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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Este trabalho pretende "trazer à luz" e analisar o projeto de uma residência e consultório médico datado de 1935, na cidade de Marília SP, obra de autoria do arquiteto Gregori Warchavchik, considerado o introdutor da arquitetura modernista no Brasil.

english
This paper intend to "bring to light" and analyze the residence and medical clinic dated in 1935, built in the town of Marilia SP, a work designed by the architect Gregori Warchavchik, considered introducer of the modernist architecture in Brazil.

español
Este trabajo tiene como objetivo " dar luz " a el diseño de una residencia y la oficina médica, construido en la ciudad de Marília SP, una obra escrita por el arquitecto Gregori Warchavchik, considerado el introductor de la arquitectura moderna en Brasil.


how to quote

GHIRARDELLO, Nilson; RAMOS, Alfredo Zaia. Gregori Warchavchik, Marília, 1935. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 194.01, Vitruvius, jul. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.194/6118>.

Esse trabalho traz à tona duas questões fundamentais: a "descoberta" de um projeto de Gregori Warchavchik, de 1935, e o melhor, um excelente projeto, que faz jus ao acervo de obras dos primeiros anos do arquiteto; e o pioneirismo na introdução da arquitetura modernista em uma cidade nova, situada fora do principal eixo econômico e cultural brasileiro, inaugurando a linguagem em Marília e, provavelmente, no centro-oeste e oeste paulista.

O "achado" ocorreu devido a uma proposta de mestrado acadêmico que visa estudar o início da arquitetura modernista em Marília; para tanto a pesquisa de campo principiou-se pelo arquivo do cadastro municipal, existente desde 1929. Contudo, a esperança de se achar um projeto moderno nas décadas de 1930 e 1940 eram reduzidas, em virtude de trabalhos que versam sobre a arquitetura na cidade apontarem o início da linguagem nos anos 1950.

No período que vai do final da década de 1920 a década de 1930, encontram-se arquivados uma grande quantidade de projetos para habitação em madeira, material abundante numa região de desbravamento, onde as matas eram postas abaixo para o plantio. Por sua vez, as edificações comerciais, todas em alvenaria, eram de linguagem eclética e neocolonial, sendo que com o transcorrer dos anos verificou-se um número crescente de projetos art-decó.

Na pasta referente ao ano de 1935, uma grande surpresa! Foi encontrado o projeto de uma residência, de autoria de Gregori Warchavchik, a ser edificada na principal avenida da cidade, ainda carente de infraestruturas urbanas simples, como iluminação e calçamento.

Marilia era uma jovem cidade, criada pela expansão cafeeira e estabelecida a partir de dois patrimônios iniciais: Alto Cafezal e Marília, um frente ao outro. Essa configuração segregada, em duas partes, se acentuou com a chegada da Paulista, em 1928, que estabeleceu a estação na fronteira entre os patrimônios. Posteriormente, por influência política do fazendeiro Bento de Abreu Sampaio Vidal, os mesmos são incorporados, somando-se a outros loteamentos existentes ao redor, criando-se o Município de Marília, em 1929.

Com a crise de 1929 o café passa a ser paulatinamente substituído pela cultura do algodão, que concorreu para o estabelecimento na cidade das maquinas de beneficiamento e indústrias ligadas a essa lavoura. A partir de então o desenvolvimento se deu apoiado neste produto que rapidamente atraiu investidores agrícolas, comerciantes e trabalhadores, aumentando a população e gerando possibilidades de novos investimentos (1). A industrialização precoce levou a cidade a crescer em ritmo acelerado, tornando-a centro de influência regional ao longo da década de 1930 e o quarto maior pólo industrial do estado (2).

Warchavichick e a década de 1930

Gregori Warchavchik chega ao Brasil em 1923, para trabalhar na Companhia Construtora de Santos e aí ficou até o ano de 1927 quando abre escritório próprio, naturaliza-se brasileiro e se casa com Mina Klabin (3). A sua fase inicial como arquiteto autônomo é a mais conhecida, discutida e também permeada de críticas, sendo que a principal contribuição do arquiteto, decorre do seu pioneirismo na introdução da linguagem moderna na obra inaugural, de 1927, primeiro projeto autoral em solo brasileiro, a sua residência da Rua Santa Cruz na Vila Mariana, em São Paulo.

Entre as diversas análises sobre esta obra, baseadas na sua intenção conceitual frente aos ideários modernistas, prevalecem as limitações, falseamentos construtivos, as contradições e falhas projetuais. Lira (4), indica que o fato que permanece em todas estas discussões, é seu legado icônico e emblemático, na tentativa de materialização de um projeto modernista pioneiro em solo brasileiro. Contudo, na Casa da Rua Santa Cruz, já se encontram as características construtivas, baseadas na composição espacial de planos e sobreposições (5), que irão permanecer nos futuros projetos de Warchavchik: linhas retas e limpas, janelas de canto, terraços e platibandas, que se tornaram elementos de identificação em boa parte das obras do arquiteto.

Essas experiências projetuais continuaram com uma série de residências, entre as quais a casa da Rua Itápolis, que o consagrou como principal nome da arquitetura nacional após a exposição da "Casa Modernista", em 1930. O evento foi envolto por ampla repercussão midiática, críticas e artigos impressos o que resultou em grande salto profissional para o arquiteto, e segundo Lira (6), “um divisor de águas no processo de inserção do profissional liberal no mercado local da arquitetura... capaz de seduzir inclusive a velha burguesia da terra”, isso o possibilitou partir para o mercado carioca ainda no ano de 1930.

No Rio de Janeiro, vários fatores contribuem para o apogeu da carreira de Warchavchik, como a sua passagem pela Escola Nacional de Belas Artes, a exposição modernista juntamente com Frank Lloyd Wright e sua sociedade com Lúcio Costa até final de 1933, havendo então, uma consolidação da importância do seu papel na introdução e na conceituação da arquitetura moderna no Brasil.

Após este intenso e produtivo período de trabalho que vai de 1927 a 1933, abordado por diversos autores, a produção e o papel inovador de Warchavchik entra em retração. Bruand (7), justifica primeiramente esta estagnação a sua “adesão incondicional a princípios, como a arquitetura austera inteiramente baseada em soluções técnicas...o que podia passados os primeiros instantes, cair no desagrado, dado a sua aplicação estrita” (8) e em um segundo momento a diminuição da clientela particular e falta de apoio do poder público devido à crise econômica causada pela revolução de 1932.

Com base no raciocínio de Bruand sobre o declínio do arquiteto nos anos seguintes, podemos também considerar o forte caráter ideológico de como Warchavchik entendia a arquitetura mantida com convicção desde seu primeiro manifesto escrito em 1925 – “Acerca da Arquitetura Moderna”, como ode à industrialização e a estandardização. Tais ideais permaneceram por anos depois, como podemos verificar no catálogo de suas obras expostas no MASP, em 1971, onde Pietro Maria Bardi, transcreve conversa com o arquiteto que mantém seu discurso racionalista, porém, adaptado aos novos tempos:

O que eu prediquei na ocasião (do manifesto de 1925), agora deve ser posto em relação ao tempo; porque hoje existem outros materiais, outras possibilidades. Na ocasião tinha tijolo e concreto. Hoje existem metais, estruturas de alumínio, estruturas de materiais que não surgiram ainda e vão surgir. Êsses novos materiais dão possibilidades para se fazerem casas desmontáveis, casas rápidas (9).

Também sobre o fim do protagonismo de Warchavchik na arquitetura moderna, pós revolução de 1930, Segawa (10), aponta uma maior politização do modernismo brasileiro e o uso desta arquitetura pelo Estado no decorrer da década, alterando os planos particulares do arquiteto e gerando um período de ocaso profissional.

Sobre este período, Lira (11) aponta a ausência do arquiteto no cenário da arquitetura moderna devido aos negócios familiares:

Uma vez dissolvida a sociedade com Lucio Costa e concluídas as obras cariocas, a carreira de Warchavchik praticamente se estagnou. E quando entre 1937 e 1939 o arquiteto começou a ensaiar um retorno à atividade...o solo social de intervenção profissional havia em grande parte sido preenchido pelas demandas colocadas pelo patrimônio imobiliário da família. (12)

De certa maneira e mesmo que de forma pontual, contrariando a "estagnação" produtiva de sua carreira, é proposto em 1935 o projeto da Avenida Sampaio Vidal, em Marília, até então fora da sua historiografia e até mesmo de seu catálogo de projetos, como indica Invanomoto (13): “Ao que consta, o arquiteto ficaria longe das pranchetas – e dos jornais – pela segunda metade da década de 1930, chegando a não assinar nenhum projeto entre 1935 e 1937. ”

Desconhecida entre os seus trabalhos do período de reclusão, a casa mariliense é carregada de elementos vitais do modernismo de Warchavchik, que já haviam aparecido em suas obras anteriores, o que contrasta com o considerado “irrelevante” e até mesmo “inexistente” trabalho deste período. Lira cita:

“No estudo sobre a arquitetura residencial no Jardim América em São Paulo, a pesquisadora Silvia Wolff identificou nove projetos de autoria de Gregori Warchavchik, dois dos quais ainda de 1935, um de 1937 e demais posteriores a 1939. Mesmo que bastante diferentes uns dos outros, em linhas gerais traduziam uma arquitetura mais “clara e limpa” que a dos outros arquitetos atuantes no bairro no mesmo período, ainda que plenas de atitudes de “conciliação e concessão” com seus amplos beirais aparentes, pisos cerâmicos, muros de tijolos, painéis de azulejos lisos, e até soluções indiscutivelmente ecléticas” (14)

Como iremos perceber adiante, fica evidente que as “concessões” apontadas nas obras dos anos 1930 no Jardim América, não prevalecem no projeto de Marília, ao contrário, permanece de forma clara e marcante, o vigor e a identidade pioneira dos elementos plásticos utilizados por Warchavchik, podendo-se dizer que se trata de uma obra "chave" em sua historiografia devido a pureza e o rigor modernista.

A residência da av. Sampaio Vidal

Em 1931 se estabelece em Marília, o médico baiano Dr. Aristóteles Ananias Maurício Garcia (1899-?), formado na Faculdade de Medicina da Bahia, no ano de 1921 (15); antes de fixar residência na cidade residiu em Salto Grande, Bernardino de Campos, São Paulo e Campos Novos.

Dr. Aristóteles além de médico ginecologista teve importante influência política, fato que posteriormente, entre os anos de 1938 e 1939, o levou a se tornar prefeito do município. Sua atuação política, relevo social e cultural deve ser levado em consideração como elemento facilitador para a sua aproximação com Gregori Warchavchik, contudo, até o momento não ha maiores dados a respeito.

Recém-chegado, Aristóteles Garcia, se filiou como membro do Conselho Consultivo Municipal que após a Revolução de 1930 e com a nova Constituição Federal de 1934, realizou eleições municipais, onde João Neves Camargo, do partido Constitucionalista, assume como prefeito municipal. Nesta nova câmara de vereadores, o Dr. Aristóteles Garcia situa-se entre os opositores, filiado ao Partido Republicano Paulista – PRP (16).

É neste contexto que no dia 25 de outubro de 1935 é aprovado o projeto de sua residência e consultório médico, localizados na quadra 7 da Avenida Sampaio Vidal, lote número 17 e parte do 18. No projeto constam as assinaturas do proprietário, do arquiteto Gregori Warchavchik e do construtor Francisco Joaquim Ribeiro.

Os lotes escolhidos para a edificação formavam uma área de 420 metros quadrados, configurados em um terreno de 14 metros de frente para a Avenida Sampaio Vidal, por 30 metros de profundidade, o que perfazia uma testada maior que a maioria dos lotes padrão da cidade, talvez no sentido de facilitar um duplo acesso, devido as duas funções da edificação.

A Avenida Sampaio Vidal, que leva o nome do fundador da cidade, foi criada entre os dois patrimônios pioneiros, devido ao seu porte e localização estratégica, ainda hoje é a mais importante via central de Marília, nesse momento estava em fase de consolidação recebendo construções de uso comercial e de serviços, e também, como era bastante comum no período obras de uso misto onde o proprietário e sua família viviam sobre ou aos fundos do estabelecimento.

A construção teria como vizinhos, um terreno vazio à esquerda, onde seria edificado uma residência somente em 1942 e do outro lado já na esquina com a Rua Maranhão, um armazém de produtos gerais. Na frente, atravessando a avenida, em 1939 seria construído o edifício comercial Ouro Verde, de 7 pavimentos, considerado o primeiro “arranha céu” da cidade, como descrito em diversos jornais e anúncios de propaganda da época.

Para responder ao uso misto Warchavchik setorizou funcionalmente a construção em duas partes: a moradia deveria ficar mais ao fundo (com sua edícula) no térreo e primeiro pavimento e o consultório a frente, apenas no térreo, porém, ligado a área residencial. Ocorre que essa disposição se deu de forma muito diferente do convencional, onde o setor de serviços tomava toda a fachada deixando a casa ao fundo.  O lote, um pouco mais largo que os de tamanho padrão, permitiu uma implantação com visualização e permeabilidade do conjunto: área do consultório, de moradia e aos fundos a edícula.

Eram duas entradas independentes, a da residência situada a esquerda e a que se dirigia ao consultório, a direita, a partir de uma circulação externa. Esta parte da edificação voltada ao serviço profissional, tinha seu volume bem incorporado ao restante, sendo elemento de destaque na elevação frontal do projeto. O tratamento do consultório é o mesmo da residência e dessa maneira formava-se um conjunto único sem que o clinica parecesse um anexo ou apêndice da moradia. Como propugnado por Louis Sullivan e pelos arquitetos racionalistas, a forma deveria seguir a função, nesse caso o uso misto se manifestava pelos volumes, com independência funcional, mas ambos, ao mesmo tempo, faziam parte de um só organismo. A estética seria resultado dos aspectos práticos.

"Não se trata, para Warchavchik, de considerar o fator estético como irrelevante, mas de entender, dentro da visão simplista e ingênua do funcionalismo, que o arquiteto não deve ficar especialmente preocupado com o valor expressivo do edifício, pois a beleza resultaria automaticamente da resolução lógica dos aspectos mais práticos. Assim, preocupar-se basicamente com os problemas lógicos e pragmáticos do projeto não é, para ele, deixar a resolução estética de lado, mas um modo de atingi-la, e com mais coerência do que se preocupando com ela em primeiro lugar" (17).

Plasticamente a edificação principal era composta por dois volumes principais: o do consultório e o da residência com dois pavimentos, somado a dois planos laterais, constituídos pela passagem coberta de automóveis. Ao fundo, como na maioria das obras do arquiteto, havia o volume independente da edícula. A passagem coberta de veículos, que ao mesmo tempo servia de acesso principal a residência, frequentemente utilizada por Warchavchik em seus projetos, apresentava uma inovação importante, particularmente em relação a da Casa da Rua Itápolis (1930), que era o fato de possuir apoio estrutural livre do limite do terreno. O elemento propositalmente destacado do muro de divisa, criava maior expressividade para esses planos e possibilitava o aproveitamento da sua volta como uma jardineira. Com tal expediente, sabiamente, Warchavchik soltava o conjunto tornando-o independente do que pudesse vir a ser construído ao lado e deixando-o facilmente legível. Na Casa da Rua Itápolis o plano de apoio era parte do muro, reduzindo, sensivelmente, a sua integridade plástica.

As técnicas construtivas empregadas na residência em Marília, não se diferenciavam muito daquelas utilizadas em suas obras mais conhecidas: alvenaria em tijolos cerâmicos; lajes planas de cerâmica e concreto;  caixilhos metálicos de desenho simplificado; janelas de metal com persianas de madeira de enrolar para os quartos, edificação assentada no solo, sem porões; paredes lisas e uniformes pintadas de branco; pés direitos mais baixos que os usuais a época; portas de folha única, sem bandeira implantadas nos cantos otimizando os espaços, portas metálicas de correr e a solução de platibanda, com o intuito de esconder o telhado de telhas de barro. O telhado, em particular, é uma característica que os críticos não cessaram de frisar como discrepante ao discurso e textos de Warchavchik, que se baseavam nos conceitos da arquitetura racionalista onde a laje plana deveria ser a única cobertura, sendo que nas obras executadas pelo arquiteto o telhado de barro era parcialmente dissimulado por platibandas, “assinalando as ambiguidades do arquiteto...como a incompreensão do público, o alto custo dos processos e materiais industrializados e a inexistência de mão de obra especializada”(18).

Frequentemente o arquiteto evitou lajes planas sobre as áreas internas da edificação; aparecem em sua residência, na da Rua Bahia (1930) e na Casa Modernista do Rio (1931); provavelmente como forma de evitar infiltrações nos ambientes, deixando as mesmas para setores de passagem e acesso. Contudo, na casa de Marília, sobre todo o consultório médico é disposta apenas a laje plana. Se o arquiteto habitualmente apontava as dificuldades técnicas na realização dos seus projetos paulistanos, deve ser motivo de assombro tal diretriz projetual ser determinada para uma obra erguida em uma cidade onde as experiências construtivas e a mão de obra deveriam ser mais precárias ainda.

Outra característica também trazida de suas obras anteriores foram as janelas de desenho horizontal, com vergas na mesma altura das portas, também mais baixas. Destaque para o vitro inferior no living-room e a janela superior em um dos dormitórios do primeiro pavimento, situadas uma sobre a outra e projetadas em canto em um lado da fachada. Analisando-se detidamente as plantas baixas do projeto, verifica-se que tais aberturas deveriam ser executadas sem apoio, porém, nas elevações fica claro que as mesmas receberiam, no canto, um suporte, talvez um elemento estrutural do próprio caixilho. Na única fotografia da residência, obtida até o momento, constata-se que as aberturas em canto foram executadas com apoio em concreto, utilizando-se na quina uma reentrância como forma de manter o plano do caixilho distinguindo-o das paredes, mesma situação encontrada na Casa da Rua Itápolis.

A elevação principal, bem como as demais, revelava a quebra da simetria e a eliminação completa da ornamentação, considerada há muito "um crime", por Adolf Loos. Nesse aspecto o projeto é bastante puro à linguagem inicial do arquiteto e não faz qualquer tipo de concessão, algo a se supor em um meio, hipoteticamente, pouco favorável a experimentalismos. Até mesmo o gradil e portão são menos decorativos, sem resvalar para uma aproximação com a linguagem art déco, como os gradis e portões da Rua Santa Cruz e Itápolis.

Apenas os jogos de planos, volumes, e as aberturas organizavam a composição plástica da obra. Em tese (e nem sempre na realidade), deveria resultar em um projeto simples e barato, atendendo uma das diretrizes de seu manifesto "Acerca da arquitetura moderna":

"Construir uma casa a mais cômoda e barata possível, eis o que deve preocupar o arquiteto construtor da nossa época de pequeno capitalismo, onde a questão de economia predomina sobre todas as mais. A beleza da fachada tem que resultar da funcionalidade do plano da disposição interior, como a forma da máquina é determinada pelo mecanismo que é a sua alma" (19).

No projeto apareciam duas pérgulas, uma delas de modelo já utilizado por Warchavchik em outros projetos, como na Casa da Rua Itápolis, ao fundo na saída da sala de jantar, anexa a edificação e outra independente; elemento novo nas propostas do arquiteto e que surge pela primeira vez nesse exemplar. Era revestida de um alto grau de importância e de visibilidade, pois, situada na área frontal da edificação, no primeiro piso, junto a via. Fator a ser considerado é a utilização, pelo arquiteto, da pérgula como elemento de amarração entre o volume alto do sobrado e o consultório no térreo. Devido a sua forma estreita e alongada este setor corria o perigo de ficar "solto" do todo, sendo que a pérgula lhe dá corpo e o integra ao conjunto. Realmente, após o plantio de uma primavera (como vemos na fotografia da década de 1970) a pérgula preenche o espaço e se torna um "volume" importante da obra.

A organização dos espaços internos da área residencial mariliense guardava muitas semelhanças com os da Rua Itápolis, considerando-se que agregava o consultório médico. A planta do pavimento térreo da casa de Marilia era desenvolvida a partir dos ambientes do consultório, com acesso independente situado no alinhamento da calçada. Neste encontramos sala de espera, sala para aparelhos e a sala de consultas do médico, que recebiam boa quantidade de luz e ventilação natural a partir de grandes caixilhos metálicos, dado fundamental em espaços voltados aos cuidados com a saúde. Este setor era ligado através da sala do médico ao living-room da residência, tal passagem possuía inclusive um hall, como forma de manter a área de moradia mais preservada.

A entrada social da residência, situava-se a esquerda do lote, mais ao fundo, sob a laje de cobertura da passagem de veículos. Um hall conduzia a escada do primeiro pavimento, ao living e através do toillete, a copa. Diferentemente da Casa da Rua Itápolis, que possui acesso a copa independente, aqui o lavabo foi dividido em sanitário e lavatório como forma de propiciar a passagem por este último ambiente. Tal distribuição tornava muito fácil e rápido o acesso aos setores da habitação, zoneando-os em: serviço, social e de dormir. Característica marcante na distribuição do programa de necessidades estava o descarte de áreas de circulação, consideradas um desperdício, os corredores desaparecem por completo substituídos por hall's.

O amplo living-room em "L" contava com total interligação física e funcional com a sala de jantar. Esta possuía uma larga abertura visual externa através de uma porta de correr em ferro e daí ao terraço, semi-sombreado por uma pérgola, funcionando como extensão do ambiente interno. Havia ainda a previsão de um grande armário/aparador junto a parede de divisa o que confere integração ainda maior aos ambientes, em tudo semelhante aos Casa da Rua Itápolis.

No fundo do lote, ainda no pavimento térreo, a edícula com garagem coberta, quarto, banheiro e lavanderia, foi projetada na mesma linguagem e como extensão da zona de serviços da residência. A profundidade menor do terreno, em relação aos exemplares paulistanos, aproximou a edícula do volume da moradia, fazendo com que esta tivesse maior presença no contexto geral. Note-se o cuidado do arquiteto em alinhar a edícula com a copa e assim "salvar" o visual da sala de jantar, talvez devido ao preconceito trazido por espaços de serviço como esse. Digno de relevo pelo seu caráter pitoresco, foi a previsão de um galinheiro ao lado da garagem, a única condescendência "interiorana" do arquiteto, algo jamais especificado por Warchavchik em suas obras.

No primeiro pavimento, o destaque se dava com o aproveitamento da laje superior do consultório médico. Um grande terraço com acesso por dois dos quartos em uma posição privilegiada para a Avenida Sampaio Vidal. Contudo, o elemento marcante neste espaço era a grande pérgola em argamassa armada que cobria parte do terraço, formando um espaço de permanência, posteriormente sombreado por uma trepadeira. Tal área de estar elevada seria muito agradável em uma cidade de clima quente, permitindo a visualização do movimento na avenida e todos os eventos, desfiles e carnavais que por ali passaram.

No desenho, ainda, havia previsão de ingresso para a laje que cobre o acesso a garagem, a partir do banheiro social, algo que não sabemos se foi executado na construção, muito embora, o parapeito sobre a laje era da mesma altura daquele da laje frontal, possibilitando, portanto, o uso com segurança.

O projeto, certamente, era resultado de outras experiências arquitetônicas acumuladas no início da carreira de Warchavchik como profissional liberal, particularmente, aquelas advindas da Casa da Rua Itápolis, contudo, de forma admirável a casa do Dr. Aristóteles parece menos propensa a concessões estéticas e formais, algo surpreendente em virtude do local da obra. Seja no rigor estético, seja na definição construtiva a casa mariliense vem a se somar, de maneira esplendida, ao melhor da produção do arquiteto. Inclusive, contrasta com as propostas para o Jardim América, do mesmo período, que fazem "conciliações e concessões" a um gosto mais tradicional. O proprietário parece ter sido um cliente muito aberto as propostas do arquiteto. É sedutor imaginar que tenha visitado a exposição pública da Casa da Rua Itápolis e se encantado por ela, pois, antes de fixar residência em Marilia, Dr. Aristóteles residiu em São Paulo. Contudo, essas são apenas conjecturas e no momento, não há como irmos além delas.

Após inaugurada, a casa passou a ser parte do cenário da avenida, pelo que foi pesquisado nos jornais da época não chegou a provocar qualquer reação de espanto, positiva ou negativa, apenas a absoluta indiferença. A ausência de comentários sobre a obra é um aspecto muito intrigante, devido ao ambiente de rarefeito acesso as vanguardas artísticas e nada habituado as inovações. Talvez a confundissem com algum exemplar da arquitetura art déco, ou achassem que se tratava de mera excentricidade "futurista" de um médico forasteiro.

Até o momento não sabemos se a casa possuía algum tipo de mobiliário de design moderno, os poucos familiares encontrados, que não residem mais na cidade, nada informaram nesse sentido.

A residência parece nunca ter sofrido alteração visível em suas fachadas, conforme nos mostra a foto dos anos 1970 aqui apresentada, ninguém jamais se atentou que o projeto era de autoria de um mestre; os profissionais da área e os trabalhos acadêmicos não se deram conta do fato.

A moradia do Dr. Aristóteles Garcia, ficou 40 anos edificada na Avenida Sampaio Vidal. Em 1974, dois anos após o falecimento de Warchavchik, a Caixa Econômica Federal adquiriu o imóvel e iniciou o processo de demolição, conforme protocolo da Prefeitura Municipal de Marília de número 6016, de 1975. No jornal do Comércio de Marília em setembro de 1975, já se noticiava as especulações envolvendo a futura obra do banco federal:

“a Caixa Econômica Federal vai construir prédio próprio em Marília em área já adquirida na Avenida Sampaio Vidal (…). O terreno obtido pela Caixa Econômica Federal situa-se defronte ao Edifício Ouro Verde, onde há a casa em que residia o Dr. Aristóteles Garcia” (20).

Uma nova nota de jornal, sobre o início da demolição da residência, aparece no mês seguinte do mesmo ano, mas em nenhum momento foi apontado o nome do arquiteto Gregori Warchavchik como autor do projeto e qualquer solicitação ou vontade, do poder público e da sociedade na preservação da antiga residência do Dr. Aristóteles.

“Um novo prédio começou a ser demolido na Avenida Sampaio Vidal, defronte ao Edifício Ouro Verde, para dar lugar a Edificação que abrigará a agência local da Caixa Econômica Federal” (21).

Sua demolição como se viu foi absolutamente pacifica, e mais, desejada. A nova agencia da Caixa Econômica Federal foi rapidamente concluída, materializada por um projeto de linguagem brutalista, em concreto aparente, muito usual para as agências do banco naquele momento.

Nos anos seguintes o esquecimento se consolidou, com a total ausência de referência à casa do Dr. Aristóteles ou sobre a existência de uma obra do pioneiro arquiteto modernista na cidade de Marília.

Conclusões

Pelo exposto fica evidente a contribuição que este projeto representa para a historiografia da arquitetura modernista brasileira e deve ser somado ao acervo de obras do arquiteto Gregori Warchavchik. Mostra, ainda, que nos meados da década de 1930 Gregori Warchavchik produziu ao menos um trabalho com grande qualidade, dentro de seus rigorosos ideais iniciais.

Edificada em uma região do estado de São Paulo ainda em consolidação e longe dos centros culturais e econômicos nacionais, ela se torna exclusiva e pioneira no universo interiorano e revela, de maneira isolada e precoce, a introdução da arquitetura modernista na cidade de Marília e provavelmente em todo centro-oeste e oeste paulista.

Há aspectos ainda a serem estudados para melhor avaliarmos o contexto, entre eles como se deu a escolha do arquiteto? A influência política de Aristóteles Garcia esteve relacionada a aproximação com Warchavchik? Qual era o lastro cultural no campo das artes e arquitetura do proprietário?

Necessário, ainda, verificar mais detidamente, as influências da residência da Rua Itápolis na obra de Marília, pois ambas guardam muitos pontos em comum que não tem como serem discutidos em maior profundidade nesse espaço, entre os quais uma possível ideia de estandardização. Segundo Lira (22) foram inovações projetuais surgidas a partir deste projeto paulistano, que podem ser comparadas as casas standard de Walter Gropius, na Bauhaus, onde está presente uma “preocupação com a variabilidade espacial das unidades básicas como atributo indispensável à arquitetura”.

Por fim, ficam lançadas as bases para inúmeros outros trabalhos.

notas

1
LARA, Paulo Correa de. Marília, sua terra, sua gente. s/l.:Editora Iguatemy Comunicaçoes LTDA, 1991, p.120.

2
MOURÃO, Paulo F. C.. A Industrialização do Oeste Paulista: O caso de Marília. Dissertação de Mestrado. Presidente Prudente, Universidade Estadual Paulista, 1994.

3
LIRA, José Tavares Correia de. Warchavchik: Fraturas da vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011.

4
LIRA, José Tavares Correia de. Ruptura e construção: Gregori Warchavchik, 1917-1927. Novos Estudos CEBRAP (versão on-line). São Paulo, Julho de 2007.

5
Segundo Lira “O tema visual introduzido pelos jogos de sobreposição e ambiguidades espaciais, também caros ao retorno à ordem contemporânea” e compara estas características a Adolf Loos, Casa Muller, Praga, 1928-30 e Le Corbusier, Paris, 1928.

6
LIRA, José Tavares Correia de. Warchavchik: Fraturas da vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011.

7
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 2008.

8
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 2008, p. 71.

9
WARCHAVCHIK apud BARDI in: MUSEU de Arte de São Paulo. Warchavchik e as origens da arquitetura moderna no Brasil. São Paulo, Gráficos Brunner, 1971.

10
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 2014.

11
LIRA, José Tavares Correia de. Warchavchik: Fraturas da vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011.

12
LIRA, José Tavares Correia de. Warchavchik: Fraturas da vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011, p.328.

13
INVAMOTO, Denise. Futuro Pretérito: Historiografia e Preservação na obra de Gregori Warchavchik. Dissertação de mestrado. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2012, p.31.

14
LIRA, José Tavares Correia de. Warchavchik: Fraturas da vanguarda. São Paulo, Cosac Naify, 2011, p.329.

15
LARA, Paulo Correa de. Marília, sua terra, sua gente. s/l.:Editora Iguatemy Comunicaçoes LTDA, 1991.

16

LARA, Paulo Correa de. Marília, sua terra, sua gente. s/l.:Editora Iguatemy Comunicaçoes LTDA, 1991.

17
FIORE, Renato Holmer. Warchavchik e o manifesto de 1925. Arqtexto 2, 2002.

18
LIRA, José Tavares Correia de. Warchavchik: Fraturas da vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2011, p.149.

19
XAVIER, Alberto. Arquitetura Moderna Brasileira: Depoimento de uma Geração. São Paulo, ABEA/FVA/PINI, 1987.

20
MARÍLIA, Jornal do Comércio. Caixa projeta edifício que pode abrigar hotel de luxo. Marília, 10 set 1975.

21
MARÍLIA, Jornal do Comércio. CEF iniciou demolição para ter cede própria em Marília. Marília, 20 out 1975.

22
LIRA, José Tavares Correia de. Ruptura e construção: Gregori Warchavchik, 1917-1927. Novos Estudos CEBRAP (versão on-line). São Paulo, Julho de 2007.

sobre os autores

Nilson Ghirardello é professor Assistente Doutor (Nível II), do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo e do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, UNESP-Campus de Bauru.

Alfredo Zaia Nogueira Ramos é mestrando em Teoria, História e Projeto, pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Unesp-Bauru; graduado pela Universidade Estadual de Londrina e atualmente professor substituto das disciplinas de Projeto II e Projeto IV, na Faculdade de Arquitetura, FCT-Unesp-Presidente Prudente e Teoria e História do Urbanismo da Faculdade de Arquitetura Toledo em Presidente Prudente.

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