Apresentação
A Universidade Federal de Viçosa, localizada na Zona da Mata Mineira, começou como Escola Superior de Agronomia e Veterinária (ESAV). Foi inaugurada em 28 de agosto de 1926, por seu idealizador Arthur Bernardes, cidadão viçosense, que na época ocupava o cargo de Presidente da República (1). Em 1927, foram iniciadas as atividades didáticas com a instalação dos Cursos Fundamental e Médio e, no ano seguinte, do Curso Superior de Agricultura. Em 1932, foi iniciado o Curso Superior de Veterinária.
No período de sua criação, foi convidado por Arthur Bernardes, para organizar e dirigir a ESAV, o professor Peter Henry Rolfs, diretor da Escola de Agricultura da Universidade da Flórida, quem trouxe consigo a filosofia dos “Land Grant Colleges” que se baseava nos princípios do “Aprender fazendo” e da “Ciência Prática”, base da trilogia de sustentação da atual UFV: ensino, pesquisa e extensão (2). Para administrar os trabalhos de construção do Campus veio, a convite, o Engenheiro João Carlos Bello Lisboa (3).
“Para Bernardes, o projeto – a criação da ESAV – era a realização prática de sua ânsia na busca do progresso de uma cultura agrária nacional incipiente e atrasada, apesar das potencialidades físicas e climáticas da terra, rica e incomparável. Para Peter Rolfs, a oportunidade de um desafio: aplicar a experiência de um caminho inovador e frutuoso que dera certo em terras americanas. Para Bello Lisboa, a tarefa de dar continuação ao empreendimento, estreitando-o ainda mais, o que fez com sabedoria.” (4)
Em novembro de 1948, a ESAV se tornou Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG) e, em 1969, Fundação Universidade Federal de Viçosa.
O Campus da UFV é um dos mais belos do Brasil. Para passar pelas Quatro Pilastras – portal de entrada – basta atravessar uma das ruas do centro da cidade. Sua área principal se assenta ao longo do vale das represas do Ribeirão São Bartolomeu. Sua principal via, a avenida P. H. Rolfs se estende quase plana e reta por cerca de 2.200 metros. Ao longo desse vale está a maior parte dos edifícios mais representativos. O rico acervo começou a ser formado antes da década de 1920, com a sede da fazenda Maria Luiza e passou pelas fases dos prédios iniciais da ESAV, de uma arquitetura eclética, pela arquitetura modernista e pelas construções contemporâneas.
A UFV continuamente amplia o número de cursos de graduação e pós-graduação. Em 2000, eram 29 cursos de graduação, 21 de mestrado e 13 de doutorado. Em 2010, com o curso de Medicina, chega-se aos 45 cursos de graduação, 33 de mestrado e 20 de doutorado, somando-se 14.000 estudantes que se juntam aos 75.000 habitantes de Viçosa. Tal demanda vem exigindo a construção de inúmeras edificações no Campus. Entretanto, os alinhamentos e as alturas das edificações estabelecidas nas primeiras décadas foram desrespeitados, chegando ao ponto de comprometer o conjunto e a beleza do Campus. Prédios receberam ampliações, anexos e construções vizinhas, favorecendo a sua desfiguração. O Plano Diretor Físico e Ambiental do Campus, aprovado em 2008, veio como um importante instrumento de proteção ao patrimônio arquitetônico do Campus da UFV. São alguns dos pontos do plano que deixam claro o papel da UFV na cidade de Viçosa e a preocupação em preservar suas características (destaques do autor):
Art. 3º - O Plano de Desenvolvimento Físico e Ambiental do Campus UFV-Viçosa pauta-se pelos seguintes princípios:
I. além da educacional, o Campus desempenha a função de parque urbano, para a população viçosense, e deve ter essa vocação consolidada e valorizada;
II. A Vila Giannetti representa importante patrimônio histórico, arquitetônico e urbanístico, que deve ser valorizado e preservado;
III. As diretrizes do PDFA para a ocupação e expansão do Campus devem obedecer à lógica viária existente, reforçando a importância do traçado dos quatro principais eixos viários – a linha férrea, a Av. P. H. Rolfs, a Av. Purdue e a Av. da Agronomia – considerados como eixos estruturantes da sua organização físico-territorial, bem como a relação com o sistema viário da cidade;
IV. (...)
V. na ocupação e construção dos novos edifícios, deve-se considerar a mesma lógica adotada desde a criação da ESAV, qual seja: grandes afastamentos em relação às vias; construção dos edifícios isolados no terreno, com baixa taxa de ocupação, baixo gabarito e grandes jardins contornando as edificações;
VI. As novas ocupações e usos do solo devem respeitar as faixas non aedificandi e valorizar os corpos d’água;
VII. (...)
VIII. A liberdade arquitetônica formal deve ser mantida, para que os edifícios representem a diversidade dos movimentos e correntes arquitetônicas ao longo dos tempos, respeitando-se o patrimônio histórico existente.
Acerca do objeto de estudos
Pode-se encontrar uma série de livros sobre a história da UFV e de seus principais nomes, com ênfase nas primeiras décadas da sua criação. Há, no entanto, informações esparsas sobre a arquitetura dos prédios e em nenhuma das publicações há mais informações sobre os aspectos, características, técnicas construtivas sob o ponto de vista da arquitetura. Há, portanto, um importante acervo a ser analisado e registrado. Trata-se de um conjunto de quase 90 anos de obras representativas da história, rico em diversidade e qualidade, fazendo do Campus da UFV um acervo de importância nacional. Há, portanto uma lacuna nos registros da história do Campus da UFV. Para preencher tal lacuna, vem sendo foi feito um inventário com os edifícios mais representativos do Campus da UFV, para identificar dados históricos, autores dos projetos, analisar e registrar características de projeto, implantação, estilo e técnicas construtivas e alterações de usos.
Contextualização do período de construção da ESAV
O Brasil, na década de 1920, era marcado por um poder político dominado pelas oligarquias regionais e tinha como principal atividade econômica a agricultura de exportação, com destaque para o café. A política nacional era alternada por candidatos de dois estados: São Paulo e Minas Gerais, na chamada “Política do café-com-leite”. São Paulo se destacava pelo seu poder econômico, que fortalecia a atividade agro exportadora do Brasil; e Minas Gerais tinha peso na balança institucional, devido a dois fatores: era o maior colégio eleitoral do país e possuía uma bancada coesa e sintonizada com o Palácio da Liberdade.
Em meio a esse cenário de valorização da atividade agrícola, a criação de uma escola de agricultura seria um artifício de consolidação do poder das oligarquias agrárias, bem como uma forma de se oficializar a “vocação agrária” do país, oferecendo bases para o desenvolvimento das atividades agropastoris.
De 1918 a 1922, Arthur Bernardes assumiu o cargo de Presidente do Estado de Minas Gerais, em seguida assumiu a Presidência da República. A criação da Escola de Agricultura enquanto presidente de Minas, era uma maneira de se fortalecer o seu Estado diante de São Paulo, no que se refere aos aspectos políticos e econômicos.
Para a criação dessa Escola era necessário decidir sobre o local da sua implantação e o modelo de ensino a ser adotado. Em 1920 Arthur Bernardes pede a José Cochrane de Alencar, embaixador do Brasil em Washington, a indicação de um nome para ser o responsável pela implantação da Escola de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais. O escolhido foi o Peter Henry Rolfs.
“Após algumas indicações e convites não-aceitos, chegou-se ao nome de Peter Henry Rolfs, diretor do “Florida Agricultural College” da “University of Florida”, que se interessou pelo projeto e passou a ser responsável não só pela direção da futura escola, como também pela apresentação ao governo de Minas dos planos das construções e dos programas gerais de ensino, além de colaborar na escolha do local de funcionamento.” (5)
Sobre o modelo de ensino escolhido:
“(...) o governo do estado, de início já havia resolvido que a futura escola seria estabelecida nos moldes dos “Land Grant Colleges”, um sistema de escolas ligadas à agricultura criado em 1862, a partir do Vale do Rio Mississipi, nos Estados Unidos.” (6)
Esse modelo, a ser aplicado por P. H. Rolfs, baseava-se no Ensino, Pesquisa e Extensão, diferenciando-se assim do academicismo adotado nas demais instituições brasileiras de ensino superior.
“Rolfs trouxe de sua “alma mater”, “lowa State College”, os princípios básicos de “Ciência e Prática”, “Aprender Fazendo”, e a idéia das quatro pilastras na entrada do “campus”, que também já existiam no “lowa State College”. (...) Se a criação da escola dependeu da vontade de Bernardes, o mentor intelectual, aquele que lhe deu personalidade, foi o Prof. Peter Henry Rolfs, pois em todas as atividades desenvolvidas no inicio da ESAV Rolfs teve a sua contribuição a dar, tanto no Ensino e na Pesquisa quanto na Extensão.” (7)
A comissão responsável pela escolha do local, da qual o Prof. P.H. Rolfs fazia parte, fez visitas às cidades da Zona da Mata: Visconde do Rio Branco, Ubá, Cataguases, Leopoldina, Juiz de Fora, Viçosa e Ponte Nova. A cidade de Viçosa, cuja economia baseava-se em uma incipiente agroindústria e na produção rural, foi o local escolhido para a implantação da nova escola do país. A comissão
“(...) considerou a altitude e o clima de Viçosa como de singular importância na decisão a ser tomada. É naturalmente compreensível que, psicologicamente, Viçosa tivesse posição prioritária perante os membros da comissão, visto que o próprio presidente do Estado de Minas era viçosense.” (8)
Mais especificamente o local selecionado foi a Fazenda Maria Luíza, que, segundo a declaração do Dr. Álvaro da Siqueira, possuía ótimas condições para tal função. Ao final de dezembro de 1921 foram aprovados os planos e a planta dos terrenos para a construção da Escola, que constava das edificações: residência do vice-diretor, um modesto escritório de construção, um dormitório e o prédio principal..
As obras da Escola tiveram início em 10 de junho de 1922, sendo o P. H. Rolfs o supervisor do planejamento, construção e estruturação da nova Escola. Para administrar os trabalhos de construção do Campus foi convidado o Engenheiro João Carlos Bello Lisboa que, a partir de 5 de agosto de 1922 entrou na equipe responsável pela construção da Escola, assumindo o cargo de engenheiro-auxiliar e, a partir de 16 de dezembro de 1922, torna-se engenheiro-chefe. Após a inauguração da ESAV, assumiu a Cadeira de Engenharia Rural e o cargo de Vice-Diretor.
“(...) Se Rolfs foi o “Pai da ESAV”, Bello Lisboa foi quem a criou durante seus sete anos na diretoria. (...) A vontade de Arthur Bernardes criou a semente ESAV; Peter Henry Rolfs a plantou; e João Carlos Bello Lisboa a cultivou.” (9)
Em 28 de agosto de 1926, com a conclusão do Prédio Principal, atual Edifício Arthur da Silva Bernardes, foi inaugurada a Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais.
A arquitetura no campus da UFV
O Campus possui uma área de 443 hectares e tem um conjunto inicial de edificações de características ecléticas, em bom estado de conservação, abrigando atividades e usos adequados: o Edifício Arthur Bernardes a estação férrea com a Ouvidoria; o alojamento - Edifício Bello Lisboa ainda com o mesmo uso; a residência de P. H. Rolfs com a reitoria; a residência de hóspedes ainda com o mesmo fim e o prédio principal, ocupado pelas Pró-Reitorias e Diretorias dos Centros de Ciências.
A arquitetura eclética, considerada por Carlos Lemos como uma fatalidade universal, foi uma das primeiras manifestações da globalização e chegou a Viçosa apenas na década de 1920. Foram construídos, com a condução do renomado engenheiro Bello Lisboa, os prédios de salas de aula, residências dos professores e funcionários, alojamentos para estudantes, abrigos para animais, silos e tuias. Vários deles ainda persistem em boas condições, mas muitos não mais existem. Destacam-se cinco edificações. A primeira é o prédio principal, o Edifício Arthur da Silva Bernardes. Paralelo a este e deixando ampla praça à frente está o edifício Belo Lisboa, construção de dois pavimentos, eclética com características que lembram um grupo de chalés enfileirados.
Nas décadas seguintes o Campus recebeu obras de qualidade. Na década de 1950 o arquiteto Cláudio Jorge Gomes e Souza projetou o conjunto de 52 casas de telhado “borboleta” da Vila Gianetti. As casas atualmente abrigam museus, órgãos diversos, a Rádio e TV Universitária. São da época as obras dos Departamentos de Laticínios e da Economia Doméstica, de Rafaello Berti. Outras edificações foram projetadas por arquitetos contratados de outras cidades, como o arquiteto Décio Machado, autor de projetos importantes como os prédios que atualmente abrigam os departamentos de Economia Rural e da Divisão de Saúde (1963) e o de Engenharia Florestal e Solos (1975).
Maurício Sérgio de Castro projetou o prédio sede do curso de Biologia (1972) e o modernista Centro de Vivência (inaugurado sem o teatro em 1978), implantado perpendicularmente ao Edifício Arthur Bernardes da Silva, deixando ampla área livre à sua frente e que gerou um grande contraste no estilo arquitetônico com as vizinhas obras ecléticas, expondo as diferentes épocas da instituição.
Posteriormente, os projetos ficaram a cargo de uma equipe de arquitetos (Acyr Santos Zama, Paulo Francisco de Oliveira, Fernando Teixeira e Aguinaldo Pacheco) contratados pela UFV. O grupo atuou na Prefeitura do Campus, criada em 1978 e extinta em 1996 e cujas atribuições posteriormente se somariam às da Pró-Reitoria de Administração (PAD). São dessa época os prédios do Laboratório de Desenvolvimento Infantil (1982), do prédio dos departamentos de Administração, Economia e Letras, o Colégio de Aplicação – Coluni – em 1989.
Da reforma do prédio da “Fazendinha” (Arquitetos e professores Ítalo Stephan, Frederico Tófani e Túlio Tibúrcio) surgiu, em 1996, a sede do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, com uma experiência pioneira em que o prédio foi concluído com materiais de acabamento doados pelas indústrias, numa forma de parceria.
Posteriormente vieram a construção do Pavilhão de Aulas II e a ampliação da Biblioteca Central (1996), cujo projeto original foi do arquiteto Décio Corrêa Machado (1970). Em 1999 foi inaugurado o prédio do Centro de Ciências Exatas e Tecnológicas (projeto do grupo de Arquitetos da UFV). O edifício é a única parte concretizada da inicial intenção de construir ao longo do Vale da Agronomia (um vetor perpendicular ao eixo principal) um conjunto de edifícios modulares articulados, com estruturas e modulações especializadas, para abrigar gabinetes, laboratórios. Em 2004 foi inaugurado o prédio sede do Curso de Dança (arquiteto Fernando Teixeira de Almeida).
A seguir, destacamos cinco exemplos da arquitetura do Campus da UFV, de um acervo em que facilmente poderia incluir outros vinte.
Edifício Arthur da Silva Bernardes
Inauguração: 28 de agosto de 1926.
Área Construída: 6.300,50 m2
Utilização Inicial: Sede da administração superior da ESAV e dos departamentos, com gabinetes, salas de aula e laboratórios.
Utilização atual: Salas destinadas a órgãos administrativos da Universidade e o Salão Nobre.
Dados Históricos
A inauguração da Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV) foi realizada com grande solenidade e festejos, sendo presidida pelo seu fundador, Arthur da Silva Bernardes, que na época assumia o cargo de Presidente da República.
Como uma forma de homenagear o centenário Arthur Bernardes, o prédio principal passou a ser denominado Edifício Arthur da Silva Bernardes.
A respeito do Prédio Principal, Bello Lisboa, seu construtor, escreveu: “A fachada primitivamente projetada foi modificada, tirando-se-lhe o aspecto monumental que apresentava, dando-se-lhe linhas mais singelas e clássicas, obedecendo o primeiro pavimento à ordem jônica e o segundo à coríntia.” Escreveu também:
“O Edifício Principal, projetado a princípio com uma única fachada, muito luxuosa, exigiu, por motivo de locação, quatro fachadas, de estilo nobre, simples e de acordo com os fins do estabelecimento; internamente sofreu ele também diversas modificações, a fim de se evitarem corredores estreitos, escadas obstruindo os corredores, instalações sanitárias sem luz e ar diretos, depósitos escuros, etc. Foi aproveitado no prédio principal, em toda extensão, utilíssimo porão, tendo havido pequeno aumento de custo.” (10)
É o único prédio tombado pelo município de Viçosa.
Dados Tipológicos
O edifício está localizado na área central do campus. Apresenta uma arquitetura eclética com características classicizantes. Sua maior dimensão está implantada no eixo norte-sul. Seu primeiro pavimento está acima do nível do solo com acesso através de três escadarias em convite, sendo que as escadas das maiores fachadas são ladeadas por guarda-corpos vazados. O acesso ao porão é feito sob as escadas das maiores fachadas e por porta nos fundos.
O prédio é um volume único de planta retangular organizada a partir de um corredor central como eixo longitudinal. O prédio é circundado por passeio e palmeiras imperiais. Possui dois pavimentos, com pé direito de 5,00 m e um porão habitável, com pé direito variável de 2,60 m a 3,20 m. O primeiro pavimento abriga o hall da entrada principal, com cinco caixas de escadas.
Os elementos (aberturas, ornamentos e platibanda) se repetem em todas as fachadas. Esses ornamentos são característicos do ecletismo: colunata central com capitéis jônicos para as portas principais, capitéis coríntios no segundo pavimento, linhas em alto e baixo relevo acompanhando as janelas; balaustrada como platibanda, cobertura em telhas cerâmicas.
Edifício Chotaro Shimoya
Construção: Início 1966
Projeto Original: Arquiteto Maurício Sérgio de Castro
Inauguração: 19 de julho de 1972
Área Construída: 6194 m2
Utilização: Abrigar departamento de Ciências Biológicas.
Dados Tipológicos
Edificação implantada na área central do campus universitário, de três pavimentos e planta quadrangular, com um pátio central descoberto preenchido por um grande jardim com vegetação de pequeno porte.
Seu único acesso é pela fachada principal, marcada por uma marquise de seção trapezoidal sobre a porta de entrada. No primeiro pavimento, há pilares de seção trapezoidal que suportam parte da edificação que avança sobre o primeiro pavimento. Os dois pavimentos superiores são contornados externamente por brises horizontais e verticais. Os horizontais são móveis e estão na porção das aberturas e os verticais são fixos contínuos com extensão que correspondem aos dois pavimentos superiores. O arranjo dos brises verticais é determinante na identidade do edifício. Além de subdividir os brises horizontais em três porções a cada dois pilares, confere à edificação uma marcação vertical. As esquadrias externas são de ferro, basculante e em fita na horizontal, cuja linearidade é disfarçada pelos brises nos dois últimos pavimentos.
Edifício Reinaldo de Jesus Araújo
Projeto: Arquiteto Décio Machado
Inauguração: 7 de agosto de 1975
Área Construída: 4.953,90 m2
Utilização: Sede dos Departamentos de Solos e da Engenharia Florestal
Dados Tipológicos
O edifício localizado na área central do campus universitário é composto por três volumes, cada um com características próprias. O volume principal, assentado em nível acima da rua, possui três pavimentos, sendo um de pilotis e dois abrigando salas de aulas, gabinetes dos professores e a administração. Sua planta é organizada ao longo de um corredor central. O edifício é marcado nas fachadas longitudinais por um arranjo de brises verticais e horizontais em concreto revestido, compondo uma modulação alternada. Essa composição é determinante na identidade do edifício.
No pavimento térreo, as vedações envidraçadas e parte protegida por gradil de madeira, estão recuadas, deixando à mostra os pilares de seção retangular. Na lateral esquerda, em nível abaixo e à frente do volume principal, ergue-se o bloco do auditório. Este bloco se estende um pouco abaixo do nível do térreo do volume principal, abrigando também as áreas de apoio, laboratórios e banheiros. O auditório tem acesso principal pela lateral direita.
O terceiro volume, na parte posterior, abriga a rampa de acesso aos pavimentos superiores. Possui paredes semicirculares nas extremidades, diferenciando-se da geometria ortogonal regular do conjunto.
Centro de Vivência
Período Construção: 1974 - 1978
Projeto: Arquiteto Maurício Sérgio de Castro
Área Construída: 4.968 m2.
Utilização Inicial: Local de eventos culturais
Utilização Atual: Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas, cineclube, auditório e espaço multiuso da UFV (para espetáculos cênicos e musicais, palestras, seminários, eventos científicos, solenidades oficiais).
Dados Históricos
No início da década de 1970, após a federalização da então UREMG, a universidade passa por um processo intenso de expansão de seus cursos e fisicamente do seu campus, particularmente no período de gestão do Reitor Antônio Fagundes de Souza (1974-1978). É nesse cenário de modernização e poder que o edifício do Centro de Vivência foi construído e que, segundo o arquiteto Aguinaldo Pacheco, pode ser visto como o “símbolo” do início dessas mudanças.
O projeto original contemplava um hotel, um clube, restaurante de professores, um teatro, uma biblioteca, um salão de festas. Desta forma buscava-se tornar esta obra um “centro de aglutinação”, podendo até mesmo, substituir equipamentos ainda precários na cidade no período da sua construção, como era o caso dos hotéis. Mas isto não se concretizou por completo, passando a obra a abranger outros papéis, uma vez que o teatro, que era visto um importante equipamento de transformação, não foi executado. O salão de festas foi transformado em auditório, “Espaço Fernando Sabino”, com 700 lugares, que atende parte da demanda de congressos, apresentações teatrais e outros eventos. Onde estava prevista a construção de um teatro para 1500 pessoas, foi construído o Espaço Multiuso com 4.000 m2.
Dados Tipológicos
Imponente edificação de características modernas: volumes geométricos bem marcados, linhas racionais, estrutura em concreto armado aparente, fachadas envidraçadas, planta livre com grandes vãos, em razão da sua estruturação com grandes colunas robustas de seção oval no contorno do edifício.
Está localizado na área central do campus universitário entre duas importantes construções: Edifício Arthur da Silva Bernardes e o Edifício P. H. Rolfs, havendo um grande contraste no estilo arquitetônico entre estas obras ecléticas e o moderno Centro de Vivência, expondo as diferentes épocas da instituição. Foi implantado perpendicularmente ao Edifício Arthur Bernardes da Silva deixando ampla área livre à sua frente.
A entrada principal é na parte frontal, feita por rampas que perpassam um espelho d´água e um jardim e que dão acesso ao grande hall e ao Espaço Cultural. O primeiro pavimento, com mezanino e pé direito duplo no auditório, possui grandes vãos livres. No hall de entrada há um volume de seção elíptica utilizado como recepção (presente também no mezanino) e duas escadas, uma de acesso ao subsolo e a outra de acesso ao mezanino. Entre o hall e o auditório fica a caixa de circulação com duas escadas e elevador, e a escada de acesso ao auditório.
Conclusões
A arquitetura diversificada do campus universitário evidencia diferentes momentos da história da Instituição, desde sua criação até os dias atuais, com obras de significativa importância. As construções, em geral estão em boas condições de conservação e permanecem plenamente utilizadas. Atualmente há um convívio contrastante, mas ainda harmonioso em escala entre os edifícios do Campus. O principal cartão postal é o conjunto formado pelo Edifício Arthur da Silva Bernardes e o Centro de Vivência. Há exemplares raros como o conjunto de casas de telhado “borboleta” da Vila Gianetti, algumas vezes ameaçado por idéias de demolição.
A partir da última década surgiram obras de arquitetos de diferentes lugares. Há alguns projetos de qualidade duvidosa, dentre eles algumas agências bancárias e galpões. Alguns dos processos de construção foram vencidos por concorrências em que valeu o critério do menor preço e os resultados arquitetônicos não foram satisfatórios.
Novos cursos de graduação e pós-graduação continuarão a ser criados e a demanda por espaços físicos prevalece forte. A ampla discussão do Plano de Desenvolvimento Físico Territorial resultou num documento que tem instrumentos capazes de organizar o desenvolvimento do Campus e impedir sua descaracterização. No entanto, a exigência crescente por mais espaços físicos, que se tornam escassos, para abrigar novas atividades de ensino, pesquisa e extensão, deve ser objeto de preocupação para os administradores e apreciadores da boa arquitetura.
notas
1
Arthur da Silva Bernardes nasceu em Viçosa, em 1875. Iniciou seus estudos em Viçosa, continuou em Ouro Preto no Externato do Ginásio Mineiro e em seguida no Caraça. Em 1900 gradua-se em Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Direito de Largo de São Francisco, São Paulo. Em 1905 volta a Viçosa, tornando-se jornalista, redator e diretor do jornal “A Cidade de Viçosa”. Sua carreira política inclui diversos cargos na política: presidente da Câmara Municipal de Viçosa (1906), deputado estadual (1907), deputado federal (1908), secretário das Finanças de Minas no Governo de Julio Bueno Brandão, presidente de Minas Gerais (posse em setembro de 1918), Presidente da República (1922/26), senador (1927), e legislador constituinte (1940). Durante seu mandato como presidente, passou por dificuldades políticas e financeiras, mas com diversas realizações como: incentivo à produção, aproximação da indústria e do comércio, proteção à propriedade industrial, inauguração de ferrovias, pontes, porto naval e Serviço de Radiotelegrafia do Exercito. Com o intuito de implantar nas propriedades agrícolas uma agricultura científica, muda-se o hábito de seguir a cultura francesa, passando em 1920 a buscar nos Estados Unidos aquele que viria a ser o organizador da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais – ESAV, capaz de planejar, organizar e administrar esta nova Escola. Após duas recusas do convite, pelo Dr. Eugene Davenport (Diretor de uma escola de Agricultura, em Illinois) e pelo Dr. Romel (zootecnicista do Departamento de Agricultura), Peter Henry Rolfs da Universidade da Flórida aceita o convite.2
Peter Henry Rolfs nasceu no estado de Iowa, EUA, em 1865. Concluiu os estudos básicos em sua cidade natal; em 1889 recebe o titulo de Bachelor of Science, em Agricultura pela Iowa State College, em Ames, onde também fez sua pós-graduação recebendo em 1891 o Master of Science. Em 1920 pela Universidade da Flórida recebeu o titulo de Doctor of Science. Exerceu trabalhos em diferentes instituições: professor de Ciências Naturais no Flórida Agricultural College (1891/99), bacteriologista e botânico, no Clemson College, no estado da Carolina do Sul (1889/1901), trabalhou na Estação Experimental da Universidade da Flórida, de onde em 1915 torna-se Diretor da Escola de Agricultura desta universidade. Em 1944 Peter Henry Rolfs faleceu nos Estados Unidos.3
João Carlos Bello Lisboa nasceu em Vassouras, no Rio de Janeiro, em 18 de agosto de 1892. Iniciou seus estudos na Academia de Comércio de Juiz de Fora, que graças a sua dedicação recebeu desta uma bolsa de estudos integral. Iniciou o ensino superior na Escola de Engenharia de São Paulo, mas por questões de saúde, transferiu-se para a Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Desta recebeu os diplomas, em 1918 dos cursos em Agrimensura e nas Engenharias Industrial, Mecânica e Elétrica, e em 1919 da Engenharia Civil. Em 1922, Bello Lisboa, inicia sua atuação na construção da ESAV. Nesta função, em razão das inúmeras obras a serem feitas, passou por dificuldades como falta de material e mão-de-obra. Para solucionar tais problemas, promoveu a criação de diversos serviços industriais como: a instalação de olaria, pedreira, carpintaria, marcenaria, serraria, ferraria, fábrica de telhas de cimento e tudo que fosse necessário à infra-estrutura. Também foi o responsável pelo combate ao analfabetismo e as doenças dos 600 operários da construção da Escola, através da criação de uma escola primária e serviço médico; conseguindo desta forma em 1935 mudar tal realidade de 90% de analfabetos e 100% de doentes para 0%.Com o início das aulas, Bello Lisboa é nomeado Professor de Engenharia Rural e Vice-Diretor, e em 1929, torna-se diretor desta instituição até 1936. Como diretor, realizou importantes realizações como a Semana do Fazendeiro, o Mês Feminino, a Associação de Ex-Alunos e o Aperfeiçoamento Rural de Professoras Primárias. Ao sair da direção da ESAV, assumiu cargos como: prefeito das cidades mineiras de Ubá e Uberaba, Secretário da Agricultura, Industria e Comércio do Rio de Janeiro, na época Distrito Federal, e Encarregado do Setor de Agricultura da Coordenação Econômica na época da Segunda Guerra Mundial.4
BANDEIRA, Antônio Lima (então Reitor da Universidade) em: BORGES, José Marcondes. Primeiros tempos da Universidade Federal de Viços pelas lentes de Rolfs. Viçosa:ED. UFV, 2006.5
COELHO, Eduardo Lara. In: LIMA, Antonio Luiz de (Org.). UFV 70 Anos: A Trajetória da Escola de Viçosa. Viçosa: UFV, Imprensa Universitária, 1996, p. 16.6
Idem ibidem.7
COELHO, Eduardo Lara. Op. Cit., p. 24.
8
COELHO, Eduardo Lara. Op. Cit., p. 16.9
COELHO, Eduardo Lara. Op. Cit., p. 28.10
LISBOA, Bello. In: BORGES, José Marcondes. Primeiros tempos da Universidade Federal de Viços pelas lentes de Rolfs. Viçosa: Ed. UFV, 2006, p. 34.
bibliografia complementar
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil . São Paulo: Perspectiva, 1991
CHAGAS, Djalma Pinheiro; BORGES, José Marcondes; SABIONE, Gustavo Soares (Orgs.). Cópia do relatório do chefe da comissão de construção da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (ESAV), engº. João Carlos Bello Lisboa, ao secretário de agricultura. Viçosa: Ed. UFV, 2004.
CHING, Francis D. K. Dicionário visual de Arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
FABRIS, Annateresa. Ecletismo na Arquitetura Brasileira. São Paulo: Nobel/ Editora da Universidade de São Paulo, 1987.
LAM-SANCHEZ, Alfredo. A UFV nos Tempos da Escola Superior de Agricultura – UREMG. Viçosa: Ed. UFV, 2006. 403 p.
LEMOS, Carlos A. C. . Arquitetura brasileira. São Paulo, SP: Melhoramentos, 1979.
SABIONI, Gustavo Soares; ALVARENGA, Sonia Coelho. UFV: Oito décadas
em fotos. Viçosa: Ed. UFV, 2006, 84 p.
UFV - Universidade Federal de Viçosa. Resolução 14/2008, Secretaria de Órgãos Associados : Plano de Desenvolvimento Físico e Ambiental do Campus UFV-Viçosa (PDFA) 2008-2017.
UFV. 1974-1978 – A nova dimensão da Universidade Federal de Viçosa. UFV: Imprensa Universitária, 1978.
Universidade Rural do Estado de Minas Gerais. Escola Superior de Agricultura – Origem – desenvolvimento – Atualidade. UFV: Imprensa Universitária, S.D.
VIÇOSA, Conselho Municipal de Cultura e Patrimônio Cultural e Ambiental. Dossiê de Tombamento do Edifício Arthur Bernardes. Junho de 2001.
sobre os autores
Ítalo Itamar Stephan é Arquiteto, Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa.
Skarlen F. S. Galvarro é Estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFV, bolsista de iniciação científica CNPq e colaborador.
Bruno Dalto do Nascimento é estudante do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFV.
Elaine Cavalcante Gomes é professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, colaboradora.