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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
O artigo discute ações municipais de Campinas relacionadas às tecnologias de informação e comunicação e propõe um Índice de Segregação Digital como subsídio para elaboração de políticas de universalização dos benefícios das novas tecnologias.

english
The article discusses municipal actions in Campinas related to information and communication technologies and proposes a Digital Segregation Index as a subsidy for the development of policies for the universalization of the benefits of new technologies.

español
El artículo analiza las acciones municipales de Campinas relacionadas con las tecnologías de la información y la comunicación y se propone un Índice de Segregación Digital como una subvención para el desarrollo de políticas públicas del sector.


how to quote

LONER, Renato Manjaterra; SILVA NETO, Manoel Lemes da. Cidade e tecnologias de informação e comunicação. Inclusão e segregação digital em Campinas. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 182.01, Vitruvius, jul. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.182/5613>.

Vista aérea de Campinas
Foto Juan Carlos Carabetta [juanphoto]

Introdução

Pretende-se estabelecer conexões analíticas entre dois processos historicamente datados e que, no período histórico atual, convergem sob denominações variadas, aqui traduzidas sob a conceituação genérica de “cidade digital”, a saber a cidade e as novas tecnologias da informação e comunicação (TICs).

Cidades políticas, medievais, barrocas, industriais, pós-industriais são qualificativos para designar um único fenômeno social e especialmente político: a cidade como ponto de encontro (1). As TICs acrescentam um capítulo a essa história, mas não alteram a forma-conteúdo do fenômeno urbano como fato político. Alteram-se o exercício do controle e as modalidades de encontro, mas permanecem controles e encontros.

A diferença é que hoje os meios de produção qualificam a cidade de uma forma que, dado seu ineditismo, serve à implantação de novas formas de controle social – aliás, que percorreram todo o ciclo da “planificação e cidade” (2) desde a primeira modalidade de controle social: a sobreposição do poder político com o religioso.

Excetuando-se a religião e a dimensão simbólica como controle social, não há outra modalidade tão eficaz quanto o fenômeno informacional na atualidade. Em princípio, nem os projetos políticos dos socialistas utópicos do século XIX, nem a contraofensiva dos regimes ditatoriais da América Latina decorrentes da Guerra Fria foram suficientemente potentes para promover a reviravolta que se assiste com a presença das TICs e de sua infiltração em quase todos os planos da existência: da corporeidade do indivíduo às esferas privada da família e pública da condução política do Estado e dos agentes envolvidos na produção das hegemonias. Nem mesmo a ficção conseguiu esgotar as possibilidades de controle social quando, em 1949, George Orwell lançou o romance 1984, em cujo enredo, um futuro perigosamente próximo projetava a vida cotidiana das pessoas sob constante vigilância e intervenção do Estado, personificado no personagem Grande Irmão.

Dessa convergência temporal representada pela ideia de “cidade digital”, isto é, do encontro de um fenômeno tão “velho” – a cidade – com um meio de produção tão novo – a informatização –, decorre o tema ora discutido.

A abordagem compreende quatro tópicos. As questões de natureza ideológica impõem a reflexão acerca dos limites e possibilidades da conceituação de cidade digital, assunto primeiramente desenvolvido neste artigo. O tema é controverso, mas, para fins analíticos, propõe-se a seguir uma aproximação conceitual possível. O terceiro ponto indica sentidos do fenômeno da cidade digital definidos a partir da prática social dos agentes hegemônicos e dos sociais. Concluindo, a apresentação dos resultados alcançados por uma pesquisa em que se obteve um mapa da segregação digital em Campinas. O intuito é explicar o desencontro entre a política municipal de difusão das TICs e o uso concreto do território.

Cidade digital, uma discussão necessária

Michel Serres, em entrevista intitulada “Estamos diante de um novo renascimento da humanidade”, aponta o fato de hoje 3,75 bilhões de indivíduos possuírem computador como a mais extraordinária das novidades. “A ruptura numérica é um fenômeno de porte comparável à invenção da escrita” (3).

Mais do que a presença de novas tecnologias que inundam o quotidiano da vida contemporânea, Serres chama atenção ao fato de que a alfabetização possível com a profusão dos códigos escritos é incomparavelmente superior ao surgimento da escrita, aproximadamente quatro mil anos A.C.. A explicação é simples: quando surgem, a leitura e a escrita estão restritas a pouquíssimos indivíduos, os escribas, enquanto hoje estendem-se a bilhões de pessoas. Disso decorre que a cidade digital é um fenômeno tecnológico e também sócio-político capaz de fazer interagir pela fricção demográfica mais da metade da população do planeta.

A análise do contexto histórico em que surge a cidade digital em sentido mais amplo parece apontar apenas para a possibilidade de transformação, e que está em curso e nos primórdios. Qualquer tentativa de previsão ou de categorização desse fenômeno é, no mínimo, temerária.

A ideia de reconstruir conceitualmente o termo “cidade digital” surge da premência de interpretar o fenômeno que combina instituições clássicas, como são a cidade e a cidadania, e a tecnologia como um meio de produção que ultrapassa qualquer tentativa de controle – na rede não há centro! O ineditismo do fenômeno também se relaciona à virtualidade dele prosseguir autonomamente, diferentemente do período industrial, onde havia o condicionamento da propriedade do capitalista das máquinas-ferramenta que faziam máquinas.

Há muitas evidências dessa automatização já preconizada nos anos 1940 por Norbert Wiener no clássico “Cibernética e sociedade”. Uma dessas evidências é o perecimento prematuro das invenções, a que se referiu Milton Santos como “aceleração contemporânea” (4).

Por ora as tentativas para a delimitação conceitual do fenômeno da cidade digital podem envolver o seguinte.

1. Esforço teórico-conceitual das ciências sociais.

Compreende a produção científica e a construção de uma base analítica que permite circunscrever a “cidade digital” como objeto e conceito. Traduzindo, tal inter-relação refere-se a) à variável-chave que dinamiza o processo histórico no seu período atual, isto é, a ciência e a tecnologia e, em particular, as tecnologias de informação e de comunicação, à cidade como “dimensão prático-sensível”, “produção material da sociedade” e b) ao urbano como “produção social de valores e de relações entre valores”.

2. Mercadorização do conceito pelo segmento da gestão pública e da segurança.

Compreende os segmentos de mercado e de marketing como também intelectuais que produzem argumentos especialmente dirigidos aos gerentes de cidades e segmentos atingidos pela cultura do medo.

3. Aspirações e desejos de segmentos sociais populares e intelectuais autônomos

Compreende os pensadores críticos e atores sociais que interpretam a cidade digital como um fenômeno fortemente comprometido com a ideologia dominante.

Qualificação do conceito

Até os anos 1980 não havia referência ao conceito de cidade digital. Os autores que primeiro fazem alusão à relação entre TICs e cidade, conferiram-lhe atributos, mas sem a adjetivarem: “vida digital” (5) e “cibercultura” (6).

A ideia de cidade inteligente ou digital surge em meio ao contexto que envolve a eclosão midiática do fenômeno de globalização, em particular no que diz respeito: às operações on line do mercado financeiro e constituição da “sociedade global” (7); e à complexificação do ambiente urbano, especialmente no tocante à ampliação das áreas urbanizadas, aumento da densidade técnica presente no território e à dependência crescente da gestão urbana em relação à engenharia de operações – inicialmente introduzida pelo controle do tráfego urbano rodo-ferro-metroviário.

Da complexificação das grandes cidades surge o que muito recentemente se chama de “sala de controle”, ambiente propalado pelas prefeituras como medida eficaz e eficiente para a gestão urbana e, especialmente, segurança pública. Em outro caso, as empresas vão procurar se apropriar dessa ideia – a ideia da cidade digital como paradigma, um item necessário, salutar e inexorável da modernidade no âmbito da cidade – para parametrizar a “qualidade de digital” das cidades pelos critérios que melhor lhe disserem respeito. Assim, para uma empresa de antenas, uma cidade será tão mais digital quanto maior for o número de antenas nela instaladas. Este pode parecer um exemplo pueril, mas é exatamente o que ocorre com o Índice Motorola de cidades digitais, uma formulação privada que classifica hierarquicamente diversas cidades e que se presta a balizar a ações e políticas de gestores municipais.

Como adjetivação, o termo “cidade digital” é uma pálida referência ao que o binômio cidade/tecnologia potencialmente representa do ponto de vista instrumental e como meio facilitador para a criação de novas sociabilidades.

As invenções e aplicações por serem descobertas são praticamente infindáveis. Atualmente assiste-se ao início de um processo cujo desfecho é inimaginável, podendo-se até mesmo dizer que se trata da etapa paleodigital ou protodigital que se anuncia em paralelo a constituição da “período demográfico” (8). Todavia, do modo como está sendo apropriada, a cidade digital parece não ser mais do que uma ideia-força, uma qualidade mercadológica de um local, um conceito que denota diferencial competitivo ou valor agregado, encerrados dentro da lógica competitiva que marca a organização hegemônica da cidade no período atual. Ou seja, ainda muito aquém do que se pode alcançar.

Nesse contexto, em que pairam mais dúvidas que certezas, o emprego da denominação “cidade digital” diz respeito à relação concreta entre “cidade” e “tecnologia” e, no mínimo, deve considerar:

1. A constituição histórica (genética) da cidade – a polis como lugar de encontro e dimensão espacial da esfera pública.

2. Os interesses particulares que fundamentam o projeto hegemônico, no caso, a hegemonia de uma concepção idealizada por sujeitos interessados numa dada conceituação de cidade digital que, em disputa com outros interesses, a todos outros subjuga.

3. O balanço epistemológico que confere à definição/conceituação de certo objeto sua validade científica (comprovação/experimentação) ou, no sentido estrito, sua própria episteme.

Desse modo propõe-se que a qualificação do conceito de cidade digital, e tudo o que a ela se relacione, quer sejam denominações correlatas, causas ou consequências, tenha por base uma propriedade particular conferida à relação cidade/tecnologia no atual período histórico: a digitalidade.

A digitalidade entende-se como o atributo de determinado subespaço garantir, por meio das TICs, o cumprimento de dois princípios:

1. Integração

Entre indivíduos, entre governos nos diferentes níveis de organização regional (entre Estados, entre países, entre continentes, entre blocos econômicos), entre firmas e instituições civis e de combinações possíveis de interação entre elas.

2. Integralidade

Os efeitos compreendem a interação sinérgica das ações setoriais de políticas públicas.

Por consequência, a digitalidade admite extensões de significado tais como “digitalização” – processo de dotar uma localidade de condições materiais e imateriais para que satisfaça os princípios da integração e da integralidade – e “digitalizabilidade” – potencialidade de uma localidade satisfazer o cumprimento dos princípios da integração e da integralidade.

Cidade digital e prática social: controle e liberdade

Solidariedade social, para Durkheim, é formada pelos laços que ligam os indivíduos, membros de uma sociedade, uns aos outros, formando a coesão social. O elemento que a caracteriza é a existência de projetos comuns, o que pode, inclusive, ocorrer entre ladrões.

No caso em estudo, as solidariedades em disputa compreendem grosso modo a dialética de duas direções opostas alinhadas num mesmo sentido: o controle social.

Por um lado o que se pode generalizar por atores hegemônicos concretiza a relação cidade e tecnologia estritamente associada à noção de controle social de cima para baixo. Isto é, mediado pelas agências de controle e pelo Estado – a “agência de controle dos controles” (9) – a solidariedade social entre os atores incluídos em tal cenário praticam a vigilância, a fiscalização, a lógica instrumental da “eficiência, eficácia, efetividade”, transparecendo um contexto de perversidade de subordinação junto aos demais atores sociais, a maioria.

O outro lado da moeda, a do controle social de baixo para cima, compreende a mesma técnica social de controle com a diferença de que a prática é regida pela contraposição à hegemonia. Trata-se de solidariedades orgânicas que se dão entre iguais, que, também direcionados pela busca do controle social, empreendem a possibilidade de que tal controle seja exercido com perspectivas libertárias.

O sentido amplo do fenômeno implica considerar que o “sistema de objetos” – o aparato técnico-científico da cidade digital – relacionado ao “sistema de ações” (10) – que produz como efeito o controle hegemônico – é o mesmo que, quando apropriado por outros sujeitos sociais, produz possibilidades socialmente equânimes ou em pé de igualdade com os outros sujeitos que exercessem o papel de “controle dos controles”. É que as inter-relações “ações e objetos” e “normas e território” (11) são indissociáveis e dependem do projeto, ou da espécie de solidariedade que se apropria das inter-relações objetos/ações. Parênteses: não há solidariedade pura, a não ser nos extremos da prática autoritária, quer seja com o totalitarismo, quer seja com o igualitarismo.

A objetivação dessa coexistência é visível em práticas tais como as que circunstanciam a cidade digital e em situações onde o controle tende a ser praticado majoritariamente pelos segmentos populares. Dai a possibilidade de conjecturar que as TICs, e o próprio conceito de cidade digital, desempenham o papel de suporte para a realização de projetos hegemônicos, mas também favorecem o surgimento de práticas sociais que potencializam resistências populares (contra-racionalidades) aos projetos hegemônicos.

Contando com recursos informacionais, os movimentos sociais no Brasil em 2013, também conhecidos como “Jornadas de Junho”, escancararam o embate expondo que a existência da cidade digital pode independer do Estado, ou até mesmo dele prescindir. Há meios técnicos para realização de projetos exógenos e autônomos em relação à iniciativa ou mesmo aquiescência do Estado. Em muitos casos pode se dar à sua revelia. Ao menos nesse contexto, a interação de atores, individuais ou coletivos, a troca de informações, representações e signos não depende do fomento do Estado.

O Estado pode, entretanto, atuar no sentido de potencializar e regular, por meio de escolhas e de investimentos, a densidade técnica das TICs presente no território, chegando, em determinados casos, a exercer o papel de mediação e de busca de consensos em meio aos conflitos dos interesses de classe. Seria o caso, por exemplo, da escolha dos lugares onde haverá maior ou menor participação dos atores sociais no processo descentralizado de tomada de decisões. As potencialidades da cidade digital, especialmente as condições para surgimento de outros possíveis históricos favoráveis à produção de um meio propício a outras formas de comunicação interpessoal, poderiam, então ser contextualizadas, até para que se evidencie que, apesar das implicações autoritárias e alienantes do fenômeno, este traz consigo condições para uma mudança.

A geografia da inclusão digital: o caso de Campinas

São atributos comuns aos programas municipais de gestão de TICs, alicerçados no paradigma da cidade digital: a) presença de equipamentos primários, terminais de computador conectados à disposição dos cidadãos, b) acesso público à internet, gratuito e garantido a todos os atores sociais, c) cobertura geográfica em todo o território do município, d) acessibilidade, usabilidade e inteligibilidade, o que compreende outro paradigma, o da “inclusão digital”, e) banda, infraestrutura de cabos para o tráfego das informações, f) oferecimento de serviços, públicos e privados em ambiente virtual, e g) integração de serviços: públicos (que envolvem governo e cidadão), entre órgãos e instâncias governamentais e da cidade e seus atores com outras cidades, estados e países, conformando o que se entende por redes de cidades, ou cidades em rede (12).

Esse ideário constitui excelente ponto de partida para compreender as implicações espaciais das TICs no espaço urbano e, em particular, o fenômeno da inclusão e segregação digital.

No caso de Campinas, por exemplo, é dada ênfase aos atributos que, em princípio, conferem à cidade o sentido ordinário do termo “cidade digital”. Apenas a conotação adjetivada compõe o planejamento no que diz respeito às novas TICs aplicadas a gestão pública. Toda a potencialidade da política informacional de uma cidade de mais de um milhão de habitantes se dá sob o falso paradigma da modernidade (13), das apropriações privadas da gestão do relacionamento entre a municipalidade e as TICs.

Visando contribuir para a análise do fenômeno da exclusão digital propôs-se um índice, o “Índice de Segregação Digital” (ISD), aplicado à extensão territorial de Campinas.

A proposição do ISD utiliza a fórmula geral de índices e compreende três dimensões fundamentais: conectividade, escolaridade e rendimento familiar. Em princípio, tais dimensões circunstanciam as condições por meio das quais se manifesta, no espaço, a segregação digital.

Tendo por base as variáveis dos Resultados do Universo e os Microdados da Amostra do Censo Demográfico 2010, o ISD é um índice composto por subíndices e apresenta a seguinte formulação:

Onde: I(cnc) = Índice de Conectividade (14); I(esc) = Índice de Escolaridade (15); e, I(ren) = Índice de Rendimento Familiar (16).

As Figuras 1, 2 e 3 mostram, respectivamente, o mapeamento dos índices de conectividade, escolaridade e rendimento familiar. A Figura 4, a síntese: o Índice de Segregação Digital.

Índice de Conectividade no Município de Campinas, 2010

Índice de Escolaridade no Município de Campinas, 2010

Índice de Rendimento Familiar no Município de Campinas, 2010

Índice de Segregação Digital no Município de Campinas, 2010

Nota-se a homogeneidade entre as manchas dos três primeiros mapas. As áreas de maior concentração de responsáveis pelo domicílio com maior renda “coincidem” com as de maior concentração de pessoas com escolaridade mais alta. O mesmo ocorre com a conectividade, percentual de domicílios com computador com acesso à internet. Em ambos os mapas a mancha na área central do território do município indica que é no centro que estão as maiores rendas, as mais altas escolaridades e o maior número de domicílios conectados. Na região sul, por outro lado, estão as áreas de maior exclusão em todos os aspectos levantados.

A síntese desses dados, exposta na quarta figura, confirma a relação entre os indicadores, ao mesmo tempo em que explicita os lugares onde o investimento do Estado, personificado no caso na figura do governo municipal se faz mais oportuno. Por oportuno entende-se desde a vocação para produzir mudança – nas áreas incluídas, o potencial transformador da instalação de equipamentos públicos de inclusão digital é próximo do zero.

Rua Guilherme da Silva, Cambuí, enquadrada entre os cinco melhores ISD de Campinas
Foto divulgação

Rua Sete, Cidade Singer, enquadrada entre os cinco piores ISD de Campinas
Foto divulgação

As paisagens retratadas nas figuras 5 e 6, respectivamente em um dos setores censitários de maior inclusão e em um dos setores de maior segregação, ilustram e confirmam as formas de fricção social exercida sobre cada território, a apropriação do ambiente pela população e dão a dimensão do impacto do investimento de recursos em termos de retorno social.

Também digna de nota é a localização do primeiro ponto do Programa Campinas Digital, o programa de criação/fomento/estruturação da cidade digital, na acepção eleita pela Prefeitura de Campinas, o wi-fi grátis, na Praça Imprensa Fluminense, e a distância desse ponto dos lugares de maior inclusão digital da cidade.

O que se vê é que a prefeitura escolheu precisamente a praça localizada no território mais incluído da cidade para investir um recurso que tem por finalidade justamente a inclusão.

Cinco melhores ISD de Campinas situados nas imediações da Praça Imprensa Fluminense que abriga o Programa Campinas Digital
Foto divulgação [Prefeitura Municipal de Campinas]

Conclusões

Os mapeamentos indicam que a política municipal de difusão das TICs acentua assimetrias sociais, especialmente quando relacionadas ao uso dos recursos públicos direcionados ao setor, podendo inclusive se afirmar que se constitui mecanismo de acirramento de desigualdades socioespaciais.

Independem de colaboração do Estado, por exemplo, os movimentos urbanos insurgentes que lançam mão das redes técnicas para difundir ideias, arregimentar e organizar contingentes, recebendo, processando e emitindo informações através dos meios informatizados e virtualizados.

Assange (17), o editor-chefe do sítio WikiLeaks, depois de oferecer a concretude de seu mecanismo de transparência independente do Estatal, nos traz também uma importante contribuição teórica em seu livro Cypherpunks:

“Em uma direção temos um futuro que promoverá a privacidade para os fracos e imporá a transparência para os poderosos; na outra direção há uma internet que transferirá o poder de populações inteiras a um complexo de agências de espionagem e seus aliados corporativos transnacionais, dispensados de prestar contas de seus atos”.

Ele faz menção a uma encruzilhada em que se encontraria a nossa sociedade, talvez a mesma encruzilhada de que falava (18), em A civilização na encruzilhada, muito antes, portanto, do advento e da conformação da internet como mídia, como suporte dos mais importantes para comunicação e informação, tanto entre pessoas quanto entre pessoas e instituições ou somente entre instituições.

Estes movimentos não podem ser ignorados, nem como forma, nem como conteúdo; nem como fluxo e tampouco como ação. Pode-se até mesmo dizer que tais relações indissociáveis produzem uma espécie de cidade codificada, digital, e, destes movimentos, serão identificados traços importantes referentes à apropriação da tecnologia da informação e comunicação pelos “homens lentos” nos termos de (19) e ao tratamento dispensado pelo Estado para esses atores e suas manifestações – controle, monitoramento, censura, repressão.

notas

1
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1983.

2
SERRES, Michel. Nous sommes face à une renaissance de l’humanité. La vie – Le Monde, Paris, 16 maio 2013, p. 178-181.

3
PEREIRA, Luis. História e planificação. In: Ensaios de sociologia do desenvolvimento. Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais. 3. edição. São Paulo, Livraria Pioneira Editora, 1978, p. 178.

4
SANTOS, Milton. Técnica espaço tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo, Hucitec, 1994.

5
NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

6
LÉVY, Pierre. Cibercultura. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo, Editora 34, 1999.

7
IANNI, Octavio. A sociedade global. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1992.

8
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciencia universal. São Paulo, Record, 2001.

9
PEREIRA, Luiz. Ensaios de sociologia do desenvolvimento. 3ª edição. São Paulo, Pioneira,1978, p. 17.

10
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo razão e emoção. São Paulo, Hucitec, 1996, p. 170-185.

11
Idem, ibidem, p. 170-182.

12
MARQUES, Eduardo. Redes sociais, segregação e pobreza. São Paulo, Editora Unesp, 2010.

13
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo, Editora 34, 1994.

14
Constituído, por sua vez, por três outros subíndices calculados a partir de variáveis dos Microdados da Amostra do Censo Demográfico 2010: 1) Índice da participação do número de domicílios com existência de microcomputador (V0219) no número total de domicílios, segundo área de ponderação; 2) Índice da participação do número de domicílios com existência de microcomputador com acesso à internet (V0220) no número total de domicílios, segundo área de ponderação; e, 3) Índice da participação do número domicílios com existência de microcomputador como acesso à internet (V0220) no número de domicílios com existência de microcomputador (V0219), segundo área de ponderação.

15
Formado por dois subíndices a partir de variáveis dos Microdados da Amostra do Censo Demográfico 2010: 1) Índice da participação no número de pessoas com nível de instrução superior (V6400) no número total de pessoas, segundo área de ponderação; e, 2) Índice inverso da participação do número de pessoas sem instrução e fundamental incompleto (V6400) no número de pessoas total de pessoas, segundo área de ponderação.

16
Formado por dois subíndices a partir dos Resultados do Universo do Censo Demográfico 2010: 1) Índice da participação do número de pessoas responsáveis pelos domicílios particulares permanentes com rendimento nominal mensal de mais de 20 salários mínimos (V09) no total do número de pessoas responsáveis pelos domicílios particulares permanentes, segundo setor censitário; e, 2) Índice inverso da participação do número de pessoas responsáveis pelos domicílios particulares permanentes sem rendimento e com rendimento nominal mensal até 3 salários mínimos (V01, V02, V03, V04 e V010) no total do número de pessoas responsáveis pelos domicílios particulares permanentes, segundo setor censitário.

17
ASSANGE, Julian. Cypehrpunks. Liberdade e o futuro da internet. Tradução de Cristina Yamagami. São Paulo, Boitempo, 2013.

18
RICHTA, Radovan. La civilización en la encrucijada. Implicaciones sociales y humanas de la revolución cietificotécnica, Cidade do México, Siglo veintiuno editores, 1969.

19
SANTOS, Milton. Técnica espaço tempo: globalização e meio técnico-científico informacional. São Paulo, Hucitec, 1994, p. 85.

sobre os autores

Manoel Lemes da Silva Neto é Professor Doutor pela FAU USP.

Renato Manjaterra Loner é Mestre pela PUC-Campinas.

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