As fazendas no Pantanal do Negro, em Mato Grosso do Sul, têm passado por um processo de alteração da paisagem e de descaracterização das habitações unifamiliares, influenciadas por diferentes atividades do setor econômico, como a pecuária bovina e o turismo, que ditam as exigências para o uso e ocupação do solo.
A atividade econômica que impulsiona o desenvolvimento dessa região pantaneira é a pecuária bovina, praticada na planície de forma extensiva. Algumas características desse modelo extensivo sem considerar a sustentabilidade ambiental são a conversão da cobertura vegetal nativa em campos de monocultura e em pastagens; e a colocação de grande quantidade de gado em áreas sem considerar a capacidade de carga das mesmas, o que pode contribui para degradação do solo, erosão e assoreamento dos cursos d’água.
Essa pecuária bovina vem enfrentando um momento de crise na região e começa a dar sinais de que necessita de uma reestruturação quanto ao manejo do gado. O relatório final da Agência Nacional de Águas (1) sobre ações estratégicas de gerenciamento integrado do Pantanal aponta que o caminho é o manejo do gado associado às práticas efetivas de conservação do solo, bem como o esclarecimento para os produtores sobre as questões econômicas geradas com a perda de solo e a busca de formas para minimizar tais perdas ambientais.
As pressões de conservação ambiental têm aumentado com a criação de diretrizes para uso de técnicas e métodos ambientalmente sustentáveis, visando à conservação e o uso racional do solo pantaneiro. Entre as diretrizes apontadas, podem ser citadas as ações que integram a gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental e articulação com o uso do solo. O relatório da ANA apresenta as ações estratégicas planejadas para o Pantanal e as que estão em execução, das quais, destacam-se os planos de Ações Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade do Cerrado e do Pantanal e o Programa Pantanal MMA/BID ambos desenvolvidos pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em parceria com diferentes instituições, a realização de congressos, simpósios e encontros técnicos realizados pelo governo de Mato Grosso do Sul, universidades e por associações científicas.
Concomitante a essa realidade, percebe-se que a moradia rural no Pantanal acompanhou o processo de transformação das fazendas, antes somente dedicadas à pecuária e que com o tempo, agregou a atividade prática do turismo. Tais moradias, também podem ser vistas como um elemento modificador do ambiente e da paisagem pantaneira, pois marcam épocas e a história cultural da região.
Observa-se nos livros de Luiz Magalhães (2) e na dissertação de Rubens Gil de Camillo (3), a cronologia de tipologias e estilos arquitetônicos que identificam as primeiras habitações pantaneiras. As casas sedes edificadas durante o século XVIII eram de pau a pique e taipa de mão, cobertas com palha de acurí e remetem características da arquitetura colonial e do ciclo do café. No século XIX, as casas eram feitas de madeira e algumas de alvenaria, influenciadas pela arquitetura bandeirista. E a partir de 1960, houve a predominância das edificações em alvenaria, sem identificar claramente um estilo arquitetônico. Ao que parecem, as casas sedes, do século XX, configuram-se em obras que sofreram reformas e descaracterizações de sua estrutura original.
Também, observa-se que na busca pelo melhor sítio para se construir as edificações, muitas vezes não foram consideradas a dinâmica natural do Pantanal, que é condicionado pelo ciclo da chuva, que inunda periodicamente as áreas de pastagens, e nem a adoção de projetos de arquitetura que proporcionem uma melhor eficiência para a habitação. Com o desenvolvimento de pesquisas na área da construção civil e as exigências ambientais, a eficiência dos edifícios cada vez mais avança com o emprego dos conceitos da arquitetura sustentável.
Esse tipo de arquitetura surgiu a partir do século XX como resposta às crises econômicas mundiais, apresentando-se como uma corrente que emprega materiais e técnicas construtivas com baixo custo, permitindo a reciclagem de materiais, tentando não agredir o ambiente natural. Steele (4) afirma que esse tipo de edificação pode contribuir para a preservação das identidades culturais e conservação da história dos sítios, pois a tecnologia empregada alia técnicas de construção milenares e a adequação delas a cada localidade.
Para o sucesso de um projeto arquitetônico no Pantanal, por exemplo, é fundamental conhecer as características peculiares do ecossistema, como sua geologia e o sistema hídrico, que tem um ciclo anual de cheia e seca, condicionado pelos períodos de chuva, e que mantém o ambiente. Ab’Sáber descreve que:
“O Pantanal é a mais espessa bacia de sedimentação quartenária do País. A última seqüência da evolução fisiográfica e geoecológica da região está inscrita na distribuição de seus sedimentos mais recentes e na combinação de ecossistemas estabelecidos sobre as diferentes unidades de terrenos, ora muito alagáveis, ora semiconsolidados” (5).
Essa característica geológica do Pantanal promove uma gama de recursos naturais disponíveis para a exploração econômica da região, e se tornou fator de desenvolvimento econômico e consequentemente, de modificação da paisagem.
O turismo, em especial, é visto como um dos possíveis fatores que têm contribuído para a descaracterização das edificações pantaneiras, pois os proprietários rurais têm adotado intervenções arquitetônicas, ampliando apenas as habitações já existentes e empregado novos materiais de construção. O fato percebido por Camillo (6) é que os proprietários não investem em projetos arquitetônicos e preferem ampliar os imóveis existentes, sem se importar com a estética das residências e nem com a tipologia construtiva. Para os pecuaristas, importa a construção de baixo custo, como as casas geminadas em alvenaria, que oferecem aos seus funcionários.
A arquitetura vernacular tradicional na região são os ranchos das fazendas que se destinavam principalmente ao abrigo dos pantaneiros. Essas moradias, com o passar dos anos, não foram conservadas e algumas delas se tornaram insalubres pela falta de manutenção de suas estruturas. Por outro lado, a substituição dos ranchos por moradias feitas em alvenaria, propiciou a melhoria das condições de vida dos peões, enquanto que os fazendeiros, que antes habitavam nos ranchos, passaram a viver nas cidades.
Observando o pouco material bibliográfico que resgata a história das técnicas construtivas das habitações no Pantanal, este artigo tem como justificativa, a necessidade de contribuir com o processo histórico-cultural regional e apontar caminhos para uma sustentabilidade ambiental.
Para tanto, foram escolhidas como objeto de estudo a fazenda Santa Emília, onde fica a Pousada Ararauna, que serviu de base durante a pesquisa, e as propriedades rurais ao seu entorno: Conquista, São Geraldo e Santa Maria, que praticam apenas a pecuária; a Pousada Campo Lourdes, na fazenda Campo Lourdes; e a Pousada dos Monteiros, que tem instalações tanto na fazenda São Roque quanto na fazenda Bandeirante São João. Ressalta-se que nas pousadas, há as práticas da pecuária e do ecoturismo, além de serem permitidos a pesquisadores de Universidades e ONGs realizarem trabalhos nas propriedades.
O objetivo geral foi investigar a arquitetura rural das fazendas mencionadas acima, tendo como objetivos específicos:
1) identificar as tipologias e estilos arquitetônicos das habitações unifamiliares e conhecer aspectos da cultura local;
2) verificar as técnicas construtivas nessas fazendas.
1 Procedimentos metodológios
As sete fazendas visitadas estão localizadas na Bacia do Alto Paraguai, na sub-região do Pantanal do Negro, município de Aquidauana, Mato Grosso do Sul, Brasil.
A pesquisa de abordagem qualitativa compreendeu um estudo exploratório das paisagens e construções civis, usando a técnica de registro em fotografias, com câmera fotográfica digital.
Também foram aplicadas entrevistas semiestruturadas a seis fazendeiros, dois trabalhadores rurais e três engenheiros, sendo um engenheiro responsável pela construção da Pousada Ararauna; a gerente de fiscalização de obras do Conselho de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - CREA/MS; e o engenheiro que desenvolveu e patenteou o Sistema Integrado Construtivo (SIC), que emprega fôrmas metálicas para a produção de estruturas pré-moldadas, podendo usar concreto, solo-cimento, entre outros. Este sistema foi premiado pelo Instituto Euvaldo Loid/FIEMS, em 2005, por ser considerado um sistema que facilita a produção das estruturas pré-moldadas in loco ou não. A rapidez do processo, a limpeza do canteiro de obras e a tecnologia desenvolvida nas fôrmas metálicas, são fatores que chamam a atenção para quem pensa em edificações sustentáveis.
2 Resultados e discussão
Observa-se que as edificações habitacionais nas sete fazendas visitadas apresentam tipologias e estilos arquitetônicos distintos, evidenciando a história local e refletindo as necessidades de seus proprietários, bem como as atividades econômicas praticadas. Os resultados e discussão foram separados em dois itens, como se segue:
2.1 Quanto ao tipo e estilos de arquitetura habitacional rural e a cultura local
As sete propriedades estudadas foram adquiridas após o desmembramento das terras pertencentes às fazendas centenárias Taboco e Proteção, cuja data provável da implantação foi entre 1820 e 1845. Dentre as casas sede visitadas, a mais antiga é a da fazenda São Geraldo, edificada em 1967 e a mais recente é a Pousada Ararauna, concluída em 2002.
Observou-se que somente em duas fazendas, São Geraldo e Conquista, os donos moram e trabalham no local. Na São Roque e na Bandeirante São João, os filhos do dono ficam nas fazendas durante a semana. Os outros proprietários moram em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, com as propriedades ficando sob a responsabilidade dos funcionários.
Constatou-se que devido à variação das atividades econômicas das propriedades estudadas (pecuária e turismo ecológico), os estilos arquitetônicos nas fazendas também se diversificam, entre arquitetura colonial, arquitetura do ciclo do café, até o estilo moderno, inclusive o modelo da casa urbana, pois cada moradia atende as necessidades específicas de seus usuários.
Apesar das fazendas visitadas terem habitações de estilo arquitetônico diversificado, todas apresentam intervenções por meio de reformas e descaracterizações do estado original. Mas, em nenhuma delas foi observado qualquer preocupação com a sustentabilidade ambiental, seja em relação à disposição dos resíduos sólidos, tratamento da água ou quanto ao melhor aproveitamento e captação da luz solar.
Os Quadros 1 e 2 mostram a diferença de tipologias e estilos arquitetônicos das casas sede e dos funcionários, condicionados pelos diferentes usos e atividades econômicas principais, evidenciando a relação homem/espaço em cada propriedade rural. Isso confirma os estudos de Holanda (7), que diz que cada habitação tipifica o modo como são organizados espacialmente os assentamentos humanos, refletindo a maneira como as famílias vivem. Dessa forma, percebeu-se que nas fazendas de pecuária a tipologia construtiva remete a arquitetura colonial, no qual se destaca a distribuição dos ambientes em função do corredor central.
Quadro 1 - Tipologia e estilos arquitetônicos das fazendas de pecuária
Fazendas |
Tipologia arquitetônica |
São Geraldo (mais de 2.000 ha) |
Remete à arquitetura do ciclo do café, com varanda na parte da frente, seguida da sala e quartos nas laterais; nos fundos tem a cozinha, a área de serviço e banheiro; alvenaria de tijolo, cobertura de 4 águas com telha de barro, cuja estrutura usa as madeiras nativas piúva e cumbarú; janelas de madeira e outras com esquadrias metálicas e uso do vidro; quarto externo na lateral direita, feito de tijolinho a vista, empregando tecnologia contemporânea. Não foi observado casa para funcionários. |
Santa Maria (4.433 ha) |
Reproduz a arquitetura colonial, com ambientes internos distribuídos de acordo com o corredor central; alvenaria de tijolos, cobertura de telha cerâmica, esquadrias metálicas, piso cerâmico e forro de cedrinho; antigo proprietário fez reforma e adaptações que descaracterizaram a construção original. Tem três casas para os peões: duas feitas de madeira, cobertura de telha de barro, varanda na frente com telha de fibrocimento, banheiros fora do corpo da casa, portas e janelas de madeira; e uma casa que remete o estilo colonial, construída em alvenaria com telha cerâmica, esquadrias metálicas, portas de madeira. |
Conquista |
Lembra a arquitetura colonial, com varandas em duas fachadas; ambientes internos amplos e distribuídos a partir da sala; cozinha e despensa nos fundos da casa; descaracterizada pelos materiais de construção, como piso cerâmico, esquadrias metálicas, uso do vidro e principalmente pelo mobiliário urbano, como mesas e cadeiras de escritório. Não foi observado casa para funcionário. |
Fonte: Freitas, 2009
O Quadro 1 mostra que três fazendas visitadas têm como atividade econômica principal a pecuária bovina, e portanto, o interesse maior para os pecuaristas são pasto e água disponível para o gado. Logo, as casas são objetos para o repouso e abrigo, estando localizadas em cordilheiras, ou seja, em extensões de terra arenosas acima dos campos inundáveis e cobertas por vegetação de cerradão, cujas árvores alcançam entre 3 e 16 metros de altura.
Essa configuração mostra que os proprietários escolheram sítios adequados para implantar as habitações. Mas, a solução dada para a captação do esgotamento sanitário, por meio de fossa séptica, é que não foi apropriado, pois o lençol freático da região pantaneira é superficial e pode acarreta poluição da água.
Já as habitações das fazendas voltadas para a pecuária e ecoturismo, mostram tipologias variadas de casas assobradadas, modulares e geminadas, conforme está descrita no Quadro 2.
Quadro 2- Tipologia e estilos arquitetônicos das fazendas de pecuária e ecoturismo
Fazendas |
Tipologia arquitetônica |
Campo Lourdes (5.777 ha) Pousada Campo Lourdes |
Casa sede aparenta um modelo urbano contemporâneo, com varanda fechada e telada ao redor; feita em alvenaria de tijolos. Tem garagem para automóvel. Foi reformada e adaptada para atender o turismo. O refeitório é uma edificação separada dos alojamentos. Os dois ranchos, feitos de madeira e cobertos por palhas, servem de moradias para os peões. Os banheiros dos ranchos são separados da casa. Os ranchos estão sem conservação, pois tem lonas e papelão para evitar a entrada da chuva. |
Santa Emilia (2.640 ha) Pousada Araraúna |
Projetada por arquitetos e engenheiros, tem estilo moderno; o sistema construtivo é modular com estrutura pré-moldada; alvenaria de tijolo; os blocos das edificações se organizam espacialmente quanto a função: alojamento, refeitório, sala de aula, biblioteca, laboratório, serviço, casa dos funcionários, galpão, oficina, entre outros; destaca-se a preocupação com o tratamento de água e esgoto. A casa dos funcionários são modelos de residência unifamiliar urbana, sendo quatro casas de madeira, com cobertura de telha cerâmica, piso de cimento queimado, portas e janelas de madeira. |
São Roque (1.500 ha segundo o dono e 6.000 ha no site da pousada) Pousada dos Monteiros |
A sede é um sobrado em alvenaria de tijolo. Remete a uma construção urbana sem estilo arquitetônico evidente. As edificações são organizadas espacialmente quanto à função: alojamentos, serviço, lazer. Refeitório é uma construção isolada em alvenaria de tijolo oito furos, sem reboco e caiação, com exaustor. A casa dos funcionários são em alvenaria de tijolo oito furos sem revestimento externo; reboco apenas marca as janelas e portas, ambas com esquadria metálica e vidros; estrutura com pilares de concreto; cobertura em duas águas e telha de fibrocimento. |
Bandeirante São João (14.000 ha) Pousada dos Monteiros |
As edificações são organizadas quanto à função, todas em alvenaria de tijolo. Reproduz um modelo de casa urbana, sem estilo arquitetônico evidente. Tem jacuzzi (banheira de hidromassagem para os turistas); terraço no alojamento; churrasqueira pré-moldada. Refeitório tem janela em fita (característica da arquitetura moderna). Casa dos funcionários é de alvenaria de tijolo. |
Fonte: Freitas, 2009
O Quadro 2 identifica que as outras quatro fazendas também funcionam como pousadas para o ecoturismo. Alho e Gonçalves (8) observam que o ecoturismo começou a ser praticado no Pantanal, após 1970, após ter ocorrido uma grande enchente que dizimou boa parte do rebanho da região, prejudicando a economia local e levando muitos fazendeiros à falência. O ecoturismo surgiu como atividade econômica alternativa, conseguindo ser associada à pecuária bovina.
É possível perceber que dentre os aspectos arquitetônicos utilidade, função e estética, conceituados por Eco (9), as habitações visitadas foram edificadas com o propósito de atender os aspectos utilidade e função, pois são desprovidas de ornamentação, que é uma qualidade estética.
Quanto à infraestrutura, em todas as fazendas há energia elétrica, água de poço semiartesiano e fossa negra. Também foi observado que o lixo sólido é queimado em buracos. A NBR 7229:1993, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, recomenda as dimensões para a construção e instalação das fossas sépticas, onde para residências unifamiliares com até sete pessoas, a capacidade da fossa séptica deve ser de 1.535 litros; já nas pousadas, com até 12 pessoas, a capacidade deve ser de 2.645 litros (10). Estas recomendações não foram observadas nas pousadas e fazendas visitadas. Assim sendo, o saneamento dessas propriedades, não podem ser consideradas sustentáveis.
Existem também nessas propriedades rurais equipamentos de comunicação, como antena parabólica, aparelho de rádio, rádio amador, televisão e telefone celular. Como o proprietário da Fazenda São Geraldo disse: “aqui é o paraíso, tenho o conforto da cidade”. Isso evidencia que a satisfação pessoal ainda não está atrelada à conscientização ambiental. Para os proprietários importa o conforto pessoal e não as questões ambientais, talvez pela falta de um maior esclarecimento quanto às conseqüências dos impactos ambientais em suas propriedades.
Nas fazendas onde há apenas a prática da pecuária, as casas têm menor número de ambientes internos, com banheiro que atende só à família e no máximo a empregada doméstica, podendo estar localizado dentro da casa ou fora dela.
Nas fazendas onde se pratica o ecoturismo e que há a permissão para pesquisas científicas, tanto por Universidades, quanto por ONGs, as moradias têm áreas maiores, pois os alojamentos dispõem de um maior número de quartos e banheiros, além de infraestrutura mais sofisticadas como ar condicionado, ventilador e piscinas.
Ressalta-se sobre os ranchos, na Pousada Campo Lourdes, que as madeiras utilizadas na construção, foram extraídas da mata que fica na propriedade, utilizando moto serra, segundo o depoimento do peão da fazenda. O rancho, apesar de ser bem cuidado pelos moradores, é insalubre, devido ao chão de terra batida, as paredes de madeira e a cobertura de palha que tornam a edificação úmida no período de chuva. Sem considerar a sustentabilidade ambiental, a Figura 3 mostra a precariedade do rancho, que pode contribuir para o aparecimento ou desenvolvimento de doenças nos usuários dessas habitações. O peão declarou também e de forma enfática que há a necessidade de construir habitações melhores para os funcionários.
Já as madeiras usadas nas edificações e cercas da fazenda São Geraldo foram adquiridas da serraria da fazenda Taboco, próximo a região. Eram piúva (Tabebuia heptaphylla), louro (Cordia trichotoma) e cumbarú (Dipteryz alata). A Figura 4 mostra a estrutura da cobertura da casa sede, apoiada em vigas de madeira, sustentando as telhas de barro, e cuja composição proporciona diferentes caídas d’água.
Em relação à fazenda Santa Emília, a mesma foi adquirida para implantar o Instituto de Pesquisas do Pantanal (IPPAN) e posteriormente a Pousada Ararauna, com o objetivo de atender os projetos de pesquisa da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP). Segundo informações do engenheiro responsável pelo projeto e execução da obra, as fazendas vizinhas doaram madeiras de suas matas para a construção das 21 pontes na estrada de acesso, pois isto também as beneficiava, já que a estrada original não apresentava condições de tráfego, durante parte do ano.
A retirada dessas madeiras foi autorizada pelo IBAMA e os proprietários contaram ainda com a ajuda do governo do estado de Mato Grosso do Sul na construção do aterro, pois devido à inundação sazonal é necessário que a estrada esteja acima da linha de inundação.
A Pousada Ararauna pode ser considerada um instrumento de modificação cultural, econômica e política no Pantanal do Negro, devido às infraestruturas (rede de energia elétrica, aterro, pontes) que modificaram o ambiente e são compartilhadas com as propriedades vizinhas, apesar de não contribuir para a sustentabilidade da região. Segundo o engenheiro da pousada, o valor de venda das terras no Pantanal do Negro aumentou de R$ 150,00 o hectare (em 1989), para R$ 3.000,00 o hectare (em 2008).
Quanto à questão do paisagismo, observou-se nas fazendas que as hortas e os jardins são simples e com pouca variedade de espécies, sendo cultivadas sem cuidados agronômicos. Os pomares, possuindo poucas espécies frutíferas como manga, laranja, limão e mixirica, ficam no entorno das casas ou próximo a elas, oferecendo sombra e um ambiente mais fresco. Já a criação de animais domésticos para subsistência, como galinhas e porcos, é feita de maneira extensiva com os animais soltos pelo quintal.
2.2 Evolução das técnicas construtivas no Pantanal
Por meio dos depoimentos dos fazendeiros, constatou-se que para a construção das edificações, ocorreram problemas, tais como: necessidade de contratação de mestre de obra e pedreiros nas cidades próximas (Aquidauana, Rio Negro e Campo Grande); dificuldade para transportar os materiais de construção das cidades e das serrarias das fazendas vizinhas, levando meses e até anos; superação dos períodos de seca e cheia para dar continuidade às construções.
Foi observado que é costume dos proprietários construírem edificações e instalações hidráulicas sem auxílio profissional de engenheiros e arquitetos. Isso acontece na região pela falsa idéia de que é caro contratar um profissional, segundo a percepção do engenheiro da Pousada Ararauna e que há anos trabalha em diferentes fazendas no Pantanal do Negro.
Outro fator que contribui para a não contratação de profissionais da construção civil na região estudada é o fato de o Conselho de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA/MS) não dispor de recursos humanos e materiais para a fiscalização nas propriedades, conforme relato da gerente de fiscalização da instituição (11).
Sem fiscalização da entidade competente, edificações são construídas sem os devidos cuidados técnicos e podem causar danos ambientais durante o transporte, armazenamento e manipulação dos materiais de construção, sem mencionar o destino correto dado para os resíduos sólidos gerados no canteiro de obra.
Essa cultura de construção civil deveria ser trocada pela adoção de práticas ecológicas, como as técnicas de arquitetura sustentável, que atendem as necessidades dos usuários e contribuem para a sustentabilidade ambiental. A arquitetura sustentável propõe soluções construtivas ecologicamente corretas, como a captação e o aproveitamento da energia solar, da água da chuva e o uso racional de materiais de construção (madeira, argila, pedras). Emprega o baixo custo, pois permite o melhor aproveitamento e reaproveitamento dos materiais e considera tanto na fase do projeto, quanto da execução da obra a preocupação ambiental.
A Pousada Ararauna foi o exemplo encontrado de uma tentativa de modelo de arquitetura sustentável para o Pantanal. Nela, adotaram sistemas estruturais em pré-moldados, cujas vantagens são a rapidez na conclusão da obra, canteiros de obra mais limpos e a minimização dos danos ambientais, como emprego de tratamento de água e esgotamento sanitário.
O sistema modular da Pousada Ararauna possibilita a ampliação das edificações e a facilidade de manutenção do edifício, entre outros. A Figura 5 mostra um exemplo do sistema estrutural aplicado à cobertura da sala de televisão, na pousada. As vigas pré-moldadas de concreto armado se convergem para um ponto de apoio central suspenso e é fixado por parafusos. No interior do ambiente, observa-se que as telhas cerâmicas ficam escondidas por um forro de cedrinho envernizado, protegendo da umidade.
Uma técnica sustentável que pode ser usada para a construção civil em fazendas pantaneiras, foi desenvolvida e patenteada por um engenheiro civil (12), em Campo Grande. O Sistema Integrado Construtivo (SIC) utiliza fôrmas metálicas montantes e trepantes na produção integrada e conjunta de vigas, pilares e paredes. Nesse processo, pode ser empregado o concreto, solo-cimento ou outros materiais, além de associá-lo com madeira, bambu, entre outros.
Portanto, tendo em vista as informações colocadas acima, considera-se que esta investigação mostrou que em sete propriedades rurais no Pantanal do Negro:
a) não foi possível identificar uma tipologia e estilo arquitetônico único que possa ser conceituado como arquitetura pantaneira. As habitações estudadas foram edificadas, primeiro com o intuito de abrigarem as famílias dos pecuaristas e peões, e anos depois, aproveitaram as mesmas edificações para transformá-las em pousadas turísticas, apenas fazendo reformas e adaptações;
b) a arquitetura das pousadas é resultado de reformas e adaptação dos ambientes para atender os turistas, cuja infraestrutura, feita sem conhecimento técnico adequado pode causar danos ambientais;
c) a produção atual é de edificações de alvenaria. Os proprietários não estão mantendo nem conservando os ranchos das antigas fazendas, feitos de madeira, cobertura de palha e chão de terra batida, devido às exigências dos peões, que querem habitações salubres;
d) as casas das fazendas dedicadas à pecuária têm tipologia arquitetônica-colonial e do ciclo do café. Porém, apresentam-se descaracterizadas pelas intervenções arquitetônicas, como acréscimos de ambientes e introdução de elementos construtivos como vidro e estruturas metálicas em portas e janelas;
e) apenas a Pousada Araraúna foi projetada por arquitetos e engenheiros e seguiu em parte, as orientações de uma arquitetura sustentável, quanto ao aproveitamento da luz solar, para aquecimento da água; tanques para tratamento da água e do esgotamento sanitário; e usos de estruturas de concreto em pré-moldado, que garantem limpeza do canteiro de obra.
notas
1
Implementação de Práticas de Gerenciamento Integrado de Bacia Hidrográfica para o Pantanal e Bacia do Alto Paraguai ANA/GEF/PNUMA/OEA: Programa de Ações Estratégicas para o Gerenciamento Integrado do Pantanal e Bacia do Alto Paraguai: Relatório Final/Agência Nacional de Águas- ANA... [et al.]. Brasília: TDA Desenho & Arte Ltda., 2004.
2
MAGALHÃES, Luiz Alfredo Marques. Mato Grosso do Sul: fazendas, uma memória fotográfica. Campo Grande, Graficom Indústria Gráfica, 2003.
3
CAMILLO, Rubens Gil. O espaço rural: fazendas no Pantanal do Rio Negro. Dissertação (Mestrado em Arquitetura). São Paulo, FAUUSP, 1993.
4
STEELE, Paul. “Ecotourism: an economic analysis”, Journal of Sustainable Tourism, v. 2, n. 1, 1997.
5
AB’SÁBER, Aziz Nacib. Brasil: paisagens de exceção: o litoral e o Pantanal mato-grossense. Cotia, Ateliê Editorial, 2006.
6
CAMILLO, Rubens Gil. Op. cit.
7
HOLANDA, Frederico. O espaço de exceção. Brasília, Universidade de Brasília, 2002.
8
ALHO, Cleber José Rodrigues; GONÇALVES, Humberto. Biodiversidade do Pantanal: ecologia e conservação. Campo Grande, UNIDERP, 2005.
9
ECO, Umberto. As formas do conteúdo. São Paulo, Perspectiva, 1999.
10
BATALHA, Bem Hur Luttembarck. Fossa séptica. São Paulo, CETESB, 1989.
11
RAMOS, Delma. Delma Ramos: entrevista [set. 2008]. Entrevistadora: FREITAS, Raquel Mendes de. Campo Grande, 2008. 1 fita cassete (60 min.). Entrevista concedida ao trabalho de dissertação do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional / Universidade Anhanguera - Uniderp.
12
ROLIM, Geraldo. Geraldo Rolim: entrevista [set. 2008]. Entrevistadora: FREITAS, Raquel Mendes de. Campo Grande, 2008. 1 fita cassete (60 min.). Entrevista concedida ao trabalho de dissertação do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional / Universidade Anhanguera - Uniderp.
sobre os autores
Raquel Mendes de Freitas é mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Universidade Anhanguera - Uniderp (2009); Especialista em Teoria e Práticas Contemporâneas do Jornalismo pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (2006); graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (2002) e em Comunicação Social Jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (2001)
Ademir Kleber Morbeck de Oliveira é Prof. Dr. Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, Universidade Anhanguera - Uniderp. Doutor em Ciências, área de concentração em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (1996); mestre em Ecologia e Conservação dos Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (1993); graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1989)
Celso Correia de Souza é Prof. Dr. Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, Universidade Anhanguera - Uniderp. Doutor em Engenharia Elétrica pela Universidade Estadual de Campinas (1994); mestre em Matemática Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (1985); graduado em Matemática pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Penápolis (1972)
Regina Sueiro de Figueiredo é Profª. Dra. Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional, Universidade Anhanguera - Uniderp. Doutora em Educação pela PUC (1998); mestre em Administração Políticas e Planejamento Universitário pela Universidade Federal de Santa Catarina (1992); especialista em Administração Universitária pela UFMS (1988); Administração pela FUCMT (1977); Economia pela FUCMT (1976)