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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
As autoras, para entender a organização efêmera que se sobrepõe à Brasília real projetada por Lúcio Costa, utilizaram ferramentas capazes de registrar e sintetizar dados em termos de duração, concomitância e redes intermitentes


how to quote

SCHRAMM, Mônica; LIMA, Beatriz de Abreu e. Captar o efêmero. Arquitextos, São Paulo, ano 05, n. 058.11, Vitruvius, mar. 2005 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/05.058/495>.

Lidar com o que é transitório, fugidio, ou até ocasionalmente invisível, não é uma tarefa fácil. Embora estes termos já possuam um papel operativo em outros campos do conhecimento, no campo da arquitetura e do urbanismo ainda é grande a dificuldade para que sejam incorporados na prática de projeto, análise ou crítica.

Dentro desta ótica transitória nos propusemos a investigar Brasília, mais especificamente a área tombada, o que nos proporcionou identificar a existência do que convencionamos chamar “cidade latente”. Trata-se de uma cidade instável /intermitente, constituída por eventos e estruturas efêmeras que ativam temporariamente os grandes vazios, ou interstícios, característicos de Brasília; sejam estes áreas verdes ou mesmo áreas pavimentadas de plataformas, praças ou estacionamentos.

Para entender esta organização efêmera, que se sobrepõe à cidade “real” projetada por Lúcio Costa, tornou-se imperativo apreendê-la e representá-la dinamicamente. Para tanto, foram necessárias ferramentas capazes de registrar e sintetizar dados em termos de duração, concomitância, redes intermitentes etc.

Diante da introdução da questão dinâmica, instrumentos tradicionais de representação – o croqui, a perspectiva, o desenho em duas dimensões – são necessariamente desafiados. Ao lidar com a variável tempo, em vez de um único desenho, utilizamos uma sucessão de desenhos – um storyboard –; em vez de uma imagem, um filme ou uma animação; em vez de abordar eventos isolados, abordamos as relações entre os eventos.

A opção por instrumentos dinâmicos de investigação insere-se em um processo contínuo de experimentação, culminando na produção de diagramas animados digitalmente. Nos diagramas, as “turbulências” geradas na malha do Plano Piloto fornecem informações imediatas sobre a configuração e a constante transformação da cidade latente, sobre a relação existente entre determinados locais e a concentração, rarefação, repetição ou duração de eventos.

A partir deste ponto, um novo campo de investigação começa a se delinear. A maneira como as informações geradas pelos eventos efêmeros podem ser assimiladas digitalmente, sugere novos canais para que, tanto o poder público como os cidadãos, sejam capazes de interferir e interagir na rede de relações que conformam a cidade latente. Evidencia-se então a possibilidade de uma postura crítica e produtiva em relação ao potencial das tecnologias digitais, implicando uma participação criativa do indivíduo no espaço público, numa “superposição de espaços virtuais e urbanos”.

“hipoteticamente, a força produtiva da interatividade tira o espectador/ouvinte de seu estado meramente receptivo de consumidor da cultura, mas isso pressupõe também uma transformação dos meios de produção cultural interativa [...] deveria existir a possibilidade de fazer do consumidor privado de bens culturais um produtor público de cultura. Para chegar a esse ponto é necessário descobrir – como acontece nas abordagens performáticas de práticas culturais – interligações criativas entre mídia virtual “privada” e o espaço “público” urbano que permitam o aproveitamento produtivo dos processos de midialização de ação global na cultura urbana local.” (2)

Arquiteturas móveis e adaptáveis, adotadas como componentes de um urbanismo baseado na criação de eventos ou situações, já faziam parte das propostas de vários arquitetos e artistas de meados do século XX, como por exemplo, o grupo Archigram e suas “Plug In City” e “Computer City”, o grupo GEAM, dentre outros. Hoje, as possibilidades de interação e participação que as novas tecnologias oferecem, trazem propostas como estas para um novo patamar.

O grande diferencial está no papel que, atualmente, os espaços públicos podem representar na vida urbana diante da “desmaterialização” dos modernos meios de comunicação. Sob este ponto de vista, em Brasília, a relação entre vazios, eventos efêmeros e espaços públicos representa um campo a ser explorado.

Planejar com o efêmero

Apesar das atividades efêmeras terem uma presença bastante evidente na paisagem de Brasília, seu poder para provocar reestruturações urbanas “reais” – quase diárias – é subestimado. Subestima-se também a capacidade dos espaços intersticiais, dos vazios, intimamente associados a essas atividades, constituírem-se em territórios de constante negociação entre os diversos personagens que atuam na cidade. Sendo assim, estes territórios poderiam ser entendidos como o próprio âmbito da esfera pública, lugar de interação, inclusive “virtual”, e não apenas como elementos de composição da paisagem.

Uma vez admitida a cidade latente, surgem várias questões. Como geri-la? Como suas peculiaridades podem contribuir para a urbanidade? É possível tratá-la como um elemento de planejamento urbano? Qual seu papel nas relações estabelecidas entre a cidade tombada e as dinâmicas urbanas? As pressões às quais as “áreas vagas oficiais” de Brasília são submetidas para serem preenchidas (ainda que temporária ou precariamente), reclamam respostas.

Ao contrário do que vem sendo realizado em termos de estratégias públicas (que confundem o efêmero com a informalidade e incentivam a “regularização” por meio de arquiteturas fixas), propomos que o efêmero constitua um inusitado critério para a gerência do espaço público em geral.

Para enveredar por este caminho, algumas considerações precisam ser feitas no que diz respeito à cidade latente e sua flexibilidade. Uma premissa básica é a compreensão de que é essencial garantir a mobilidade e adaptabilidade dos componentes efêmeros da cidade latente, para que estes estabeleçam com os vazios de Brasília uma relação “simbiótica”, e não “predatória”. Além disso, a flexibilidade do sistema depende de uma certa infra-estrutura, que pode abranger desde um simples ponto de luz ou água até conexão à internet.

A infra-estrutura constitui o elemento que permite às arquiteturas efêmeras serem plugadas no jogo (3) das combinações que configuram a cidade latente, inserindo-se em uma rede passível de ser visualizada e manipulada virtualmente, de acordo com os desejos de uma comunidade também virtual. Podemos fazer uma analogia entre a interface flexível que este sistema lograria, e aquela obtida com a idéia de “auto-configuração” inerente ao conceito Plug and Play – em português, Conecte e Opere – da área da informática (4).

A grande questão seria definir as características das arquiteturas efêmeras. A concepção destas estruturas, incluindo os materiais empregados na sua confecção, teria que ser pensada em função de princípios como: facilidade de deslocamento, leveza, adaptabilidade a diferentes programas; enfim, flexibilidade.

Atualmente a figura do arquiteto tem pouca ou nenhuma participação nas soluções para as estruturas efêmeras. A relevância da participação do arquiteto evidencia-se quando constatamos, pelos diagramas, que a cidade latente tem um ciclo peculiar de aparecer e desaparecer. Devido ao tempo necessário para a montagem e desmontagem das estruturas temporárias, sua presença pode ser detectada dias, ou até mesmo semanas, antes e depois da data marcada para um determinado evento. E se considerarmos a freqüência com que isso ocorre, veremos que a cidade “permanente” interage constantemente com uma cidade “flutuante”, feita de espaços e arquiteturas instáveis.

Na história da arquitetura encontramos vários exemplos de pavilhões temporários projetados por arquitetos; alguns constituíram-se em verdadeiros ícones arquitetônicos. Da mesma maneira, as estruturas efêmeras têm o potencial para tornarem-se um campo de atuação muito rico, possibilitando soluções criativas, intermitentes e múltiplas.

Uma situação típica em Brasília, na escala cotidiana (5), são as costureiras que se instalam em Kombis reformadas, espécies de quiosques permanentemente estacionados nas superquadras. Para participarem do “jogo” da cidade latente, estes “quiosques” teriam que adquirir efetiva mobilidade, instalando-se apenas temporariamente em locais dotados de infra-estrutura adequada, determinados pela comunidade virtual.

Se, no caso específico de Brasília, tomarmos como premissa a contribuição que os eventos efêmeros podem oferecer à urbs em termos da criação de uma rede que ativa os vazios (contribuição esta que, é importante ressaltar, depende da preservação de seu aspecto transitório), criando um campo “alternativo” para o domínio público, é possível conjecturar sobre uma cidade dotada de infra-estruturas concebidas especificamente para o efêmero. Uma cidade “flutuante”, cujos elementos se configurariam a partir de uma interface digital dinâmica com cidadãos e dirigentes; uma cidade que se manifesta nos vazios ... vazios?

notas

1
O grupo de estudos, pesquisas e projetos para a cidade contemporânea, o a.l.i.c.e., é formado por professores e alunos do Curso de Arquitetura e Urbanismo do UniCEUB de Brasília e outros arquitetos. O grupo abrange quatro linhas de pesquisa. A pesquisa “Interstícios Urbanos”, na qual se insere este artigo, é orientada por Beatriz de Abreu e Lima e Mônica Schramm e é composta por dois subtemas: “Efêmero Cotidiano” e “Efêmero Monumental”, desenvolvidos ao longo de 2004 pelos alunos Andréa Bagniewski e Igor Lacroix. As três outras linhas de pesquisa são: “A Cidade e seus Múltiplos”, “Diálogos” e “Metamorfoses”, orientadas respectivamente pelas professoras Emília Stenzel, Ana Carolina Drummond e Gabriela Izar.

2
PRIGGE, Walter. “Metropolização”, in: PALLAMIN, Vera (org.). Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.

3
Uma série de teorias ligadas à organização de sistemas complexos, como Teoria dos Jogos, Autopoiesis, Teoria de Sistemas Dinâmicos Não-lineares, Sistemas de Redes Neurais, têm sido aplicadas em diversos campos do conhecimento e, recentemente, nos campos da arquitetura e urbanismo.

4
O conceito Plug and Play foi amplamente divulgado a partir do final da década de 80 para facilitar a interface entre o usuário e seu computador pessoal, no que diz respeito a expansões, instalações e reconfigurações do sistema. A idéia é permitir que quaisquer combinações de placas de expansão e outros dispositivos possam ser utilizados e compartilhados automaticamente. Esta flexibilidade é obtida graças a um software gerenciador, que opera mesmo durante a execução do sistema.

5
No artigo “O urbanista defende sua cidade”, de 1967, Lúcio Costa aponta as três escalas funcionais presentes no projeto do Plano Piloto – escala cotidiana ou residencial, escala concentrada ou gregária, e escala coletiva ou monumental. (In: COSTA, Lúcio. Lúcio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes, 1995). A escala cotidiana ou residencial é descrita como a escala com feição íntima e recolhida, estabelecida pelas Unidades de Vizinhança – superquadras.

[© as fotos e diagramas apresentados neste artigo foram produzidos pelos integrantes da linha de pesquisa “Interstícios Urbanos”: Igor Lacroix, Andréa Bagniewski, Beatriz de Abreu e Lima e Mônica Schramm]

sobre os autores

Mônica Schramm, arquiteta graduada pela UnB, atua como profissional liberal na área de projetos de arquitetura

Beatriz de Abreu e Lima, M.Arch pela AA School of Architecture, graduada pela UnB, leciona no UniCEUB e desenvolve projetos em escritório próprio desde 1994

Atualmente ambas integram o grupo de pesquisa a.l.i.c.e. (1) e trabalham em parceria na área de projetos de arquitetura e arte

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