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architexts ISSN 1809-6298


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Como sucede o fenômeno da “posse cultural” e sua importância na estruturação dos espaços da cidade é a questão que este texto de Alexandre Emílio Lipai pretende tratar, através do estudo da Praça da Sé, marco zero da cidade de São Paulo

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Como sucede el fenómeno de la "posesión cultural" y su importancia en la estructuración de la ciudad es la cuestión que este texto de Alexandre Emílio Lipai pretende tratar, a través del estudio de la “Praça da Sé”, marco cero de São Paulo


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LIPAI, Alexandre Emílio. Metrópole e as múltiplas dimensões do Espaço Público. Praça da Sé, São Paulo, Brasil. Arquitextos, São Paulo, ano 06, n. 068.06, Vitruvius, jan. 2006 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/06.068/392>.

O espaço público, qualquer que seja a sua escala assume, nas grandes Metrópoles, características de espaços de passagem para a maioria dos habitantes e raramente espaços de convivência e lazer. Entretanto, uma visão mais atenta poderá perceber que a diversidade dos usos de determinados espaços tornam-se peculiares, com características próprias adquiridas por uma forma de posse, não física mas cultural. Esta pertinência cultural é por vezes imperceptível em alguns grupos da sociedade sendo extremamente visível em outros grupos.

Como sucede o fenômeno da “posse cultural” e sua importância na estruturação dos espaços da cidade é a questão que este texto pretende tratar.

Contribuições diversas das ciências humanas e sociais são necessárias ao conhecimento por parte do arquiteto para compreensão e obtenção de ferramentas que permitam interpretar e atuar com os dois componentes sempre presentes no projeto de ambientes, os aspectos: objetivo e subjetivo da percepção e comportamento dos usuários.

Um espaço, uma história…

A Praça da Sé, objeto deste estudo, caracteriza-se por um processo de sucessivas transformações de seu espaço histórico, desde sua condição de um dos espaços da fundação da cidade de São Paulo, Brasil. Uma breve retrospectiva histórica do desenvolvimento das características espaciais da praça objetiva ilustrar as evoluções ocorridas desde a sua origem, trazendo, em rápidos tópicos, subsídios para compreender sua estrutura em termos do “antes” e do “depois” das mudanças que, apesar de radicais, ainda permitem encontrar vínculos com um passado de quase cinco séculos (figura 1).

Próximo e contemporâneo do marco inicial de origem da cidade de São Paulo: o Pátio do Colégio jesuítico, a praça teve sua primeira implantação com dimensões ínfimas e sua igreja, em construção na técnica de taipa, representava a matriz do Largo da Sé. A execução com a técnica de taipa, devido a escassez e despreparo da mão de obra, prosseguia com demoras em seu término e não oferecia boas condições de durabilidade exigindo restaurações em curtos períodos de tempo. Esta configuração permaneceu até o inicio do século XX quando, em 1911, iniciam-se as principais transformações deste espaço com a quadruplicação de sua área original e demolição das igrejas São Pedro da Pedra e Catedral da Sé (figura 2).

A cidade, passando por um grande período de transição, emerge da condição pós-colonial expandindo-se física e demograficamente com grandes hordas de imigrantes estrangeiros chegando sem cessar. O edifício da catedral de hoje começou sua construção em 1913 no local onde havia existido o Teatro São José, uma importante casa de espetáculos da época, destruída por um violento incêndio. A intenção era preparar o término das obras da catedral em 1954, data de comemoração do IV centenário de fundação da cidade, porém, não sendo possível, esta se completou após 57 anos de seu início, por volta de 1970.

A Praça da Sé, 1971, pouco tempo antes da grande transformação que sofreu com as obras do sistema de transportes metropolitanos (Metrô), tendo como elementos arquitetônicos, o edifício Mendes Caldeira (demolido por implosão em 1975) e ao lado o edifício “Palacete Santa Helena” um marco de arquitetura que desde sua inauguração (1925) era um dos símbolos de luxo, promotor do “imaginário” dos habitantes do importante Centro que definia este lugar (figura 4).

O edifício Santa Helena com seus pisos em mármores italianos, metais e bronzes ingleses, vidros e cristais importados da Tchecoslováquia, cobertura em telhas francesas, continha em sua planta no térreo um dos maiores e melhores cines-teatro de São Paulo, o primeiro cabaré elegante e nos pisos superiores salões para escritórios e consultórios disputados por profissionais de reputação na sociedade local. Nele se reunia o grupo de artistas que formavam a “Família Artística Paulista” com pintores de destaque como Aldo Bonadei, Mário Zanini, Volpi, também conhecidos como o “Grupo Santa Helena”. Entre 1938 e 1945, acontece a abertura da Praça Clóvis Bevilacqua, frontal ao Palácio da Justiça, tornando-se um espaço para funcionar como terminal central de ônibus urbanos, complementar ao que havia também na Praça da Sé (figura 3).

O espaço em mutação, própria de uma cidade que iria transformar-se em Metrópole, passa a ignorar a importância de preservar a sua memória. A busca de novos valores simbólicos que representassem progresso, desenvolvimento e modernidade, suplanta os ideais do imaginário comum dos habitantes.

As imagens da figura 3 apresentam uma configuração do conjunto das duas praças, vizinhas, porém separadas pela quadra onde ficavam os edifícios Mendes Caldeira e o Palacete Santa Helena, situação que desde 1950 perdurou por cerca de 20 anos sem que houvesse transformações significativas. O quarteirão foi demolido por completo para unificar as duas praças transformando-as em um único espaço em escala metropolitana.

Percepção das múltiplas dimensões do espaço público

Neste ponto das colocações do texto não se pode esquecer que a percepção e uso de um espaço não são determinados somente por três dimensões que constroem fisicamente a sua geometria como também por outras dimensões que atribuem a ele o seu real significado agregando valores positivos ou negativos.

Uma destas dimensões é definida como o espaço emoldurado pela unidade de Tempo: a 4ª dimensão (2), organizadora das relações “espaço-temporais” porém nem sempre presente no ato de pensar arquitetura seja de um edifício, seja dos espaços urbanos de uma cidade.

Na Praça da Sé, a quarta dimensão, o Tempo, inicialmente lento, acelera-se rapidamente na metade dos anos setenta, quando o espaço da Praça sofre violento impacto com a introdução de um grande nó de entroncamento das linhas Norte-Sul-Leste-Oeste dos trens metropolitanos do Metrô. A grande quadra de edificações sumariamente eliminada, levando com ela um pouco da história deste espaço da cidade como o exemplo citado do palacete Santa Helena, um marco notável de arquitetura inicial do lugar. Com sua demolição, uma parte importante da memória e do “imaginário” do lugar foram perdidos.

Aos habitantes usuais do local foram agregados novos cidadãos por conta dos benefícios inovadores do transporte metropolitano. Todas estas transformações espaciais produziram uma ruptura tanto física quanto estrutural nas relações de usos e costumes traduzidos na construção de sentidos e significados novos por parte de seus habitantes. Durante o período de construção do projeto da nova Praça da Sé, estes habitantes usuais, freqüentadores das antigas praças da Sé e Clóvis Bevilacqua, acompanharam com suas opiniões, curiosidade e interesse todas as transformações que este espaço vinha sofrendo em seu subsolo e por detrás dos tapumes que envolviam as obras, até o momento de sua inauguração oficial em 1978 quando finalmente poderiam novamente utilizá-la! (figura 5).

O tempo é um dos principais componentes da experiência arquitetônica e as relações dos indivíduos com respeito a um edifício são influenciadas pelo passado, presente e futuro além das dimensões físicas, do material e do estilo (3). Na percepção visual, as imagens são projetadas em nossa retina em forma bidimensional; a terceira dimensão, a profundidade, é inferida, porém pouquíssimas vezes reconhecemos a 4ª dimensão, o Tempo. Em ambientes complexos como nas metrópoles temos que conciliar diferentes percepções do tempo que compreende convenções diversas de acordo com diferentes culturas. Os sistemas de notação do tempo para análise de nossa vivencia espacial implicam em conceitos como: fluxo, duração e periodicidade que se considerados no planejamento de um projeto de ambiente deverá levar em conta tanto as vivencias dos usuários motorizados quanto a dos pedestres. Estas são experiências que não fluem homogeneamente. Considerando estes conceitos de tempo-espaço – duração, ritmo, seqüência, constância e familiaridade (4) – aplicados na análise do espaço da Praça podemos ter um resumo de três formas básicas de percepção dos usuários:

Apreciar a Praça do alto de um edifício, de onde se pode obter uma visão do espaço como um todo, pode durar alguns segundos;

Ver a Praça ao mesmo tempo em que caminhamos em direção a uma das entradas ou saídas de acesso às plataformas de embarque no Metrô pode levar alguns minutos, porém somente perceberemos uma pequena parte do conjunto;

Caminhar pelo interior da Praça, com intenções de conhecê-la com detalhes poderá durar horas ou até dias!

O grande lago, por sua vez, é um atrativo muito curioso por seus jatos de água em movimento e efeitos mágicos provocados através de elementos nebulizadores, criando brumas ou neblina que além de amenizar o clima do local propiciam sensações agradáveis nas pessoas. Entretanto, observa-se que os usuários permanecem por pouco tempo para apreciar o lago quando os jatos de água não estão funcionando! (figura 6).

Os fatores tempo e distancia em cidades metropolitanas influem obrigatoriamente nas decisões do cotidiano dos habitantes fazendo com que algumas destas decisões provoquem conflitos com o espaço de utilização de um ambiente seja em edifícios, seja em espaços urbanos públicos. Se o problema se resume a relações geométricas entre a “urgência do tempo” e um obstáculo físico os usuários não hesitarão em solucioná-los a seu modo! (figura 7).

Concluindo algumas considerações sobre a quarta dimensão, o tempo, podemos perceber que as imagens organizadoras da percepção estão implícitas nos estímulos que um ambiente oferece e que também são responsáveis pela existência ou não do que denominamos de “espaços espontâneos” (figura 8).

Nosso estudo considera ainda, uma outra dimensão de difícil conceituação e que tem sua presença incorporada quando um determinado espaço adquire qualidades especiais ao impregnar-se dos atributos da Cultura que neste texto classificamos como sendo a 5ª dimensão.

A investigação é um ensaio interdisciplinar que se fundamenta em teorias de alguns pesquisadores como o antropólogo E.T.Hall e a “proxêmica” (5) que estuda conceitos de percepção dos habitantes a través dos “filtros da cultura” dos indivíduos ou de grupos sociais ao considerar a necessidade de confronto de definição de territorialidade. Na Praça da Sé podemos aplicar um exemplo referente ao uso dos bancos para sentar-se onde, ao procurarmos utilizar um espaço público confrontaremos, freqüentemente, com a dúvida frente à presença “de outro” individuo, um estranho!. Como é nossa reação no espaço público quando em presença “do outro” ? (figura 7)

O sociólogo R.Ezra Park e a Ecologia Urbana, apresenta o conceito de “posse cultural”, caracterizada pelo fenômeno de “coesão” que ocorre como uma reação do indivíduos ou grupo de indivíduos frente as pressões sociais provocadas pelo ambiente em que se vive (6). Estas forças podem não somente modificar o comportamento de segregação dos indivíduos como também provocar transformações do espaço físico em grande escala. Um exemplo significativo pode ser ilustrado através de imagens do bairro próximo à Praça da Sé chamado: Liberdade, também denominado bairro Oriental ou, Japonês (figura 9).

Na Praça da Sé este fenômeno também tem presença, porém somente nos “espaços espontâneos” que são caracteristicamente efêmeros. Há uma população de usuários migrantes de outros estados do país (Norte, Nordeste, interior de Minas gerais e zonas rurais) que sofrem diferentes graus de impactos na vivencia com a metrópole: alguns deles que não se adaptam com este contato voltam a seus lugares de origem; outros que não se adaptam e tampouco voltam para o lugar de onde vieram, vivem de forma marginal não participando da vida principal da metrópole; por fim, há aqueles que decidem lutar por um espaço na cidade enfrentando toda a sorte de dificuldades para conseguir a situação de cidadãos metropolitanos. É uma longa jornada e a Praça possibilita a criação de espaços que contribuem para oferecer a estes migrantes momentos de contato com sua cultura através de manifestações musicais, trocas emocionais promovidas por encontros com seus conterrâneos, compra de produtos e recordações de seus locais de origem e até a obtenção de empregos! (figuras 10 e 11)

Ao considerarmos as experiências com a dimensão cultural não podemos esquecer também, o geógrafo Yi-Fu-Tuan com seus estudos de “Topofilia” e as relações de afetividade entre os seus habitantes e certos espaços urbanos que são transformados definitivamente em “Lugares” (7). A pesquisa permite concluir que apesar das intenções iniciais de unir as duas praças em um único grande espaço de escala metropolitana, os usos configuraram e mantiveram dois espaços distintos onde a antiga Praça da Sé, fronteiriça à Catedral, seguiu com seus usos e costumes dirigidos aos habitantes que conseguiram obter neste espaço um“território” que valoriza suas identidades culturais. A cidade de São Paulo oferece alguns poucos lugares que atendem a essa importante necessidade de convívio e de troca emocional encontrados nos bairros mais antigos: Brás e Bexiga, entre outros.

Nesta pesquisa, ficou constatado que diferentes áreas do conhecimento, aparentemente díspares em relação aos seus objetos de interesse, têm conduzido para pontos de convergência que oferecem subsídios importantes para os estudos dos arquitetos e urbanistas, permitindo propostas de metodologias de análise que possibilitam conceber projetos de espaços que introduzem ao pensar Arquitetura e Urbanismo dimensões múltiplas através de uma base interdisciplinar.

notas

1
Texto apresentado como palestra nas “VII Jornadas de Imaginarios Urbanos” promovida pela Escuela de Posgrado - (FADU / UBA): Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo / Universidad de Buenos Aires: Carrera de Especialización en Historia y Crítica de la Arquitectura y del Urbanismo, Buenos Aires, abr. 2005.

2
SOMMER, Robert. O papel do arquiteto – a conscientização do design. São Paulo, Brasiliense, 1979.

3
SOMMER, Robert. Op. cit., p. 88.

4
Ibidem, p. 89

5
HALL, Edward T. A dimensão oculta. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo, Martins Fontes, 2005.

6
PARK, Robert Ezra. A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano. Tradução Sérgio M. Santeiro. Rio de Janeiro, Zahar, 1967.

7
TUAN, Yi-Fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente. São Paulo, Difel, 1980.

sobre o autor

Alexandre Emílio Lipai, Doutor, Mestre pela FAU-USP; professor-pesquisador na graduação e no Programa de Pós-Graduação-Mestrado strictu-sensu em Arquitetura e Urbanismo da USJT – Universidade São Judas Tadeu / Área de concentração: Percepção, Representação e Produção do Espaço Habitado onde desenvolve linha de pesquisa interdisciplinar entre Arquitetura e Ciências Humanas e Sociais aplicadas ao projeto.

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