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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Texto retoma controvérsia sobre a origem da preservação do patrimônio cultural brasileiro. As primeiras restaurações de monumentos têm sido revisadas e criticadas. Esse trabalho opõe-se a essa linha fundamentando suas análises em rica pesquisa documental.


how to quote

CERQUEIRA, Carlos Gutierrez. Afinal, a primitiva capela jesuítica do Embu tinha ou não tinha torre? Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 185.02, Vitruvius, out. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.185/5777>.

Igreja do Embu
Desenho de Luís Saia [Acervo do autor]

“Não há mal que por algum bem não venha, eis aqui um formoso ditado, anterior a quantos relativismos filosóficos se engendraram e que sabiamente nos ensina serem penas perdidas querer julgar os casos da vida como se de separar o trigo do joio se tratasse” (1).

“a história como lugar de controvérsia, como lugar privilegiado do conflito das interpretações, está exercendo uma função terapêutica. Ela pode apoiar-se nessa recente tomada de consciência que existem diversos relatos possíveis das mesmas ações, dos mesmos acontecimentos” (2).

“Sustentamos que não pode haver duas formas de ciência histórica. As problemáticas podem diferir, e certamente diferem, mas os resultados, entre historiadores de boa fé, devem convergir” (3).

Igreja do Embu, 1942
Foto H. Graeser [Arquivo do Iphan SP]

“Boa notícia”, as primeiras restaurações do Sphan em São Paulo

Nada melhor do que começar um artigo sobre a capela jesuítica de Embu relembrando a participação daquele que, ao lado de Paulo Duarte, tanto lutou pela sua preservação. (4) Sobre tudo por estarmos a comemorar os 70 anos de sua morte, ocorrida aos 25 de fevereiro de 2015, bem como os 40 anos do falecimento de seu companheiro de Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), o arquiteto Luís Saia, ocorrido em 15 de maio de 1975, responsável pela sua restauração.

No início dos trabalhos do Sphan em São Paulo, Mário de Andrade tomou a si a tarefa de anunciar ao público paulista (5), o início dos “trabalhos de restauração em terra paulista” com o propósito precípuo de “salvar imediatamente da ruína o que possuímos de mais vetusto ou mais belo” dentre os monumentos do patrimônio religioso e militar, remanescentes do período colonial. Eram eles: “o forte de São João, na Bertioga, a capela de São Miguel e a igreja e convento de Embu” (6).

Na primeira comunicação a respeito, Mário se ocupa especialmente deste último monumento, exaltando sua raridade artística, que no seu entender a faz prevalecer sobre quaisquer outros monumentos paulistas. Observa que se externamente não tem “a graça ingênua [da igreja] de São Miguel nem a sua excepcionalidade arquitetônica”, seu valor encontra-se especialmente no seu interior, que, “pelo acabamento e pela raridade de estilo está entre as coisas mais preciosas do Brasil”.

Mário de Andrade [Arquivo Sphan, s/d]

Em seguida, tece comentário sobre os planos já aprovados de Luís Saia para o restauro deste monumento. Seria iniciado “pela parte mais ruinosa do convento, e menos constitucionalmente importante, de forma a se obter uma experiência mais íntima das atuais condições técnicas da construção”. Demonstrando estar sintonizado com a organização e as metas propostas pelo arquiteto-restaurador, explica que somente após esta parte do edifício estar afastada da destruição, e adquirida maior experiência com o trato dos materiais e melhor conhecimento das técnicas de construção antigas, teriam início “os trabalhos mais importantes no corpo da igreja” e especialmente os de sua fachada, “que deverá voltar à feição primitiva” (7).

Já por esse tempo, o crítico literário, jornalista e historiador Sérgio Buarque de Holanda, companheiro de Mário de Andrade na condução dos trabalhos de difusão do ideal modernista, foi instado, de certo pelo próprio Mário, a colaborar para esses primeiros trabalhos do Sphan em São Paulo; porém a sua contribuição ficaria limitada à compilação de notícias e dados anteriormente coletados pelos historiadores e antigos cronistas sobre os monumentos paulistas, acrescida de informações extraídas de documentos já publicados, disponibilizando-os no curso das obras e reunidos num só texto publicado na Revista do Sphan (8). Vê-se, no entanto, pela correspondência entre ambos, há pouco publicada (9), que as cartas por eles trocadas não chegaram a cobrir todo o período em que se desenvolviam as obras de restauro mencionadas, com exceção do ano de 1941 quando algumas já estavam por se concluírem. Todavia não há na correspondência menção alguma sobre as capelas nem tão pouco sobre as obras em realização. Mas, sem sombra de dúvida, o texto é fruto dessa colaboração, visto tratar das capelas do interesse da 4ª. Região do Sphan, fossem ou não ainda objeto de intervenção, e sobre as quais Sérgio Buarque se valeu de dados antes coligidos e analisados pelos próprios Mário de Andrade, Lucio Costa e Luís Saia (10).

Sete meses após a primeira comunicação, Mário de Andrade torna a dar notícias sobre o andamento da obra de restauro do convento (11) e de suas especificidades: “O serviço, dadas as experiências e incertezas que implicava, foi iniciado na parte posterior do convento, que era também a mais recente”, destacando que esse, a todo o momento, trazia surpresas: “Janelas abertas posteriormente, solução mais engenhosa de iluminação da capela-mor, curiosíssimos terraços cobertos do convento”. Distinguir os acréscimos em meio às soluções originais, e dentre as novidades, as mais antigas das mais recentes, eram tarefas que exigiam paciência, investigação, reflexão e estudo; mesmo assim incorria-se em riscos de interpretação. Era o preço a pagar pelo pioneirismo.

E Mário antecede o que estava por vir: “Ainda nestes primeiros dias de 1940, já habituados os operários e feitas as experiências importantes, serão atacados os trabalhos de reforma da fachada principal”, quando se alcançaria finalmente o propósito de todas as operações: “Dentro de poucos meses, a igreja e convento viverão renascidos num aspecto mais tradicional protegidos da ruína definitiva” (12).

Quando a obra fosse concluída esperava também alcançar o que era anseio há muito defendido pelos intelectuais modernistas, instrumentalizado pela criação do órgão por sua vez adaptado aos propósitos pedagógicos do Estado Novo: “Esperamos que se revigore também a consciência de nós mesmos, pela presença viva de tão grande tradição”.

Mário ressalta desde logo a natureza diferenciada das atividades em curso, chamando a atenção para as especificidades dos trabalhos de restauração sob o comando e responsabilidade do engenheiro-arquiteto Luís Saia: a meticulosa investigação que procedia nos edifícios. Consistia essa cuidadosa tarefa naquilo que os arquitetos do Iphan denominariam depois trabalho de prospecção, efetuada nos monumentos e realizados concomitantemente de maneira a obter informações sobre os materiais e sua aplicação e confrontá-las entre si, constituindo desse modo um primeiro conhecimento sobre as formas primitivas de suas edificações. Tais atividades demandaram vários meses e tinham o propósito de distinguir o que havia sido acrescentado ao longo do tempo por razões diversas, ao mesmo tempo em que se desvelavam os materiais e as formas originais dos monumentos. Aos resultados assim obtidos, afora o conhecimento adquirido pelo restaurador, ganhavam também em experiência os trabalhadores engajados nos serviços, pois iam compreendendo as diferenças entre as obras de simples reforma e reconstrução daquelas de restauração propriamente dita que pioneiramente ajudavam a executar.

Embora aponte para a complexidade e profundidade com que os trabalhos se realizavam, ele próprio guarda uma distância respeitosa para com o profissional encarregado da condução das obras de restauração, guardando para si a tarefa de divulga-las. Como porta-voz da instituição fala em seu nome e de seus principais personagens, Rodrigo especialmente, sem esquecer-se do Ministro Capanema, o político responsável pela criação do órgão. E retorna aos trabalhos em realização, especialmente as tarefas do restaurador, daquele “engenheirando” que trouxera em 1937 para trabalhar consigo e que agora era o responsável pela condução das obras de restauração desses e de outros monumentos paulistas, do cuidado deste profissional no preparo dos operários, nos estudos encetados, na tarefa meticulosa de registrar tudo quanto ocorria nas obras, desenhando, fichando e “fotando” cada pormenor interessante revelado nas prospecções das paredes de taipa do edifício, dos revestimentos posteriores com tijolos, bem como na análise desses materiais que lhe permitia perscrutar as técnicas e as formas anteriores dos edifícios reformados ao longo do tempo – tudo reunido no caderno de obra, acrescido ainda da coleta de informações junto a membros da comunidade local sobre o monumento na tentativa de reconstituir sua trajetória recente e pretérita, esforços que resultariam na descoberta de uma importante foto que registrara a configuração mais antiga de sua torre.

Antonio Luiz Dias de Andrade
Foto atribuída a Regina Celi Moreira, colega de trabalho no IPHAN, s/d

Mário de Andrade nada informa sobre estudo comparativo das capelas jesuíticas paulistas porventura realizado por Luís Saia, acerca do qual Antonio Luiz Dias de Andrade virá a supor em sua detalhada investigação documental realizada no Arquivo Central à época de suas pesquisas sobre a capela do Embu. Essa tarefa Luís Saia certamente realizava efetuando análises dos exemplares que remanesceram, copiando-os em detalhes ou meramente esboçados em croquis, projetando-os no papel ainda no decorrer dos trabalhos de restauração, aventando hipóteses, elaborando textos, a partir dos quais parece ter conjecturado não ter a capela de Embu originalmente torre nenhuma – hipótese que, como veremos adiante, é de fato a verdadeira. O próprio Sérgio Buarque de Holanda se valeu desses estudos, como já mencionamos, como o de artigo sobre Carapicuíba em que se apoiou para explicar a configuração da aldeia (13).

Do que foi exposto até aqui a respeito das obras encetadas pelo Sphan em São Paulo, cremos que seja lícito dizer que tiveram na ocasião um duplo propósito: salvá-los da destruição iminente (sobre tudo a igreja do Embu e a morada e capela de Santo Antonio) e recompô-los, tanto quanto fosse possível, às suas configurações primitivas, resgatando seus aspectos mais tradicionais. Vale acrescentar: recomposições que se fizeram pelos meios então eleitos e de que se lançou mão no decorrer dos trabalhos: coleta de informações junto à população, busca da iconografia por ventura conhecida, disponível; pesquisa histórica (a cargo de Sergio Buarque de Holanda), o meticuloso trabalho de prospecção nas próprias edificações, e, por fim, a escolha e utilização dos materiais mais adequados para o restauro.

Embora Mário diga no início de 1940, que “Tudo está sendo reposto na forma primitiva”, sobre a torre dirá mais tarde, já concluída a obra, a seu amigo Paulo Dantas:

“Daqui não sei escolher o que lhe conte. Ah! Sei. São Miguel e Embu concluídas e uma delícia. Descobriu-se a torre primitiva, ou pelo menos anterior, de Embu, foi possível refazer a carinha gostosíssima dela e o azul e branco do conjunto é maravilha ao sol” (14).

E em nova crônica ao Estado de S. Paulo torna às peculiaridades do trabalho de restauro e como se deu a tal descoberta: “O restaurador, além das pesquisas e da forte capacidade técnica, é obrigado a auscultar cada pedra, cada muro, cada reverso de caliça caída, para descobrir o segredo de um passado mais antigo, que a impiedade de reformas apenas utilitárias deformou. De fato, em São Miguel como em Embu, houve transformações muito grandes, só devidas a essa perquirição infatigável. Embu, graças a um documento descoberto num fundo de gaveta caipira, pôde recompor a sua torre” (15).

O ‘jornalista’ Mário de Andrade permite-se então associar à sua função de porta-voz do Sphan em S. Paulo a indissociável condição de crítico de Arte, acrescentando na narrativa um detalhe de natureza estética que a capela restaurada recuperou: “Perdeu aquele ar desconexo de chapéu de palha, que abobalhava a sua fachada, readquirindo uma graça, uma humildade macia, que o branco da cal e o azul intenso das janelas e portas ainda fazem mais encantadora” (16), característica que já anunciara em carta ao amigo Paulo Dantas.

A recomposição da torre, portanto, resultara de um árduo e minucioso trabalho de “perquirição” do próprio edifício, efetuado pelo restaurador, e também do esforço continuado por obter informações, mediante o qual se deparou com “um documento descoberto num fundo de gaveta caipira” - documento este que, de acordo com a declaração de Luís Saia aos participantes do curso de restauração e conservação de monumentos e conjuntos arquitetônicos veio a dar razão ao arquiteto Lucio Costa na discussão que travavam sobre a configuração que melhor conviria à fachada da igreja já reconstituída (17). Entretanto Mário de Andrade, que imaginamos estar ciente dessas discussões técnicas entre os arquitetos-restauradores, não fez nenhuma referência a respeito, talvez por se interessar mais em noticiar o que para ele lhe parecia mais importante naquele momento, chamar a atenção para atividades iniciais do órgão recém criado e, assim, preparar o público para as novidades que delas adviriam. Estava radiante com a reconstituição da torre que permitiu ao monumento perder

“aquele ar desconexo de chapéu de palha, que abobalhava a sua fachada, [readquirindo] uma graça, uma humildade macia, que o branco da cal e o azul intenso das janelas e portas ainda fazem mais encantadora”

E o resultado obtido pela restauração efetuada é – não há como negar – também uma obra de valor artístico, e condizente com o que Lúcio Costa propugnava, ou seja, com o espírito da época do monumento (18). História e Arquitetura (esta, na acepção de ação criadora inclusive; atividade artística portanto) eram assim resgatadas e revaloradas nas obras que o Sphan estava desenvolvendo em São Paulo, assim como em outras regiões do país.

Outrossim, ao falar em nome do Serviço e do próprio arquiteto-restaurador, algumas frases – “Descobriu-se a torre primitiva, ou pelo menos anterior” – “houve transformações muito grandes” – “Perdeu aquele ar desconexo de chapéu de palha, que abobalhava a sua fachada, readquirindo uma graça” – permitem-nos perceber tanto o empenho em ressaltar a especialidade que os trabalhos requeriam como o grau de dificuldade e de incerteza que cercara todo o desenrolar das atividades até chegar ao resultado final, à “obra de restauro propriamente dita”, e em especial ao “valor estético” alcançado e enaltecido por Mário.

Importa, contudo, desde já observar que nem Luís Saia nem Lucio Costa “inventou” uma torre para a igreja do Embu; como logo adiante veremos, existiu realmente uma torre “anteriore esta lá teria permanecido, segundo depoimento colhido por Luís Saia, até os anos finais do século 19. Mesmo assim, a notícia da existência de uma “torre primitiva, ou pelo menos anterior” já encerrava uma dúvida que perdurará até os nossos dias!

Aparentemente, no início dos trabalhos, os questionamentos giravam em torno de qual seria a feição e estilo dessa torre anunciada, e, embora Mário de Andrade a ela se refira como “primitiva”, ou “anterior”, reportando-se à que existira até o final do século anterior, não foi posto em discussão – pelo menos assim nos parece – se essa torre, de que se obtivera a foto referida, pertencera desde sempre à igreja, como hoje fazemos, nos inquirindo acerca das origens do monumento, sobre sua unidade estilística primitiva. Esta questão terá surgido mais tarde a Luís Saia, como supôs Antonio Luiz Dias de Andrade (19), quando talvez já estivesse definitivamente em execução a resolução sugerida por Lucio Costa.

Encontrar a solução sobre a sua verdadeira configuração era o desafio a que se propuseram os arquitetos-restauradores do Sphan. A leitura de um edifício histórico, no todo ou nas partes que o constituem, encerra enigmas que não se esclarecem e nem se resolveriam sobre a mesa de trabalho dos arquitetos-restauradores, em pranchas por eles elaboradas; antes tarefa árdua que principiava com a obtenção de dados, coletados por diversas maneiras, especialmente por meio da iconografia (desenhos, plantas e fotos antigas), e ainda por outra maneira que logrou resultado importantíssimo que ficou registrado num ofício de Luís Saia a Rodrigo Mello Franco de Andrade, datado de 6 de janeiro de 1940. Ei-los:

“Meu caro Dr. Rodrigo.

Conforme ficou entre nós combinado, envio algumas indicações sobre as obras em execução na igreja e convento de Embú. A documentação fotográfica anexa vai devidamente numerada para posteriormente ser ajuntada á restante que está sendo copiada.

Torre e fachada. Apareceu em Embú, neste fim do ano passado, o Sr. José Gobertino que trabalhou em duas reformas desta construção, uma em 1897 (ou 8?) e outra em 1917. Este senhor informou que a primitiva torre (a que foi encontrada em 1897) apresentava cobertura de duas águas, com beiral na fachada da torre, e que as paredes (exclusive a da fachada) (20) eram de madeira, o que aliás coincide com a fotografia que estava aí e que eu trouxe comigo na ultima viagem que fiz ao Rio. Esta informação coincide ainda com a existência, verificada agora, de um dos baldrames sobre o qual se apoiaria uma destas paredes, a do lado da igreja.”

E adiante, outra interessante informação (esta baseada na memória do entrevistado)

“Diz mais o Sr. José Cobertino que a platibanda da torre (que aparece no desenho que está na Curia metropolitana de S. Paulo) foi construída por seu avô, na reforma do fim do século passado. Antes, como já referi, a torre apresentava beiral na fachada” (21).

Um estado completo que pode jamais ter existido

Como vimos pela narração de Mário de Andrade, no primeiro ano (1939) as obras se desenvolveram no corpo dos edifícios, convento especialmente, deixando para os anos posteriores o enfrentamento dos aspectos mais problemáticos que residiam na fachada do conjunto, como também notou Antonio Luiz Dias de Andrade em sua tese de doutorado, que assim sintetizou a evolução das atividades e a solução por fim encontrada:

“Luís Saia e Lucio Costa comparecem como as principais protagonistas desses estudos e análises e a eles deve ser atribuído o resultado final alcançado pelas obras”

No transcorrer dos trabalhos não houve maiores dificuldades para se chegar a uma conclusão quanto a maioria dos problemas observados. A documentação fotográfica disponível, mencionada por Mário de Andrade, realizada por ocasião da visita de Washington Luiz em 1908, foi suficiente para esclarecer as dúvidas existentes, revelando as formas antigas do monumento.

As divergências de interpretações ocorreram diante do problema da reconstituição do frontão da igreja e da antiga sineira, pois as antigas fotos os mostravam já alterados por uma reforma anterior, realizada no final do século passado, segundo se acreditou na ocasião, confiando-se no depoimento de um velho morador.

Lucio Costa defendeu a ideia de que a antiga sineira dispunha de duas águas, contra a opinião de Luís Saia que julgava que o telhado possuíra quatro águas. A polêmica se encerrou com a localização de um prospecto da empresa de Colonização Sul Paulista, contendo uma fotografia panorâmica do vilarejo de M’Boy, na qual Luís Saia vislumbrou o telhado da torre sineira na forma proposta por Lucio Costa, acatando afinal o telhado de duas águas. Esta fotografia, entretanto, é pouco nítida e não permite extrair alguma conclusão.

Povoação de M’Boy Foto s/data. Prospecto da Empresa de Colonização Sul Paulista, do eng. Henrique Boccolini, 1908
Foto H. Graeser [Arquivo IPHAN SP]

Embora circunscritas aos detalhes do coroamento, as discussões propiciadas pela reconstituição do frontão revelam as diretrizes a que recorre Lucio Costa para definir a orientação a ser seguida nos casos em que persistissem lacunas no conhecimento.

Lucio Costa opinava nestes casos no sentido de recompor o conjunto arquitetônico ‘de acordo com o espírito da época’ acenando com a possibilidade de conferir ao processo de restauração liberdades de projeto, desde que observados os princípios de época, os quais cumpria identificar e respeitar” (22).

Depois de discutir largamente essa proposta de Lucio Costa – aplicar ou reproduzir o “espírito da época” –, Antonio Luiz Dias de Andrade confronta a solução adotada a partir da proposição advogada, qual seja a de que as restaurações devessem ter por base também um amplo estudo da arquitetura tradicional e através dele elaborar uma tipologia que pudesse ser aplicada aos casos em que houvesse lacunas que impedissem a percepção da configuração original dos monumentos, para o que Lucio valia-se de seu amplo conhecimento sobre a arquitetura brasileira e sobre tudo da experiência de arquiteto envolvido na definição de uma modernidade de estilo compatível à realidade brasileira. Antonio Luiz, inteligente e habilidoso no trato das palavras, vale-se então de conhecida manifestação do arquiteto Vilanova Artigas sobre o restauro do conjunto arquitetônico do Embu, para quem este equivalia a “mais veemente afirmação dos cânones da Arquitetura Moderna”, o que lhe permitiu concluir, parafraseando o famoso arquiteto, de que o resultado obtido era “um quase manifesto dos princípios” modernistas, conferindo desse modo novo sentido e significação ao pronunciamento do renomado arquiteto paulista. De tal maneira que o resultado do restauro não era senão o produto da aplicação desses mesmos “princípios”; deixando de observar os dados coletados durante o desenvolvimento dos trabalhos.

Em aditamento, menciona o que seria a contribuição do seu orientador

“E não deixa de surpreender a localização de fotografias inéditas no arquivo de Washington Luiz, pelo prof. Carlos Lemos, mostrando a terceira água da fachada anterior da sineira, atestando, afinal, que a solução atribuída por ocasião das obras de restauração jamais existiu”.

Torre da sineira, 1908
Foto de Washington Luís

Mas, quanto a essa terceira água do telhado, fotografada por Washington Luiz “no ano de 1908”, a se fiar nas palavras do senhor José Cobertino, tratava-se evidentemente da torre que, no último decênio do século 19 substituíra a mais antiga (23). O que torna a questão ainda mais controversa.

O estado atual da questão

Mas, a história desse monumento é uma questão, como tantas outras, com muitas coisas ainda por esclarecer. O conhecimento que temos dele é fragmentário, porque apoiado em pouquíssimos documentos que pontuam acontecimentos espaçados no tempo e que impedem a reconstituição linear de sua trajetória que, todavia, tem três séculos de existência, isso se considerarmos apenas o conjunto legado pelos jesuítas (24).

A falta de documentos torna difícil recuperar toda a significação histórica dessa singela e riquíssima capela do Embu. Significação que reside, até esse momento, mais no “monumento” – restaurado ou reconstituído às suas formas anteriores – do que propriamente na “memória escrita” – episódica, fragmentada, descontínua; e mesmo esta, em parte se reporta à “memória oral”, transmitida pela tradição, e pelas manifestações culturais, em especial de suas antigas festas religiosas (dedicadas a Nossa Senhora do Rosário, anualmente celebradas) – manifestações que conservaram por um largo período formas de pensamento e modos de vida, revitalizados a partir de uma idealização da primitiva comunidade (a do aldeamento jesuítico) que, mesmo quando transmudada em sua configuração, guardou ainda por espaço de duas ou mais gerações características aldeãs, já com a presença maior do homem branco, imiscuído e miscigenando-se à raça indígena, para por fim deixar-se conduzir por outros caminhos, à semelhança do que ocorria com as demais regiões vizinhas que formaram por bom tempo um largo cinturão ao redor da Capital onde vicejou uma cultura que denominávamos “caipira” (e que hoje só existe na lembrança que evocamos a partir das músicas de Tonico e Tinoco, e não das ditas sertanistas evidentemente). Esse era ainda o cenário quando o Sphan se fez presente no Embu. E era nele e em outros recantos que Paulo Duarte havia estado anos antes, repetindo parte do roteiro trilhado por Washington Luiz, cujas anotações e fotografias constituiriam a base material do que remanescera de um passado mais antigo.

A capela tornou-se assim um rico mas frágil relicário que o tempo por um lado revela, na materialidade de sua arquitetura e de seu acervo artístico, e, por outro, esconde, diante das dificuldades de se perscrutar acerca de determinados aspectos e períodos da constituição desse patrimônio, produto de um passado que não consegue se desvendar totalmente aos nossos olhos – resultando nas lamentáveis lacunas no conhecimento lembradas por Antonio Luiz Dias de Andrade e que dificultavam aos técnicos do Sphan a resolução dos aspectos indicados, circunscritos “aos detalhes do coroamento”.

Todavia, a despeito da declarada intenção (de todos esses protagonistas) de “descobrir o segredo de um passado mais antigo”, o caso da torre restaurada está fadado a tornar-se mesmo simbólico, pois apesar de todo o empenho dos arquitetos-restauradores em resgatar elementos que consubstanciassem o projeto de sua reconstituição, apoiando-se na descoberta da foto mais antiga, que embora revelasse esse “segredo”, por sua vez apoiado em declarações de pessoa ainda viva que a conheceu com a antiga configuração, talvez desvelada na foto encontrada no “fundo da gaveta caipira (em itálico para chamar a atenção para o significado do termo usado por Mário de Andrade, cuja denotação assinalamos linhas acima); mesmo assim, cinquenta anos depois, se afigurou a um especialista em preservação empreendimento reprovável, contagiado por injunções ideológicas, por modelos idealizados, preconcebidos.

Memória e história

Ademais, podemos também conjecturar que as declarações colhidas à época tinham o defeito de estarem somente ao alcance da memória viva dos homens, a qual diz respeito a uma menor dimensão do tempo histórico, pois que se reporta a um passado ainda presente na mente humana, embora quando transcritas, adquiram valor documental.

Neste ponto, valemo-nos do prestígio e autoridade de um historiador do porte de Jacques Le Goff em auxílio aos nossos arrazoados. Escreve o medievalista, no Capítulo MEMÓRIA de seu conhecido livro (25) que na Europa ocidental, ela “tinha um papel considerável” na vida social, cultural e em especial no ensino religioso, para os quais os idosos contribuíam sobremaneira, sendo chamados de “homens-memória”, e assim venerados na medida em que podiam testemunhar fatos ocorridos fora do alcance das novas gerações. Outro historiador – Bernard Guenée (26) – citado por Le Goff, estudando o significado da expressão medieval “tempos modernos”, utilizada por alguns historiadores, afirma que equivalia ao “tempo de memória fiel”, aquela que “pode durar aproximadamente cem anos”; concluindo que “a modernidade, os tempos modernos são, portanto, para cada um deles, o século em que vivem ou acabam de viver os últimos anos”. Le Goff ainda cita o inglês Walter Map que escreveu no final do século 12: “Isto começou na nossa época. Entendo por ‘nossa época’ o período que é para nós moderno, quer dizer, a extensão destes cem anos, de que vemos agora o fim e cujos acontecimentos notáveis, todos, ainda estão frescos e presentes na nossa memória, primeiro porque alguns centenários ainda sobrevivem e também porque muitos filhos tem relatos muito seguros, do que não viram, de seus pais e de seus avós” (27).

Portanto, o alcance da memória é circunscrita a um espaço de tempo que não ultrapassa uma centúria, ao “século em que vivem [os homens] ou acabam de viver os últimos anos”, e sempre relacionados à época presente.

Porem essa mesma memória, esse testemunho com valor documental, hoje se nos revela insuficiente, porque distante do tempo dos acontecimentos. Todavia agora, ao procedermos novas investigações, localizamos documentos que efetivamente alcançam o passado mais antigo e, o que é mais importante: precisamente o elemento de tanta polêmica; razão porque acreditamos ter superado a dificuldade apontada. Todavia, tal como muitas vezes ocorre com nossas lembranças, tais documentos também nos chegam fragmentados, com perda inexorável de informações que talvez elucidassem melhor a sua criação. Mesmo assim, as que logramos ainda transcrever dos documentos agora descobertos, nos serão de grande utilidade, reparando em boa medida a lacuna antes referida.

Antes, porém, volto mais uma vez à esfera imaterial do bem cultural analisado. E me arrisco a dizer que foi com base nas festividades de caráter religioso que, a despeito das alterações a que estiveram sujeitas após a saída dos jesuítas, ao serem mantidas pela comunidade remanescente, exerceram uma função, permanente, fundamental para a reafirmação da identidade e coesão social dos moradores da aldeia, que também contribuiu enormemente para a preservação do patrimônio histórico e artístico constituído no passado em função da devoção a Nossa Senhora do Rosário. E essa prática, a comemoração religiosa, que se encontra na gênese da capela, a qual remonta a primeira metade do século 17, é de onde provém e em nome da qual se realimenta o costume, a tradição arraigada na comunidade (àquela altura predominantemente indígena) e depois, da segunda metade do século 18 em diante, observa-se ainda o mesmo interesse e esforço dessa mesma comunidade, já mesclada com o elemento branco, pobre em boa medida, mas que se identifica com os costumes antigos, entre os quais a festa anual da Senhora do Rosário mantida também pelos sacerdotes, embora esses fossem inconstantes no exercício da função de párocos da aldeia, porque sujeita à sua pouca disponibilidade e a multiplicidade de tarefas, obrigados a assistir também nas aldeias vizinhas de Itapecerica e Carapicuíba (28).

Aliás, foi essa mesma comunidade que, como vimos anteriormente, se revolta firme e decididamente em 1827 contra a Portaria de Sua Majestade o Imperador Dom Pedro I de retirar os sinos da igreja (29).

Mas, cerca de cem anos depois, a comunidade do Embu não tinha mais lembrança desse acontecimento que envolveu a maior autoridade do Império, num impulso arbitrário próprio de sua personalidade, quando o Sphan chega e a consulta sobre qual teria sido a configuração primitiva da capela e de sua torre, tendo porém a sorte de contar com o Sr. José Gobertino que conservara na memória informação de 40 anos antes prestada por seu avô que a conhecera como era e participou de sua reformulação em 1897/98.

Nova pesquisa sobre a questão

“Nos primeiros anos do século 19 a aldeia passou um período sombrio” (30).

Como adiante veremos, antecedeu à construção da torre o arruinamento de boa parte do conjunto arquitetônico formado pela capela e convento construído no início do século 18 pelos jesuítas. O que o levou a esse estado ainda não foi possível saber e talvez nunca viremos descobrir. Assim, façamos uso da imaginação e pensemos estarmos viajando no tempo, recuando até a primeiro quarto do século 19, quando foi criada uma conjuntura de excepcional importância para a história brasileira, com a chegada da Família Real portuguesa ao Brasil e o agitado período que precedeu a Independência até quase o final do Primeiro Império e, como num pesadelo, vermo-nos na praça da aldeia de M’Boy diante do templo já centenário, e visualizarmos a cena que concebemos a partir do testemunho de algumas ilustres pessoas que nela se encontravam.

Já adentrara o mês de Julho do ano de 1813. Haviam decorrido poucas semanas que o inverno começara; os dias tardavam a nascer sob a fria neblina que caia sobre a região. Mas já não chovia mais – o que era recebido pela pequena comunidade senão como algo a comemorar, ao menos com grande alívio, afastando temporariamente o perigo de destruição da velha capela jesuíta e seu convento, que, depois de dias inteiros de temporais, se encontravam ainda inteiramente tomados pela umidade que perigosamente subia pelas suas paredes de barro pilado, ameaçando ruir ambos os edifícios. Numa noite terrível de tempestade, uma das paredes da igreja fora ao chão, levando consigo adornos preciosos e jamais recuperados. Inúmeras estacas, improvisadas às pressas, escoravam as paredes e o que restara de telhado. Num cômodo do convento estiveram desde cedo reunidos o Padre Alexandre Gomes de Azevedo, pároco da freguesia, e o Administrador da Aldeia de M’Boy o Capitão Joaquim Pedrozo de Oliveira, e ali decidiram tomar uma atitude que julgavam poderia surtir efeito; ao menos era melhor tentar do que permanecerem à espera de providência por parte do governo que nunca viera. Uma insensibilidade e falta de respeito jamais vistas para com um templo tão significativo para a história e a arte religiosa criada nos tempos dos jesuítas neste pedacinho esquecido do Império português na América. Já que os pedidos de ajuda não eram sequer respondidos, resolveram mudar de estratégia e encaminhar petição solicitando autorização para usar o patrimônio de Nossa Senhora do Rosário, deixado em testamento por Catarina Camacho, para salvá-lo da destruição iminente. Comunicaram a decisão durante a realização da missa à comunidade que se encheu de esperanças, comprometendo-se todos juntos e cada um por si a novamente colaborarem naquilo que estivesse ao seu alcance. Padre Alexandre agradeceu, orou a Nossa Senhora do Rosário, invocando-a a ajudá-los em mais uma batalha que, como as anteriores, haveriam de vencer para a sua e a glória de Deus. A missa se estendeu por mais de uma hora, rezadas por completas as 165 orações do rosário, para maior aflição do Capitão Joaquim que queria logo apear o cavalo para dar cumprimento à missão. Tinha já posto no alforje a petição que escrevera a Sua Majestade o Príncipe Regente Dom João, na qual a situação do templo era assim descrita:

“Senhor. Diz Joaquim Pedrozo
de Oliveira Administrador da Al-
dea de M Boy que a Igreja da di-
ta Aldea Se acha inteiramente
damnificada com huma pare
de aberta e terem perigo de hir
abaixo e o maior desconserto he a fal-
ta de retelho porque Xove por to
da ella e pelo Collegio todo de tal
Sorte que em dia de Xuva Se n[em]
Pode hir a MiSsa” (31).

A situação era muitíssimo grave e importava sensibilizar, convencer o Príncipe Regente da urgência da medida proposta. E não deixa de surpreender, pois que não havia passado duas décadas que a capela fora elevada à condição de paróquia (23 de Dezembro de 1795) pela Senhora Dona Maria I, mãe do agora Príncipe Regente que por sua vez assistira a sua ascensão de Capela a Igreja Matriz. Pela descrição acima, é possível imaginar a condição em que se encontrava: “inteiramente damnificada, com uma parede aberta (qual delas?), o que a colocava em risco de vir abaixo, e o mais grave, por estar descoberta em grande parte, pela “falta de retelho”, seu interior ficava a mercê das intempéries “de tal Sorte que em dia de Xuva Se n[em] Pode hir a Missa”. Podemos conjecturar sobre que áreas do templo estariam mais ameaçadas, sendo a da nave certamente a mais vitimada pelo “desconserto” causado pela “Xuva” – exatamente aquela que atualmente não está contemplada, tanto em suas paredes como no teto, com ornamentos artísticos. A situação do convento, denominado neste documento por “Collegio” (denunciando ainda a prática de meio século antes), era a mesma.

A petição ao Príncipe Regente Dom João tinha, como dissemos, por objetivo obter autorização para utilizar os rendimentos do patrimônio da capela, baseada na seguinte argumentação: se lhe fosse permitido vender o gado, que constituía a parte móvel do Patrimônio da Senhora do Rosário – constituído por “hum numero de Gado alçado a mais de dezaceis anos”, dentre os quais “quarenta e tantas rezes manças entre... bois e Vacas” que a idade já não permitia corte –, reuniria ele Administrador da Aldeia de M’Boy dinheiro suficiente para “fazer-se a redificação da Igreja e Collegio”.

Esse conjunto arquitetônico estava então completando cerca de cem anos de existência, metade dos quais agenciado e utilizado pelos Padres da Companhia de Jesus para suas atividades catequizadoras junto aos índios ali reunidos desde o século 17, e, há cerca de 50 anos, sob administração de Diretores ou Administradores da Aldeia de MBoy que eram responsáveis também pelo espólio da Companhia por sua vez vinculado ao patrimônio de Nossa Senhora do Rosário, herdado do casal bandeirante que a instituiu. A presença do pároco na Aldeia, a quem cabia dar a assistência religiosa à comunidade ali reunida, ao que parece, passou a ser mais frequente com a elevação da Capela à condição de paróquia da Aldeia e com jurisdição também sobre as capelas das aldeias vizinhas, cerca de dezoito anos antes.

De todo modo, a situação catastrófica da Capela de Nossa Senhora do Rosário não deixava de representar um momento significativo da passagem de um período a outro, que se caracterizava pelo esgotamento do projeto inicial, que vicejou à época da Companhia de Jesus, e à condição de abandono a que estava relegada, a despeito das obrigações que competiam ao próprio Poder Público (Governo português e suas autoridades na Colônia e, em seguida, do Império brasileiro) relativamente ao patrimônio sequestrado, por sua vez vinculado a cláusulas testamentárias centenárias e a compromissos de ordem religiosa ainda regulados pela legislação de origem metropolitana. Da mesma forma, as raras referências aos índios que ainda habitavam a aldeia, outrora sujeitos “privilegiados” da ação catequética, demonstram a sua desimportância no cenário dos acontecimentos, bem como atestam a ausência de um programa minimamente condizente para com a comunidade que lhe deu origem. O período seguinte – “Durante o reinado de Pedro I (1822-1831), bem como durante o período regencial (1831-1840) um estado de constante tensão reinou sempre entre o Estado e a Igreja” – informa Alceu Amoroso Lima em sua Síntese da Evolução do Catolicismo no Brasil – predominou o “espírito regalista, isto é, da mão forte do Estado sobre a Igreja” (32). É sob esse estigma que se desenvolveu parte das ações que resultaram no salvamento da Capela e Convento jesuítico, momento em que também lhe foi aposto um novo elemento.

Despachada a petição para a Contadoria Geral de São Paulo esta se manifestou, em 27 de agosto de 1813, historiando os fatos que antecederam e sucederam a expulsão dos padres:

“Senhor. A Capella ou Aldea de MBoy foi involvido no Real fisco pela extinção dos Jezuitas. As terras em que está fundada forão doadas aos ditos Jezuítas por Fernão Dias e sua mulher Catharina Camacha no anno de mil Seis Ceis Centos e Vinte quatro, e no Testamento com que falesceu esta doadora aprovado em vinte hum de Julho de mil e Ceis Centos e SseSsenta e oito declara que o Curral que tinha na dita Fazenda pertencia a Nossa Senhora do Rozario procedida de Sete Novilhas que lhe dera de Esmola para a limpeza do seu altar, sustento dos Religiozos e pª em o dia da Festa da Senhora”.

Prossegue o Contador Manoel Jozé Gomide declarando que quando se fez o “Sequestro dos bens Se acharão Somente duas Vacas com Suas Crias” que seriam as que pertenciam “a Nossa Senhora do Rozario parecendo-me portanto que Se devem entregar o Gado existente a administração e distribuição do Suplicante Como Administrador ou Deretor da ditta Aldea”, acrescentando que tal se faria “de Comum acordo com o Vigario Collado dela” (33), corresponsabilizando este último no encargo de sua

“aplicação em beneficio da Capella e altar de NoSsa Senhora do Rozario visto que a Ella pertencem e a Capella necessita de Redificação”.

Assim as obras de reedificação ou reforma da “Capella e Collegio” pretendidas ficariam sob a dupla responsabilidade do Diretor ou Administrador da Aldeia e do Pároco da Capela que, como já foi possível notar, não era outro senão o mesmo do episódio de julho de 1827 que relatamos em artigo anterior (34).

Realizadas as avaliações do gado disponível para ser vendido, concluídas somente no ano seguinte (1814), interrompe-se a sequência dos documentos. Os fatos ocorridos ou não foram objeto de relato nem por parte do Administrador nem do Pároco ou se perderam pelos descaminhos dos arquivos que deveriam guardá-los para a posteridade. O que segue é relativo somente ao ano de 1821. Há, pois, um intervalo de sete ou oito anos sem outras informações sobre o assunto. E pelo que se pode deduzir da leitura dos demais documentos, a soma avaliada pelo gado teria sido adiantada pelo Administrador o Capitão Joaquim Pedrozo de Oliveira (constituindo uma dívida que irá depois cobrar das autoridades) e assim constituídos os recursos necessários para a execução das obras de reparação ou reedificação da capela e convento que terão sido realizadas naqueles anos, entre 1814 e 1820.

Como veremos a seguir, essas obras, levadas a efeito pela dupla Administrador e Pároco, implicaram também na construção de uma torre. Infelizmente sobre a sua construção – se edificada apenas sobre as paredes de taipa já existentes ou se exigira, como parece, o reforço de colunas desde os alicerces; que materiais foram então utilizados (barro? tijolos? adobe? madeira?); e sobre tudo sua feição e tamanho terão obedecido a um risco como então se referiam ao projeto; e, se este foi realmente elaborado, quem foi o seu autor – pouco foi possível desvelar. E nem mesmo as importantes informações trazidas pelos documentos datados de seis anos depois – quando a torre exigirá outra obra, de “reedificação” que pode significar simples conserto ou mesmo uma obra nova, e que implicou em reforços e mesmo construção de ao menos uma parede interna – quase nada esclarecem acerca desses importantes aspectos da configuração que então adquiriu a capela.

Registremos, porém, primeiramente, a saída de cena de um dos responsáveis pela edificação da torre – o Capitão Joaquim Pedrozo de Oliveira – no ano de 1821, e a nomeação de outro para o cargo de Administrador da Aldeia e Capela de Nossa Senhora do Rosário de MBoÿ. Em requerimento ao Provedor das Capelas apresentava as razões para demitir-se da função: “tendo elle Suplicante aceitado com gosto a administração dos bens pertencentes a NoSsa Senhora do Rozario ... não pódendo mais Continuar pelo motivo de estar encarregado do Comando de quatro Companhias de Ordenanças que actualmente o obrigão a responder as diferentes authoridades sobre as mesmas em diferentes objectos, e alem disto no tráfico de Sua lavoura”, razões que o levavam a requerer “a graça [de] nomear outra pessoa que occuppe este oficio de administrador”, solicitando outrossim que fosse “endenezado daquela quantia que nas ditas Contas Se mostrar dever ao Supplicante” que somavam 75$369 réis.

O Provedor das Capelas, informado a respeito, acatou os pedidos e no mesmo despacho (de 17 de setembro de 1821) indicou para a função Manoel Pedrozo de Oliveira, morador da freguesia de Cutia, onde “he estabelecido, dezembaraçado e idôneo” (35).

Abrimos espaço para observar que os documentos desta pasta, que cobre o período de 1821 a 1824, já começam a se apresentar ainda mais prejudicados, denunciando desmazelo e mesmo abandono, manchados pela umidade, sujeira, com presença de fungos, exalando um odor medonho, os papéis desmanchando em suas extremidades. Em pior estado encontramos os documentos das pastas seguintes, já relativas aos anos de 1822 e posteriores (36). Uma tal deterioração contrariava a orientação prescrita à época de sua própria escrituração que responsabilizava o novo Administrador pela lavratura de todas as receitas e despesas que se fizessem em benefício da capela (37).

O documento que mencionamos a seguir é provavelmente dos últimos meses de 1826 (talvez de início de 1827), um ofício desse novo “administrador ou depositário do Legado pertencente de N. Senhora do Rozario da Aldea de MBoi”, Capitão Manoel Pedrozo d’Oliveira, dirigido ao Ilustríssimo Doutor Juiz de Fora da Provedoria, o qual contem na sequência um escrito que também não foi possível determinar a data e nem a assinatura, mas que certamente é da lavra do Padre Alexandre Gomes de Azevedo.

Em ambos escritos, embora extremamente prejudicados pelo estado lamentável do documento, ainda é possível uma leitura parcial, na qual percebemos discordâncias entre ambos quanto a posse e uso do dinheiro destinado à capela, fornecendo, todavia, ao pesquisador informações que, apesar de incompletas, ou truncadas em razão da mutilação do papel em que foram escritas, permitem perceber a sucessão de alguns fatos de grande importância para a questão que nos tem ocupado desde a elaboração das Considerações acerca d’O Nariz Torcido de Lúcio Costa, em junho de 2012.

Como Manoel Pedrozo d’Oliveira se refere também a fatos ocorridos no tempo de seu antecessor, relativos às ações por aquele desenvolvidas, e levando em conta a apontada dificuldade de leitura, nos vemos em dificuldades para compreender com exatidão o seu encadeamento de uma administração à outra. Há, entretanto, para a nossa sorte, um personagem – o padre Alexandre Gomes de Azevedo – que permaneceu em cena durante todo o desenrolar dos acontecimentos, figurando como parte ativa e interessada na concretização das ações levadas a efeito tanto na administração de Joaquim como na de Manoel, embora não deixe de manifestar contrariedade em relação a este último.

Ao que parece, as obras de reparação ou conservação efetuadas na capela e no convento entre 1814 até aproximadamente 1820, relativas ao retelhamento dos edifícios e reedificação de uma parede da capela (38) em princípio foram bem executadas, afastando temporariamente os riscos de um novo arruinamento. Com uma única exceção: a torre recém-construída. Deu problema! E parece que novamente alguma coisa relacionada com o telhado, exigindo pronta resolução, caso contrário a colocaria em risco iminente de destruição, levando consigo parte do que fora realizado por Joaquim Pedrozo de Oliveira.

Primeiramente o ofício de Manoel Pedrozo d’Oliveira ao Ilustríssimo Senhor Doutor Juiz de Fora da Provedoria, ainda de fácil leitura:

“Diz Manoel Pedrozo d’Oliveira administrador
ou depositário do Legado pertencente de N. Se-
nhora do Rozario da Aldea de MBoi, q
estando a Igreja em circunstancias de [... ... ...]
nar-se no todo pr cauza do total desmancho
do telhado viu-se o Supe na necessidade de
dispor de algumas rezes pª este fim, e como
fosse obra maior fez sempre despeza avulta
da de tal sorte q’ vem agora a torre amea-
[s]ando ruina não tem meios com q’ a po[ss]a
Reedificar porem recebendo o Vigrº Colla-
do daquella Igreja Alexandre Gom[es] de [A]
[ze]vedo da Thesouraria da Fazenda Nacional
Cento e oitenta e tantos mil reis pertencentes
[a m]ma Senhora, acha o Supe q este dinhr° de-
vesse vir tão bem pª o concerto da mma torre
[por s]er proveniente do Legado pois q esta
[ ... ... ] lla Igreja necessitada de varias al=
[ ... ... ] rezer[...] o Supe o redito que possa
[ ... ..] r do gado, pª as mesmas pr isso

P. a V.S. seja servido man=
Dar q o Rdo Vigrº entregue ao
Supe todo o dinhr° que for ne
[cessar]io pª o concerto da tor-
Re, e mais obras q’ forem pre ci-
Zas ao [ ... ... ... ] recebido plo
Rdo Vigario da Fazenda Nacional.”

Havia o Padre Alexandre recebido uma quantia em dinheiro (180$000 réis) da Fazenda Nacional, oriundo do Patrimônio da Senhora do Rosário, para aplicá-lo na compra de utensílios necessários ao culto, mas que o Administrador reivindica, entendendo que “devesse vir tão bem pª o concerto da mma torre” que ameaçava arruinar-se em face do desmanche do telhado da igreja e como ele, Administrador, não tinha “meios com a q’ pó[SS]a Reedificar”, solicitava ao Juiz de Fora da Provedoria que ordenasse ao Reverendo Vigário a entrega da parte necessária para “o concerto da torRe, e mais obras q’ forem pre ciZas”.

Segue o documento com a informação do Padre Alexandre (39). Mas a essa altura prefiro dividir com o leitor a tarefa de entender o documento a partir do que me foi possível ler e transcrever. Aqui, como se poderá verificar, a dificuldade não é a propriamente a de não haver documento; ele ainda existe, porém somente em parte, dividido longitudinalmente ao meio, o que faz dele apenas fragmento. Melhor do que não tê-lo! – podemos afirmar. Pois admitamos, mesmo nesta condição já representa alguma coisa de mais significativa, precaríssima, porém suficiente para revelar a história real, a qual, mesmo subtraída em parte, ainda traz informações sobre o que de fato acontecia; enfim, por meio desse pequeno conjunto de documentos podemos reconstituir os fatos dessa história, narrá-la, escrever minimamente enfim a história dessa história que quase se perdeu por inteiro (40).

É uma longa narrativa, em a qual descreve os fatos anteriormente ocorridos, relembrando os riscos de arruinamento da igreja e do convento, as questões burocráticas de tramitação para a obtenção de autorização para dispor do gado deixado em Legado e sua conversão em dinheiro, o seu gasto nas tarefas empreendidas em retelhar os prédios, a construção da torre, mandada levantar pelo Capitão Joaquim Pedrozo e seu posterior arruinamento já sob a administração de seu sucessor Capitão Manoel Pedrozo a quem parece culpar pelo descaso e por fazer uso dos recursos destinados à paróquia, e, assim contrariado em seus interesses específicos, chegando até parecer posicionar-se contrário ao conserto da torre que outrora aprovara e apoiara a sua construção – informações essas que pinçamos entre uma linha e outra, tentando sacar o sentido das frases truncadas devido a perda parcial do papel (pela transcrição abaixo se verifica facilmente que o documento sofreu a perda de todo um lado do papel que lhe dava suporte). As palavras grifadas tem o propósito não apenas de chamar a atenção para os elementos citados por Padre Alexandre como, especialmente, para o sentido original das frases que tentamos captar de modo a possibilitar a interpretação ao menos parcial do conteúdo transcrito, que fica evidentemente sujeito a outras apreciações, quiçá mais competentes.

Mesmo assim vamos à informação do futuro desafeto de Dom Pedro I, cujas razões parecem originar-se no momento em que padre Alexandre confronta-se com o Administrador e manifesta formalmente sua discordância para com o representante da esfera governamental na condução das ações que se desenvolviam na capela ou igreja de Nossa Senhora do Rosário da Aldeia de MBoy.

“Illmo Sor Dor Juiz de Fora
Em cumprimento ao respeitável dês [pacho]... ... [rasgado]
Respondo. Há sem a menor duvida, haver ... ... .. [rasgado]
Cento oitenta seis mil quatrocentos e ... ... ... ... ... [rasgado]
Se achava no Cofre da arrecadação ... ... ... ... .... [rasgado]
ja qtia Mandou Sua Magde dar-me pª re... ... .... [rasgado]
lo naquelles extintos Padres; hoje caza ... ... .... [rasgado]
is fazendo eu ver por Documto ao mmo Sor q... ..... [rasgado]
ttava, o dito Convento, foi Servido aSsim ... ... ... [rasgado]
te dinheiro mandei retelhar todo o Co [nvento] [rasgado]
reitos em varias partes do interior, que na ... [rasgado]
e tenho [ainda] que mandar ... ... ... . [rasgado]
ra em distancia de cincoenta braças em .. [rasgado]
as taipas todas por baixo rendiam ... ... [rasgado]
me hê ainda bastante outra ........ al [rasgado]
á minha custa, por me não parecer com [rasgado]
anteceSsor bem perto de oitenta [cabeças] [rasgado]
Srª do Rozario quando no anno de mil ... [rasgado]
Conta da Administração dos bens da mma ... [rasgado]
rio for, não tem feito [ilegível]... ... ... algum a [rasgado]
mandou retelhar cujo ...[ilegível] ... elh.... ... [rasgado]
ta mil rs que por do ... ...[ilegível] ... ... ... [rasgado]
fessa qtia e somte ... ...[ilegível] ... ... que fiz [rasgado]
athê enganar [rasgado] quando... [rasgado]
mmo requeri [rasgado] tan ... [rasgado]
alfaias re ... ... [rasgado]
as mesmas, o q ... [rasgado]
que tomou posse ... [rasgado]
não tem palavras ... [rasgado]ministração ... ...
[rasgado]
p ....... a Igrª da ... [rasgado]
.. ... ... ... o anno ... [rasgado]
... ... desta Igrª ...” [rasgado]

A condição de todo o convento era preocupante, mas em alguns pontos parecia gravíssima, visto que “as taipas todas por baixo rendiam”. Infelizmente as informações constantes no documento, tal como as paredes de taipa, se escasseiam à medida que prosseguimos na leitura do mesmo, solapado também pela ação da umidade que o arruinou igualmente. Difícil, portanto, descobrir a solução então implementada para salvá-las do arruinamento, se ainda fizeram uso do barro, taipando novamente trechos ou mesmo paredes inteiras, ou se já se utilizaram do tijolo como de fato parece ter ocorrido na construção e posterior conserto da torre; afora a providência de se “retelhar todo o Co[nvento]”.

Hoje fico a imaginar se este documento tivesse sido localizado à época em que Luís Saia dava início aos trabalhos de prospecção (1939), talvez ainda estivesse íntegro, e o quanto o teria auxiliado a compreender o que os sinais gravados nas paredes de taipa, misturados a outros vestígios dos trechos revestidos por tijolos, ainda davam indicações sobre essas antigas intervenções.

Mas o objeto maior de nosso interesse é a torre. E, para a nossa sorte, as informações sobre ela encontram-se numa área não solapada deste documento, como se pode verificar abaixo:

“Por falta de utensílios indispensáveis pª o Santo Sacrificio
da MiSsa, pois havendo se lhe feito, como se os ditos bens fossem
seus, e não da Sra o que nunca aconteceu no tempo do Ad-
ministrador tranzacto dito Cappm Joaqm Pedrozo, e antecessor
do Suppte que por algumas vezes mandou fazer os necessáriso
concertos á Igrª sempre zellozo pelo Altar da Snrª mandan-
do tomar varias goteiras no Convento e foi athé qm mandou
levantar a dita torre, hoje arruinada, por culpa do suppte
a ter deichado â discripção do tempo, sem cuidar em
acaballa, á mais de quatro anos, em que está de posse dos
ditos bens, que so por essa omissão, e total abandono athe
o prezente, deveria ele â sua custa fazer agora o dito conser-
da torre, e não pelos bens da Srª, porque se no anno de
mil oito centos, e vinte hum, em que tomou posse, a man=
dasse logo acabar certamte gastaria a metade do que hoje
deve gastar pois não tendo o suppte feito mais do que o dito
retelho da Igrª e isso talvez por lhe não tirarem das mãos”

Assim o Padre Alexandre atribui ao Capitão Joaquim Pedrozo de Oliveira a iniciativa da construção da torre, elevada no período de sua administração (1814-1820); embora tenha restado algo por completar em sua cobertura que ficara a cargo do descuidado Manoel Pedrozo d’Oliveira que todavia protelou, não mandando “logo acabar”, quando tomou posse da administração da capela em 1821. Passados poucos anos, embora inconclusa a torre – “deichado â discripção do tempo” – os sinos tocando toda vez que Padre Alexandre ministrava os ofícios, foi se abalando sua estrutura, de maneira que pouco depois já ameaçava arruinar-se, sendo necessária nova intervenção que, mesmo assim, só ocorrerá cinco anos depois, quando enfim adquiriu a configuração que conservou por cerca de setenta anos.

A partir deste ponto do documento, a perda física do papel mutila grandemente a escrita do Padre Alexandre, a ponto de impedir o entendimento do texto, exatamente no momento em que introduzia um tema que nos interessa sobremaneira – ao considerar a unidade formada pela capela e convento verdadeiramente “hum patrimônio”, numa acepção próxima à que temos hoje (41). Voltemos à leitura:

“[rasgado] [adminis]tração como creio, pertende athé abandonar
[rasgado] da mma [Srª] â discripção, e consumo do tempo, hu=
[rasgado] obra a mais delicada possível, q se hoje hum parti=
[rasgado] lar quizeSse [lev]antar outra semelhante não lhe cus=
[rasgado] menos [rasgado] ou oito contos de reis, e no entanto, per-
[rasgado] de Administrador, destruir o Convento
[rasgado] a Magde. Imperial, e pelos Seus PredeceSsores
[rasgado] . . . . . Vigros. que não hão-dem morar no
[rasgado] thê ... deiramente he hum patrimônio
[rasgado] deste magnifico, e rico edifício; e demais
[rasgado] quereu o Suppte este dinheiro quando no dia
[rasgado] ... da cão pois esteve ... [rasgado]

//

Eu o requeresse, e que S. Magde Imperial [ rasgado ]
com destinada applicação, para agora o Su ... [ rasgado]
Se a Sra do Rozario não tivesse mais bem ... [ rasgado]
do do dito gado feito por Catharina [Camacho] ... [ rasgado]
ba de seu ttestamto a Srª do Rozario desta ... [ rasgado]
para outro fim senão pª beneficio da mma Srª ... [ rasgado]
tem intençoes particulares de perpetuar na ... [ rasgado]
ditos bens, poriSso que tendo vendido vârias re ... [ rasgado]
cionado retelho da Igrª como me consta ... [ rasgado ]
dado ao dinheiro sem se lembrar que ... [rasgado]
competente Juizo, quando o S........ [rasgado]
o suppte todo o seu empenho, e de ... [rasgado]
algum fim Sinistro pois assim ...” [rasgado]

Padre Alexandre parece relacionar ideias de passado, religião, riqueza e tradição com a noção de “patrimônio”, consubstanciado no “magnifico, e rico edifício”, por sua vez encerrando qualidade – “obra a mais delicada possível” (de ‘valor excepcional’, diriam um século depois os técnicos do Sphan para justificar o acautelamento de seu acervo arquitetônico e artístico) – que a distinguia, a tornava singular; mas ainda, a seu ver, correndo o risco de “algum fim Sinistro”.

E não sei se vejo coisas demais, mas as palavras utilizadas pelo Padre Alexandre a mim parecem insinuar uma pretensão do Administrador de assinalar – tal como alguns arquitetos hoje em dia, inclusive entre restauradores – de que teria “intenções particulares de perpetuar” alguma coisa de si próprio na igreja, nela assinalar algum detalhe, talvez na configuração da torre (como se tratava da sua cobertura, o motivo do desentendimento não residiria na forma como o Capitão pretendia provê-la? Quem sabe a discussão girasse em torno da quantidade de águas, um defendendo quatro, outro duas águas somente?) – o que não deixava de contrariar o compromisso assumido de agir somente em “benefício” da Senhora do Rosário, cujo “Legado”, deixado em testamento por Catarina Camacho, estava confiado a ambos (42).

Mas, uma tal interpretação contrariaria outra igualmente conjecturável de que a construção da torre devesse corresponder à nova função da capela, qual seja, a de ter se tornado Igreja Matriz? (43).

Uma coisa, porém, é certa: nela havia desde o tempo do Capitão Joaquim Pedrozo Oliveira dois sinos que Dom Pedro, em meados de 1827, mandaria retirar. Sinos que, ao anunciarem os ofícios e especialmente a festa anual da Senhora do Rosário, podem ter contribuído para abalar a estrutura da primeira torre, construída pelo mesmo capitão, ameaçando-a de arruinar-se, o que obrigara seu sucessor a reedificá-la. E, como veremos, cuidaram os artífices contratados pelo Capitão Manoel Pedrozo d’Oliveira de provê-la de material confiável, menos suscetível do que a taipa à ação das chuvas (quando desprotegida), desde os alicerces da parede frontal na junção da igreja com o convento, e cobri-la convenientemente.

A continuação da leitura nos conduzirá, portanto, a um dos encarregados do “conserto” ou “reedificação” da torre, responsável enfim por “acaballa”, e que talvez fosse parente do Cabo Joaquim Damasceno, figura já por nós conhecida que, em meados de 1827, protagonizará o episódio da ameaça ao Comandante do Distrito, o Alferes Antonio de Camargo e Oliveira, encarregado de retirar os sinos da capela e conduzi-los a Sé de S. Paulo (44).

“No dia 6 do Corre. Novembro [rasgado]
procurou me o Suppte neste m [rasgado]
me que havia ajustado de in [rasgado]
re, com João Damasceno, estabelecido ... ... [rasgado]
ço, e qtia de trinta, e dois mil rs que já os [rasgado]
esse fim, ao que respondeo [rasgado]
desta Igrª [ rasgado ] corren [rasgado]
cão for mais palavras) [rasgado]
ção dar h [ rasgado ] dobla, e as d [rasgado]
corre. Novem [rasgado]
peitavel [rasgado]
vir me ... ... [rasgado]
estando por ... ... [rasgado]
q’ ... ... ... o [rasgado]
os tem em si [rasgado]
thê já Vir a ,,, “ [rasgado]

Vamos agora aos Recibos que restaram das obras efetuadas sob a administração do Capitão Manoel Pedrozo d’ Oliveira, os quais, na simplicidade de sua escrituração, fornecem todavia importantes informações:

Fotos dos documentos descobertos no arquivo público de São Paulo 1813-1826 [Arquivo público de São Paulo]

“Nº 2

Recebi, na qualide. de Parocho da Igreja de N. Snrª
do Rozario de MBoi do Administrador ou Depozitario dos
Bens da mma. Senhora Manoel Pedrozo d’Oliveira pa-
ra se reedificar a Igreja que se achava com o telha-                      
do inteiramte. arruinado as quantias seguintes:
para pagar-se o Mestre Francisco Joaqm. Pereira
trinta e oito mil, e quatrocentos rs. qta. pr. qto. [se gast]
ou de impleitada.
Por a compra de trinta, e dois alqes. de Cal pª a mma. o-
bra: Catorze mil oito centos, e oitenta rs., cujo
resto deixei guardado n’hum quarto da Sa cris-
tia qdo intreguei a Igreja.
Pª a compra de 500 telhas que comprei: dois
Mil e quinhentos rs além de mais q’ o mmo Ad-
ministrador comprou de telhas qe serião perto
de dois milheiros
; pois se achava o telhado de tal
sorte arruinado qe levou quase três milheiros de
[ ... ... ] pª rete[lhar] Se, além de ripas, e varias
[ ... ... ... ... ... ... ... ... ] podres. Renovarão-se algu-
[ ... ... ... ... ] altares na Sacristia, e gastarão-se al-
[ ... ... ... ... ... ... ... ... ... ] camaradas necessários pª a obra,
[ ... ... ... ... ] camos mensão. Pª clareza de tudo
[ ... ... ... ... ... ... ... ] qe assignou. Fregª da Cutia 25
[ ... ... ... ... ... ... ... ]”
[a foto cortou uma assinatura, mas é possível ler =] “O vigrº José Manoel [ ...... ]”

 

A presença do vigário José Manoel nas contas atestando pagamento dos materiais descriminados cremos deva ser creditada em razão delas terem ocorrido na Freguesia de Cutia, vizinha a Aldeia, onde era vigário, para as quais deve ter sido encarregado pelo Padre Alexandre Gomes de Azevedo em uma de suas ausências temporárias.

“Nº 3

Recebi do Sr Manoel Pedorzo de Lª
Pr mil e duzento. de telha que Com
[prei ] pª o Concerto. da Greja de Noça
[Sen]hora do Rozario, de Boj
Felisberto. Memes de Godoy”

O recibo Nº 2 permite-nos concluir que “João Damasceno Doms.” [Domingos] cuidou inicialmente do telhado que se apresentava novamente “arruinado”, contando para tal “impleitada” com o “Mestre Francisco Joaqm. Pereira” que recebeu “38$400” réis para executar (ou dirigir?) os serviços de retelhamento. Muito material foi necessário para a realização dessas e das demais obras efetuadas, respondendo “Felisberto. Memes de Godoy” (recibo Nº 3) pela compra de parte das telhas agora utilizadas que, somando às anteriores, totalizaram “quase três milheiros”; acrescendo “além de ripas, e varias (peças ?), e trinta, e dois alqes. de Cal”, cuja sobra foi deixada “n’hum quarto da Sacristia” ao final das obras. Nessa mesma dependência (sacristia) fez algum serviço de “renovação” (de marcenaria ?) exigido pelos “altares”.

Já o recibo Nº 4 dá conta dos serviços realizados por João Damasceno:

Fotos dos documentos descobertos no arquivo público de São Paulo, 1813-1826 [Arquivo público de São Paulo]

“Nº 4

ReSebi do Snr’ Alferes Mel Pedrozo depuzita
[rio] dos bens de N. S. Dorozario da aldeya de [ M ]
boi trinta e dois mil reis pª ComSertar e aCabar a mão-de-obra
thore Cuja está feita
ReSebi Mais dezaSeis alqueres de Car pªa
mesma Obra pagou por alquere
ReSebi mais por Sinco pes direitos pª a mes
ma thore dous mil reis

ReSebi mais por quinhentos e Sinco [ ... ]
[ ... ... ... ... ... ] hoito mil e duzentos e oitenta

ReSebi mais por trezentas thelhas pª a mes
ma obra dous mil reis
ReSebi por hum pe direito pª o Coiro 560
e por verdade de q’ pagou passo o prezente
por mim feito e aSignado hoje 8 de fever° d 1826 as[anos]
João Damaceno Doms.

Declarou [rasgado] de huma parede pª a thore

[rasgado] reis de reboque 640 Rce. mais
[rasgado] mesma obra 240 Rce. mais
[rasgado] hoje 10 de majo de 1826
[rasgado] João damasCeno doms.”

Fotos dos documentos descobertos no arquivo público de São Paulo 1813-1826 [Arquivo público de São Paulo]


Verificamos por esses pagamentos que a torre deve ter sido obra realizada inteiramente por João Damasceno que parece tinha o dom de reunir conhecimentos que lhe possibilitavam praticar os ofícios de carpinteiro, pedreiro e marceneiro. Pelos serviços efetuados – “ComSertar e aCabar a thore Cuja está feita” – recebeu “32$000” réis do depuzita[rio] dos bens de N. S. Dorozario da aldeya de [ M ] boi”. Afora a torre, outros “2$000” réis havia recebido “por Sinco pés direitos” feitos de certo para alicerçar o novo elemento incorporado à capela, conferindo à “mesma thore” a segurança de que se ressentia inicialmente e que a comprometeu, quase provocando o seu arruinamento. Por esses serviços, e mais “hum pe direito que fez pª o Coiro”, recebeu, em “8 de feverº d 1826”, 34$560 réis, afora os 2$000 réis de “300 telhas” que comprou para cobrir a torre.

Seja por temor, por zelo maior, seja ainda por ameaça real de novo colapso da torre, três meses depois João Damasceno retorna à igreja para realizar ainda mais “huma parede pª a thore”, e recebe mais 640 réis relativos ao “reboque” da mesma parede, tudo subscrito por ele em “10 de majo de 1826”.

Todavia, por tudo que se pode observar, infelizmente não foi possível extrair desses fragmentados documentos nada que nos permita conceber a feição da torre então construída.

Assim concluída, puderam os sinos novamente anunciar a celebração dos ofícios ministrados pelo Padre Alexandre por aproximadamente mais um ano, quando se retira em definitivo da Aldeia de M’Boy e abriga-se na Sé de São Paulo junto ao Cabido que lhe protegerá das arbitrariedades do Imperador.

A verdade histórica

Propusemo-nos, desde o artigo anterior, ir à busca da verdade. Pois muito bem! Acabamos de verificar que a torre foi construída já fora do período jesuítico; e assim se conclui pelo seu não pertencimento ao projeto original que a criou. A verdade está pois com Antonio Luiz Dias de Andrade que a apontou em sua tese de doutorado e no conhecido artigo da revista Sinopses. Trata-se, portanto, de um elemento espúrio, de um acréscimo que Luís Saia chegou a desconfiar, a “torcer o nariz” também, desvelado no desenho descoberto por Antonio Luiz que lhe forneceu a pista para identificar, no desenrolar dos debates entre os dois principais protagonistas do restauro, a figura que melhor correspondia ao seu estado original. Estava muito próximo da verdade histórica.

Mesmo se recorrêssemos à alegação de que, bem mais do que o acréscimo da torre em 1814-26, o que irá alterar significativamente sua configuração original serão as reformas de final do século 19 e início do 20 que conferiram à sua fachada uma roupagem inteiramente nova, está visto e determinado o momento de sua inserção na capela, acréscimo que, embora único até então, lhe alterava o projeto inicial, distinguindo-o por apenas esse elemento de sua coetânea de Nossa Senhora da Escada que, após a supressão da torre extemporânea, readquiriu sua feição primitiva. Ah! Essas torres!

Questões correlatas

Agora que está esclarecida a origem da torre da igreja do Embu, que nada tem de original relativamente ao conjunto construído pelos padres Belchior de Pontes e Domingos Machado um século antes, resta indagar sobre algumas questões cuja elucidação talvez nos permita entender as razões ou motivações que teriam conduzido à sua construção.

1. O que imediatamente podemos afirmar é que a torre parece antes de tudo representar apenas um produto da aspiração de dois indivíduos - Padre Alexandre Gusmão de Azevedo e o Administrador Joaquim Pedrozo de Oliveira – talvez mesmo da autoria deste último. É o que, sem muita segurança ou convicção, pudemos extrair da documentação ora examinada, lembrando sempre a condição fragmentária da mesma. Talvez uma busca nos arquivos históricos sobre a trajetória de vida desses personagens possa elucidar algum aspecto relacionado à construção dessa torre. Sobre o carioca Padre Alexandre Gomes de Azevedo, sabemos que alcançou o elevado cargo de Cônego Catedrático da Sé, posto que devia requerer formação esmerada não apenas em matérias teológica e filosófica, mas em História, Letras e Artes, de cujo conhecimento vimos fragmentos de seu pensamento no documento em que se pronunciava a respeito do patrimônio da igreja que ajudara a “reedificar”.

Seja qual for razão, uma vez decidida a sua incorporação à igreja, a solução se dá sempre a partir da utilidade funcional a que se destina, devendo obedecer a certas regras da arte de construir vigentes à época, materiais disponíveis e técnicas apropriadas inclusive, bem como ao gosto comum das pessoas, esse por sua vez condicionado às formas estéticas usualmente adotadas, digamos tradicionais, próprias do “espírito da época” de que falava Lucio Costa e que não é outra coisa senão a maneira própria de ver, sentir e fazer as coisas daquele tempo. Claro, a Missão Artística francesa já desembarcara no Rio de Janeiro, mas o âmbito de influência do novo estilo que transplantava para a América portuguesa era ainda e praticamente ficará restrito à Corte. A torre, desse modo, não devia apresentar feição muito diversa das soluções usualmente adotadas na região, por modesta que fosse e independentemente das preferências individuais supostamente em conflito de seus protagonistas.

2. Retornemos uma vez mais ao que dizem esses mesmos documentos. O templo religioso ora é chamado por capela ora por igreja. Parece tratar-se de algo indiferente. Mas, examinando melhor, os termos são utilizados distintamente pelos participantes dos acontecimentos e isso ocorre em função das posições em que cada qual se encontra face aos assuntos por eles examinados. Assim a denominação capela é utilizada por aqueles que pertencem à esfera governamental, ou seja, que representam a administração judiciária e fazendária, em as quais exercem as funções de escrivão, contador, promotor de justiça, procurador da Coroa da Real Fazenda, enquanto a denominação igreja é sempre utilizada por aqueles que estão mais diretamente relacionados à gestão ou administração do templo religioso: o Padre Alexandre e os seus Administradores, Joaquim e Manoel. O templo de origem jesuítica bem como todo o seu patrimônio constituído desde o século 17, após 1759 ficou sob uma dupla jurisdição da esfera governamental: fazendária e judiciária e, especificamente nesta última, sob a jurisdição direta do Ministro Provedor das Capelas. Assim, o que poderia transparecer para nós respeito às origens do templo, não era senão o tratamento burocrático usual; portanto, ao tratá-la pela denominação capela, escrivães, contadores, provedores, etc. não faziam senão o uso mais adequado às escriturações que lhes cabiam fazer decorrentes das funções exercidas no interior do aparelho estatal.

Já o termo igreja, utilizado pelo padre e pelos administradores só pode encontrar explicação no fato da antiga capela jesuítica haver-se transmudada em sua condição, a partir de 1795 em paróquia da freguesia pelo referido ato da Rainha Dona Maria I, e posteriormente à categoria de Igreja Matriz, em 1808 (45), cabendo portanto àqueles que respondiam pelas suas atividades a ela referir-se pela denominação a qual passara à jurisdição do Clero Regular, cuja autoridade estava constituída na Sé Catedral de S. Paulo, o Bispado paulista (46).

De resto, estamos habituados a tratar indistintamente os templos católicos pela denominação igreja, tenham eles torre ou não, sendo ou não matrizes. Embora neste caso do Embu surja a possibilidade de reconhecer neste elemento – torre – um predicado que a distinga do ponto de vista estrito de sua vinculação às duas esferas da organização da Igreja Católica, pois serve para demarcar historicamente os períodos de jurisdição que se sucederam no tempo, e, posteriormente, resgatadas simbolicamente (1939-41), com a reconstituição do templo à sua configuração de 1814-26, quando já alcançava oficialmente o status de monumento nacional (1938) (47). Portanto, parece correta a distinção, e assim denominá-la capela quando nos referimos ao tempo dos Jesuítas, bem assim igreja a todo o período posterior, já sob administração do clero Regular.

3. Sem pretender aprofundar a questão, vale porém lembrar aqui das pretensões das corporações religiosas, especialmente das mais poderosas (Ordens Terceiras), de construir torres em suas capelas, propugnadas desde fins do século 18 sem contudo obterem êxito junto aos religiosos das Ordens Primeiras respectivas. A lembrança nos é de alguma utilidade, pois nos permite verificar se questão dessa mesma natureza recebia tratamento diverso no âmbito de jurisdição do Clero Secular, responsável pela gestão das igrejas matrizes e mesmo das mais distantes igrejas paroquiais, inclusive sobre inúmeras capelas, muitas das quais produtos das ações bandeiristas em sua origem, entre as quais a própria capela de Nossa Senhora do Rosário da Aldeia de M’Boy. Ignoramos se esta primitiva capela bandeirante teve ou não torre, mas se estendermos tais considerações à sempre lembrada Capela de Santo Antonio, do famoso Capitão Fernão Paes de Barros, verificamos que desde a sua fundação possuía torre, edificada em pedra ao lado do corpo da capela. Teriam seus fundadores a liberdade de construí-las sem prévia autorização da Igreja? Não encontramos em nenhum estudo sobre as capelas rurais, tanto brasileiras como portuguesas, nada a respeito. Ao que parece, não havia restrição alguma à construção de torres. Argumentação que se por ventura obtiver confirmação empírica, explica a presença de torres em inumeráveis capelas construídas no território brasileiro à época Colonial, desde aquelas construídas nos engenhos açucareiros do Nordeste até as capelas fundadas ainda no século 17 por paulistas nos futuros territórios baianos e mineiros, em etapa anterior ao período aurífero, ainda sob a égide da criação de gado que motivou a migração dos colonos paulistas para essas áreas (48). Se considerarmos ainda que as Ordens Conventuais foram impedidas, no século 18, de ingressarem em território mineiro, estaria igualmente explicada a liberdade lá desfrutada pelos Irmãos Terceiros carmelitanos e franciscanos, lá sujeitos somente à jurisdição secular, de edificarem suas capelas – e observemos que a denominação utilizada continuava a mesma: capela – com torres, o que não nunca foi autorizado pelas ordens conventuais em outras áreas da Colônia.

Desse modo, parece-nos plausível dizer que não havia obstáculo jurisdicional algum naquele momento para que os Administradores da capela, ou melhor dizendo, da igreja de Nossa Senhora do Rosário da Aldeia de M’Boy, tomassem a iniciativa da construção da torre, com ou sem a aquiescência do pároco responsável, todos corresponsáveis pelas tratativas que conduziram as autoridades a permitirem a venda do patrimônio móvel do Legado deixado ou confiscado pelo governo português à Companhia de Jesus da mesma aldeia para ser utilizado nas obras então reclamadas pelo templo que resultaram na “reedificação” dos edifícios e na elevação de sua primeira ou primitiva torre.

Vale, por fim, lembrar que o período da elevação da torre corresponde ao de mudanças significativas na esfera política, na qual o Brasil sai da condição de Colônia, eleva-se a de Reino-Unido (1815) e alcança a Independência (1822); porém o mesmo não ocorre na esfera jurídica propriamente dita, em vista da permanência de vários institutos de origem portuguesa na vida social, econômica, política e cultural brasileira que vão paulatinamente sendo reformulados no período Monárquico.

4. Já as torres construídas no final do século 19 e início do 20 constituem outra etapa da história desse templo, que devem encontrar explicação em outras razões ou motivações que justificaram (ou não) a destruição dessa primitiva, substituindo-a por outras mais altas e encorpadas, tendo sido também nessas ocasiões que se reformulou a fachada da antiga capela jesuítica, conferindo-lhe então uma configuração inteiramente nova.

5. A título de curiosidade vale lembrar que por ocasião da construção desta primeira torre da igreja do Embu já se iniciara em alguns países europeus (Inglaterra, Alemanha, Itália e Espanha) técnicas de restauro de edifícios antigos, por sua vez adotados pela França onde se exigia que a restauração respeitasse o estilo a que pertenciam. Os europeus deitavam os olhos sobre edifícios de épocas anteriores, medievais sobre tudo, buscando identificar as raízes da nacionalidade ameaçada de se perder devido às transformações impulsionadas sobre tudo pela Revolução Industrial. No Brasil, a despeito das transformações em curso, não se tratava de nenhuma revolução, nem econômica nem social. Muito menos aqui no Embu, por essa época se pensava em restauração, tratando-se apenas de fazer obra de salvamento ou de “reedificação” da igreja que, embora considerada verdadeiro “patrimônio” pelo Padre Alexandre Gomes de Azevedo, era na verdade ainda uma edificação “do seu tempo” (49), com pouco mais de cem anos de existência. Lógico, as coisas haviam mudado, e muito! Mas, a maneira como as pessoas a viam, sentiam ou a tinham em consideração não devia ser muito diferente da que dizia respeito às demais edificações religiosas do país – muitas das quais, como as mineiras, de igual ou ainda de mais recente edificação que a da Aldeia de M’Boy – a não ser para a pequena comunidade local, que a ela devotavam especial atenção.

Conclusão

De todo modo, a elucidação da questão agora finalmente alcançada, responde cabalmente a pergunta que deu título a este artigo – Afinal, a primitiva capela jesuítica do Embu tinha ou não tinha torre? E, repetimos, dá razão a Antonio Luiz Dias de Andrade relativamente ao desfecho da análise que desenvolveu, amparando-se em asserção de Viollet Le Duc sobre produtos de restauração adquirirem por vezes configurações que podem jamais ter existido.

Não ficou clara, porém, para nós, a intenção de Antonio Luiz Dias de Andrade ao fazer referência à foto tirada por Washington Luís em 1908, descoberta por seu orientador, mostrando a 3ª água (lado posterior) da torre; porém se o propósito foi demonstrar que a torre retratada era ainda a torre “antiga” (1814-26), apenas alterada pela platibanda construída pelo avô do Sr. Cobertino (cuja elevação necessariamente eliminou ou diminuiu a água da cobertura da torre do lado da fachada), a permanência desta 3ª água viria de encontro à proposta inicial de Luís Saia, de reconfigurar a torre com quatro águas.

De qualquer maneira, a contestação de Antonio Luiz Dias de Andrade ao restauro teve por base um desenho, feito pelo mesmo restaurador, por meio do qual Luís Saia teria aventado a possibilidade da igreja sem torre, à semelhança da capela de Nossa Senhora da Escada. O que vem demonstrar a enorme complexidade com que se reveste o trabalho de restauro e, sobre tudo, as dificuldades de definição de projeto sempre dependente da obtenção de informações, sejam quais forem, mesmo quando existentes no fundo de uma gaveta caipira, ou abandonadas em depósitos de alguma secretaria de governo ou do Poder Judiciário, mas ainda inacessíveis como os documentos que somente agora descobrimos, ou ainda como a foto feita por Washington Luís em 1908 mas que não chegou ao conhecimento de Luís Saia no momento mais apropriado, e que, como vimos, fortaleceria a sua hipótese (conjecturada no desenho da igreja sem torre) diante da outra proposta estudada com a supervisão de Lucio Costa, e por fim adotada, e que teve por base outra foto mais antiga, que “entretanto, é pouco nítida e não permite extrair alguma conclusão”, como bem observou Antonio Luiz, e “Não sem percalços”, finalizou; e que duram até os dias atuais, podemos acrescentar.

Lúcio Costa
Foto M. M. Fontenelle [Acervo DPHA-DF]

Também se analisada sob um dos princípios formulados pelo historiador da arte vienense Aloïs Riegl, a reconstituição da torre constituiu um erro, pois Luís Saia e Lucio Costa terão se baseado, pelo desconhecimento da história real que ainda estava por ser escrita, no acréscimo de um elemento que inexistia originalmente, uma alteração do monumento que, mesmo parcial, seria por Riegl debitada às ações perturbadoras de seu valor histórico (50). Generalizando, ao admitirmos que todo e qualquer acréscimo que se faça a uma obra de arquitetura prejudica o seu valor histórico, cuja base está na conservação de seu estado original, mesmo que se desconheça o momento (histórico) da sua ocorrência. Difícil, porém, será encontrar monumento nessas condições, é forçoso admitir, tanto no país como fora dele!

Sob o crivo da produção acadêmica atual, que busca invariavelmente modelos exógenos para interpretar produtos de nossa realidade, o julgamento do restauro efetuado em 1939-41 está pois consumado; e não teríamos feito mais do que com ele corroborar ao apresentarmos o resultado de nossas pesquisas que lograram determinar (com base nesses documentos fragmentados) o momento em que ocorreu essa primeira alteração do templo, reincidida cerca de cento e vinte a cento e trinta anos depois pelos arquitetos restauradores do Serviço do Phan ao tentarem reconstituí-la. Desse modo, não teremos feito outra coisa senão aumentar ainda mais a culpa que agora recai sobre a dupla Luís Saia/Lucio Costa – pobres figuras da história da preservação do patrimônio histórico e artístico nacional!

Luís Saia [Acervo de José Saia Neto]

Ora, a restauração da torre, depois de tudo que foi desvelado por Antonio Luiz Dias de Andrade, em especial a sua análise sobre a questão da busca do estilo próprio da época, empreendida por Lúcio Costa e corroborada pelos demais técnicos do Serviço do Phan, inclusive Luís Saia, fio condutor de sua interpretação que conduziu a formulação e predominância de um paradigma – uma fórmula idealmente adotada pelos restauradores do órgão federal de preservação, para a qual a torre da igreja do Embu se lhe afigurou de grande valor simbólico – acrescido ao que agora descobrimos, parece-nos que a reconstituição desse elemento em 1939-41, pode ser apreciada também sob outros pontos de vista, como nos autoriza François Dosse (51). Pois os atos humanos e os seus produtos serão sempre revisitados pela História. O restauro desse monumento, e os profissionais que o realizaram, desfrutaram por largo período da aprovação tanto por parte de numerosos profissionais da área como pelo público em geral – tendo possibilitado aliás a criação de uma verdadeira obra de arte fotográfica (infelizmente surripiada do arquivo do Iphan, cuja autoria se deveu a Hermann Graeser) – para só recentemente cair em reprovação pelos críticos do Sphan e tornar-se até matéria de deboche por parte de alguns mais afoitos e desavisados sobre essas inconstâncias da História.

As marés, seja qual for a fase da lua, correm sempre, às vezes com rapidez e violência, noutras lenta e calmamente. Procedemos como essas últimas; valemo-nos, todavia, da mesma conduta acadêmica.

Tem a capela do Rosário dupla significação: na origem a destinação memorial (tal qual a sua coetânea N. Sra. da Escada), criada deliberadamente como monumento, com a finalidade de comemorar a presença divina na vida humana; mas distingue-se enquanto monumento histórico, e independentemente daquele propósito inicial, por ser o resultado de uma rica e heroica trajetória que lhe conferiu valores, reconhecidos não apenas pelos historiadores e apreciadores da arte, como também por todos aqueles que a mantiveram viva enquanto tal, e que permite que a relacionemos à noção de patrimônio que sacamos das palavras de Padre Alexandre Gusmão, associando-o ao de conjunto artístico notadamente de seu interior, de que nos falava Mário de Andrade ainda em 1939, que “pelo acabamento e pela raridade de estilo está entre as coisas mais preciosas do Brasil”, salvo então pela segunda vez (52).

Mas é ainda n’O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese, que também vemos o autor se valer de outro “postulado” na análise dos monumentos, que denominou de valor de novidade, considerando exatamente a inclusão de elementos novos que se agregaram ao valor histórico dos mesmos. Diz ele textualmente: “Trata-se de monumentos que não foram inteiramente conservados em seus estados originais, e nos quais a mão humana realizou, ao longo do tempo, modificações estilísticas”. Acrescenta, poucas linhas depois, a maneira como, dialeticamente, esse novo valor interage no monumento, a ele se agregando, porém mantendo o valor histórico, por sua vez acrescido de uma nova unidade estilística, ou premissa: “Valor histórico e valor de novidade uniam-se à medida que o objeto original a reconstituir apresentava-se como uma totalidade concluída, e toda adição feita em outro estilo era percebida como ruptura dessa unidade e sintoma de degradação. Daí o postulado de unidade estilística, a partir do qual elementos inexistentes no original e acrescidos em período posterior não eram somente suprimidos, mas remanejados e adaptados ao estilo do monumento inicial”. Alça-se assim a um terceiro estágio, formando nova unidade. Tal me parece ocorrer na longa trajetória da capela ou igreja do Embu. A torre construída em 1814-26, em princípio lhe acresce um valor de novidade, que, por sua vez, lhe conferiu nova unidade estilística que era ainda possível reconhecer, ou ao menos admitir, na foto do prospecto da empresa de colonização do engenheiro Bucolini, o mesmo que também fez parte da história desse monumento.

Por complexa que seja a compreensão dessas proposições de Riegl, transladá-las do mundo europeu à nossa realidade e aplicá-las ao caso em exame, certamente é tarefa complexa por demais; porém somos tentados a dizer que o último postulado – o do valor da novidade – aplica-se perfeitamente à igreja do Embu, e, com ele, validam-se os critérios enunciados à época pelos restauradores do Sphan (53). Interpretação que se apoia sobre um novo patamar, pois que acrescemos às análises desenvolvidas por Antonio Luiz Dias de Andrade (criteriosas e objetivas), os resultados de pesquisas empíricas (documentais), por sua vez avaliados sob premissas ou postulados igualmente válidos e que nos permitem apreciar a questão sob um ponto de vista que, aliás, é contemporâneo (o estudo de Aloïs Riegl é publicado em 1903) às obras empreendidas pelo Serviço do Phan (54).

Pois a torre construída em 1814-26, embora constituísse uma alteração que, em princípio, prejudicara o valor histórico do monumento enquanto exemplar da arquitetura jesuítica remanescente, por outro lado, constituindo elemento de outra fase histórica (posterior ao período jesuítico), ao ser incorporado ao conjunto arquitetônico primitivo e nele permanecendo até aproximadamente o final do século 19, diversamente dos exemplos europeus citados por Riegl, não conflitava com a unidade compositiva original. Do mesmo modo, a torre reconstituída, como postulava Lucio Costa, ao se amoldar ao que chamava de “espírito da época”, restituiu ao monumento a unidade estilística, e também histórica (perdidas nas reformas de 1897/8 e sobre tudo na de 1917), de tal forma que, ao resgatá-las, revalidou os postulados de valor de novidade e de unidade estilística, decorrentes do elemento acrescido em período posterior e adaptado ao estilo inicial do monumento – independentemente do desconhecimento que dele havia, pois nem Lucio Costa nem Luís Saia sabiam que se tratasse verdadeiramente de elemento que lhe fora aditado cerca de um século depois da criação do templo (55); embora este último tenha suspeitado, e conjecturado tal possibilidade no papel, de acordo com a interpretação de Antonio Luiz Dias de Andrade.

Igreja do Embu, novembro de 1939
Foto H. Graeser [Arquivo IPHAN SP]

Concluímos, portanto, que a sua reposição em 1939-41, mesmo que não corresponda integralmente à feição primitiva, nem mesmo incorreu em risco de conflito estilístico; muito pelo contrário, eliminou-se o conflito que de fato havia (ver foto de 1939) ao substituírem a torre “chapéu de palha” por outra de estilo mais antigo e tradicional que, como ajuizou Mário de Andrade, lhe deu “uma graça, uma humildade macia, que o branco da cal e o azul intenso das janelas e portas ainda fazem mais encantadora” (56).

Uma palavra apenas acerca do propalado paradigma criado pelos arquitetos restauradores do Sphan. Ou muito me engano, mas por mais que percorro a documentação produzida por Lucio Costa e Luís Saia, não encontro menção nenhuma à elaboração de um tipo ideal, seja à maneira weberiana seja apoiado nos princípios de Viollet-le-Duc ou seja ainda dos propugnados por Le Corbusier (57), sobre as edificações jesuíticas à época colonial em São Paulo. Arrisco dizer que nem pretenderam e nem poderiam se propor a tal empreitada, não só por contrariar seus próprios pressupostos, como diante dos exemplares que remanesceram desse período seria tarefa inglória, visto que indicam, ao contrário, a diversidade tipológica, todavia originários de um mesmo projeto missioneiro. Os poucos que restaram, embora sofressem alterações posteriores – em geral realizadas após a expulsão da Companhia, com exceção da igreja principal, a do Colégio de São Paulo (a primeira a receber o acréscimo de uma torre) (58) – denunciam ao menos três tipos diferentes: o de São Miguel (avarandado), o de Carapicuíba, e o de M’Boy e Escada.

notas

1
SARAMAGO, José. História do cerco de Lisboa. Cia. das Letras. S. Paulo, 1989.

2
DOSSE, François. A História. Bauru, SP. EDUSP, 2003, p. 305-306.

3
BRAUDEL, Fernand, citado por René Martin, História Social do Mundo Romano Antigo: métodos e problemas. Annales. 1963, n.1. Rotogravura. 2ª quinzena de maio de 1941, nº 182.

4
DUARTE, Paulo. Contra o vandalismo e o extermínio. São Paulo: Departamento Nacional de Cultura, 1938.

5
ANDRADE, Mário de. Será o Benedito! Artigos publicados no suplemento Rotogravura de O Estado de S. Paulo (outubro/1937 – Novembro/1941. Artigo da 1ª quinzena de julho de 1939. Organização e apresentação de Telê Porto Ancona Lopes. EDUC – editora da PUC-SP – 1992.

6
Op. Cit. Rotogravura nº 138, 1ª quinzena de julho de 1939, p. 40-43.

7
Grifo nosso.

8
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capelas antigas de São Paulo. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 5. Rio de Janeiro. 1941.
As capelas, pela ordem de apresentação no texto: São Miguel, Carapicuíba, Embu, Santo Antonio em São Roque e a de Voturuna. As fontes de que se valeu foram: Annaes do Museu Paulista, V. 192; Atas da Câmara de S. Paulo; Anchieta, Cartas. Ed. da Academia Brasileira de Letras, Rio, 1933; AZEVEDO Marques. Apontamentos Históricos, Geográficos, Biográficos, Estatítsticos e Noticiosos da Província de São Paulo. Livr. Martins Ed. 1952; CARDIM, Fernão. Tratados da gente e terra do Brasil, Cia. Ed. Nacional 1925; Documentos Interessantes para a História de S. Paulo. Typ. Cardozo e Filhos. 1915. Vol. 44; Inventários e Testamentos. Pub. Oficial do Arquivo do Estado de São Paulo, VI e XVII; FONSECA, Manuel da. Vida do Padre Belchior de Pontes: Notas de História Eclesiastica. SILVA, Dom Duarte Leopoldo e. As Capelas de Araçariguama e seus fundadores. São Paulo 1916; CAMARGO, Pe. Paulo F. da Silveira. Notas para a História da Parnahyba, S. Paulo, s/d; Registro Geral da Câmara Municipal de S. Paulo, III; Revista do Instituto Histórico e Geográfico de S. Paulo, XXXVI; Revista do Sphan Nº 1; Sesmarias. Pub. Oficial do Arquivo do Estado de São Paulo; LEME, Luiz Gonzaga da Silva. Genealogia Paulistana, SP, Livr. Duprat, 1903 a 1904 v. VI; VASCONCELOS, Simão de. Vida do Padre Anchieta. Lisboa: Officina de Ioam da Costa. 1672.

9
ANDRADE, Mário de; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Correspondência. Organização Pedro Meira Monteiro. 1ª Ed. – São Paulo: Cia. das Letras: Instituto de Estudos Brasileiros: Edusp, 2012.

10
Especialmente as referências acerca das características da aldeia de Carapicuíba, e das capelas de Vuturuna e de Santo Antonio. Veja também Nota 8.

11
Rotogravura nº 152, da 1ª quinzena de fevereiro de 1940. In Mário de Andrade. Será o Benedito!, p 44.

12
Grifo nosso.

13
“Já em 1777 o bispo D. Manuel da Ressurreição dizia referindo-se ao então pároco da aldeia: ‘Vive como pode’. Esse relativo isolamento durante mais de um século explicaria o fato de persistir em Carapicuíba melhor do que em outros lugares um tipo de edificação bem característico das velhas aldeias jesuíticas e que chamou a atenção de alguns observadores. ‘A vila de Carapicuíba, declara o Sr. Luiz Saia, em interessante artigo na ‘Revista do Arquivo Municipal’ de S. Paulo, nº XL, é construída na forma tradicional de desenho quadrangular, num alto, de maneira que os fundos dos edifícios se encontram num declive às vezes tão pronunciado que a diferença de nível existente entre os beirais atinge comprimento igual ao da altura da fachada’. As necessidades de defesa imporiam tal expediente.” Holanda, Sérgio B. de Capelas antigas de São Paulo, p. 112-113.

14
ANDRADE, Mário de. Será o Benedito!, em Nota de Telê Porto Ancona Lopes sobre a carta a Paulo Dantas de 9/abril/1941 (arquivo documental do IEB/USP). p. 90. Grifo nosso.

15
Grifos nossos.

16
ANDRADE, Antonio Luiz Dias de. Um estado completo que pode jamais ter existido. Tese de Doutorado. Orientador: Prof. Dr. Carlos A. C. Lemos. FAU USP São Paulo 1993, fls. 126-127. Acerca do curso referido, ver também MAYUMI, Lia. Taipa, canela preta e concreto: um estudo sobre a restauração de casas bandeiristas em São Paulo. Doutorado. FAU/USP. 2005. Orientador Prof. Dr. Carlos Alberto Cerqueira Lemos, p. 149-155.

17
ANDRADE, Antonio Luiz Dias de. Op. cit.

18
ANDRADE, Antonio Luiz Dias de. O nariz torcido de Lúcio Costa. Revista Sinopses 18. FAU-USP. Dez/1992.

19
Ou seja, exceto a parede frontal da torre, as demais seriam de madeira.

20
Arquivo documental do Iphan/SP. Pasta Informações sobre o monumento. Grifo nosso.

21
ANDRADE, Antonio Luiz Dias de. Um estado completo que pode jamais ter existido. Tese de Doutorado. Orientador: Prof. Dr. Carlos A. C. Lemos. FAU USP São Paulo,1993, fls. 126-127. Grifos nossos.

22
Talvez a nova torre (a de 1897) fosse o resultado somente da platibanda (construída pelo avô do Sr. Cobertino) introduzida à antiga, dando-lhe feição muito diferente, pois que suprimira ou diminuíra a água fronteira, conservando porém o caimento posterior retratado na foto de 1908.

23
Inicia-se, na verdade lá nos recuados séculos 16 e 17, com índios aldeados em ações isoladas e combinadas entre jesuítas e bandeirantes; uma história apenas episodicamente conhecida, sobre a qual Sérgio Buarque de Holanda procurou reunir tudo quanto sabia no referido texto. Mas, para o Sphan, embora houvesse interesse nessas notícias mais antigas, importava mesmo saber mais e melhor acerca do conjunto arquitetônico jesuítico, produto de uma história que se iniciara com o Padre Belchior construindo a capela, e concluído pelo padre Domingos Machado que acrescentou o convento. Afora essas notícias, até vir acontecer a expulsão dos padres da Companhia em 1759, nada mais se acrescentou; nem mesmo a esperada publicação do Padre Serafim Leite trouxe uma notícia à mais, um documento que dissesse sobre a vida dos padres e dos índios ali aldeados, sobre os produtos agrícolas ou da criação do gado recebidos do casal bandeirante em patrimônio da Santa do Rosário, nem mesmo uma referência qualquer sobre os artistas que produziram a Arte que a decora internamente e tanto a distingue. Mesmo depois da expulsão dos padres, as notícias são raras, alguma coisa sobre um sacerdote que a assistia por volta de 1760, ou sobre as cabeças de gado que remanesceram para o sustento do altar e das festas da Senhora, mas nada sobre a capela e seu convento. O que se veio saber sobre alterações ocorridas nesses edifícios, promovidas depois por agentes do Poder Público, tanto governamental como eclesiástico, só vieram mesmo à luz quando das obras de restauração, iniciadas em 1939, algumas das quais mencionadas por Mário de Andrade.

24
LE GOFF, Jacques. História & Memória, 7ª Ed. revista Campinas. SP: Editora da Unicamp, 2013, p. 410-440)

25
GUENÉE, B. - “Temps de l’histoire et temps de La mémoire au Moyen Age” – Bulletin de La Société de l’Histoire de France, nº 487, 1976-1977, pp 25-36, citado por Le Goff, op. cit. p. 35.

26
LE GOFF. Op. cit. p. 411.

27
M. F. Jordão. O Embu na história de São Paulo. S. Paulo. 1960

28
Os quais por vezes se viam constrangidos pelos Inventariantes dos bens da extinta Cia. de Jesus, responsáveis pela administração do Legado ou Patrimônio da Senhora do Rosário. Esses, além de limitar a esfera de atuação dos sacerdotes, na condição de agentes do Poder Imperial, não apenas dividiam a tarefa da conservação da capela e de seu acervo artístico, mas, como veremos adiante, tinham relativa autonomia para propor o uso dos rendimentos desse patrimônio para serem utilizados em serviços e obras de conservação dos edifícios (capela e convento), sem aparentemente ter de submeter à apreciação das autoridades eclesiásticas.

29
CERQUEIRA, Carlos Gutierrez. Considerações acerca d’O nariz torcido de Lucio Costa. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 180.04, Vitruvius, maio 2015.

30
Os documentos que nos reportamos encontram-se no Arquivo Público de São Paulo, Seção de Manuscritos, Ordens 3299, 3308 e 3415, juntados em pastas no interior da Caixa 129, tendo por Títulos os nomes do Inventariante Joaquim Pedroso de Oliveira e do Administrador do Legado pertencente a Igreja da Na. Sra. do Rosário de M. Boy Capitão Manoel Pedroso d’Oliveira.

31
LIMA, Alceu Amoroso. Síntese da Evolução do Catolicismo no Brasil. Enciclopédia Delta Larousse. Ed. Delta S.A. RJ. 1964. Volume 4. p. 1858.
Ver também a respeito: MONTEIRO, John Manuel. Negros da terra: Índios e Bandeirantes nas origens de São Paulo. SP. Cia. das Letras. 1994.

32
Grifo nosso.

33
CERQUEIRA, Carlos Gutierrez. Considerações acerca d’O nariz torcido de Lucio Costa. Arquitextos, São Paulo, ano 15, n. 180.04, Vitruvius, maio 2015

34
Fizemos ver aos responsáveis da Seção de Manuscritos do Arquivo Público de São Paulo a necessidade de cuidado e restauro e, ao que parece, foram encaminhados ao setor competente; antes porém realizamos o registro fotográfico de todos os documentos da caixa onde estão depositados.

35
“Termo do Administrador. Aos vinte cinco de Setembro de Mil oito Centos e vinte hum nesta Cidade de São Paulo e meu Escritorio apareceu, prezente Manoel Pedrozo de Oliveira morador da Freguezia da Cutia que reconheço pelo próprio de que dou fé e das testemunhas abaixo aSsignadas perante os quaes, por elle me foi [dito] que Se obrigava por Seus bens presentes Fucturos e o milhor parado delles O administrar e zelar os bens da Capela de Nossa Senhora do Rozario da Aldea de MBoÿ, e a responder por Aquele que por Sua omição tiverem desCaminhos; bem Como Se obriga a prestar Conta annualmente de toda a Receita e despeza que tiver na Sua administração para Constar faço este termo que aSsignou com as testemunhas, e eu Amaro Jozé Vieira que o escrevi. [assinado] Manoel Pedrozo de Oliveira”. Entre as obrigações do novo Administrador estava a de pagar ao ex-admistrador Joaquim Pedrozo de Oliveira, a soma de 75$519 réis ainda correspondentes ao adiantamento por este feito quando da avaliação e venda do gado, soma que teria sido aplicada nas obras de “reedificação” atrás mencionadas (com a construção da torre inclusive), cujo acerto só se concluiu definitivamente em 22 de Junho de 1824, conforme Recibo constante nesta pasta.

36
Parede que não sabemos ao certo qual, mas improvável que fosse a fachada, pois que, em face de sua natural importância, teria sido evidentemente mencionada.

37
De acordo com o “Mappa do Bispado de S. Paulo feito pelo vigário capitular Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade”, no ano de 1824 “Padre Alexandre Gomes d’Azevedo, Vigario Collado da Freg. de MBoy”, era natural do Rio de Janeiro e tinha 41 anos de idade. O número de habitantes de M’Boy era de apenas 297, sem indicação de quantos eram índios. Mas no livro O Embu na história de São Paulo, de M. F. Jordão. S. Paulo. 1960, diz o autor, citando informação de Leonardo Arroyo: “Nos primeiros anos do século 19 a aldeia passou um período sombrio. Em 1829 informava-se que ‘na aldeia de Mboy de que sou Juiz de Paz não há pessoa alguma que possa votar, ou ser votado, pois não estão na forma da mesma lei; sendo os indivíduos índios e que não tem rendimento algum’” (dados colhidos por Arroyo Conf. Regimento Geral da Câmara, vol. 20, p. 10).

38
Por incrível que pareça, fomos localizar esses fragmentos quando já eram passados quase 200 anos de sua escrituração. Infelizmente, não é exceção; muito pelo contrário, número infindável de documentos se encontram nessas condições em nossos arquivos públicos e privados.

39
O que nos remete aos nossos dias, especialmente às nossas consciências (profissional e cidadã) e diretamente aos atuais responsáveis por esse mesmo patrimônio tão representativo para aqueles que lutaram pala sua preservação (desde Paulo Duarte, Mário de Andrade, os modernistas enfim) e para os quais se tornou símbolo do trabalho que realizaram. Acerca do seu patrimônio artístico especialmente, este a rigor nunca recebeu a atenção merecida, a despeito de contar com diagnóstico técnico relativamente recente, indicando os serviços especializados que permitiriam solidificar as pinturas e seus magníficos altares dos desgastes acumulados pelos seus já três séculos de existência.

40
Observemos também aqui, novamente, a força da “tradição”, o respeito à “vontade” e o “compromisso” para com os fundadores da capela, fundamentando a argumentação do Padre Alexandre.

41
E para cuja função tornara-se necessária a torre sineira ? – eis a questão que tornaria a possível querela entre ambos um problema secundário. Uma suposição para a qual ainda não encontremos lastro todavia. Afastemo-nos, por enquanto, pois, da historiagem, própria daqueles que só vem superficialmente os fatos, com intenções nem sempre pautadas pela boa fé, como advertia o grande historiador Fernand Braudel. Tornaremos, adiante, a essa questão apreciando-a sob outros ângulos.

42
Estamos, pois, agora, em condições de entender a reação dos aldeados de Embu à arbitrariedade do Imperador. Afinal, qual seria a serventia de uma torre, recém-construída, sem sinos?

43
PINHEIRO, Joaquim Gil, Os costumes da roça ou as memórias de MBoy. Empr. Gráfica Moderna. São Paulo. 2ª. Edição ampliada 1912. pp 33-34. Citado também por MARTINS, Ivan Barbosa. A formação de Embu no período colonial, p. 65.

44
Cuja corporação vimos, no artigo anterior: Considerações acerca d’O Nariz torcido de Lúcio Costa. Esforçar-se por interceder junto ao Imperador a favor do Padre Alexandre, após a decretação de sua expulsão do país por D. Pedro I.

45
Diversamente do Embu, a organização religiosa que sucedeu aos jesuítas na administração da Capela de São Miguel (os frades da Ordem franciscana), nesta promoveu reformas que a alteraram profunda e irremediavelmente, as quais Luís Saia respeitou, diante da impossibilidade de revertê-las face à inexistência de documentação escrita e iconográfica que fundamentasse um projeto de restauração mais amplo. Observe-se, porém, que essa tradicional Ordem monástica não se interessou em acrescer-lhe uma torre.

46
Ver a respeito nosso artigo Capelas Rurais Paulistas dos séculos 17 e 18. Resgate – História e Arte <https://sites.google.com/site/resgatehistoriaearte>

47
Conf. discutimos anteriormente - Memória e História, nas páginas anteriores. (Veja também Notas 20, 21 e 22)

48
“O valor histórico é tanto maior quanto mais puramente se revela o estado original e acabado do monumento, tal como se apresentava no momento de sua criação: para o valor histórico, as alterações e degradações parciais são perturbadoras”. RIEGL, A. – O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese (escrito originalmente em 1903). Goiânia: Ed. da UCG, 2006. p. 76.

49
DOSSE, François - A História. Bauru, Edusp. 2003.

50
Escreve Françoise Choay, baseando-se na obra de Aloïs Riegl: “o monumento é uma criação deliberada (gewollte) cuja destinação foi pensada ‘a priori’, de forma imediata, enquanto o monumento histórico não é, desde o princípio, desejado (ungewollte) e criado como tal; ele é constituído ‘a posteriori’ pelos olhares convergentes do historiador e do amante da arte, que o selecionam na massa dos edifícios existentes, dentre os quais os monumentos representam apenas uma pequena parte”. E mais adiante: “Contudo, os ‘monumentos’ são, de modo permanente, expostos às afrontas do tempo vivido. O esquecimento, o desapego, a falta de uso faz que sejam deixados de lado e abandonados. A destruição deliberada e combinada também os ameaça” A alegoria do patrimônio. Ed. Unesp. 2001. p. 25/26.

51
Aliás, o próprio Antonio Luiz Dias de Andrade, embora sublinhe a importância da análise que procede, admite que sua interpretação não é a única possível: “A ordem de argumentos que poderia testemunhar em favor desta nova tese, como a das demais, não ultrapassa os limites de qualquer outra hipótese”, referindo-se à da igreja sem torre “que em algum momento mereceu a simpatia ou a suspeita de Luís Saia.” O Nariz Torcido de Lúcio Costa. Revista Sinopses 18. FAU-USP. Dez/1992. p. 15.

52
Seria interessante nos informarmos sobre as bibliotecas dos arquitetos restauradores daquela época, ou do próprio Serviço do Iphan, dos livros utilizados na Diretoria de Tombamento e Conservação, se nelas não haveria algum exemplar (em língua alemã; a versão em francês é de 1984) da obra de Aloïs Riegl. Essa eventualidade não nos autorizaria, entretanto, a rever a convicção que hoje todos nós temos de que formavam parte d’uma equipe relativamente coesa, ideologicamente identificada com objetivos e ideais comuns, e capaz de pautar suas ações por critérios por eles próprios concebidos e aplicados com seriedade e transparência.

53
De qualquer modo, a solução dada à fachada da Igreja de Na. Sra. do Rosário de Embu, não ocorreria certamente fossemos embarcar na opinião daqueles que propugnam pela sua conservação no estado em que se encontrava em 1939 – “ainda íntegra” ( ! ) –, acreditando ter o Padre Belchior de Pontes seguido o modelo “classicizante provavelmente ensinado pelos arquitetos militares maneiristas” (Iphan Patrimônio: 70 anos em São Paulo. Introdução, ed. 2008). Foram, felizmente, outros os responsáveis pela condução dos trabalhos (sorte que não teve a Matriz de Cananéia que, de acordo com notícia veiculada num site da paróquia da cidade, numa desastrada “restauração” em 1977/78, perdeu sua antiga ornamentação interna talhada em madeira).

54
Entre acertos e erros, Luís Saia e Lucio Costa resgataram e revalorizaram o mais significativo conjunto da arquitetura religiosa paulista que, pela sua riqueza e por sua heroica trajetória, é sem dúvida símbolo da luta pela preservação do patrimônio nacional. Embora o erro desvelado por Antonio Luiz Dias de Andrade tenha recolocado em cena a questão do restauro e seus principais protagonistas, suscitando uma estimulante discussão, dentro e fora da instituição, para cujo desdobramento temos a satisfação de contribuir.

55
Por outro lado, penso que devemos nos perguntar se não haverá sempre o perigo de incorrermos em equívocos diante de situações semelhantes, mesmo se nos desdobrarmos em esforços para a apuração dos acontecimentos mais importantes que pontuam a história dos monumentos que herdamos do passado, cuja significação estará sempre na dependência de pesquisas históricas bem fundamentadas. Permito-me, pois, fazer uso de um termo riegliano para sugerir que projetos de restauração tenham sempre como postulado, desde a sua elaboração até o encerramento dos trabalhos, a pesquisa histórica como instrumento indispensável de conhecimento, e não somente como texto introdutório, o denominado Histórico do monumento de pouco valor e nenhuma utilidade para o restauro. Embora saibamos que esse postulado não teria a aprovação de Lucio Costa que, como se sabe, também “torcia o nariz” à participação dos historiadores nos trabalhos de restauro.

56
Françoise Choay, autor d’A alegoria do patrimônio (Unesp, 2001) diz a respeito d’O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese’ que seu autor empreendeu um trabalho notável, desvelando valores e significações “subjacentes ao conceito de monumento histórico” que desse modo perdeu “sua pseudotransparência de dado objetivo”, tornando-se o “suporte opaco de valores históricos transitivos e contraditórios, de metas complexas e conflituais”, no qual “o dilema destruição/conservação” deixa de comportar uma única solução – “justa e verdadeira” – e passa a admitir “soluções alternativas, de pertinência relativa”. Se pretendermos evoluir no entendimento dessa problemática, seja no interior dos órgãos de preservação seja nos salões da Academia, devemos refletir sobre essa proposição e tomá-la como fio condutor dos debates. A não ser que se opte por restaurar o restauro (que muitos consideram ter-se tornado ele mesmo histórico), retirando do monumento o valor de novidade (adquirido em 1814-26) para se reaproximar do seu estado original e lhe restituir o valor histórico que perdeu no início do século 19! A coisa pode assumir proporções que desaconselhem essa “desrestauração”, como ponderava o próprio Michel Parent (Invention, Théorie Et Equivoque de La Restauration in Monuments Historiques nº 112. Paris, 1980), citado por Antonio Luiz Dias de Andrade (op. cit., p. 86), embora no presente caso o “desrestauro” implique somente na eliminação da torre. Mesmo assim alguém ainda poderá duvidar: Será o Benedito?

57
Ver também a respeito estudo de Otavio Leonídio, Carradas de Razões. Lúcio Costa e a Arquitetura Brasileira (1924-1951). RJ PUC SP Loyola. 2007 – em especial Capítulo 3 Arquitetura e Funcionalidade (Hotel de Ouro Preto, 1938-1939) (p. 201-220) em que, a despeito da notória influência de Le Corbusier sobre o pensamento de Lucio Costa este não se deixava comprometer relativamente à preponderância da “agenda do patrimônio histórico” sob aquela. Em nota acrescenta: “Radica aí, aliás, o que me parece ser o equívoco da avaliação de Lia Motta ao imputar a Lucio Costa, total ou parcialmente, a responsabilidade da consagração, no primeiro Sphan, de um ideário ‘deformante e falsificador’. E isso pelo simples fato de que o Lucio Costa do ‘incidente’ Ouro Preto não parece estar tratando, prioritariamente pelo menos, de questões de Patrimônio” (p. 205).

58
Ver a respeito da elevação dessa torre, o artigo Jesuítas e Bandeirantes, também publicado em Resgate, História e Arte II. <sites.google.com/site/resgatehistoriaearte>.

sobre o autor

Carlos Gutierrez Cerqueira é formado em História (FFLCH USP, 1975) e Técnico em Pesquisa da Superintendência Regional do Iphan/SP desde 1983.

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