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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Este artigo revisita abordagens que investigam a computação digital por meio da interação e da espacialização da comunicação, a fim de formular o conceito de Ambiente Interativo: sistema composto por espaço, computadores e pessoas interagindo mutuamente.

english
This paper review approaches which investigate digital computing through interaction and spatialised communication in order to formulate the concept of Interactive Environment: system composed of space, computers and people interacting mutually.

español
El artículo revisa la investigación de la computación digital a través de interacción y espacialización de la comunicación con el fin de formular concepto de Ambiente Interactivo: sistema compuesto de espacio, equipos y personas que interactúan entre sí.


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ALMEIDA, Marcela Alves de. Ambientes interativos: o paradigma da interação e a espacialização da comunicação. {XE "11.1 Ambiente interativo}. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 194.02, Vitruvius, jul. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.194/6119>.

A espacialização da comunicação

As primeiras discussões sobre espacialização da comunicação se confundem com as primeiras experiências em realidade virtual e realidade aumentada, especialmente a partir da década de 1960, quando Ivan Sutherland desenvolveu o primeiro sistema head-mounted display (HMD). Apesar de ter sido cunhada por Jaron Lanier, em 1988 (1), a expressão “realidade virtual” (RV) já vinha sendo fomentada por experimentos desde a década de 1950, como o Sensorama, que “não era interativo, mas conseguia mobilizar quatro ou cinco sentidos” (2). A expressão

"descreve a simulação da realidade por um modelo tridimensional, pelo rastreamento do posicionamento e por técnicas de áudio/vídeo estéreos, em que o usuário é circundado por um ambiente realístico gerado computacionalmente, em vez de ter a tela do computador como interface. “RV” se refere ao sistema imersivo e sua experiência, enquanto “mundos virtuais” ou “ambientes virtuais” referem-se aos gráficos gerados por computador, vídeo e som experimentados no sistema. No atual sentido amplo, os sistemas de RV variam desde simulações tridimensionais simples exibidas em monitores de computadores pessoais, em que o usuário controla o movimento através do mouse, teclado ou outro dispositivo conectado, como joystick ou game pad, até sistemas imersivos muito sofisticados que oferecem ao usuário a ilusão de estar dentro do mundo virtual" (3).

A RV oblitera o espaço real, substituindo-o pelas simulações, as quais podem ser baseadas no mundo real ou em mundos fictícios. Para Stephen Wilson (4), a RV está relacionada diretamente com a experiência de imersão por meio de projeções estereoscópicas nas superfícies e de espacialização do som. O potencial de comunicação com o computador é ampliado pelas interfaces que se expandem para além do mouse e do teclado, como sensores de posicionamento e de inclinação e luvas que permitem que o sistema leia os gestos do usuário. Esses dispositivos possibilitam uma relação direta entre a presença espacialmente localizada do usuário e as projeções e os sons do ambiente simulado. São altamente navegáveis com a utilização de metáforas e analogias do espaço real.

As diferenças entre realidade virtual e realidade aumentada (RA) muitas vezes não aparecem claramente, mas a distinção fundamental está em negar (realidade virtual) ou não (realidade aumentada) o mundo real. A realidade aumentada acrescenta ao espaço real mais camadas de informação — a realidade é mediada, ampliada ou modificada computacionalmente. Os sistemas computadorizados adicionados ao ambiente podem oferecer, por exemplo, um feedback tátil (com vibrações), visual (com imagens) e sonoro que se mistura à realidade.

Janet Cardiff utiliza tecnologia relativamente simples para conformar uma realidade aumentada no ambiente Forty Part Motet (2001) que consiste em uma instalação sonora em 40 canais, com duração de 14’7”, cantada pelo coro da catedral de Salisbury (5). Ao visitar o espaço, é possível se aproximar das caixas e escolher qual voz escutar, ou permanecer no centro da sala ouvindo o conjunto do coro. Normalmente, quando escutamos um coro, permanecemos sentados na plateia. Na instalação, o espectador pode percorrer o espaço, escolhendo como se relacionar com as vozes e experimentando também diferentes espacialidades criadas pelo som. Ela declara: “estou interessada em como o som pode construir o espaço fisicamente de modo escultural e como o usuário pode escolher um caminho por meio desse espaço físico ainda que virtual” (6). A artista consegue extrair da tecnologia o que lhe é próprio, agregando valor à experiência (7).

Forty Part Motet, Janet Cardiff. Inhotim, Brumadinho
Foto Pedro Motta


Artistas têm explorado a RV desde seu surgimento, entretanto menos interessados na representação fiel da realidade e mais na busca de novas experiências estéticas e na investigação da cultura tecnológica. Myron Krueger, um dos precursores da arte digital, começou a pesquisar meios mais interessantes de interação entre humano-máquina, que até então ele julgava limitada. O resultado culminou no conceito de responsive environment: “em que o computador percebe as ações de quem entra e responde de forma inteligente por meio  de complexos displays visuais e sonoros” (8) ; e, mais que isso, se constitui “como base para um novo meio estético baseado na interação em tempo real entre os humanos e as máquinas” (9).

Seus experimentos, como Glowflow (1969), Metaplay (1970), Psychic Space (1971) e Maze (197?), (10) não se caracterizam como ambientes de RV, mas como ambientes de RA, já que o real não é substituído por simulações. Em Glowflow, o computador lê a presença do espectador e responde à presença modificando a iluminação e o som do ambientes. Metaplay é uma obra precursora dos ambientes interativos baseados em vídeos em tempo real, comunicação digital remota e grafite digital.

Em Psychic Space, os participantes são estimulados a explorar o ambiente, onde o piso sensível aos passos responde automaticamente com sons eletrônicos. Maze também explora o posicionamento do espectador, estabelecendo uma correspondência entre sua posição na sala e a projeção de um labirinto na parede. Na imagem, o espectador é representado por um diamante que se move conforme o visitante se movimenta no espaço. A interface não permite que o espectador saia do labirinto por meio da solução do problema e da finalização do jogo, pois sempre que ele está próximo do objetivo o labirinto se modifica.

Os experimentos em espacialização da tecnologia, que se ampliaram na medida em que os computadores pessoais se tornaram objetos do cotidiano, estão diretamente relacionados ao conceito de ubiquitous computing (11), formulado por Mark Weiser, em 1991. Weiser declara que “as tecnologias mais profundas são aquelas que desaparecem. Elas se tecem na trama do cotidiano a ponto de não se distinguirem mais dele” (12). Weiser apresenta a escrita como, talvez, a primeira tecnologia da informação e diz que sua capacidade de representar simbolicamente a linguagem falada fez com que ela se tornasse ubíqua, presente em todas as coisas do cotidiano, como sinais de trânsito e produtos, e não somente em livros, revistas e jornais. Ele acrescenta que essa presença constante “não requer atenção ativa, e a informação a ser transmitida está pronta para ser lida em um piscar de olhos” (13). Como no exemplo da escrita, a computação ubíqua visa a integrar os computadores ao ambiente, fazendo-os desaparecer, tornando-os invisíveis. O desaparecimento pode ocorrer fisicamente, quando as tecnologias estão escondidas em redes sem fio e ondas eletromagnéticas, ou mentalmente, quando a interface deixa de ser o foco da interação, possibilitando que a atenção do usuário esteja na comunicação.

Esses sistemas avançam no modo como os computadores respondem às ações das pessoas, expandindo a interface para além dos limites do mouse e do teclado, ao utilizar, por exemplo, sensores de posicionamento e de direção para correlacionar a posição espacial do usuário à imagem e ao som. Independentemente de representar o mundo real (RV) ou gerar o hiper-real, o que parece essencial para Weiser e seus colegas da Xerox Palo Alto Research Center é o fato de que ambas  (computação ubíqua e a realidade virtual) são baseadas na representação e não estão no espaço real — eles utilizam a expressão embodied virtuality para caracterizar a imbricação do conceito de computação ubíqua com o espaço, aproximando-se do conceito de realidade aumentada.

Para a computação ubíqua, é crucial que os computadores saibam onde estão, para que possam adaptar seu comportamento, e que seus tamanhos sejam diferentes em função do uso que lhes é atribuído. É necessário também que eles saibam interpretar o usuário, sua localização, seus movimentos, etc., condição essencial para o diálogo entre humano e máquina. Nesse sentido, o desenvolvimento da computação física na década de 1990 contribuiu para a superação de limitações técnicas e impulsionou o desenvolvimento de ambientes interativos. Segundo Dan O’Sullivan e Tom Igoe, a computação física procura atender à necessidade de computadores mais sensíveis ao nosso corpo que possam se expressar física e complementarmente à informação: “nós precisamos de computadores que respondam ao resto de nossos corpos e ao resto do nosso mundo” (14). A computação física possibilita a superação das barreiras da interface gráfica (graphical user interface — GUI), que suporta apenas inputs como o apertar de teclas e botões. Une hardware e software em uma série de conhecimentos de diferentes disciplinas, como design, arte, engenharia da computação, robótica, entre outras, que possibilitam a construção de equipamentos digitais de computação que interagem de maneira analógica com a realidade física.

O’Sulivan e Igoe explicam que os projetos de computação física e aplicações em geral podem ser divididos em três partes: escutar, pensar e falar; ou seja, entrada, processamento e saída; ou ainda: sensores, processadores e atuadores. Entrada e saída são as partes físicas realizadas por sensores e atuadores, respectivamente, enquanto o processamento é a parte digital, realizada por computadores ou microcontroladores. O processamento digital é responsável por receber os dados de entrada coletados pelos sensores, tomar decisões e ativar os atuadores (saída). Esses dados de entrada podem ser, por exemplo, luz, pressão, calor e movimento, que precisam ser transformados em energia elétrica que o computador é capaz de entender.

Diagrama do processo de interação entre sensores, microcontroladores e atuadores [Acervo do autor]

Os trabalhos de experimentação da relação espacializada entre humano e computador também estão vinculados a outros conceitos, como ambient display e telepresença. Ambient display, assim como a computação ubíqua e a computação física, critica as limitações das GUI, utilizando o ambiente físico como interface para a informação digital: “a informação é movida para fora da tela, no ambiente físico, manifestando-se como mudanças sutis na forma, movimento, som, cor, cheiro, temperatura, ou luz” (15). Como o próprio nome indica, ambient display exibe informações, e ainda que esteja fundamentalmente empenhado em não negligenciar o espaço como interface, apresenta limitações para o relacionamento humano-máquina, principalmente porque sua lógica estruturante marca a separação entre a informação e quem a assiste.

Já a telepresença tem como objetivo utilizar a tecnologia para fazer com que outra pessoa se faça presente em um lugar remoto. De certo modo, todo meio de telecomunicação é telepresença. Contudo, diferentemente dos meios de telecomunicação tradicionais, o principal desafio da telepresença é conseguir transmitir aspectos da realidade, como informações hápticas e sinestésicas (16).  Brenda Laurel e Scott Fisher a definem como “a tecnologia que permite que as pessoas se sintam como se estivessem realmente presentes em um lugar ou tempo diferentes” (17).

Videoplace, de Krueger, ambiente desenvolvido no paradigma responsive environment, já estabelecia algumas problemáticas da telepresença: “foi originalmente concebido e implementado como um ambiente de telecomunicações que permitisse que pessoas em lugares diferentes compartilhassem uma experiência de vídeo comum” (18). O objetivo inicial desse ambiente era desenvolver a sensação de compartilhamento de espaço e tempo com vídeo e som espacializados, além de uma nova interpretação do toque, por meio da interface gráfica. Pessoas situadas em ambientes remotos idênticos têm sua presença na sala interpretada computacionalmente e transferida para uma imagem projetada na tela e exibida em tempo real em ambos espaços. Ao se moverem, os participantes também movem suas imagens, permitindo a interação. Ainda que por meio do vídeo, Krueger já lançava uma possibilidade de ação remota que é identificado por muitos pesquisadores como primordial à telepresença.

Os experimentos em telepresença começaram a surgir com maior frequência na década de 1990, como Placeholder (1993) de Brenda Laurel, Rachel Strickland, Rob Tow e Interval Research Corporation, e Rara Avis (1996) de Eduardo Kac. Placeholder foi um experimento em RV que investigava um novo paradigma para narrativa em ambientes virtuais e que também explorava a telepresença. Rara Avis foi uma instalação de telepresença em rede em que participantes locais e remotos experienciavam um viveiro a partir do ponto de vista de uma arara telerrobótica.

Eduardo Kac, Rara Avis, 1996. Trabalho de telepresença com um robô papagaio, 30 mandarins, internet, headset de realidade virtual, aviário. Vista da exposição no Museu de Arte Contemporânea de Atlanta, 1996

Placeholder, Brenda Laurel, Rachel Strickland, Rob Tow e Interval Research Corporation, 1993

Já Rafael Lozano-Hemmer, menos interessado na relação da realidade com a telepresença, propõe com The Trace (1995) uma experiência telemática do espaço físico por meio de canhões de luz. Cada participante se encontra em uma sala escura equipada com quatro canhões de luz. As luzes, os sons e os gráficos respondem aos movimentos dos participantes. A presença de cada um deles é reconstruída tridimensionalmente nos espaços, permitindo que ambos compartilhem suas presenças em um mesmo espaço telemático.

The Trace, Rafael Lozano-Hemmer, 1995, Madri, Espanha
Foto Antimodular Research

Observa-se que mesmo com objetivos diferentes a maioria das obras é baseada fundamentalmente na imagem e na representação/simulação (realística ou não) e por isso necessitam de um ambiente controlado. As que utilizam mais recursos da RV são mais dependentes de equipamentos e dispositivos, enquanto os trabalhos direcionados à RA possuem maior elaboração da relação entre a tecnologia e as características físicas do espaço que contribuem para a interação. Identifica-se que a abertura às contingências está mais relacionada às intenções projetuais do que propriamente à tecnologia utilizada; entretanto, percebe-se que os ambientes baseados na RV e os ambient displays normalmente controlam mais o modo como as ações devem ocorrer. Estas experiências são diferentes expressões do uso da tecnologia digital para além dos limites das interfaces gráficas tradicionais, propondo outros modos de interação humano-máquina, os quais consideram o engajamento corporal e a espacialidade, aspectos que contribuem diretamente para a fundação e a formulação do conceito de ambiente interativo. Desse modo, ambiente interativo é definido como um sistema composto por espaço, computadores e pessoas interagindo mutuamente; uma imbricação de espaço, tecnologia e usuário.

Arquitetura e ambiente interativo

A cultura tecnológica parece mais determinante para o surgimento dos ambientes interativos do que propriamente a história (e o desenvolvimento) da arquitetura. Entretanto, algumas vezes a importância arquitetônica das propostas é salientada. Oliver Grau, por exemplo, observa que os designers da associação ART+COM deram um grande passo no desenvolvimento da interação quando “aplicaram a tecnologia da realidade virtual à arquitetura e ao planejamento urbano” (19), mas dificilmente se argumenta tais ambientes são produtos arquitetônicos. Não se trata, no entanto, de reivindicar esses trabalhos para o campo da arquitetura, principalmente porque a produção de ambientes interativos envolve vários campos disciplinares, sem reconhecer barreiras desse tipo. É pertinente investigar, retomando brevemente os encaminhamentos da arquitetura frente a tecnologia digital, a contribuição e a relevância da arquitetura nesse processo de pesquisa e desenvolvimento dos ambientes interativos.

A expressão “ambiente interativo” é adotada, pois o termo “ambiente” é mais adequado para o fenômeno que se pretende caracterizar que, por exemplo, “arquitetura”. Ambiente significa aquilo que envolve ou que está à volta de uma pessoa ou um objeto — envolver não no sentido de circundar ou cercar, mas sim no de incluir, implicar, comprometer. Nesse sentido, a expressão “arquitetura interativa” não expressa a especificidade do ambiente e inclui várias outras questões ou abordagens que não necessariamente se caracterizam pelo relacionamento imbricado de espaço, tecnologia e usuário.

Retomando os principais aspectos que a tecnologia digital modifica e inaugura na prática arquitetônica, bem como em seus produtos, observa-se que grande parte das abordagens analisam e discutem os impactos do digital dentro da lógica da representação, que conduz a prática arquitetônica desde o Renascimento. No entanto, há outras propostas que exploram a computação com vistas à interação e contribuem para a formulação do conceito de ambiente interativo.

Na década de 1990, os computadores pessoais se tornaram acessíveis e comuns nos escritórios de arquitetura. No início, eram utilizados principalmente como ferramentas de representação, reproduzindo a metodologia tradicional de projeto baseada na geometria euclidiana e na representação por meio de projeções. Ainda na década de 1990, alguns arquitetos começaram a utilizar as mídias digitais como ferramentas de geração e não de representação da forma chamada de morfogênese digital: a ênfase passa a ser achar a forma (form finding), e não produzir a forma (form making). Arquitetos como Lars Spuybroek (NOX), Alejandro Zaera-Polo (FOA) e Greg Lynn começaram a propor o design como uma atividade de investigação em que não mais se desenham formas, mas sim processos e metodologias. Assim, as arquiteturas computacionais digitais

são definidas por processos de origem e transformação da forma baseados na computação, como, por exemplo, os processos de morfogênese digital, em que o plural (“arquiteturas”) enfatiza as multiplicidades inerentes às lógicas que fundamentam os conceitos computacionais, como as geometrias topológicas, polissuperfícies isomórficas (“blobs”), movimentos cinemáticos e dinâmicos, animações da forma (metamorfose), design paramétrico, algoritmos genéticos (arquiteturas evolutivas), performance, etc (20).

Essas propostas, ao substituírem abstrações estáticas por processos dinâmicos de geração da forma, lançaram novas bases para o processo de design. É devido a essa variedade de assuntos e temas, presentes tanto na prática quanto nas publicações sobre design, e à necessidade de organizá-los que Rivka Oxman (21) propõe a formulação de um quadro conceitual teórico de modelos de metodologia de design digital que definem e explicam seus novos paradigmas a partir de quatro componentes do design digital — representação, geração, avaliação e performance — e das interações típicas do design digital — interação do designer com a representação bidimensional [paper-based], a representação digital, a representação gerada digitalmente e o ambiente digital.  Assim, os modelos que compõem o quadro teórico proposto por Oxman são: modelos computer-aided design (CAD), de formação, de geração, de performance e modelos compostos integrados, cada qual com suas variações e especificidades.

Oxman destaca que essa formulação parte de duas correntes teóricas principais: uma que procura distinguir as propostas digitais como metodologias singulares de design e outra que tenta definir o conteúdo que é exclusivo dos projetos digitais. Observa-se que essas correntes e o quadro teórico proposto pela autora se baseiam no designer, em seu conteúdo conceitual, em seus processos e no projeto do próprio objeto. Não há uma análise das implicações desses modelos na experiência espaço-temporal ou de como a utilização da tecnologia digital no espaço construído interfere no processo de design. Ou seja, o trabalho desenvolvido por Oxman cria um quadro teórico referente ao design em si mesmo, sem contemplar implicações que extrapolem o processo de projeto para além da representação e das questões formais.

Ana Paula Baltazar identifica três principais tendências no modo como os computadores são utilizados na arquitetura, duas delas fundamentadas na representação e uma terceira baseada na interação com as pessoas, que aponta para uma possível mudança de paradigma. A primeira tendência

deriva dos tradicionais softwares CAD, como AutoCAD e Revit, claramente dando continuidade ao processo tradicional de projeto; o segundo deriva da inteligência artificial, que apesar de não ser uma ferramenta de representação — são ferramentas gerativas, como gramática da forma e algoritmos genéticos — pode ser classificada como uma ferramenta para ajudar o design fundamentado no paradigma da representação, contudo encarando a arquitetura como um espaço objetivo/científico, e a terceira deriva das tentativas de fazer os edifícios interagirem com a presença das pessoas, que pode ser chamada de arquitetura cibernética, proativa, responsiva ou interativa (22).

O paradigma da interação abre possibilidades para uma compreensão abrangente do que é arquitetura, e não somente das influências da tecnologia digital, permitindo definir a arquitetura como todo espaço construído aberto à experiência e à interação. Essa definição deriva da abordagem cibernética da arquitetura de Gordon Pask (2011) e sua argumentação a respeito do mutualismo e do funcionalismo arquitetônicos:

As funções, afinal, são realizadas por seres humanos ou sociedades humanas. Resulta que o edifício não pode ser visto simplesmente isolado. Ele só tem sentido como um ambiente humano. Interage perpetuamente com os seus habitantes, por um lado, servindo-os e, por outro lado, controlando seu comportamento. Em outras palavras, as estruturas fazem sentido como partes de sistemas maiores, que incluem componentes humanos, e o arquiteto está principalmente preocupado com esses sistemas maiores, eles (não apenas tijolos e argamassa) são o que os arquitetos projetam. Devo definir essa noção como “mutualismo” arquitetônico, que significa mutualismo entre estruturas e seres humanos ou sociedades (23).

A visão de Pask amplia a discussão da arquitetura para além do processo de projeto em si mesmo, das questões tecnológicas (da construção ou do processo de projeto e representação) ou do desenvolvimento do objeto arquitetônico como produto. Cabral Filho (1996) advoga a favor do uso do computador no processo de projeto como um espaço relacional para que a conexão entre as pessoas e o lugar se torne mais efetiva, visto que os softwares CAD — situados no paradigma da perspectiva — dificilmente conseguem representar os aspectos subjetivos que englobam a conformação arquitetônica. Cabral Filho declara que “nessa estrutura [da utilização dos computadores para a interação], os computadores devem ser usados ​​como instrumentos para alcançar resultados informais por meio de estratégias formais” (24).

Esses resultados podem ser verificados no pavilhão de água doce H2O Expo, projeto do arquiteto Lars Spuybroek (NOX) situado na ilha de Neeltje Jans de 1993 a 1997. O edifício é paradigmático dentro do conceito de ambiente interativo e pioneiro em dois sentidos: primeiro pela metodologia de projeto baseada no processo de autogeração da forma, e segundo por propor uma experiência interativa do ambiente.

O processo de projeto, que recebe o nome de machining architecture, é inspirado nos sistemas de autopoiesis dos biólogos Humberto Maturana e Francisco Varela. Nessa metodologia, a geometria do edifício é resultado de transformações interativas no processo de projeto que geram formas topológicas em que o piso se mescla às paredes e estas se mesclam ao teto. Essas formas acionam o corpo do visitante e, segundo Spuybroek fazem com que ele dependa de seu sistema motor para se equilibrar. A interação com o visitante não se resume à forma do edifício, que exige posturas corporais diferentes das usuais; são utilizados recursos da computação física e projeções em tempo real que fazem com que o ambiente se modifique em tempo real por meio de sensores que captam estímulos e atuadores que oferecem os outputs em relação às ações dos usuários.

Processo de projeto do H2O Expo — transformações interativas da forma [Acervo do autor]

Interior do H2O Expo [SPUYBROEK, 2004, p. 33, 34 e 39]

Interior do H2O Expo [SPUYBROEK, 2004, p. 33, 34 e 39]

Considerações finais

Este artigo abordou o tema da espacialização da comunicação revisitando algumas das primeiras experimentações da junção entre arte e tecnologia digital. São uma combinação do mundo real e do potencial de abstração da computação na busca de novas experiências estéticas e de uma relação mais humanística entre humano e máquina. Além disso, preocupam-se com o desenvolvimento de uma relação menos hostil entre o público leigo e a computação, visto que, naquela época, a tecnologia digital ainda era restrita a um pequeno público, em grande parte especializado.

Esses trabalhos pioneiros já apresentavam questões que continuam atuais no que diz respeito às relações humano-computador: a espacialização da comunicação, o estímulo e a manutenção do interesse das pessoas em se engajarem voluntariamente na experiência e a investigação das potencialidades da tecnologia para além da representação fiel da realidade. Desvincular o output das limitações físicas e das relações de causa e efeito da realidade abre mais possibilidades a contingências e, por consequência, à interação: “anuncia um novo domínio da experiência humana, realidades artificiais que procuram não simular o mundo físico, mas definir relações arbitrárias, abstratas e até então impossíveis entre ação e resultado” (25). Estas experimentações abrem o campo de discussão do uso da tecnologia digital na arquitetura dentro do paradigma da interação e não somente a utilização do digital no processo de projeto (representação).

notas

NE – Este artigo foi originalmente apresentado ao Grupo de Trabalho Mídias e Práticas Socioculturais do IX Encontro de Pesquisadores em Comunicação e Cultura, realizado pelo PPG em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba, em parceria com o PPGCom da ECA/USP,  na Universidade de Sorocaba – Uniso – Sorocaba, SP, nos dias 26 e 27 de outubro de 2015. Algumas alterações foram realizadas para a publicação na revista Arquitextos.

1
O conceito foi apresentado pela primeira vez em 1988 na revista Whole Earth Review, mas já estava sendo formulado há alguns anos. Ver A Vintage Virtual Reality Interview. Disponível em <http://www.jaronlanier.com/vrint.html>.

2
GRAU, Oliver. Arte virtual: da ilusão à imersão. São Paulo, Senac, 2007. p.188.

3
BALTAZAR, Ana Paula. Cyberarchitecture: the virtualisation of architecture beyond representation towards interactivity. 2009. 284 s. Thesis (PhD in Architecture and Virtual Environments) – London, The Bartlett School of Architecture, University College London, 2009. p.54-55. Tradução nossa.

4
WILSON, Stephen. Information arts: intersections of art, science, and technology. Cambridge; London: The MIT Press, 2003.

5
Disponíel em <https://www.inhotim.org.br/inhotim/arte-contemporanea/obras/forty-part-motet/>.

6
Disponível em <http://www.cardiffmiller.com/artworks/inst/motet.html>. Tradução nossa.

7
As discussões sobre ambiente interativo trazidas nesta seção partem principalmente de obras/trabalhos que exploram a relação entre tecnologia digital e espaço na busca de novos modos de interação humano-computador que superem as interfaces gráficas tradicionais. Existe, no entanto, um amplo debate no campo das artes sobre interação e participação do usuário na usufruição da obra com pontos de convergência ao que é abordado neste texto. Destaque para os artistas brasileiro Hélio Oiticica e Lygia Clark.

8
KRUEGER, Myron. Responsive environments. In: AFIPS ’77 Proceedings of the June 13-16, 1977, National Computer Conference. Minnesota, AFIPS Press, 1977. p. 423-433. p.423. Tradução nossa.

9
Idem, Ibdem. p.433. Tradução própria.

10
Esses trabalhos foram selecionados para serem apresentados aqui, pois datam da década de 1970, muitos anos antes das experiências artísticas em realidade virtual mais recorrentes na literatura sobre o tema, como Placeholder, de Brenda Laurel e Rachel Strickland, e Osmose (1995), de Char Davies.

11
A computação ubíqua se refere à onipresença da computação. A expressão “computação pervasiva” também é utilizada para se referir ao mesmo fenômeno. Computação pervasiva é um neologismo derivado da expressão em inglês pervasive computing, que, por sua vez, tem origem no latim pervado, pervadere, pervasi, pervasus, que significa “ir ou vir através de”, “penetrar em”, “infiltrar-se em”, “atravessar”, “espalhar-se através”.

12
WEISER, Marc. The computer for the 21st century. Mobile Computing and Communications Review, v. 3, n. 3, p. 3-11, 1999. p.3. Tradução nossa.

13
Idem, Ibdem. p.3. Tradução nossa.

14
O’SULLIVAN, Dan; IGOE, Tom. Physical computing: sensing and controlling the world with computers. Boston, Thompson, 2004. p.xviii. Tradução nossa.

15
WISNESKI, Craig et al. Ambient displays: turning architectural space into an interface between people and digital information. 1998. p.2. Disponível em: <http://tmg-trackr.media.mit.edu:8020/SuperContainer/RawData/Papers/314-Ambient Displays Turning Architectural/Published/PDF>. Tradução nossa.

16
WILSON, Stephen. Information arts: intersections of art, science, and technology. London, The MIT Press, 2003.

17
LAUREL; FISHER apud WILSON, Stephen. Information arts: intersections of art, science, and technology. London, The MIT Press, 2003. p. 527. Tradução nossa.

18
KRUEGER, Myron. Videoplace: an artificial reality. In: Chi ‘85 Proceedings of the Sigchi Conference on Human Factors in Computing Systems. San Francisco, ACM Press, 1985. p.39. Tradução nossa.

19
GRAU, Oliver. Arte virtual: da ilusão à imersão. São Paulo, Senac, 2007. p.213.

20
KOLAREVIC, Branko. Architecture in the digital age: design and manufacturing. New York, Spon, 2003. p.13. Tradução nossa.

21
OXMAN, Rivka. Theory and design in the first digital age. Design Studies, v. 27, n. 3, p. 229-265, 2006.

22
BALTAZAR, Ana Paula. Cyberarchitecture: the virtualisation of architecture beyond representation towards interactivity. 2009. 284 s. Thesis (PhD in Architecture and Virtual Environments) – The Bartlett School of Architecture, University College London, London, 2009. p.20. Tradução nossa.

23
PASK, Gordon. Heinz von Foerster’s self organization, the progenitor of conversation and interaction theories. Systems Research, London, v. 13 n. 3, p. 349-362, 1996. p.70, grifos do autor. Tradução nossa.

24
CABRAL FILHO, José dos Santos. Formal games and interactive design: computers as formal devices for informal interaction between clients and architects. 1996. Thesis (PhD in Architecture) – School of Architectural Studies, Sheffield University, Sheffield, 1996. [s.p.]. Tradução nossa.

25
KRUEGER, Myron. Responsive environments. In: Afips ’77 Proceedings of the June 13-16, 1977, National Computer Conference. Minnesota, AFIPS Press, 1977. p. 423-433. p.433. Tradução nossa.

sobre a autora

Marcela Alves de Almeida é arquiteta, doutora em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG e professora adjunta do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de São João del-Rei. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em arquitetura contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: arquitetura e tecnologia digital, processo de projeto, interfaces digitais e cultura contemporânea.

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