóstolos, identifica os nascidos na década de 1970, filhos da geração hippie, que também nutriam um sentimento nativista, como em Maíra, Inaê, Iandê, Cauã, Janaína ... O nome pode ainda identificar o mês do nascimento – Fernando Antônio, para os nascidos em junho, em homenagem a Santo Antônio, Maria José, para os nascidos em março, mês de São José – podendo ainda estar associado ao santo de devoção dos pais. Identifica ainda a classe social do nascido: nomes com estranhas combinações, grafados com estrangeirismos, como Samantha Krysthynna, Karla Patrícia ou nomes estrangeiros de reis, heróis e rainhas aportuguesados, como Leide Daiane, são os escolhidos entre as camadas mais populares.

Como no caso do nome de batismo, o nome dos edifícios tem a mesma força identificadora, sendo um elemento-chave neste jogo de ilusão e sedução, no qual status, identidade social e valores tradicionais – particularmente aqueles relacionados à oligarquia local, são atributos utilizados pelo mercado imobiliário para criar interesse em seus produtos. Nomes transmitem símbolos de auto-valorização e de inclusão, construindo nova identidade, tanto do ponto de vista individual, quanto social. Apóiam o imaginário da casa, baseado em outros tempos e outros lugares, uma vida passada, quando tudo era mais fácil e tranqüilo. Ou ainda, um imaginário de liberdade, glamour.

Neste contexto, a imagem arquetípica, que formaliza o tema, é fundamental, constituindo o que Dovey (12) interpretou como província ‘de significados’. Talvez o tema mais notável é o que evoca nobreza, poder e tradição, reunindo nomes de castelos, reis e rainhas – Queen Mary, Baronesa Gurjahu, Barão de Rio Branco, Windsor, Versalhes, Chambord. Tradição também é associada à oligarquia da cana-de-açúcar local, com nomes de engenhos de açúcar (Banguê, Engenho Monjope), ou, ainda, evocando personalidades locais, como os pintores, escritores e figuras históricas. Temas nativos foram bastante populares até os 1980, principalmente relacionados aos nomes de tribos indígenas (Acaiaca, Tupy, Tamoyo, Kamayurá, Tapuias, Aymorés, etc).

Significativo é o emprego de línguas estrangeiras na denominação dos edifícios – villa com duplo "l", distingue e distancia das conotações de vila popular e aproxima das villas italianas; residence, diferencia de residencial, também associado à moradia popular. Esta estratégia afasta a conotação pejorativa de coabitação, ainda que um edifício de apartamentos seja essencialmente coletivo.

Os temas sugeridos pelos nomes passam, por vezes, a identificar o construtor no competitivo mercado imobiliário, como uma griffe, que tem o papel de uma assinatura que garante qualidade ao produto. Assim, todos os edifícios construídos pela construtora Queiroz Galvão, na Região Metropolitana do Recife, são identificados com denominações que se iniciam por Maria … (Maria Digna, Maria Eduarda, etc.); a construtora A.C. Cruz criou a série de Villa … e a empresa Pernambuco Construtora, a série Prince. A extinta construtora De Paula, aquela que primeiro estabeleceu um certo padrão de qualidade para apartamentos de luxo na orla marítima, criou a coleção de denominação de pintores reconhecidos, tais como Leonardo da Vinci, Portinari, etc. Neste caso, a escolha do nome tinha a clara intenção de distinguir o empreendimento por suas qualidades artísticas e arquitetônicas, sempre projetado por arquitetos de renome. Mais recentemente, o nome da própria empresa passou a conformar um tipo, identificado com determinadas classes sociais: “eles moram em um Moura Dubeux” ..., servindo também como ponto de referência “perto daquele Conic&Souza Filho ...”, construtora cujo slogan é “a cada obra, uma obra de arte”.

Outros grupos temáticos também são recorrentes. Aqueles relacionados à natureza são bastante comuns, empregando nomes da flora local (Jacarandá, Samambaia) ou, ainda, que evocam elementos da paisagem natural (Golden Garden, Golden River, Golden Lake). Também comuns são os motivos navais (Atlântico, Jangadeiro, Catamarã, Jangada), ou balneários, particularmente aqueles que evocam senso de glamour e lifestyle (Nice, Biarritz, Saint Tropez, Cannes, Estoril), ou aqueles que evocam uma vida ao ar-livre, em clima de férias, como as denominações oriundas das praias da região – Praia de Ocaporã, Porto de Galinhas, etc., todas elas freqüentadas pela elite local e conhecidas nacionalmente e onde se localizam os resorts da moda.

Finalmente, a mais recente tendência é batizar o edifício com o nome da família originalmente proprietária do terreno onde se localiza o empreendimento, sobretudo se a propriedade for listada como um IEP (13) – e assim o sendo, a construção original será preservada e utilizada como área de lazer e condominial da edificação (14). Neste caso, o nome do antigo proprietário, ou da antiga família, assim como o imóvel preservado, criam uma identidade com a história do lugar, na tentativa de seduzir antigos vizinhos para aceitar as transformações significativas em sua vizinhança: ao menos eles estarão relacionados a alguém que é parte da história, e agora, relacionados também à história do lugar. Uma segunda tendência é utilizar nomes que, sem nenhuma conotação com o local onde se implanta o edifício, representa uma homenagem do construtor a um familiar próximo (mãe ou pai), estabelecendo uma ‘nova’ tradição, pelo poder que o novo terá como ponto de referência.

O caso dos IEPs é surpreendente – não sendo um bem patrimonial tombado e protegido pela mesma legislação referente ao patrimônio histórico e artístico, acabam constituindo o que Silva (15) apelidou, com muita justeza, de patrimônio de segunda (16). Nesta condição de imóveis de arquitetura significativa para o patrimônio histórico, artístico e/ou cultural, agregam distinção ao empreendimento, ainda que este imóvel quase-patrimônio seja literalmente engolido pelo novo e venha a ter as características de excepcionalidade e originalidade que motivaram sua listagem na classe de imóveis de interesse de preservação violentadas.

O edifício Maria Clementina Vianna, na praça de Casa Forte, é um exemplo deste patrimônio de segunda. O edifício é anunciado como a fusão de passado, presente e futuro. A exigüidade de terreno disponível para a construção da torre de apartamentos, determinou o avanço da nova edificação sobre a edificação existente, que abrigará escritórios para os moradores, configurando um conflito irreconciliável entre escalas e uma paradoxal compreensão do sentido de preservação do objeto arquitetônico. É verdade que os arquitetos procuraram minimizar este conflito de escalas com a escolha de uma planta de forma ondulante, reduzindo, portanto, a massa edificada sobre a casa. A forma resultante é semelhante a um piano de cauda, sendo apropriada pela campanha publicitária para logotipo do empreendimento.

A praça de Casa Forte reúne, ainda, vários exemplares aptos ao tipo de fusão anunciada: a lista dos IEPs inclui mais dez imóveis no mesmo local. A própria praça, projeto de Burle Marx, é também objeto de tombamento. Mas o mito da tradição permanece sendo alimentado por meio das estratégias de marketing.

Vale ressaltar que é o nome da edificação que carrega os atributos de nobreza, distinção e glamour sintetizados na imagem-chave das peças promocionais. A forma do edifício, no entanto, nem sempre tem qualquer relação com as imagens evocadas pelos nomes que os identificam e as características arquitetônicas não guardam qualquer relação de parentesco com os arquétipos que lhes servem de anunciação.

Como destacado por Bonta (17), as formas adquirem significado não apenas pelo contraste com outras formas, mas sobretudo devido à similaridade com certas formas que carregam o mesmo significado. Mas este não é o caso das edificações anunciadas, como o exemplo ilustrado na figura 15, cuja imagem-chave reflete uma das tendências atuais que é a evocação dos sítios e quintais típicos dos arrabaldes do Recife. Nesta peça, a promessa é de resgate da tradição de morar em sítios, trazida pelos ingleses do século 19 (sic) – a imagem-chave é a do Palácio Arquiepiscopal de Olinda e Recife, em gravura de 1878. No entanto, o edifício localiza-se relativamente afastado do Palácio, numa das mais movimentadas ruas do bairro do Rosarinho, que recebeu este nome do Sítio das Roseiras ali existente no século 19. A tradição parece ser resgatada pela força do nome do empreendimento - Pedra do Sítio das Roseiras (18), como se o nome tivesse poder de materializar uma certa ‘personalidade’. Ou seja, o que se vende é o desejo de adquirir e viver num determinado estilo de vida, mas o que se compra é um sonho (que pode se tornar um pesadelo pela ausência total dos atributos originais).

Marketing e arquitetura: diferenciação social fabricada

Campanhas publicitárias, como visto, são instrumentos poderosos que fortalecem o mercado imobiliário em Recife, cujos fundamentos dependem da recriação contínua das expectativas em torno do morar e de um certo estilo de vida. Assim sendo, peças publicitárias tanto representam o desejo de consumidores, quanto são a origem destes desejos. Atuam de forma eficiente evocando imagens que sugerem conforto e segurança, assim como estabilidade, tradição e riqueza, provavelmente reais em tempos passados.

Assim, o nome, o programa, a altura, a localização atuam como instrumentos classificatórios, ou seja, servem como meio para estabelecer as associações com as quais os indivíduos se localizam numa determinada categoria. Desta forma, as estratégias para influenciar a decisão de compra da classe média estão baseada em relações tradicionais, ainda que tradição tenha que ser inventada. De fato, o principal mercado para classe média oferece aquilo que é conscientemente buscado pelo grupo social: uma atmosfera de tradição e de sólida domesticidade, associada ao passado, que lhes garante diferenciação social, ainda que estes atributos não estejam de fato materializados na forma da edificação.

No entanto, os efeitos são mais amplos do que influenciar a decisão de compra e atingem até mesmo grupos que não são potenciais compradores, gerando imagens e crenças compartilhadas pela população, que, por exemplo, via de regra, vê no prédio alto um sinônimo de progresso, e, portanto, algo a ser estimulado na cidade, para dar-lhe uma feição de cidade moderna.

notas1
A primeira parte do artigo pode ser lida em LOUREIRO, Claudia; AMORIM, Luiz. “Dize-me teu nome, tua altura e onde moras e te direi quem és: estratégias de marketing e a criação da casa ideal – parte 1”. Textos Especiais Arquitextos, n. 281. São Paulo, Portal Vitruvius, fev. 2005 <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq000/esp281.asp>.

2
ADEMI-PE – Associação de Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco. Ver: 1. Ademi Lança Campanha. Diário de Pernambuco. Recife, 09 de set. 2003. Disponível em: <http://www.pernambuco.com/diario/2003/09/12/imoveis1_1.html>. Acesso em: 26 mai. 2004; 2. ADEMI-PE. ADEMI Imóveis. Recife, ADEMI-PE, 2004; 3. MERCÊS, M., MELO, T. e RODRIGUES, D. Perfil da demanda por imóveis residenciais no Grande Recife. Recife, SINDUSCON-PE, 1998.

3
HILLIER, B. Space is the machine: a configurational theory of architecture. Cambridge, Cambridge University Press, 1996. Acesso em: 26 maio 2004.

4
AMORIM, L. The sector's paradigm: a study of the spatial and functional nature of modernist housing in Northeast, Brazil. Thesis (PhD Thesis) – The Bartlett School of Graduate Studies, University London, London, 1999.

5
AMORIM, L. e LOUREIRO, C. O morar coletivo: um estudo analítico e proposicional de programas e tipos de edifícios habitacionais multifamiliares. Projeto de pesquisa (Morfologia da arquitetura) – Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2000.

6
CAVENDISH, A. Arrumando a casa: investigando transformações no espaço doméstico. Trabalho Final de Graduação (Arquitetura e Urbanismo) – Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2000.

7
Usado aqui para descrever um certo arranjo de espaço onde a continuidade visual supera o tradicional isolamento espacial e segregação.

8
Lei 16719/2001, que cria a Área de Reestruturação Urbana – ARU, composta pelos bairros Derby, Espinheiro, Graças, Aflitos, Jaqueira, Parnamirim, Santana, Casa Forte, Poço da Panela, Monteiro, Apipucos e parte do bairro Tamarineira, e estabelece as condições de uso e ocupação do solo nessa área.

9
Ademi Lança Campanha. Diário de Pernambuco. Recife, 09 de set. 2003. Disponível em: <http://www.pernambuco.com/diario/2003/09/12/imoveis1_1.html>. Acesso em: 26 maio. 2004.

10
Tirado de um dito popular.

11
ALMEIDA, Fernando. A cidade que quer tocar o céu. Texto não publicado. Recife, 2004.

12
DOVEY, K. Framing places: mediating power in the built form. London, Routledge, 1991.

13
IEP – Imóvel Especial de Preservação, listados na Lei nº 16284/97, da Prefeitura da Cidade do Recife, como imóveis de arquitetura significativa para o patrimônio histórico, artístico e/ou cultural da cidade do Recife, cujas condições de preservação são estabelecidas na lei.

14
AMORIM, L. Trocando gato por lebre: quando os instrumentos de preservação não preservam o que deve ser preservado. Texto apresentado III SEMINÁRIO DOCOMOMO BRASIL, São Paulo, 1999.

15
SILVA, G.G. da. Um patrimônio de segunda. Palestra proferida no Simpósio Cidade, Urbanismo, Patrimônio e Sociedade, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano – MDU, Recife, jun. 2004.

16
A crítica de Silva refere-se ao fato de que estes imóveis, apesar de listados como de características excepcionais não são protegidos pelas mesmas regras de salvaguarda do patrimônio cultural, que, quer seja para o edifício isolado, para o monumento ou sítio histórico, além das características arquitetônicas e urbanas, preserva a ambiência, a escala e a visibilidade do bem tombado.

17
BONTA, J. P. Architecture and its interpretation: a study of expressive systems in architecture. London, Lund Humohries, 1979.

18
O nome ‘Pedra’ faz referência ao empreendedor.

sobre os autores

Claudia Loureiro é professora da Universidade de Federal Pernambuco, Brasil

Luiz Amorim é professor da Universidade de Federal Pernambuco, Brasil

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