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architexts ISSN 1809-6298


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português
O trabalho aborda a preservação oficial de edificações de arquitetura moderna no âmbito do Condephaat, órgão de preservação do Governo do Estado de São Paulo ao longo de sua trajetória desde 1968.

english
This paper is about the official preservation of modern architecture buildings by Condephaat, the heritage preservation council of the São Paulo State Government, along its existence since 1968


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WOLFF, Silvia Ferreira Santos; ZAGATO, José Antonio Chinelato. A preservação do patrimônio moderno no Estado de São Paulo pelo Condephaat. Arquitextos, São Paulo, ano 17, n. 194.07, Vitruvius, jul. 2016 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/17.194/6129>.

Introdução

Não chega a trinta o número de edificações vinculadas à arquitetura do Movimento Moderno dentre os mais 500 bens tombados pelo Condephaat, órgão de preservação do patrimônio cultural do estado de São Paulo. Levando-se em conta ainda seus mais de 45 anos de existência, vê-se que é um número pequeno.

O que se busca no presente artigo é, diante da lista desses bens tombados, refletir analiticamente sobre como e porque se constituiu esse acervo de bens da arquitetura moderna: o que orientou essa seleção; quais as motivações que originaram as solicitações por seu tombamento; e com que justificativas eles se efetivaram.

Essa análise se faz observando também a cronologia dos tombamentos e se refletindo sobre o que mais estava sendo preservado na mesma época. Esse panorama é pensado a partir do vínculo de origem do Condephaat com a preservação no Brasil de modo mais amplo, e com o Iphan em particular. Reflete-se sobre sua constituição e sobre o estabelecimento de critérios próprios no curso da ação preservacionista em São Paulo.

 A comparação entre os bens, analisados sob essas perspectivas e ao longo do tempo, objetiva contribuir para a compreensão de como se constituiu esse acervo, para o refinamento de critérios de preservação em geral e, especificamente, os de arquitetura moderna.

Os resultados deste trabalho, limitado ao escopo dos tombamentos estaduais paulistas, poderão enriquecer-se no futuro com análises de outras seleções regionais brasileiras de bens tombados vinculados ao Movimento Moderno na arquitetura e ainda de comparações com as próprias seleções do Iphan como órgão nacional, para além dos conhecidos ícones Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro RJ; Conjunto da Pampulha, Belo Horizonte, MG; e a capital Brasília DF.

Uma trajetória da preservação do patrimônio moderno em São Paulo

1. Tombamentos modernos: momentos pioneiros

O órgão do patrimônio cultural paulista, Condephaat, foi criado em 1968 pela Lei Estadual n. 10.247. Entre seus primeiros tombamentos, figuram velhos solares do Vale do Paraíba, como o Solar do Major Novaes, em Cruzeiro, e o Palacete Palmeira, em Pindamonhangaba; fortalezas no litoral, como a fortaleza de São João, em Bertioga; engenhos de açúcar ou suas ruínas, como o Engenho d´Água em Ilhabela ou o Engenho dos Erasmos, em Santos. Também os Centros Históricos de Cananeia e São Sebastião tiveram seus núcleos tombados logo no início da atuação do Condephaat.

A valorização no início da atuação se dava sobre sítios e construções que evocassem a história material paulista, em seus aspectos mais conhecidos e valorizados pela historiografia. A ação também se nutria de uma visão de patrimônio histórico na tradição do que vinha sendo feito no panorama nacional desde a criação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, na década de 1930 (1). Nesse órgão, dentre os primeiros tombamentos figurou a cidade de Ouro Preto, eleição vinculada à sua significação para a história política brasileira, mas também que ressaltava a importância do conjunto edificado em seu centro histórico.

Este, em uma rápida e simplificada aproximação, era o quadro do que era reconhecido como “patrimônio histórico e artístico”, como então se dizia, até a década de 1970 no Brasil. Por outro lado, como já se debateu em outros seminários nacionais do Docomomo, também o prédio do Ministério da Educação e Saúde de 1936, no Rio de Janeiro – projetado sob a coordenação de Lucio Costa, com a participação de Le Corbusier, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão e Ernani Vasconcellos –, visto como ponto de origem da arquitetura moderna brasileira, já “nasceu” tombado pelo Iphan. Muito já se disse sobre como tal fato deveu-se às estratégias de validação da arquitetura moderna que, sob a regência de Lucio Costa e seu grupo, ainda buscava afirmação. Nesse sentido, não foi um tombamento com critérios do campo da preservação, os quais, na realidade, mal começavam a se desenhar e estabelecer. Assim, acrescentaríamos, era “menos” patrimônio histórico e “mais” ferramenta política para a consolidação dos dogmas sobre a “boa arquitetura” o que vinha sendo construído com tal tombamento.

No conselho estadual de São Paulo, custou mais para bens associados ao Movimento Moderno passarem a ser reconhecidos pelo tombamento. Teria custado também porque o Condephaat, ainda que fundado na tradição do Iphan, não chegou a estruturar-se e jamais a afirmar-se de fato exclusivamente com uma perspectiva de construção de nação ou de uma figura representativa de uma suposta totalidade do “povo paulista”. O Conselho parece logo ter se liberado para trilhar seus próprios caminhos como instituição. Para tal deve-se perceber que, desde sua criação, qualquer cidadão poderia solicitar o que queria que fosse tombado. Além disso, suas primeiras ações eram orientadas a partir daquilo que seus conselheiros, de variada formação e representatividade social, valorizassem, sem necessariamente haver uma liderança que lograsse determinar, e efetivar, uma única visão a respeito do que deveria constituir o patrimônio estadual paulista.

Mais de dez anos após sua criação, em 1981, em meio aos solares, núcleos urbanos e fazendas, efetiva-se o primeiro tombamento de um bem moderno. Durante a presidência do Condephaat pelo arquiteto Ruy Ohtake – profissional formado sob a égide do modernismo na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, FAU USP, e das aulas do expoente da dita “arquitetura paulista”, João Vilanova Artigas –, propôs-se e levou a termo o tombamento justamente do prédio dessa faculdade, celeiro de profissionais de formação moderna, ao mesmo tempo bastião e alma mater dessa expressão da arquitetura em São Paulo.

Edifício da FAU-USP, São Paulo, 1961-1969. Arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi
Foto Nelson Kon

Com apenas pouco mais de dez anos de inauguração, à época do tombamento dizia-se que o próprio arquiteto Artigas, ainda vivo, estranhou o ato feito sob a lavra de seu antigo aluno e que teria perguntado: “Tombar para quê”? Mal sabia que três décadas depois muitas outras obras suas ainda seriam preservadas oficialmente... Mas seria outro momento; a seleção seria ampla e as justificativas mais explicitadas. Um longo caminho separa o tombamento da primeira obra moderna de Artigas pelo Condephaat e o conjunto de sua obra selecionado no início do século 21.

2. A continuidade das seleções de patrimônio da arquitetura moderna

O tombamento do jovem prédio da FAU USP deu-se cerca de quarenta anos depois do tombamento do prédio do Ministério da Educação e Saúde do Rio de Janeiro, e diz respeito a uma arquitetura moderna já consolidada e com expressões regionais próprias. Esse tombamento é o de exemplar representativo da chamada Escola Paulista. Como se sabe, a arquitetura moderna acabou seguindo caminhos diferentes em São Paulo e Rio de Janeiro. O tombamento referendou uma arquitetura que, a partir das aulas de Artigas, havia se consolidado e influenciado vários de seus discípulos.

Neste quadro de referências sobre os tombamentos na primeira década do Condephaat, é também muito importante compreender que a concepção do que era patrimônio, reafirmada pelo Iphan desde os anos 1930, já vinha se alterando em São Paulo, como aludido anteriormente. O que tinha urgência de ser preservado e o que era demandado ao órgão era o tombamento dos monumentos da riqueza material paulista em sua fase mais recente – prédios de arquitetura eclética. Produção que não era valorizada nem pelos dogmas do Iphan, nem entre os arquitetos que, como se viu, estavam ainda há poucas décadas afirmando sua própria doutrina relativa à arquitetura moderna, em oposição a e desqualificando essa mesma produção eclética, vista como equivocada e ignorante. Uma das referências críticas e historiográficas então era o texto de Yves Bruand (2).

O Condephaat, tendo que despojar-se do rigor desses juízos, muito recentemente defendera fortemente e tombara, sob o impacto de novos conceitos que traziam a preservação para o campo mais amplo da representação cultural, o Colégio Caetano de Campos, na Praça da República, centro da Capital. O prédio, fundamental para a história da educação paulista, fora feito sob a lavra de Ramos Azevedo, expoente da arquitetura, da história do ensino profissional de engenharia e da construção em São Paulo. Sua arquitetura era a da tradição acadêmica europeia, tradição que vinha sendo combatida pelos introdutores da arquitetura moderna no Brasil desde Lucio Costa (3).

Na esteira desse tombamento, a ação de preservação da arquitetura eclética de tradição acadêmica, muito associada ao período de grande riqueza do Estado de São Paulo durante a Primeira República, foi muito extensiva no Condephaat. A demanda pública naquele momento era pela preservação desses prédios que tinham abrigado a vida e a cultura de gerações: escolas, fóruns, teatros. Espaços caros à população, mas que não representavam a “boa arquitetura”, já que não tinham sido concebidos segundo os cânones que o embate da arquitetura moderna vinha afirmando – a verdade dos materiais, estruturas racionais, plantas livres, a ausência de ornamentos...

Paralelamente, a valorização da arquitetura moderna no campo da preservação prosseguiu episodicamente no Condephaat, até uma ação mais frequente e conceitualmente mais estruturada, que vem se esboçando nos últimos tempos, como veremos a seguir.

Durante a presidência de Ruy Ohtake, foram tombados mais dois prédios ligados à identidade moderna paulista. Ainda sob o impacto da morte recente de seu autor, a própria casa de Flávio de Carvalho em Valinhos. E também, a sede do Museu de Arte de São Paulo – Masp de Lina Bo Bardi.

Museu de Arte de São Paulo – Masp, São Paulo. Arquiteta Lina Bo Bardi
Foto Nelson Kon

Flávio de Carvalho e Lina Bo Bardi: dois personagens marcantes da cena de modernização do cenário paulistano. Flávio, com suas poucas expressões na arquitetura, fez uma casa de fachada e acesso monumentais em Valinhos, mas principalmente sacudiu a cena com algumas experiências vanguardistas. E o tombamento, além de valorizar a concepção original da residência, simbolizava o reconhecimento dessa ação mais ampla.

Já a arquiteta Lina Bo Bardi também teve pequena produção edificada, mas foi extremamente influente. Com seu marido, Pietro Bardi, e participação de Assis Chateubriand, elevou o patamar de contato paulistano com o mundo das artes e da produção cultural contemporânea, no pós 2ª Guerra. O casal italiano influenciou a cultura paulistana e também a baiana, em período em que a arquiteta deslocou-se para Salvador. De todo modo, o epicentro de sua ação foi o Museu de Arte de São Paulo, que ganhou sua sede definitiva com o projeto, hoje marca da identidade de São Paulo no meio da extensa Avenida Paulista.

Os estudos que geram tombamentos no Condephaat, como já se referiu, prioritariamente são iniciados a partir de solicitações da comunidade. E suas efetivações indicam bastante as inclinações dos gestores de cada momento. Do presidente Ruy Ohtake, com sua marca forte em muitos tombamentos, se destaca o reconhecimento desses três ícones da arquitetura moderna. Seguiu-se Aziz Ab´Saber, geógrafo humanista que enfatizou a preservação de áreas verdes e naturais, mas que entre 1983 e 1984 ouviu os clamores da comunidade pela preservação de dois prédios ameaçados: a sede do Teatro Oficina no bairro paulistano do Bixiga, expoente de um certo teatro de vanguarda nos anos 1960; e a casa inaugural da percepção da arquitetura moderna em São Paulo, a Casa Modernista da Rua Santa Cruz em São Paulo, de Gregori Warchavchik, propositor e divulgador da arquitetura moderna com sua matriz internacional já na década de 1920.

Teatro Oficina, São Paulo, 1984. Arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito
Foto Nelson Kon

Casa de Vidro, São Paulo, 1951. Arquiteta Lina Bo Bardi
Foto Nelson Kon

No primeiro caso, do Teatro Oficina, um tombamento de difícil efetivação de um prédio muitas vezes reformado, não claramente configurado como preservação de arquitetura. Já a Casa Modernista, em processo de venda e demolição, foi salva pelo clamor do público que exigiu o tombamento. E foi sua importância para a história da arquitetura que embasou a justificativa de sua preservação.

Seu pioneirismo e o inusitado de sua concepção original também foram a base para o tombamento da Casa de Vidro, residência de Lina Bardi no bairro paulistano do Morumbi, poucos anos depois. As outras casas vanguardistas de Warchavchik, da Rua Itápolis e da Rua Bahia, ambas na Capital, só foram tombadas pelo Condephaat em 1994, em decorrência de seu tombamento pelo Iphan.

Casa Modernista da Rua Santa Cruz, São Paulo, 1927-1928. Arquiteto Gregori Warchavchik
Foto divulgação [Acervo Família Warchavchik]

Casa da Rua Itápolis, São Paulo, 1930. Arquiteto, Gregori Warchavchik
Foto Victor Hugo Mori

Casa da Rua Bahia, São Paulo, 1930. Arquiteto, Gregori Warchavchik
Foto Victor Hugo Mori

Antes disso, no começo dos anos 1990, outros ícones de muito relevo na história da arquitetura moderna brasileira tiveram seu reconhecimento: o Edifício Esther, primeiro arranha-céu modernista da Capital, construído nos anos 1930 na Praça da República; e o Parque do Ibirapuera, grande empreendimento de 1954, para muitos o verdadeiro ponto de inflexão para a absorção da arquitetura moderna e seus pressupostos na realidade paulistana.

Edifício Esther, São Paulo, 1934-1938. Arquitetos Álvaro Vital Brazil e Saldanha Marinho
Foto Abilio Guerra

Se Pampulha e suas edificações, em torno do lago em Belo Horizonte, já haviam projetado um novo e impactante cenário, se a Exposição Brazil Builds, realizada em Nova Iorque nos anos 1940, já tinha seus ecos locais e internacionais entre os arquitetos e artistas, é mesmo a partir do Ibirapuera e da Bienal de 1954 que toma real impulso e aceitação pública da arquitetura que seria concretizada em Brasília. Mas, nos tombamentos pelo Condephaat, a arquitetura moderna e suas edificações continuavam tendo seu reconhecimento esporádico e eventual.

Ainda na década de 1980 ocorrera o tombamento da Igreja de São Domingos, audaciosa obra de Franz Heep, no bairro também paulistano de Perdizes, ato provocado pela comunidade do entorno, temerosa de alterações potenciais pela desativação do convento de São Domingos, em vias de transformar-se em escola.

Igreja de São Domingos, São Paulo, 1953. Arquiteto Franz Heep
Foto divulgação [Acervo de imagens Condephaat / www.cultura.sp.gov.br]

O tombamento do conjunto, que incluía igreja moderna e convento antigo, embora valorizasse a obra do arquiteto Heep, não se estendia muito sobre esse aspecto, ou sobre a mais efetiva contribuição do arquiteto na paisagem paulistana – o Edifício Itália. Obra máxima do arquiteto e por décadas o mais alto prédio da Capital, permanece não reconhecido por um tombamento no órgão, assim como o Edifício Copan, de Niemeyer.

Por outro lado, necessário lembrar mais uma vez que muitos tombamentos ocorrem fruto de solicitações da comunidade, mormente quando sente alguma edificação que lhe é cara ameaçada. Nem o Copan nem o Edifício Itália carecem de valorização ou preservação oficial. São ícones reconhecidos por todos, massas edificadas que não há como, nem por que, substituir.

3. Tombamentos no século 21: modernos e modernos

Apenas em 2002 seria tombado outro prédio importante para a história da arquitetura moderna paulista, a sede do Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB, na Capital, obra coletiva de vários arquitetos, de grande qualidade e importância no cenário da produção paulistana. Em 2005, foi tombado o Conjunto Nacional, exemplar de superlativa proposição de arquitetura moderna em sua integração urbana, referência não apenas no panorama da cidade de São Paulo.

Edifício-sede do IAB/SP, 1947/1950. Arquitetos Rino Levi, Roberto Cerqueira César, Jakob Ruchti, Miguel Forte, Galiano Chiampaglia, Aberlardo de Souza, Hélio Duarte, Zenon Lotufo
Foto Rafael Schimidt

Se para os grandes edifícios citados há pouco risco em face ao seu pleno uso e grande apreço pela população, não era o caso das vertentes arquitetônicas menos valorizadas pela crítica. Edificações como o Edifício Saldanha Marinho, o Estádio do Pacaembu, o Instituto Biológico, o Edifício São Paulo e o Edifício Diederichsen, em Ribeirão Preto. Arranha-céus importantes para a paisagem paulistana e do interior do estado, desenvolvidos antes ou concomitantemente à trajetória da arquitetura moderna consagrada, mas que não eram objeto de muita atenção ou estudos – mesmo sendo relevantes peças na constituição de um quadro da modernização da engenharia e das linguagens que substituíram a arquitetura de tradição acadêmica clássica.

Estádio do Pacaembu, São Paulo, 1940. Arquiteto Ricardo Severo
Foto Abilio Guerra

Todos esses prédios foram tombados entre 1985 e 2005, às vezes por mero reconhecimento, mas outras ameaçados pela incúria e desvalorização pelo próprio Poder Público, que deveria zelar por eles. Foi o caso do Estádio do Pacaembu, representante da modernização monumental da linguagem clássica em voga nos panorama internacional dos anos 1930, do Instituto Biológico e do Banco São Paulo, majestosos exemplares art decó.

Esse tipo de manifestação arquitetônica, desvinculada dos caminhos do estilo internacional da arquitetura moderna, já foi chamado a “outra face do moderno” (4). E teve seu reconhecimento ainda mais tardio em outras importantes edificações paulistanas, mais recentemente: o Jockey Club, a Biblioteca Mário de Andrade, o Edifício Altino Arantes – a contrafação paulistana do Empire State Building de Nova Iorque –, a sede do grupo Matarazzo e o Viaduto do Chá, todos na Capital. Esses tombamentos, embora frutos de indicações ainda nos anos 1990, foram sendo efetivados principalmente na última década, quando começou a haver mais conhecimento crítico a respeito de sua arquitetura.

4. O tombamento da arquitetura moderna em séries

O conhecimento mais aprofundado sobre a arquitetura moderna em suas diferentes perspectivas deveu-se sem dúvida ao aprimoramento dos quadros técnicos do órgão, que buscaram cursos de pós-graduação, a participação em congressos temáticos como os promovidos pelo Docomomo (5) e a publicação de pesquisas (6).

Do mesmo modo, paralelamente a arquitetura moderna, em sua corrente dominante e reconhecida pela história, passou a figurar na preservação pelo Condephaat de modo mais problematizado, não mais a partir da proteção de algumas edificações isoladas eventualmente com sua integridade ameaçada. A busca de contextualização das edificações estudadas e seu balizamento em formação de séries comparativas passaram a ser uma meta no início do século 21.

A possibilidade tornara-se mais factível desde a reorganização da Secretaria da Cultura do Estado em 2006, por meio do Decreto Estadual 50.941/2006, que criou a Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico – UPPH, departamento permanente de execução das atividades necessárias à atuação do Condephaat. Foram estabelecidos dois grupos técnicos na UPPH: o Grupo de Conservação e Restauro de Bens Tombados, sucessor do antigo Setor Técnico de Conservação e Restauro-STCR, e o Grupo de Estudos de Inventário e Reconhecimento do Patrimônio Cultural e Natural – GEI.

Com isso, no GEI foi se estruturando uma equipe, formada por historiadores, arquitetos e estagiários da área, com objetivo de, especialmente, instruir as centenas de processos de tombamento de bens em tramitação e a elaboração de conceitos e critérios de valoração e seleção de patrimônio – ações que eram dificultadas até então, por um lado, pela ausência de uma divisão clara nas tarefas e nas atribuições técnicas, e por outro, pela grande demanda de pedidos de intervenção em bens já protegidos, que eram tornadas prioridades ao atendimento público.

As solicitações da comunidade às vezes apresentavam-se muito qualificadas. Este foi o caso dos pedidos de tombamento de ampla série de obras projetadas pelo arquiteto Rino Levi ou por Vilanova Artigas, encaminhados por professores de faculdades de arquitetura (7).

Residência Olívio Gomes, São José dos Campos, 1949. Arquiteto Rino Levi
Foto Nelson Kon

O dimensionamento de que seleção seria representativa de obras tão importantes, bem como de que exemplares seriam suficientes para representar tão fundamental contribuição à arquitetura paulista, custou muito esforço técnico, muita cobrança por parte da comunidade envolvida e muito embate nas reuniões do colegiado do Condephaat.

A seleção de obras tombadas, dentre a extensa produção de ambos os autores e considerando as obras dos respectivos arquitetos que já haviam sido tombadas pelo órgão, resultou ao final sintética e reduzida, buscando apenas um exemplar de cada fase da produção de ambos ou tipologia funcional e mais reconhecidos pela crítica arquitetônica.

Tabela 1 – Bens selecionados no estudo temático da obra de Rino Levi [Condephaat, 2016, elaboração do autor]

Tabela 2 – Bens selecionados no estudo temático da obra de Vilanova Artigas (*) Bens tombados pelo Colegiado do Condephaat, porém sem Resolução de Tombamento publicada até o momento [Fonte: Condephaat, 2016, elaboração do autor]

Por outro lado, do esforço de síntese e representação esboçado nos tombamentos desses dois conjuntos resultaram critérios norteadores de outros tombamentos de arquitetura moderna. Como o do Edifício Sobre as Ondas e Casa da Pedra no Guarujá, um arranha céu e uma casa, arrojada obra de integração/dominação da natureza do litoral. Edificações modernas que criaram uma paisagem praiana em que se explorou e tirou partido da existência de grandes pedras, que fazem parte da composição e interpenetram jardins e construções. Construções que, diga-se, hoje não seriam aprovadas, seriam banidas pelo senso que hoje rege a preservação do meio ambiente.

Edifício Sobre as Ondas, Guarujá, 1951. Arquitetos Oswaldo Corrêa Gonçalves e Jayme Campello Fonseca
Foto Victor Hugo Mori

Foi também tombada pequena edificação cuja motivação original do pedido de preservação tem a ver com a história da televisão brasileira, o edifício da TV Tupi, em São Paulo. Diante da descaracterização do prédio do primeiro estúdio, que melhor representaria a saga pioneira da emissora de televisão, optou-se pelo tombamento de uma das edificações do conjunto, prédio íntegro e característico da arquitetura moderna da década de1950, no qual se destacam a integração de painéis artísticos na fachada e o tratamento compositivo do volume, que compensa a verticalidade da pequena torre com linhas horizontais e recortes nos planos.

Edifício da TV Tupi, São Paulo
Foto Nelson Kon

5. Panorama atual

O mais recente tombamento de obra de arquitetura moderna, em fase de conclusão, trata-se do Balneário de Águas de Lindóia, obra projetada o final da década de 1950 para o governo do Estado de São Paulo por Oswaldo Bratke, reconhecido expoente da arquitetura paulista (8). Trata-se de obra intacta e superlativa por suas qualidades estéticas, construtivas e por sua implantação na paisagem. O reconhecimento pelo tombamento, porém, em conjunto com o do prédio do Hotel Glória, com o qual mantém relações de origem, de paisagem e de contemporaneidade, abre novas perspectivas para o tombamento de arquitetura moderna.

Isso se dá pelo fato de o hotel ser edificação de estilo normando, de “estilo”, fruto de reforma cosmética feita em data muito próxima à do projeto de Bratke para o vizinho Balneário. O que serve para contextualizar em que panorama inseria-se a arquitetura moderna “de autor”. A arquitetura moderna “canônica”, a despeito das intenções ambiciosas de difusão de qualidade espacial e estética para todos, foi produção sofisticada e erudita, cujo pano de fundo era a arquitetura comum, feita sem muita reflexão ou teoria, por e para muitos. E é desse lugar que repercutia para os especialistas e, devagar, ia sendo assimilada pelo público.

Balneário de Águas de Lindoia, 1952-1959. Arquiteto Oswaldo Arthur Bratke
Foto divulgação [Álbum Anpocs / Flickr]

Conclusões

Esse breve percorrido sobre os tombamentos de bens associados ao Movimento Moderno realizados pelo Condephaat em São Paulo, sintetizados na Tabela 3, é rico em possibilidades de análise e permite vislumbrar outras possíveis chaves de interpretação.

Tabela 3 – Bens tombados pelo Condephaat associados ao Movimento Moderno (*) Exceto quando indicado em parênteses, todos os bens se situam na Capital [Condephaat, 2016, elaboração do autor]

Esse panorama pode ser confrontado às séries e seleções de moderno em outros estados, como apontado no início deste artigo. Mas, principalmente, serve para refletir-se sobre a potência sempre muito rica que a preservação de arquitetura, em geral, permite.

Em meio a crescente questionamento, no campo específico da preservação do patrimônio cultural, sobre o protagonismo histórico de arquitetos neste campo de atuação no Brasil, há o que se pensar.

É certo que a seleção de bens por sua qualidade arquitetônica pode parecer excludente, se feita em detrimento da valorização de práticas sociais de modo mais amplo. Mas é certo também que a interpretação destas escolhas não precisará, tampouco, ser limitada.

O exame desta seleção de arquitetura moderna de reconhecida qualidade, já com o afastamento temporal, permite não apenas novas leituras, mas também orienta escolhas mais balizadas, amplas e que olham para em que lugar, sítio e cidade se insere a “boa arquitetura”.

notas

NA – Publicação original do texto: WOLFF, Silvia Ferreira Santos; ZAGATO, José Antonio Chinelato. A preservação do patrimônio moderno no Estado de São Paulo pelo Condephaat. In: Anais 11o Seminário Nacional Docomomo Brasil. Recife, Docomomo Brasil, 2016.

1
RODRIGUES, Marly. Imagens do passado: a instituição do patrimônio em São Paulo 1969-1987. São Paulo, Editora Unesp, 2000, p. 41

2
BRUAND, Yves. Arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo, Perspectiva, 1981.

3
LEMOS, Carlos. Informação NP 58/72-CTET, 1972. In: SÃO PAULO (Estado). Processo CONDEPHAAT n. 11975/1969: Tombamento do Fórum de Avaré. São Paulo, Condephaat / Secretaria da Cultura, Esportes e Turismo, 1969; VARINE-BOHAN, Hugues de. A experiência internacional. Notas de aula, 12 ago. 1974. São Paulo, FAUUSP/Iphan, s/d; WOLFF, Silvia. São Paulo: Escolas para a República. São Paulo, Edusp, 2010.

4
CAMPOS, Vitor José Batista. O Art-déco na arquitetura paulistana: uma outra face do moderno. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP, 1996.

5
WOLFF, Silvia. O moderno como opção estilística. In: Anais eletrônicos do 3º Seminário Nacional Docomomo Brasil, 1999. São Paulo, Docomomo Brasil, 1999. Disponível em: <www.docomomo.org.br/seminario%203%20pdfs/subtema_A2F/Silvia_wolff.pdf>. Acessado em: 29 mar. 2016.

6
WOLFF, Silvia. São Paulo: Escolas para a República. São Paulo, Edusp, 2010.

7
ANELLI, Renato; GUERRA, Abilio; KON, Nelson. Rino Levi, arquitetura e cidade. São Paulo, Romano Guerra, 2001; SEGAWA, Hugo. Vilanova Artigas, o renascer de um mestre. Resenhas Online, São Paulo, ano 01, n. 001.21, Vitruvius, jan. 2002 <www.vitruvius.com.br/revistas/read/resenhasonline/01.001/3258>.

8
SEGAWA, Hugo; DOURADO, Guilherme Mazza. Oswaldo Arthur Bratke. São Paulo, Pro Editores, 1997.

sobre os autores

Silvia Ferreira Santos Wolff é mestre e doutora em Arquitetura e Urbanismo com especialidade em Estruturas Ambientais e Urbanas pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Arquiteta há 34 anos na área técnica do Condephaat.

José Antonio Chinelato Zagato é arquiteto e urbanista pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Gestão Pública e Economia Urbana pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mestrando em Políticas Públicas pela Universidade Federal do ABC. Arquiteto há 6 anos na área técnica do Condephaat.

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