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português
Curitiba é a capital com maior número de veículos por habitante no país. O crescimento da frota e a consequente expansão dos estacionamentos verificados nos últimos anos, ocasionaram mudanças na área central da cidade

english
The city of Curitiba is the capital with bigger number of vehicles for inhabitant in the country. The growth of the fleet and the consequent expansion of the parking lots; verified in recent years, caused significant changes in the down town of the city


how to quote

SIPINSKI, Carlos J. Bechel; SCHMITZ, Lisana Kátia. O impacto dos estacionamentos nos centros urbanos: o caso de Curitiba. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 132.02, Vitruvius, maio 2011 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/11.132/3892>.

1. Introdução

Em face do aumento da frota de veículos e da consequente demanda por novas vagas de estacionamento, é crescente o uso de terrenos localizados no centro da cidade de Curitiba para este fim, uso este que contribui para a deterioração da paisagem e promove a subutilização do potencial construtivo destes terrenos. Este fenômeno contemporâneo, relaciona-se diretamente com um estilo de vida que tornou o cidadão extremamente dependente do automóvel para os seus deslocamentos diários, situação que motiva a excessiva concentração deste tipo de uso, bem como sua consequente influência sobre a paisagem e a ocupação do solo urbano. Torna-se, portanto, premente a sua caracterização, análise dos seus impactos e a determinação das suas motivações.

2. A dinâmica da cidade contemporânea e o impacto das políticas públicas na paisagem do centro de Curitiba

A partir do inicio do século XX, a área central das cidades concentra as principais atividades comerciais, financeiras e os serviços; tanto públicos como privados e com essa vantagem favorecida pela concentração de atividades, torna o preço da terra nesta área o mais elevado da cidade, verticalizando as construções para melhor aproveitamento do solo.  Posteriormente, o surgimento de novas atividades em áreas não centrais, foi viabilizado pelo desenvolvimento de novos meios de transporte como caminhões, ônibus e automóveis, que não ficavam dependentes da rigidez espacial dos trilhos necessários aos trens e bondes, os quais fizeram circular pessoas e mercadorias no período da segunda metade do século XIX até meados do século XX (1). Neste sentido, o sistema viário, os automóveis e os estacionamentos são vistos como fatores de destruição urbana pelos que se preocupam com as cidades. Todavia, os automóveis em si não destroem as cidades e um trânsito insolúvel é preferível aos vazios urbanos insolúveis dentro das cidades (2).

A desvalorização do ambiente construído faz parte do processo capitalista de crescimento urbano (3) e o abandono de locais de trabalho, o alto índice de mudanças de estabelecimentos comerciais e os congestionamentos de transito são considerados como causas da decadência dos centros mais antigos das cidades (4). Os proprietários de imóveis à espera do retorno dos investimentos imobiliários (5) têm suas propriedades ocupadas por uma população pobre e uma economia pobre para os quais o espaço construído das áreas centrais significa uma economia (6), induzindo ainda mais a população mais próspera a abandonar o centro das cidades.

3. O caso da cidade de Curitiba

A tradição de Curitiba em planejamento urbano remonta ao ano de 1853, quando essa foi escolhida para sediar a capital da nova província do Paraná. Em 1895 surgiu o primeiro Código de Posturas da cidade e em 1903 teve início o processo de hierarquização de usos do solo. A história formal do planejamento urbano de Curitiba inicia-se, porém, em 1943 com o Plano Agache, o qual previa crescimento radial para a cidade, reestruturação viária, medidas de saneamento e a definição de áreas para habitação, serviços e indústrias. E, em decorrência deste plano, no ano de 1953 foi aprovada a primeira Lei de Zoneamento de Curitiba. Posteriormente, em 1964, por meio de concurso público, foi elaborado o Plano Preliminar de Urbanismo que propõe um modelo linear de expansão urbana. Finalmente no ano de 1965, com a finalidade de detalhar e acompanhar o Plano proposto pela Sociedade Serete e por Jorge Wilheim Arquitetos, foi criado o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba - IPPUC (7).

O plano urbanístico desenvolvido pelo consórcio Wilheim-Serete propunha uma expansão linear da cidade através de vias estruturais que se constituiriam de eixos de adensamento populacional e expansão do setor comercial e de serviços. Tendo como suporte um sistema de circulação composto por uma via central com uma pista exclusiva para transporte coletivo, duas para tráfego lento e outras duas vias externas paralelas a este eixo para o fluxo continuo de veículos (8). A implantação destes eixos estruturais sem a necessidade de alargamento de ruas e construção de viadutos não causou a destruição da paisagem urbana, geralmente inevitável quando o transporte individual é incentivado (9). Mas esses contribuíram para o deslocamento do comércio na direção sul, acompanhando a expansão da cidade, que se dera à procura de terrenos mais planos (10), estimulando a saída dos estabelecimentos comerciais do centro e contribuindo para sua decadência.

Embora aprovado, o esse plano foi de lenta implantação e somente em 1971 foram regulamentados o uso do solo e o sistema viário. Nesta década foram implantados o sistema de circulação e o transporte de massa que iriam redefinir o traçado urbano da cidade. Foram também iniciadas ações para revitalização do centro da cidade como à criação de uma rua exclusiva para pedestres: a Rua XV de novembro (11). E mais recentemente, no ano 2000, objetivando o fortalecimento do transporte público lançou-se o projeto de um eixo de integração metropolitano e de adensamento onde passava a rodovia PR-476 – antiga BR-116 – uma implacável barreira urbana que dividia a cidade e que hoje é chamada de Linha Verde, uma via com canteiros ajardinados e arborizados que substituiu a árida paisagem de outrora, propondo a integração das duas partes da cidade. Esta representa uma alteração para adequar Curitiba para sua nova realidade, que é a de ser uma metrópole (12).

Curitiba, que após sua elevação à condição de metrópole em meados da década de 1970, passa a atestar um dos mais expressivos crescimentos dentre as capitais e regiões metropolitanas do país, posicionando-se entre as grandes cidades brasileiras em meados da década de 1990. Apurada pelo Censo 2010, hoje sua população é de 1.746.896 habitantes (13) distribuídos pelos seus 75 bairros.

Mesmo sendo a cidade uma referência no planejamento urbano, atualmente seu centro apresenta diminuição da sua população (14), nesta área há a concentração da atividade de comércio e serviços instalada, em sua maioria, em edifícios de muitos pavimentos, localizados principalmente na Rua Marechal Deodoro. Embora esta atividade demande muitas vagas de estacionamento, a maioria destes edifícios não possui garagem, induzindo, portanto, à criação de estacionamentos nas áreas vizinhas, que ainda disponham de terrenos vazios ou com grandes espaços não edificados. Lotes assim, localizados nas adjacências destas áreas de grande demanda, próximos à Rua Marechal Deodoro ou à Rua XV de Novembro, destinada exclusivamente aos pedestres, continuarão sendo destinados à acomodação da demanda por vagas de estacionamento.

3.1 A circulação de pedestres e automóveis nas áreas centrais

 As ruas de circulação exclusiva de pedestres nos centros das cidades, muitas vezes não significam redução do uso de carros, mas reordenamento do trânsito e as medidas de compensação para os veículos, tais como as vias de acesso, as garagens e os estacionamentos, podem ser fatores de desintegração urbana e não de recuperação de áreas degradadas (15).

O fato de Curitiba ser a capital brasileira com o maior número de veículos por grupo de mil habitantes, com uma frota de 856.292 automóveis em 2009 (16), aliado a atual legislação (decreto 184/2000) que restringe a proposição de áreas de estacionamento somente para os edifícios de uso habitacional situados dentro do anel central de tráfego lento, região esta de uso comercial, podem ter contribuído para geração e agravamento do problema. Tendo em vista a possibilidade da renovação do centro, promovida pela substituição de edificações antigas por novos edifícios, os quais podem utilizar o total do potencial construtivo permitido, contribuiria para aumentar esta demanda. Questiona-se então como serão proporcionadas as vagas necessárias?

O ESTAR (Estacionamento Regulamentado de Veículos em Vias Públicas) criado em 1971, proporciona a rotatividade do uso das vagas em vias públicas, promovendo assim o estímulo ao comércio tradicional do centro da cidade, mas pode não ajudar a atender a demanda da região, pois este sistema limita a permanência na vaga por um período de uma a três horas, atendendo, desta forma, ao rodízio objetivado, mas mostrando-se inadequado à necessidade de uma maior permanência dos trabalhadores das centenas de escritórios deste local. Atualmente, com grande parte da população optando por almoçar próximo ao local de trabalho, a permanência no centro da cidade é de 8 a 10 horas, sendo este, portanto, também o período de tempo de permanência na vaga de estacionamento. E cada vez mais o solo urbano transforma-se em estacionamento para acomodar a crescente demanda por vagas para automóveis, quando estes não estiverem em circulação (17).

Os furtos e roubos de carros são, por outro lado, razão de grande preocupação para a população, pois 40% deste tipo de ocorrência envolve veículos estacionados em vias públicas, sendo no Centro a sua maior concentração (18). Esta falta de segurança pode incentivar ainda mais a não utilização das vagas oferecidas pelo ESTAR e pressionar a instalação de novos estacionamentos privados no centro de Curitiba.

O uso do transporte coletivo, que poderia reduzir a demanda por estacionamentos, acaba não desempenhando essa função. Devido ao valor de sua tarifa e ao tempo de espera, o sistema de transporte coletivo não é interessante.  Já os que trabalham no centro e moram em regiões mais afastadas, acabam muitas vezes optando pelo transporte individual, tanto pela falta de conforto quanto pela insegurança nos ônibus nos horários de pico. O transporte coletivo pode contribuir para a redução da poluição e do congestionamento. Todavia, enfrenta um grande desafio em relação ao transporte individual, pois o automóvel oferece conforto e uma maior liberdade de trajetos. Além disso, o automóvel pode representar o principal elemento da imagem pessoal de uma pessoa, o símbolo de seu sucesso profissional e de seu estilo de vida (19).

3.2. A relação entre a legislação municipal de uso do solo e os estacionamentos

 A legislação municipal que dispõe sobre o zoneamento, uso e ocupação do solo, diz no Art. 2º “dar a cada região o melhor aproveitamento em função do sistema viário, da topografia e da infraestrutura existente”.  O centro de Curitiba possui um zoneamento que permite um alto potencial construtivo (5 vezes a  área do lote), todavia, apresenta uma significativa porção do seu solo subutilizado, especialmente no que diz respeito aos terrenos usados como estacionamento, muitos dos quais sem construção alguma.

Estacionamento na cidade de Curitiba
Foto Carlos J. Bechel Sipinski [Dissertação de mestrado do autor (ver nota 21)]


A infraestrutura como ruas pavimentadas, energia elétrica, rede de água e transporte público, é capital de propriedade social, mas o solo é de propriedade privada (20). A utilização da propriedade é livre (art. 5º, da Constituição Federal), entretanto deve atender a sua função social, que a Constituição de 1988 já havia consagrado (9).

No levantamento feito como parte da pesquisa, que considerou toda a área do Bairro Centro; incluído dentro deste o Anel Central de Tráfego Lento, foram identificados os terrenos utilizados para estacionamento de veículos (21). Os dados deste levantamento apontam que dentro do Anel Central de Tráfego Lento 8,59% dos terrenos são utilizados como estacionamentos e fora do anel central este valor é ainda mais significativo, atingindo 14% dos terrenos.

Estacionamentos em Curitiba
Mapa Carlos J. Bechel Sipinski [Dissertação de mestrado do autor (ver nota 21)]


Os estacionamentos na área estudada não utilizam nem 20% do potencial construtivo do lote, pode-se até mesmo dizer que muitos deles são praticamente áreas vazias. “Enquanto terrenos não edificados são usados como estacionamentos em uma área com toda uma infraestrutura existente, lotes para novas construções ficam cada vez mais escassos na cidade e as áreas de mananciais limítrofes a Curitiba são ocupadas por invasões e assistem a degradação de seu ambiente” (22). Portanto, a subutilização de áreas de alto potencial construtivo, plenamente atendidas pela infraestrutura urbana disponível, não se constitui apenas num fenômeno de resposta ao crescimento da frota e da carência por vagas de estacionamento, ela contribui, mesmo que indiretamente, para outros males da urbanização contemporânea.

Ademais, os terrenos podem causar impactos positivos ou negativos na paisagem das cidades, dependendo isso de fatores como o seu uso. As áreas utilizadas como estacionamento, normalmente cercadas por extensos muros, provocam a diminuição do trânsito de pedestres na rua onde estes se instalam (23), assim como a redução do uso desta área pela população.

Estacionamento em Curitiba
Foto Carlos J. Bechel Sipinski [Dissertação de mestrado do autor (ver nota 21)]


Para refrear o avanço das extensões muradas que acompanhavam a implantação de novos estacionamentos, o poder público, por meio de decreto municipal (212/2007 que aprova o Regulamento de Edificações do Município de Curitiba), determinou a construção de “lojas comerciais voltadas para a via pública em toda a testada do lote no pavimento térreo” (24) para os novos estacionamentos comerciais situados na Zona Central. Esta iniciativa contribuiu em certa medida para a melhoria da paisagem urbana da área, possibilitando aos pedestres caminhar nas calçadas sem a visão monótona dos automóveis estacionados nos terrenos ou de longos trechos murados.

Todavia, as construções, embora recentes, levam a crer que o objetivo destas edificações foi apenas o de atender a legislação, caso contrário teriam melhor qualidade arquitetônica e área mais expressiva. Seria de esperar tal encaminhamento, pois sendo a principal atividade o próprio estacionamento, no qual muitas vezes quase nenhum investimento é feito, e considerando que as edificações comerciais exigem recursos e resultam na redução da área das vagas, o atendimento ao novo decreto restringiu-se ao mínimo necessário para o seu cumprimento.

Estacionamento em Curitiba
Foto Carlos J. Bechel Sipinski

Estacionamento em Curitiba
Carlos J. Bechel Sipinski [Dissertação de mestrado do autor (ver nota 21)]


Um estacionamento pode provocar a diminuição do trânsito de pedestres e do uso pela população daquele ponto da rua ou da cidade, reduzindo assim a complexidade e a diversidade de usos que dariam vitalidade ao centro da cidade (19). Uma paisagem agradável pode trazer não só a facilidade de percursos para pedestres, como servir de estímulo para novas explorações (25). Fato este positivo para os comerciantes, que teriam mais pessoas circulando pelas ruas, positivo também para o mercado imobiliário, além do turismo, uma opção de fonte de renda e geração de empregos para as cidades, mas que necessita de espaços com qualidade para ser um objeto de consumo (26).

3.3. Alternativas para a subutilização dos terrenos centrais

Através do Estatuto das Cidades, o IPTU progressivo no tempo surge como um dos instrumentos disponíveis para a gestão da ocupação do solo. Curitiba já fez estudos na década de oitenta, para aplicação do IPTU progressivo, em áreas subtilizadas nos setores estruturais da cidade, entretanto este não foi aplicado por ter sido, a época, considerado inconstitucional. Outro instrumento introduzido pelo Estatuto das Cidades que talvez possa coibir a proliferação dos estacionamentos e consequentemente combater a subutilização é o Estudo de Impacto de Vizinhança. Este trata da análise dos efeitos positivos ou negativos do empreendimento ou atividade, incluindo na análise questões como geração de tráfego ou degradação da paisagem urbana (Art.36). Ele poderia ser utilizado junto com o IPTU progressivo, partindo-se da cobrança deste imposto até a obrigação de edificar ou utilizar o potencial do lote (Art. 7).

Através do Estudo de Impacto de Vizinhança, o município poderia condicionar a emissão de licença para construção, ampliação ou funcionamento à verificação do impacto na vizinhança. Podendo portanto, disciplinar as futuras demandas por vagas de estacionamento.

Há diversas propostas para atender a demanda por vagas, mas ainda tratadas no campo das hipóteses. Destas, uma das alternativas seria a construção de garagens subterrâneas como no caso do estacionamento Garagem Trianon (MMBB Arquitetos S/C Ltda). Este, construído no subsolo da praça Alexandre Gusmão em São Paulo e explorado por empresa privada, obteve em contrato garantidas de retorno do investimento através de medidas compensatórias como a proibição da instalação de novos estacionamentos privados e a retirada do estacionamento rotativo tarifado nas vias públicas num raio de 500 metros (27). Tais medidas resultam na liberação de mais faixas de rolamento, melhorando o tráfego na vizinhança e estimulando construções em terrenos hoje ocupados por estacionamentos (27). Porém, se o caso fosse aplicado em Curitiba poderia acabar com as vagas oferecidas pelo estacionamento tarifado em vias públicas, bem como com os argumentos que levaram à sua criação: permitir maior rotatividade das vagas e o estimulo do comércio tradicional na área central da cidade. Além disso, os estacionamentos subterrâneos podem gerar pólos de trafego e trazer consigo congestionamentos, ruídos, poluição como impactos negativos para sua vizinhança mais próxima.

Solução melhor, tanto para atender a demanda por estacionamento como o Estatuto das Cidades, seria a flexibilização da legislação permitindo ou incentivando edifícios multifuncionais (28) ou híbridos (29), nos quais seria utilizado o potencial permitido para a região com usos típicos de áreas centrais, incluindo escritórios, lojas e também habitação.

Edifícios multifuncionais com garagens comerciais ou estacionamentos subterrâneos em áreas públicas, alternativas estudadas pelo poder público, podem ter seus impactos negativos amenizados, com a proposição de um montante reduzido de vagas, ou soluções de projetos que resolvam acessos e canaletas de retenção de veículos, a fim de que o volume de veículos entrando ou saindo destes estacionamentos não crie engarrafamentos e lentidão num trânsito já tão complexo.

4. Cenário futuro para a questão do estacionamento em Curitiba

Mesmo sendo Curitiba uma cidade que apresenta um grande número de veículos por habitante, houve um crescimento de 25% da frota de veículos circulando na cidade no período entre 1997 e 2003, houve um aumento de 60% no número de estacionamentos privados para este mesmo período, durante o qual foram liberados 270 alvarás de funcionamento para estacionamentos, sendo a maior parte destes localizados na região central da cidade (30). Quando considerado o aumento de 60% no número de estacionamentos, põe-se em dúvida que o crescimento da frota de veículos seja o único responsável pelo aumento do número de estacionamentos. As motivações deste fenômeno talvez possam ser explicadas pela facilidade e especialmente o baixo custo para a abertura de um estacionamento, sendo esta uma vantajosa opção de renda para os proprietários de terrenos vazios, que aguardam a proposta de incorporadores para construir em seus lotes. 

O fato do decreto 184/2000 permitir estacionamentos somente para uso habitacional dentro do anel central, pode por um lado estimular a reintrodução desta tipologia no centro da cidade, mas por outro, pode acabar por incentivar a construção de edifícios para comércio e serviços os quais, ante a proibição da utilização do subsolo para estacionamento, teriam inclusive a redução no custo do empreendimento. Porém, como o uso comercial apresenta uma densidade maior que o uso residencial, seja pela quantidade de pessoas trabalhando nos escritórios, seja pela da presença de clientes, prestadores de serviços e outros, estes geram uma grande demanda por vagas para automóveis.

Não encontrando barreiras como os instrumentos disponíveis no Estatuto das Cidades os terrenos já ocupados por tal uso devem permanecer como estão e sua expansão ainda deve prosseguir em consequência do aumento da frota de veículos. E, ainda que o poder público tome medidas para o incentivo à habitação no centro da cidade, dados recentes demonstram que tais incentivos não foram suficientes para impulsionar sua reintrodução efetivamente. Segundo dados da Ademi-PR (Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Estado do Paraná), cerca de 60% dos lançamentos imobiliários de Curitiba e região metropolitana se concentram na região do entorno do centro da capital (31).

5. Conclusão

Estudiosos da problemática urbana afirmam que o trânsito insolúvel é menos importante do que um solo urbano subutilizado que leva à degradação, à perda da diversidade, à perda do interesse e ao consequente esvaziamento de determinadas áreas de uma cidade. No que diz respeito às políticas públicas, conclui-se que a proibição da aprovação de um determinado uso não inibe na prática a sua proliferação. E que, a flexibilização da legislação permitindo o atendimento da demanda existente, dentro das bases do plano diretor, o qual, apoiado por instrumentos de gestão como os disponíveis no Estatuto das Cidades, poderá disciplinar a utilização do solo urbano. Atendendo, portanto, à pressão pela utilização dos terrenos e garantindo que este uso não traga prejuízos para a paisagem urbana, como a redução da diversidade, ou que a propriedade deixe de cumprir sua função social subutilizando a infraestrutura paga pela sociedade.

Constatou-se, por meio da pesquisa, que os terrenos subutilizados destinados para este fim, representam cerca de 10% dos lotes existentes dentro do perímetro estudado. Porém, quando considerada a área ocupada por estes estacionamentos, eles podem representar um percentual muito maior, pois ocupam os terrenos de maiores dimensões. Estes se constituem, deste modo, numa reserva de lotes hoje subutilizados que, com a adequada condução da gestão pública, poderão renovar esta área. Se estes terrenos forem edificados segundo uma legislação mais flexível e conscientemente orientada, poderão atrair novos empreendimentos imobiliários ou valorizar os já existentes, reintroduzir a diversidade de usos e reconstituir a paisagem degradada de algumas áreas, atraindo pessoas para percorrer, explorar e usufruir destes espaços, agora em decadência.

notas

1
CORREA, R. L. O Espaço Urbano. Série Princípios. São Paulo: 1989. p. 37-47.

2
JACOBS, J. Morte e Vida das Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 389.

3
GOTTDIENER, M. A Produção Social do Espaço Urbano. Trad. Geraldo G. de Souza. São Paulo: EDUSP, 1993. p. 41.

4
Ibidem, p. 254.

5
Ibidem, p. 190.

6
SANTOS, M. Por uma Economia Política das Cidades: o Caso de São Paulo. São Paulo: Editora da PUC-SP, 1994. p. 49.

7
Instituto de Pesquisa e Planejamento de Curitiba. A história do Planejamento. Disponível em http://www.ippuc.org.br/ippucweb/sasi/home/default.php Acesso em: 10/11/2010.

8
XAVIER, A. Arquitetura moderna em Curitiba. São Paulo: Editora Pini, 1986. p. XVII-XX.

9
Ibidem, p. XVIII.

10
Ibidem, p. XX.

11
Ibidem, p. XVII-XX.

12
Prefeitura Municipal de Curitiba. Secretaria Municipal de Urbanismo. Disponível em: http://linhaverde.curitiba.pr.gov.br/Secretaria.aspx?url=LinhaVerde/ptu.htm. Acesso em: 14/08/2010

13
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010: população do Brasil é de 190.732.694 pessoas. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766&id_pagina=1. Acesso em: 29/11/2010.

14
COSTA, M.C.S; DIGIOVANNI, R. “Antropologia, Espaço e Cidade: um olhar sobre Curitiba”. In: SÁ, C. (Org.) Olhar Urbano, Olhar Humano. São Paulo: IBRASA, 1991. p. 36.

15
JACOBS, J. Op. Cit., p. 383,401.

16
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/cidadesat/topwindow.htm?1 Acesso em: 08/08/2010.

17
JACOBS, J. Op. Cit., p.389.

18
CECATTO, A. SIG de Furtos e Roubos na Região de Curitiba/PR. 135f. Monografia (Especialização em Geoprocessamento) Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Setor de Tecnologia, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2003. p.100,116.

19
HARVEY, D. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edição Loyola,1992.  p. 260.

20
SANTOS, M. Op. Cit., p. 140.

21
SIPINSKI, C.J.B. Os terrenos usados como estacionamentos de veículos e seu impacto na paisagem no centro de Curitiba. 64fs. Monografia (Curso de Especialização Cidade Meio Ambiente e Políticas Públicas) Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Setor de Tecnologia, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2005. p.16.

22
VICENTINI, Y. “Teorias da Cidade e as Reformas Urbanas Contemporâneas”. Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, no. 3, p. 9-31, 2001, UFPR/PR.

23
JACOBS, J. Op. Cit., p. 377.

24
Prefeitura Municipal de Curitiba. Decreto no 212/2007: Aprova o Regulamento de Edificações do Município de Curitiba e dá outras providências. Curitiba: 2007, p.155.

25
LYNCH, K. A Imagem da Cidade. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1995. p. 122.

26
GOTTDIENER, M. Op. Cit., p. 129.

27
ANELLI, R.L.S. A urbanidade do subsolo. Projeto de arquitetura da Garagem Trianon, do Escritório MMBB. São Paulo, 1996-99. Disponível em: <http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq061/arq061_03.asp>. Acesso em: 11/07/2005.

28
“Edifício Multifuncional”: Edifícios que abrigam diferentes funções, as quais não necessariamente se misturam. In: FENTON, J. “Hybrid Buildings”. In: Pamphlet Architecture no. 11: Hybrid Buildings. New York: Princeton Architectural Press, 1985.

29
“Edifício Híbrido”: Edifícios que abrigam diferentes funções, sendo que nestes os programas individuais se relacionam, compartilham necessidades e intensidades. A idéia de híbrido se alimenta no encontro das esferas pública e privada. A intimidade da vida privada e a sociabilidade da vida pública ancoram o desenvolvimento no edifício híbrido. In: FENTON, Op. Cit.

30
MILÊNIO. Campeã de automóveis, Curitiba vê “explosão” de estacionamentos. Disponível em: http://www.milenio.com.br/milenio/noticias/ntc.asp?Cod=6396  Acesso em 04/05/2005.

31
BLANCO, M. “Curitiba: da cautela ao crescimento”.In: “Revista Construção Mercado”, nº 93, 2009, PINI Revistas/SP.

sobre os autores

Carlos J. Bechel Sipinski  é Arquiteto e urbanista - PUC/PR, Especialista pelo Curso de Cidade Meio Ambiente e Políticas Públicas – UFPR, Funcionário da Procuradoria Geral do Estado do Paraná.

Lisana Kátia Schmitz é Arquiteta e Urbanista - UFPR, Especialista em Geoprocessamento – UFPR, Mestre Construção Civil – UFPR, Doutoranda em Geografia – UFPR. Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo – UFPR.

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