Um quadro síntese da Yahoo! Encyclopédie dá-nos uma visão do que foi a hierarquização em milhões de habitantes, das quinze maiores cidades do mundo durante o século XX:
As quinze primeiras metrópoles do mundo (em milhões de habitantes)
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Rang | Metrópole | 1900 | Metrópole | 1950 | Metrópole | 1985 | Metrópole | 2000 |
1 | Londres | 6,4 | New York | 12,3 | New York | 18,1 | Mexico | 31 |
2 | New York | 4,2 | Londres | 10 | Tokyo | 17,2 | São Paulo | 25,8 |
3 | Paris | 3,9 | Rhin-Ruhr | 6,9 | São Paulo | 15,9 | Tokyo | 24,2 |
4 | Berlin | 2,4 | Tokyo | 6,7 | New York | 15,3 | New York | 22,8 |
5 | Chicago | 1,7 | Shanghai | 5,8 | Shanghai | 11,8 | Shanghai | 22,7 |
6 | Vienne | 1,6 | Paris | 5,5 | Calcutta | 11 | Pékin | 19,9 |
7 | Tokyo | 1,4 | Buenos Aires | 5,3 | Los Angeles | 10,4 | Rio de Janiero | 19 |
8 | Saint-Pétersbourg | 1,4 | Chicago | 4,9 | Rio de Janeiro | 10,4 | Calcutta | 17,7 |
9 | Philadelphie | 1,4 | Moscou | 4,8 | Séoul | 10,2 | Bombay | 17,1 |
10 | Manchester | 1,2 | Calcutta | 4,4 | Bombay | 10 | Jakarta | 16,8 |
11 | Birmingham | 1,2 | Los Angeles | 4 | Londres | 9,8 | Séoul | 14,2 |
12 | Moscou | 1,2 | Osaka-Kobe | 3,8 | Rhin-Ruhr | 9,2 | Los Angeles | 14,2 |
13 | Pékin | 1,1 | Milan | 3,6 | Pékin | 9,2 | Le Caire | 13,1 |
14 | Calcutta | 1 | Mexico | 3 | Buenos Aires | 9,2 | Madras | 12,9 |
15 | Boston | 1 | Philadelphie | 2,9 | Paris | 8,9 | Manille | 12,3 |
Vejamos outros dados sobre a evolução da população no planeta:
a) Em 1900 só 1 % da população mundial morava em regiões metropolitanas.
Hoje, metade da população vive nas cidades e, segundo estudos da ONU para o ano 2025, essa percentagem elevar-se-á para 63%; na América Latina, Ásia e em muitas outras partes do mundo esta última percentagem já foi sobejamente ultrapassada.
b) A população mundial duplicou desde 1960, para atingir os atuais 6,1 bilhões de habitantes.
c) Por volta de 2050, o mundo deverá ter mais 3 bilhões de pessoas do que as atuais, atingindo o total de 9 bilhões de habitantes; estima-se que só na Ásia haverá 50 mega-cidades com mais de 20 milhões cada.
Serão essas cidades todas iguais, genéricas? Como será nelas a vida diária? A chamada civilização urbana chegará ao fim com o aparecimento das mega-cidades?
Alguns dados demográficos relativos à Europa
a) 80% da população européia vive nas cidades, o que faz deste continente o mais urbanizado do mundo. Se bem que possam ser muito diversificadas, as zonas urbanas confrontam-se com problemas semelhantes (1);
b) Cerca de 20% dos Europeus vivem em grandes aglomerações com mais de 250.000 habitantes, 20% em cidades de porte médio e 40% nas cidades com 10 a 50.000 habitantes. Londres e Paris são as duas únicas cidades da Europa que contam com cerca de 10 milhões de habitantes cada (2);
c) Em Portugal, num retrato da nossa paisagem urbana, constata-se que mais de 70 por cento da população vive hoje ou trabalha nas cidades enquanto há trinta anos dois em cada três portugueses ainda viviam no meio rural.
Como definir globalização no urbanismo e arquitetura
“E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo”
Fernando Pessoa, Mensagem
Sensivelmente a partir da década de 80 no séc. XX, a par do fenômeno mundial de concentração das populações em metrópoles e cidades, assistimos a um outro fenômeno chamado de Globalização ou Mundialização, a que os mais entusiastas já consideram caracterizar uma nova era da História da Humanidade.
Não existe uma definição de globalização que seja aceite por todos, pois designa muitas coisas ao mesmo tempo. Há a interligação acelerada dos mercados, há a possibilidade de movimentar bilhões de dólares por computador em alguns segundos, como ocorre nas Bolsas de todo o mundo, há a chamada terceira revolução tecnológica (processamento, difusão e transmissão de informações).
A globalização está em curso, entre outras coisas, por causa de duas revoluções: a tecnológica e a da informática. É dirigida pelo poder financeiro. Juntas, a tecnologia e a informática e com elas o capital financeiro diminuíram distâncias e romperam fronteiras. Hoje é possível ter informações sobre qualquer parte do mundo, a qualquer momento e de uma forma simultânea. Mas também o dinheiro tem agora o dom da ubiqüidade, move-se de maneira vertiginosa, como se estivesse em todo o lado ao mesmo tempo. E mais, o dinheiro dá uma nova forma ao mundo, a forma de um mercado, de um mega-mercado.
A globalização em curso, com fundamento ultra neoliberal, modifica radicalmente o discurso urbanístico e arquitetônico, podendo-se-lhe já constatar, em síntese, as seguintes características relativamente às quais não podemos deixar de refletir e assumir uma posição:
1. Desterritorialização espacial e cultural / Abolição sistemática de fronteiras;
2. Afronta aos contextos e valores históricos, culturais, e patrimoniais pré-existentes / Desmemorialização das comunidades quanto aos referenciais constituintes da sua identidade;
3 Ataque sem limites ao pluralismo cultural e aos valores de identidade nacional, regional e local que não conhece, em favor de valores internacionais, sobretudo americanos, que conhece;
4. Desestruturação dos tecidos urbanos pré-existentes e imposição da estética do caos e dos não-lugares;
5. Promoção do conceito de cidade como um mega-mercado;
6. Promoção do conceito de cidade genérica, igualitarista nos aspectos formais, como resultado dum pensamento internacional, sobretudo americano;
7. Cenário provocatório de uma estética sem ética, como fundamento para o exercício da profissão do arquiteto.
Quando o mundo é conquistado pelas multinacionais, as comunicações maximizam-se e as distâncias virtualizam-se, a cultura do não-lugar, do desapego e de uma identidade universal crescem. A arquitetura não respeita fronteiras, nem tradições, nem recursos naturais e surge como resultado de um pensamento internacional (3).
Pelo desprezo que revela ter em relação às questões patrimoniais e de identidade cultural pré-existentes, a estética da arquitetura da globalização, uma Estética Sem Ética, pretende que nos tornemos apáticos, acríticos e insensíveis a tudo o que nos surja diante dos olhos.
Pelas razões atrás invocadas, afigura-se antes de tudo ser uma questão vital de preservação da nossa identidade, uma identidade que queremos dinâmica e viva, uma identidade que não podemos deixar que morra às mãos do passadismo ou do ultravanguardismo neo-liberal, saber-se como lidar com essa nova corrente econômica e de pensamento, a da Globalização e Super-modernidade, este novo problema dos nossos dias como muito bem refere Mário Soares num artigo publicado recentemente no semanário Expresso.
Um outro tipo de globalização é possível e desejável!
Globalizar ou glocalizar?
A nossa principal crítica não é contra a globalização, mas sim contra este tipo de globalização, pois, negá-la ou querermos sair dela, seria inútil porque como diz Rosa Montero num artigo do diário el país .... se nos opusermos à onda em vez de a cavalgar, estaremos desaproveitando um momento crucial e facilitando que as multinacionais assumam o controle do novo mundo. Não há que rechaçar a globalização mas sim tomá-la (4).
Mas, a nossa crítica relaciona-se não só com o fenômeno da globalização mas também, muitas vezes, com uma total falta de idéias quanto à concepção de muitos dos edifícios anônimos existentes.
Refira-se que muitos dos edifícios e conjuntos urbanos que constituem a melhor arquitetura das nossas cidades encontram-se em deprimente e total abandono, quando não à espera da buldozer, sem que isso tenha alguma coisa a ver com o fenômeno da globalização.
Porque não aproveitar a quantidade de informação e a velocidade a que circula para conhecer projetos, novas tecnologias, materiais, sua aplicação adequada; estudá-los e ver de que modo seriam úteis em cada lugar, em vez de tomar edifícios, copiá-los textualmente, ou demolir tantas e tantas vezes obras excepcionais que deveriam ser recuperadas e valorizadas?
Porque não aproveitar os recursos do lugar, porque não pensar um pouco, porque não estudar o movimento do sol, as chuvas e o vento no seu relacionamento com o urbanismo e a arquitetura?
Porque não pensar numa arquitetura global dentro do local e local dentro do global. Uma arquitetura única para cada lugar dentro do pensamento universal. Uma arquitetura de idéias que tenha que ver com a sua implantação, que não contribua para o esgotamento dos recursos naturais, mas que ajude a conservá-los; isto sem deixar de ser parte deste mundo globalizado.
“Que o genius loci seja o sustentáculo desta arquitetura ecológica” (5).
No fundo, como contraponto à globalização, o que é possível ser feito em relação à arquitetura e urbanismo, julgo ser aquilo que os economistas já designam por globalização, uma síntese de Global com Local, articulando e integrando no mesmo processo valores locais e regionais com valores universais.
Com o século XXI, o futuro surge incerto mas também com novas oportunidades a exigir novas atitudes; hoje temos que refletir e agir não só em relação ao adro da nossa igreja mas também à nossa casa de todos, o planeta Terra. O olhar global, em extensão, é tão necessário, fascinante e importante como o olhar local, em profundidade. Ambos estes olhares ajudam-nos a perceber melhor a condição do Homem neste planeta.
A herança do patrimônio edificado no contexto da globalização
A arquitetura e o desenho urbano são indiscutivelmente a mais pública de todas as artes, podendo ser considerada como a forma não verbal, a mais forte das formas de expressão coletivas.
Na nossa era de crescente, globalizada e liberalizada prática profissional, estamos todos conscientes da importância do pluralismo cultural em arquitetura. A diversidade da estrutura cultural das nossas sociedades influencia a arquitetura em todos os países, mesmo que tal seja num grau menor. A nossa profissão precisa de assegurar que a imagem arquitetônica das diversidades culturais continue no futuro (6).
Ora, para que isso se possa implementar com sucesso, na medida em que a arquitetura é praticada, será necessário ligar a herança do patrimônio à promoção da diversidade cultural (7).
A profissão de arquiteto tem pois a tarefa difícil de definir os limites do passado e abrir em simultâneo as portas para o futuro e para o desenvolvimento tecnológico.
Precisamos de respeitar o patrimônio, projetando-o para o futuro e não para o passado nostálgico. Não nos esqueçamos porém que a atmosfera da espacialidade, essência desse mesmo patrimônio edificado, nunca deverá ser posta em causa.
Não nos esqueçamos do fato que, são precisamente o patrimônio e a cultura que permitem que uma nação sobreviva apesar da perda de independência política e econômica. Mas, para que a cultura não se torne uma barreira no plano internacional, ela tem que ser livre expressão da identidade cultural dentro de um contexto democrático, com rejeição de suspeitas quanto a outras pessoas e culturas (8).
Os arquitetos podem e devem mostrar esse caminho.
A essência da cidade e a garantia do princípio da sustentabilidade ambiental
A cidade é, sobretudo, contacto, regulação, intercâmbio e comunicação. Esta é a base epistemológica em que assentam os seus componentes. Aquilo que é essencial na cidade é a interação entre os cidadãos e, as suas atividades, instituições e o meio ambiente.
Que condições urbanísticas e arquitetônicas garantem a melhor espacialidade e sustentabilidade para o exercício dessa interação?
Vejamos em síntese o que nos diz a Carta de Aalborg, a “ Carta da Sustentabilidade das Cidades Européias”.
Sustentabilidade ambiental significa manutenção do capital natural. Exige que a taxa de consumo de recursos renováveis, nomeadamente água e energia, não exceda a respectiva taxa de reposição e que o grau de consumo de recursos não-renováveis não exceda a capacidade de desenvolvimento de recursos renováveis sustentáveis. Sustentabilidade ambiental significa também, que a taxa de emissão de poluentes não deve ser superior à capacidade de absorção e transformação, por parte do ar, da água e do solo.
Além disso, a sustentabilidade ambiental garante a preservação da biodiversidade, da sociedade humana e da qualidade do ar, da água e do solo, a níveis suficientes para manter a vida humana e o bem estar das sociedades, bem como a vida animal e vegetal para sempre (9).
Este princípio genérico de sustentabilidade urbana, expresso no pequeno extrato da Carta de Aalborg, surge porquanto as questões do ambiente relacionadas e inerentes às cidades se tornam cada vez mais evidentes e imperativas. Diga-se como exemplo que, em grande parte devido ao automóvel, a concentração do smog no Inverno afeta já cerca de 70 milhões de cidadãos da União Européia. Além disso, colocam-se problemas de tratamento de lixos, de águas residuais, de transportes urbanos, de preservação do patrimônio cultural edificado, destruição intensiva e extensiva de solos, etc.
As cidades hoje dominam o consumo dos recursos globais. Ocupam 2% da superfície do planeta e consomem 75% dos recursos. O desenvolvimento urbano sustentável é, por força, o mais forte desafio da humanidade face ao séc. XXI. Poder-se-á conter o apetite das cidades e reduzir substancialmente quer os diferentes tipos de poluição, quer a voragem intensiva e extensiva de solos?
As cidades como um problema de voragem frenética de espaço e de solos
O automóvel desempenhou, durante o século XX, algo mais do que uma revolução no modo das deslocações. Modificou os costumes e transformou radicalmente a forma e funcionamento das cidades. Nos últimos trinta ou quarenta anos, as cidades no mundo alastraram em mancha de óleo e estenderam-se, havendo consumido em regra, cada uma, tanto espaço como em toda a sua história anterior, passando de estruturas compactas e eficientes a outras dispersas, difusas e antiecológicas. O comboio primeiro e o automóvel depois tornaram possível o crescimento em extensão das zonas urbanas.
Os transportes são reflexo direto do uso do solo urbano, ou seja, a procura de transportes é uma procura derivada, isto é, as deslocações ocorrem porque existe uma distância entre o local onde as viagens são produzidas e para onde são atraídas. Embora isto possa parecer trivial é da maior importância este conceito, uma vez que uma parte significativa da solução dos problemas de transportes passa pela mudança de padrões de concepção das cidades, e de novas formas de gestão e administração urbana (10).
Para além da defesa do princípio da maior densificação e compactação das cidades, é absolutamente necessário que se observe o princípio da prioridade às deslocações em veículos que tenham menor impacto ambiental e de ocupação do espaço urbano por pessoa deslocada, e ainda que todos os edifícios ou conjuntos de edifícios, dentro dos limites da sua implantação, disponham de estacionamento afeto aos seus usuários.
A ocupação de espaço urbano, em termos de vias sub-utilizadas que ocupam áreas enormes das cidades, uma vez que somente às horas de ponta por dia estão totalmente cheias de veículos, e áreas ocupadas de estacionamento, mostram a imoralidade do uso de espaço urbano por automóveis. Em média, a proporção entre as áreas ocupadas por passageiro de automóvel em relação às do autocarro varia de 6 vezes e, em cidades onde não existe um sistema racionalizado de autocarro, essa proporção vai a mais de 15 vezes (11)
A área de solo exclusivamente afeta ao automóvel é muito significativa; do território urbanizado, entre 25% a 35% é destinado a ruas e estradas, e outra percentagem significativa é destinada aos trajetos interurbanos.
O fenômeno da destruição frenética de solos decorrente da explosão urbana em extensão é mundial, verificando-se quer em grandes quer em pequenas cidades:
A explosão urbana verificada na região metropolitana de Barcelona, especialmente desde a década de setenta, apesar de que isso tenha ocorrido no dia a dia e o tenhamos visto com a naturalidade daquilo que nos é quotidiano, é de uma dimensão considerável. Em vinte anos – para serem mais exatos, desde o ano de 1972 a 1992 – ocupou-se mais solo em assentamentos urbanos que nos dois mil anos anteriores; em concreto, nestas duas décadas, destinou-se para usos urbanos a desorbitada quantidade de 26.000 hectares, tendo-se ocupado nos dois mil anos anteriores nada mais que 20.000 hectares. De forma parecida cresceram a maioria das metrópoles espanholas, que viram como se multiplicava o espaço urbano em detrimento dos espaços rurais e naturais. No caso da metrópole barcelonesa o ritmo de ocupação do solo (isto quer dizer que já não voltará a ter outro uso) foi frenético e continua a sê-lo, numa relação de 7X1, se se compara com a evolução de ocupação do espaço até à década de sessenta.
Em Portugal, pela simples leitura de uma carta, apercebemo-nos visualmente que até a pequena cidade de Castelo Branco, triplicou de área nos últimos 30 anos, relativamente ao tamanho da cidade atingido desde a sua fundação até 1970.
O objetivo do futuro há de passar necessariamente por um uso mais criterioso e econômico do solo, conseguido através duma maior densidade ou intensidade de uso nos planos urbanísticos, associado a um programa de ocupação de vazios urbanos. Esta formulação ajudará a baixar os gastos escandalosos com as infra-estruturas e transporte, e a reduzir a pilhagem de outras áreas de solo disponíveis (por exemplo, ecossistemas ou terra cultivável) para urbanização.
Sabe-se que um solo agrícola leva cerca de mil anos a formar, podendo, no entanto, ser destruído num ápice através de processos urbanísticos mal localizados. A fase dos loteamentos clandestinos em Portugal, no que respeita à salvaguarda de solo arável e à nossa autosustentabilidade alimentar, foi catastrófica. Perguntado ao INIA qual a estimativa de superfície de solo arável destruída no nosso país durante as últimas décadas, aquela entidade não soube responder. Embora reconheça que algo vem sendo feito pela maior proteção do nosso solo agrícola, há que reconhecer que este, tem sido dos mais atingidos com o processo de crescimento disperso e em extensão das nossas cidades.
As cidades como um problema de voragem de consumo energético
Todos os sistemas edificados devem manter uma relação recíproca com os ecossistemas locais e com a biosfera. Porém, por deficiente implantação, exposição ou uso de materiais inadequados ao meio, esta propriedade de interconexão está ausente na teoria e na prática de grande parte, senão mesmo a maioria dos projetos que se constrói atualmente.
Neste novo século, os arquitetos não poderão deixar de se preocupar com propostas de materiais, soluções construtivas, tipologias formais e reciclagem de materiais e componentes, que induzam a reduções acentuadas quer nos custos de construção, quer nos gastos energéticos de cada edifício, quer na redução da poluição ambiental.
Cite-se o caso dos edifícios ice-tea, obrigando ao uso sistemático do ar condicionado, um péssimo exemplo que leva os Estados Unidos a gastos de cerca de 16% da sua eletricidade totalmente consumida, para que se transformem da condição de fornos solares em frigoríficos elétricos habitáveis.
Outro aspecto a merecer reflexão é a de que no término da sua vida, a recuperação final dos materiais e componentes do edifício é muito significativa nos arranha-céus, podendo, contudo, não se justificar economicamente nos pequenos edifícios.
Uma organização urbanística dispersa implica também recursos adicionais entre os edifícios. A dispersão urbana (como oposta à solução urbana de alta densidade) requer um maior consumo de recursos energéticos não renováveis, especialmente para o transporte.
Estudos recentes demonstraram que a maior densidade de população urbana, corresponde menor consumo energético por habitante nas deslocações por automóvel. De fato, existe uma proporção geométrica entre a redução do consumo de energia devida ao transporte e o aumento da densidade de população (12).
O argumento de que é absolutamente necessário consumir menos energia, é não só aplicável aos sistemas de transporte horizontal, como também aos sistemas de transporte vertical. Estima-se, por exemplo, que os elevadores dos arranha-céus são 40 vezes mais eficazes energeticamente, e 10 vezes mais eficazes em consumo de materiais, que o automóvel médio de 1995 (13).
As cidades como um problema de voragem frenética de tempo
“A notícia do assassinato do presidente norte-americano Abraham Lincoln, em 1865, levou 13 dias para cruzar o Atlântico e chegar à Europa. A queda da Bolsa de Valores de Hong Kong (out./nov. 1997) levou 13 segundos para cair como um raio sobre São Paulo e Tóquio, Nova York e Tel Aviv, Buenos Aires e Frankfurt. Eis ao vivo e a cores, a globalização” (14).
No contexto da Globalização das economias, cada vez mais o tempo será tópico crítico de decisão. Tudo o que levar tempo será preterido.
Porém, nas nossas cidades, os desperdícios em combustível e tempo de viagem, com percas de produtividade e de qualidade de vida são enormes e atingem toda a sociedade. Embora viagens até 40 minutos não causem praticamente redução de produtividade, aquelas entre 40 e 60 minutos atingem os 14 %, entre 60 a 80 minutos os 16 % e, acima deste tempo de viagem a perca de produtividade no trabalho vai aos 21% (15).
A expansão descontrolada das cidades aumentou as distâncias de transporte e os respectivos custos de deslocação. Qual é a proposta para resolver este problema?
A expansão descontrolada das cidades deixa, muitas vezes, as comunidades praticamente isoladas. O que se fará para dar transporte público às periferias?
Façamos o cálculo do gasto de tempo mensal e anual na deslocação pendular casa, trabalho, casa, de um cidadão na Área Metropolitana de Lisboa, dentro dum veículo automóvel:
Média 2 horas/dia;
48 horas/mês;
576 horas/ano.
Vejamos agora as estimativas de gastos de tempo, nas deslocações duma população equivalente a uma unidade de vizinhança de 5.000 habitantes:
10.000 horas/dia;
240.000 horas/mês;
2.880.000 horas/ano.
Estudos realizados sobre o transporte, demonstraram que a intensificação da densidade residencial de 3,9 fogos/ha para 39 fogos/ha podem reduzir as deslocações em 40%. Esses mesmos estudos demonstram que o transporte público começa a ser viável quando as densidades residenciais rondam os 30 a 40 fogos/ha (16).
Andar a pé, dizem também alguns estudos, é incentivador para densidades de cerca de 100 fogos/ha (17).
Perante tal cenário, tão real como aterrador, quando existem soluções para minimizar os problemas, apetece perguntar que responsabilidades atribuir aos políticos e aos urbanistas pela voragem de tempo, um desperdício frenético e louco de tempo, quer em relação às atividades de trabalho quer ao tempo livre de cada cidadão, e que é decorrente diretamente da concepção e organização das cidades difusas em que vivemos atualmente?
Em geral, a adoção duma densidade mais alta nos espaços residenciais e de trabalho tende a reduzir a necessidade de possuir automóvel; reduz o total das deslocações urbanas; reduz a procura de espaço e de estacionamento; aumenta o emprego do transporte público (18).
A alternativa à cidade dos automóveis não é a cidade sem automóveis, porque estes já produziram transformações irreversíveis. Mas, este fato não impede uma racionalização a fundo no seu uso. Mais de 30 por cento das deslocações urbanas na Europa são de distancias inferiores a três quilômetros, de modo que não só o transporte coletivo, como também a bicicleta e o andar a pé podem absorver uma boa parte das viagens motorizadas sem que nos caiam os anéis da modernidade.
Em simultâneo, criando proximidade em vez de afastamento, evitando deslocações desnecessárias e combinando inteligentemente os diversos modos de transporte, pode-se recuperar a qualidade ambiental e urbana da rua.
Estas medidas, coerentemente ensaiadas, têm sido aplicadas por governos conservadores e de esquerda em muitas cidades européias, havendo conseguido uma ampla aceitação social. Nalguns países, como na Alemanha, Holanda ou Dinamarca, criou-se uma nova cultura da mobilidade (19).
Conclusão
A cidade do século XXI, como rede de informação e movimento, quer-se:
a) Ecológica / Sustentável
A cidade compacta e em altura pode ser incomparavelmente mais ecológica e sustentável que a cidade rasa e em extensão, constatando-se:
redução acentuada dos gastos energéticos e dos gastos com a construção, através da complexidade de sistemas de comunicação em rede, sobretudo na verticalidade relativamente à horizontalidade dos seus traçados;
redução acentuada do fenômeno predador e destruidor de solos;
redução acentuada do quantitativo de área impermeabilizada de solos;
redução acentuada dos custos de infra-estruturas urbanísticas;
redução acentuada da poluição;
redução acentuada de superfície total ocupada por automóveis;
redução acentuada dos tempos de deslocação;
redução do número de deslocações.
b) Compacta, densa e gótica
b.1 – Nas megacidades: um crescimento em altura ou mesmo em sistema de layers sobrepostos, articulados e integrados entre si ao contrário da cidade herdada do século XX, que cresce e se desenvolve num único layer, em zoning, numa extensão sem limites. Este modelo, curiosamente, tal como sucede em Hong Kong, constitui uma síntese da cidade tradicional com a cidade do século XX.
b.2 – Nas cidades médias e pequenas: a aplicação progressiva e cautelosa do princípio de tendência para a compactação urbana, face a possíveis choques de cultura (ruralidade / urbanidade).
c) Obediência aos princípios Vitruvianos (adaptados aos tempos atuais):
c.1 – Comodidade: leveza / exatidão / funcionalidade / velocidade;
c.2 – Beleza: evidência e promoção da estética urbana num clima festivo de pluralismo de linguagens;
c.3 – Durabilidade /Segurança: apertado controle de qualidade, relativamente à arquitetura entendida como um bem de consumo.
d) Síntese da cidade antiga com a cidade do século XX.
Num contexto de verdadeiro pluralismo de linguagens e de tipologias de espaço arquitetônico e urbano, que revelam o fio do tempo e da história da cidade, sem uma aparente estrutura a ligá-las entre si, e como resposta à exigência de novas funcionalidades da cidade eletronizada e da informação, os arquitetos não poderão deixar de se lançar na investigação de novas tipologias de composição urbanística e arquitetônica e de novas formas de linguagem arquitetural, a juntar às pré-existentes em vez de as arrasar.
A cidade como rede de informação e movimento deixa-nos com um espaço de colagem, um tecido de diferentes contextos e relações urbanas, ritmos que definem a nova sociedade pós-urbana. Não há aparente estrutura nesta rede, a sua preocupação é relativa à unidade e acessibilidade de diferentes realidades e modelos urbanos. O novo sonho utópico já não é total, mas um fragmento de um total composto por diferentes formas de vida urbana. Estes fragmentos combinam a multiplicidade de pontos de vista e a justificação de realidades a que chamamos espaço urbano (20).
Para o conhecimento local não bastam elementos quantitativos: a construção de modelos conceptuais apóia-se em valores e exige o reconhecimento dos detalhes que formam o espaço e dão sentido ao tempo. O recurso às alternativas de produção de espaços sociais pode ser uma via. A sua forma de globalizar está investida no local e é essa a sua virtude, a capacidade de intervir em fragmentos da realidade. A cada um desses fragmentos chamamos tipologia e neles procuramos conter algumas das novas necessidades do homem contemporâneo: a velocidade, a sustentabilidade, a tecnologia, a ocupação do lazer, a educação, e de uma forma geral, a fantasia e o encanto perdidos na pós-modernidade (21).
notas
1
A questão urbana: orientações para um debate europeu. Análise e investigação em matéria de política social <http://europa.eu.int/scadplus/leg/pt/cha/c11707.htm>.
2
A questão urbana: orientações para um debate europeu. Op. cit.
3
ELIZALDEIN, Lucila Perez. El fenomeno de la globalización < http://www.eco2site.com/arquit/arq%20vs%20glob.asp>.
4
MONTERO, Rosa. Apud ELIZALDEIN, Lucila Perez. Op. cit.
5
ELIZALDEIN, Lucila Perez. Op. cit.
6
SGOUTAS, Vassilis. Presidente da União Internacional dos Arquitetos (UIA), em Discurso na sessão comemorativa do Dia Mundial da Arquitetura, no ano 2000 em Moscou.
7
Idem, ibidem.
8
Idem, ibidem.
9
Carta da Sustentabilidade das Cidades Européias (Carta de Aalborg). Item 1.2 – Conceito e Princípios de Sustentabilidade <http://www.iclei.org/europe/ac-portu.htm>.
10
PEREIRA, Willian Alberto de Aquino. Transportes Urbanos e Cidades Sustentáveis, Revista de Administração Municipal Municípios IBAM, ano 45, nº 223 jan./fev. 2000.
11
Idem, ibidem.
12
YEANG, Ken. El rascacielos ecológico. Barcelona, Gustavo Gili.
13
VON WEISZACKER, Ernst; LOVINS, Amory B.; LOVINS, L. Hunter. Factor Four: Doubling Wealth, Halving Resource Use. Londres, Earthscan, 1997, p. 94.
14
Clóvis Rocha Conselho Editorial da Folha de S.Paulo
15
A questão urbana: orientações para um debate europeu. Op. cit.
16
YEANG, Ken. Op. cit.
17
Idem, ibidem.
18
Idem, ibidem.
19
OLMOS, Joan. “Tráfico ou cidade”. El Pais. Madri, 31 out. 2001.
20
FERREIRA, Catarina Teles. Utopias na viragem do milénio, Fórum Lisboa, Edifício Roma 2 de Julho de 1999 – Novas Tipologias de Composição Urbanística.
21
Idem, ibidem.
sobre o autor
José da Conceição Afonso é arquiteto e atua em Portugal
Fonte das imagens: "Metrópole", Fórum de Debates da V Bienal Internacional de Arquitetura e Design de São Paulo, 2003