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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Em um workshop realizado em uma universidade, arquitetos e futuros arquitetos projetaram, construíram e habitaram uma estrutura inflável em escala arquitetônica. O artigo relaciona as experiências vividas com tópicos do campo da arquitetura e urbanismo.

english
In a workshop held at a university, architects and future architects designed, built and inhabited an inflatable structure in architectural scale. The article relates the lived experiences during this event.

español
En un taller realizado en una universidad, arquitectos y futuros arquitectos dibujaron, construyeron y habitaron una estructura inflable en escala arquitectónica. El artículo relata las experiencias vividas.


how to quote

DIAS, Maria Angela; MARCONI, Raphael. Construir e viver a arquitetura. Relatos de um workshop em ambiente universitário. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 185.05, Vitruvius, out. 2015 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/16.185/5785>.

Toro circular inflado [acervo dos autores]

Na busca de novos caminhos para o ensino de Arquitetura, observamos experiências que trabalham com as novas tecnologias para melhor compreensão da forma arquitetônica. Entretanto, o caráter tecnológico não parece ser o diferencial desta conquista e sim o fato da forma arquitetônica ter sido trabalhada por abordagens diversas.

Neste sentido, em setembro de 2014, o Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), promoveu o Workshop Formalismos Anacrônicos & Ficções Arquitetônicas. O evento se configurou como uma atividade da pesquisa “A Educação do Olhar: apreensão dos atributos geométricos da forma dos lugares”. Nesta ocasião seus participantes construíram no campus da universidade promotora do evento uma estrutura inflável e habitável, em escala arquitetônica, a superfície de um toro circular (1).

O foco exploratório na forma do toro e em sua geometria foi notável e muito bem acolhido por pesquisadores e professores, dedicados às áreas de representação e análise da forma, e pelos alunos de graduação em Arquitetura e Urbanismo, bolsistas de pesquisas vinculadas às temáticas relativas à forma arquitetônica, que constituíam um grupo numeroso no evento.

Construir e viver a forma arquitetônica: uma experiência contemporânea recorrente

Experiências de ensino, onde haja a construção e a vivência da forma arquitetônica, têm se multiplicado nos últimos anos. O formato de workshop, as atividades intensivas e a montagem rápida de estruturas provisórias são outras características recorrentes nestes eventos, assim como o uso da modelagem digital e de técnicas mistas: analógicas e digitais.

Apresentamos dois exemplos de ações coordenadas por um grupo de pesquisa da UPC (Universidade Politécnica da Catalunha): o grupo CODA (Computational Design Affairs) (2), suas pesquisas exploram as características geométricas da forma e das estruturas de montagem rápida. Ambas as ações contaram com a participação de alunos de Arquitetura e seguiram os princípios deste tipo de evento já descritos no parágrafo anterior. A escolha do toro circular nestes dois exemplos se presta para ilustrar as diversas possibilidades de se lidar com uma mesma forma geométrica.

Todo para o festival de HelloWood
Foto Dónat Kékesi

Toro para o festival de HelloWood, definido por geodésicas
Fotos Donát Kékesi

O toro da figura acima foi montado na Hungria, por ocasião do Festival de HelloWood. Neste evento anual de verão jovens arquitetos e designers empenham-se em encontrar soluções construtivas para estruturas em madeira (3).

A solução adotada neste caso foi construir em ripas de madeira diversas peças, que curvadas correspondiam a curvas geodésicas do toro, e que eram fixadas nos pontos em que se entrelaçavam com as demais por porcas e parafusos. As peças de madeira assim flexionadas e fixadas resultaram em uma estrutura rígida. O aspecto geométrico e o estrutural foram considerados conjuntamente na definição desta solução.

Toro de montagem rápida por painéis sanfonados
Foto Andrés Flajszer

O segundo exemplo também é do grupo CODA que, contratado pela municipalidade de Barcelona, com alguns alunos de Arquitetura montaram este meio toro (4). O desafio foi elaborar uma estrutura que pudesse ser montada e desmontada em pouco tempo dispondo de um orçamento limitado. Peças de madeira formavam estruturas que remetiam a poligonais, estas últimas aparentavam arcos que se comportavam na montagem e desmontagem como uma sanfona (5). Esta configuração permitiu que a estrutura fosse montada por apenas quatro pessoas e em menos de vinte minutos.

Essas práticas podem significar, mais do que um método de se aprender fazendo, uma reaproximação do arquiteto com as questões tectônicas, com a experimentação do construir e testar, de se aprender com erros e acertos, e com a execução da obra. Podemos indagar qual seria o papel das ferramentas de modelagem digital nessa reaproximação.

Mario Carpo (6) argumenta, numa visão histórica que aborda a dinâmica nos processos de representação da forma arquitetônica, que a prática arquitetônica teve seu distanciamento da obra caracterizada pela primeira vez no ocidente pela prática arquitetônica de Alberti (7). Carpo define então o Paradigma Albertiano (8): a autoria do projeto é dada ao arquiteto quando este executa a notação precisa em projeções bidimensionais sem deformações e em escala, repletas de informações precisas sobre o objeto que virá a ser construído: um inprint do edifício. Uma vez estando o edifício precisamente representado a obra do arquiteto passaria a ser o projeto, condição propícia ao arquiteto se afastar da obra. Esta separação em muito seria estimulada pela resolução notacional das representações das formas em arquitetura, principalmente a partir de fins do século XVIII com as notações precisas da forma fundamentadas na geometria descritiva de Monge (9).

Carpo segue sua argumentação afirmando que a modelagem digital reaproximaria o arquiteto das questões construtivas: a começar pela característica do objeto arquitetônico ser construído digitalmente em três dimensões e não apenas traduzido pelo arquiteto em projeções bidimensionais. Outro aspecto das tecnologias digitais que aproximaria o projetar do construir seriam os processos de fabricação digital: desde uma máquina de corte a laser, que produz superfícies planificadas, a uma empilhadeira de tijolos robotizada, que teria que situar com precisão as posições dos tijolos, posições estas previamente definidas em ambiente digital.

As diretrizes conceituais do workshop: a palestra inicial

A condução do workshop foi feita pelo professor  William (Liam) O’Brien Jr., da Escola de Arquitetura e Planejamento do MIT (Massachussets Institute of Technology). Logo no início das atividades ele realizou uma palestra onde expôs as diretrizes conceituais do evento, relacionando a presente experiência a outras de uma série denominada Architectural Fictions.

Liam aconselhou o afastamento de qualquer fascínio que pudesse ser exercido pela facilidade em se obter múltiplas formas geradas por softwares gráficos. Acrescentou, ainda, que em suas pesquisas usava as ferramentas computacionais para executar vários arranjos das formas tradicionais do repertório arquitetônico, rompendo a associação exclusiva das formas emergentes à modelagem computacional, ou das formas tradicionais à representação analógica.

Outra diretriz do evento foi a de se explorar propriedades como simetria, eixos, raios e princípios palladianos (10). Estas propriedades, associadas às formas tradicionais, poderiam coexistir com questões contemporâneas como flexibilidade, adaptabilidade e design paramétrico, sendo estas últimas associadas a formas emergentes.

O Professor exemplificou estas diretrizes de exploração formal em um estudo para duas residências. As plantas quadrada e hexagonal das casas remeteriam a formas tradicionais e incorporariam princípios contemporâneos como o de flexibilidade e adaptabilidade. Estes princípios poderiam ser notados no estudo que admite arranjo múltiplo entre as partes funcionais da residência (social, estar, íntimo, etc...), cada uma destas partes relacionadas a um tom de cinza (11).

Estudo para duas residências
Desenho Wiliam O’Brien Jr.

A forma escolhida: estudos iniciais e sua construção

Para o workshop foi escolhido o toro circular, tradicional no repertório formal arquitetônico. A estrutura seria construída ao redor de uma ou mais árvores, na área de gramado existente junto ao edifício da FAU-UFRJ. O material escolhido foi o plástico denominado mylar (12). O toro foi planejado para ser sustentado por insuflamento, isto resolveria eventuais questões relativas à fixação ao solo ou preparação prévia do terreno, que poderiam ser exigidas por outras escolhas estruturais.

Os alunos da FAU-UFRJ já estavam habituados a esta forma e este foi um fator relevante também para a sua escolha. Estes alunos haviam estudado a superfície na disciplina geometria descritiva, por processos analógicos, intermediado pelas representações em épura, executadas com réguas e compassos, a lápis sobre folhas de papel. Alguns destes alunos estavam sequer habituados ao uso de softwares de modelagem tridimensional. Houve nesta ocasião uma primeira aproximação, tanto de professores como de alunos das questões relativas à modelagem digital com as representações analógicas.

O software utilizado majoritariamente em todas as atividades do workshop foi o Rhinoceros, ou Rhino. Esta escolha se deu por ele permitir flexibilidade e fluidez entre os ambientes 2D e 3D, e também por facilmente e rapidamente executar a modelagem tridimensional com base geométrica. A partir do modelo tridimensional do toro foi possível fazer alterações, sem que para isso houvesse a necessidade de um redesenho completo. Estas modificações eram também exibidas em tempo real na tela do computador, seja em planta, vistas ou perspectiva, se configurando como eficiente ferramenta de simulação e estudo da forma arquitetônica.

A aplicação de ferramentas digitais no workshop teve caráter prático, foi utilizada inicialmente para a simulação de três toros com diâmetros máximos respectivamente de 12, 24 e 36 metros em planta-baixa.

Três estudos iniciais para o toro
Desenhos William O’Brien Jr., John David Todd e Eric Chen

Para se chegar a esta representação gráfica, primeiramente um só toro foi modelado no Rhino. Em um processo simples de menos de um minuto informam-se alguns parâmetros, como os raios das circunferências relacionadas à geração da superfície, e a forma tridimensional se modelou. O toro foi replicado duas vezes e se alteraram alguns parâmetros dimensionais destas formas para que se configurassem como toros diferentes. Os três toros estavam então modelados tridimensionalmente na tela do computador, exibidos simulando a visão humana sobre a forma, ainda sem a inclusão de árvores, sombras e figura humana.

Sobre os três modelos tridimensionais em Rhino aplicou-se o comando make2D e instantaneamente o Rhino produziu as plantas e vistas dos três toros, destes desenhos digitais separaram-se as plantas. Este arquivo digital foi exportado para o software Adobe Illustrator, onde estas plantas foram dispostas lado a lado e introduziram-se árvores, sombra e figura humana. Ao fim deste processo chegou-se à imagem acima.

Em razão do espaço existente para montagem, economia de material e a reduzida mão de obra, optou-se por um toro de raio máximo (externo) de 14 metros, dimensão esta que se aproximou do menor toro dos estudos iniciais. O toro a ser construído seria então o expresso na figura 06. As ferramentas digitais utilizadas foram igualmente o Rhino e o Illustrator. Neste momento a modelagem digital tomou mais tempo ao incorporar outros elementos como os tubos cilíndricos para conexão de dois insufladores, assim como para se produzir o corte que aparece ao meio da figura abaixo.

Projeto final do toro
Desenhos William O’Brien Jr., John David Todd e Eric Chen

Na figura, toro em vista, observa-se a entrada elíptica que daria acesso a seu interior, em corte o outro acesso elíptico que levaria ao espaço existente junto à árvore. Estas portas seriam feitas em dois dos setenta e dois anéis em mylar, com os quais o toro seria confeccionado, e ficariam em lados opostos do toro: radialmente dispostas 180° uma da outra. O cálculo de vazão dos dois insufladores foi considerado, e por precaução, optou-se por um equipamento mais potente que o recomendado pelo fabricante para inflar o volume do toro. Para minimizar a perda de ar cortinas em mylar foram parcialmente fixadas na parte interna do toro, sobre os seus acessos foram desfraldadas, assim a pressão do ar saindo já empurraria a cortina sobre as aberturas vedando-as, quando alguém quisesse passar bastaria empurrar.

A árvore única acabou por se localizar no centro do toro, no momento da montagem. Essa posição remete ao eixo do toro geométrico. Outra característica geométrica almejada na modelagem do toro, e isto ainda no momento dos estudos iniciais da forma, foi a de dotar as circunferências que aparecem no corte do toro na figura 06 com raio próximo à altura de um adulto médio: 1,75 metros. Esta medida faria com que um adulto dentro do toro, ao caminhar pelo centro do túnel conformado pela estrutura inflável, mantivesse seus olhos no centro da circunferência exibida no corte.

A figura abaixo mostra a geração geométrica do toro pelo movimento da circunferência azul (denominada geratriz) cujo centro se desloca sobre a circunferência laranja (denominada diretriz), observamos a circunferência azul percorrendo a circunferência laranja com o plano da primeira sempre perpendicular à segunda. Observa-se ainda o eixo do toro em verde (local do caule da árvore), e nota-se um dos anéis conformadores da estrutura inflável do toro na cor prata.

Geração do toro [Imagem gerada no programa Rhinoceros]

Esta imagem, elaborada com o software Rhinoceros, proporcionou aos alunos de arquitetura um processo de geração da forma mais habitual por ser o estudado anteriormente em geometria descritiva; não obstante, o Rhinoceros ofereça, em seu menu, a geração do toro de maneira mais simplificada: apenas se informando os raios das circunferências diretriz e geratriz.

Os professores e os alunos presentes ao workshop já sabiam, também por geometria descritiva, identificar as superfícies de dupla curvatura. A escolha da construção do toro por um processo de planificação aproximada foi feita por um entendimento conjugado das propriedades geométricas da superfície e das do material plástico mylar, disponível para a construção.

Por observação notou-se que a curvatura da superfície tal como se expressa nas curvas azuis são mais acentuadas que a curvatura do toro que acompanha a curva laranja. Optou-se assim por confeccionar anéis que acompanhassem a curvatura mais acentuada. Assim, o mylar, impossibilitado de ser flexionado simultaneamente a ambas as curvaturas, se conformaria o mais próximo possível do toro geométrico: a outra curvatura mais suave, mesmo que impossibilitada pelas propriedades do material, que não admitia esticamento/compressão, teria sua inexatidão minimizada.

Adotar anéis estreitos também colaborou para minimizar as diferenças do toro construído para o toro ideal geométrico. No mercado havia rolos de mylar de várias larguras, os utilizados foram os de 1 metro, o que acabou sendo a largura máxima das peças dos anéis quando planificados. O toro contou em sua forma final com 72 anéis, que nas suas partes mais largas não excediam a 1 metro, cada um deles correspondente a um raio de 5° do toro, assim se completariam os 360°.

Planificação do anel do toro no Rhinoceros com o comando squish [Imagem gerada no programa Rhinoceros]

Quanto à planificação do toro bastou que esta se resolvesse em apenas um dos 72 anéis, foi feita primeiramente com o software Rhinoceros. Com o anel modelado digitalmente foi aplicado sobre ele o comando squish e a planificação imediatamente se fez. Embora seja uma planificação aproximada ela funcionou adequadamente na montagem do toro. O anel planificado, de comprimento onze metros e largura pouco menor que um metro, foi transferido para o programa Illustrator, e lá foi trabalhado digitalmente.

Parte do anel do toro planificado
Desenho William O’Brien Jr., John David Todd e Eric Chen

Acima observamos os dois primeiros metros da peça de onze metros que aparece planificada na figura 08. Podemos ver neste trecho da peça que a partir do seu eixo foram colocadas cotas com algumas medidas até a sua extremidade, havia a preocupação que não excedesse um metro de largura. O limite tracejado corresponde à peça planificada calculada pelo Rhinoceros, a este limite (com o comando offset) foi adicionada uma borda extra de pouco mais de dois centímetros, que corresponde ao limite de linha contínua. Esta borda era para que se fizesse uma sobreposição entre peças vizinhas na hora da colagem das mesmas, funcionaria também como margem de manobra para ajustes na colagem do toro na hora de sua montagem: absorvendo in loco pequenas diferenças.

O anel de onze metros foi plotado em quatro partes, cada uma destas partes coube em uma folha de papel sulfite medindo um por três metros. Estas quatro partes foram unidas e cortadas segundo a linha contínua impressa no papel, e obteve-se em sulfite um gabarito na escala 1:1. Desse sulfite fez-se manualmente outro gabarito de lâmina de PVC, mais resistente que o de papel. O gabarito de PVC foi usado para se riscar sobre o mylar, com caneta hidrocor, todas as 72 peças, em seguida partiu-se para o corte do mylar.

Mylar antes do corte, sob o gabarito branco de PVC [Acervo dos autores]

Anel (prateado) já cortado [Acervo dos autores]

Com todas as peças planificadas e cortadas iniciou-se a etapa de colagem com fita adesiva. As peças foram inicialmente coladas duas a duas, depois em grupos de quatro.

A fita adesiva utilizada na colagem foi também em mylar, com cinco centímetros de largura ela unia as peças vizinhas dos anéis com a devida sobreposição prevista na figura 09, a fita adesiva foi utilizada nos dois lados da união entre as peças e promoveu boa aderência entre as partes. Por serem de mesmo material, fita e anéis do toro fundiram-se visualmente.

O processo avançou até formar dois grupos de 36 peças coladas lateralmente, promoveu-se então a união das pontas extremas de cada um dos 36 anéis em cada meio toro, neste momento configuraram-se dois meio tubos desinflados de toro, houve a necessidade de se entrar nestes tubos murchos para aplicar a fita adesiva. Esta emenda das extremidades dos anéis individuais ficou prevista para ser localizada bem no ponto onde o toro inflado tocaria o chão.

Colagem na sua etapa final [Acervo dos autores]

Aplicação de fita adesiva nos tubos murchos [Acervo dos autores]

Em seguida, as duas partes de 36 peças foram deslocadas para a área externa e posicionadas sobre o gramado ao redor de uma árvore, lá foram unidas finalmente em 72 peças. Dois insufladores, conectados a dois tubos cilíndricos também confeccionados em mylar,  inflaram o toro.

Toro desinflado [Acervo dos autores]

Toro inflado [Acervo dos autores]

Habitar e vivenciar a forma arquitetônica

Durante os sete dias em que se manteve inflado o toro permaneceu aberto à visitação do público, membros ou não da comunidade acadêmica. Este público teve a experiência de usufruir de espaços de vivência múltiplos. Foi pedido a estes visitantes que retirassem os sapatos para entrar no toro, este pedido objetivou preservar o material plástico de possíveis furos de sapatos, pois bem: o toque com os pés nas texturas do plástico e da grama circundante acabou por se revelar um instrumento de aumento de intimidade dos visitantes com a estrutura inflável. No seu interior alguns visitantes passaram a se deitar, alguns alunos de arquitetura levaram seus cadernos de croquis e executaram alguns desenhos, enfim: a interação ocorreu de forma livre e variada.

Ambiências promovidas pelo toro inflado [Acervo dos autores]

Reflexão metalizada em dia claro [Acervo dos autores]

As variações de luz, no decorrer do dia, alteravam o aspecto aparente do material plástico. O aspecto ia da reflexão metalizada, como a de um espelho em dia claro, à semitransparência do material ao crepúsculo. Foi feita uma experiência noturna com o uso de imagens projetadas por datashow e som, ambos sincronizados, experiência esta que alterou as percepções de espaço e as sensações dos usuários do toro.

Semitransparência do material ao crepúsculo [Acervo dos autores]

Toro ao anoitecer e projeção de imagens [Acervo dos autores]

Desdobramentos em ensino de Arquitetura

Algumas situações vividas em workshop se mostram oportunas à discussão de tópicos relacionados ao ensino de Arquitetura. Logo no início da construção do toro, na etapa da planificação aproximada de suas partes, podemos explorar a experiência de materialização do objeto que se projeta em escala arquitetônica.

A materialidade oferecida pela construção da estrutura inflável foi inédita a muitos dos participantes, que eram alunos de cursos de graduação em Arquitetura. Em relatos pessoais, os alunos disseram estar acostumados a concretizar algo que projetavam em ambiente acadêmico somente em escala reduzida: o chamado modelo reduzido ou maquete. Diziam estar habituados a projetar e a representar a forma e não a construir e vivenciá-la.

É Mitchell (13) que expõe a dualidade existente entre o momento de concepção e representação da forma arquitetônica e o momento de sua construção. A partir desses momentos distintos ele define os conceitos de mundo projetual e mundo real. Sobre o primeiro preconiza que:

“Arquitetos costumam criar mundos projetuais de maneira implícita, por meio de sua escolha de instrumentos de desenho e mídias de representação. Uma prancheta acompanhada de instrumentos de tradicionais de desenho permite a criação de um mundo euclidiano povoado por dois tipos de símbolos - linhas e arcos – que podem variar em tamanho e posição e relacionar-se entre si como entidades paralelas, perpendiculares e assim por diante” (14).

O autor define o mundo real como o domínio da existência física do objeto arquitetônico, o mundo projetual se referiria ao mundo real sem dele fazer parte. Durante o workshop esta dualidade ficou evidente quando surgiu a necessidade de se planificar o toro e deparou-se com o fato desta ser uma superfície de dupla curvatura. Isto seria um fato complicador na planificação, planificação esta necessária para a sua construção, mas de maneira alguma seria um fator complicador em sua representação. Criou-se uma evidente tensão entre o mundo projetual que admitia um toro ideal e o mundo real que exigia um toro planificável.

As discussões na área de educação gráfica, em particular as relacionadas à geometria descritiva, acabaram por ser numerosas: dada a presença de número expressivo de professores desta disciplina. A seguir observamos a representação clássica utilizada em geometria descritiva para a forma de um toro circular (ver figura 16).

Figura 16: toro tal como é representado em épura, em geometria descritiva

Esta representação denomina-se épura e pode ser tarefa de árduo entendimento para os alunos de Arquitetura, principalmente se for vista restrita ao campo da matemática e sem referências a objetos concretos como objetos arquitetônicos. Podemos observar nesta épura que ela se orienta pelo mesmo princípio de projeções presentes em uma conjugação planta e vista do toro inflável objeto do workshop (ver figura 06).

Poderíamos presumir que ambas as representações oferecessem o mesmo grau de dificuldade de operação por parte dos futuros arquitetos: pois tecnicamente as codificações de ambas as representações seriam as mesmas. Observa-se, no entanto, que não se pode desprezar a abstração maior que possa ser exigida ao se operar no campo da geometria.

Esta contextualização da geometria à Arquitetura pode ser útil não só à representação da forma, ela contribui para o entendimento de operações realizadas sobre esta mesma forma, tais como: seções e interseções, adições e subtrações. Operações estas estudadas em geometria descritiva e aplicadas pelos arquitetos à forma arquitetônica.

Considerações finais

Concluímos que a experiência do workshop foi uma oportunidade de se explorar diversos saberes do campo da Arquitetura, em particular os relacionados à educação gráfica como modelagem digital e geometria descritiva. O caráter multidisciplinar do workshop foi notável, foram acolhidas colaborações de seus participantes com repertório de conhecimento oriundo de diversas áreas do saber. Outro fator em destaque foi a abrangência de suas atividades no campo da Arquitetura, o evento englobou: projeto, construção, inserção no meio e vivência.

Podemos dizer que o objetivo maior do workshop foi atingido ao promover em ambiente universitário situação propícia a se pensar, construir, viver e discutir a Arquitetura e seu ensino.

notas

NA – A atividade está ligada à pesquisa “A Educação do Olhar: apreensão dos atributos geométricos da forma dos lugares”.

1
Sobre o toro circular ver: RODRIGUES, Álvaro José. Geometria descritiva: projetividades, curvas e superfícies, 3. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico S. A., 1968, p. 99-106.

2
Sobre o grupo de pesquisa CODA <http://coda-office.com/about>.

3
ARCHDAILY (Ed.). BigO / CODA. 2013. Traduzido por Julia, Maria. Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/br/01-146252/bigo-coda>. Acesso em: 12 mai. 2015>.

4
CODA (Barcelona). TorÚs. 2013. Disponível em: <http://coda-office.com/work/Torus>. Acesso em: 07 jun. 2015.

5
Sobre a pesquisa estrutural da montagem ver: TORNABELL, Pep; SORIANO, Enrique; SASTRE, Ramon. Pliable structures with rigid couplings for parallel leaf-springs: Pliable timber torus pavilion. In: MARAS, 1., 2014, Ostende. Mobile and Rapidly Assembled Structures IV.  Wit Press, 2014. p. 1 - 12. Disponível em: <http://coda-office.com/content/01-research/20140604-Maras2015/PliableStructuresMaras2014.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2015.

6
CARPO, Mario. The alphabet and the algorithm. Cambridge: The Mit Press, 2011. 169 p.

7
Leon Battista Alberti (1404-1472), arquiteto e teórico da arte italiano.

8
CARPO, Mario. (Op cit.), p.71.

9
Gaspard Monge (1746-1818), matemático francês criador da geometria descritiva.

10
Andrea Palladio (1508-1580), arquiteto renascentista italiano.

11
Sobre este projeto ver: http://wojr.org/

12
Mylar é marca registrada de uma película de poliéster, possui as propriedades de isolamento térmico e de resistência térmica.

13
MITCHELL, William John. A lógica da arquitetura, 2. ed. Campinas: Unicamp, 2008. 303 p. Tradução de: Gabriela Celani.

14
Idem, ibidem, p.303.

sobre os autores

Raphael Marconi é arquiteto urbanista pela FAU-UFRJ (1992), mestre em urbanismo pelo PROURB-programa de pós graduação em urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – UFRJ (2003). Desde 2013 é Doutorando em arquitetura pelo PROARQ-Programa de Pós Graduação em Arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - UFRJ. É Professor da FAU-UFRJ onde atua em graduação na disciplina geometria descritiva.

Maria Angela Dias é arquiteta urbanista FAU-UFRJ (1972), mestre em Educação UFRJ (1983) e doutora em engenharia COPPE-UFRJ (2002). Professora do Programa de Pós Graduação em Arquitetura-PROARQ-FAU-UFRJ e de geometria descritiva da FAU-UFRJ. Orienta pesquisa de IC, mestrado e doutorado na área de concentração história e crítica, na linha de pesquisa ensino de arquitetura e urbanismo, com foco na análise e representação da forma.

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