O presente artigo apresenta o processo e os resultados do projeto “Catálogo de encaixes em madeira” realizado no âmbito da pesquisa “Fabricação, tectônica e projeto” (1), vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PPGArq DAU PUC Rio.
Desenvolvida no período 2015-2019, a pesquisa procurou problematizar desdobramentos acerca das noções de fabricação digital e tectônica no processo de ensino-aprendizagem em projeto de arquitetura associado à construção em madeira, a partir de dois movimentos simultâneos: um de natureza teórica e outro de cunho experimental. Consequentemente, pesquisa cuja base conceitual se alinha à ideia de pesquisa aplicada considerando a relação entre teoria e prática. Relação que tem como fundamento central o conceito de reflexão-na-ação, articulado a outros também definidos por Donald Schön: atenção operativa, ação exploratória, testes de ações e testes de hipóteses (2). Trata-se, portanto, de aprender fazendo. Motivação para este “aprender fazendo” que encontra respaldo em Kenneth Frampton quando afirma que “a presença de um trabalho é inseparável do tipo de sua fundação no solo e a ascensão de sua estrutura através da interação do suporte, do vão, da emenda e da junta” (3).
Especificamente, o projeto “Catálogo de encaixes em madeira” está relacionado ao viés experimental da referida pesquisa e foi desenvolvido entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro de 2019 como atividade vinculada aos programas de iniciação cientifica e tecnológica (4) no âmbito do DAU PUC Rio, caracterizando, portanto, integração entre pós-graduação e graduação (5).
Teve como objetivo principal a construção de um catálogo constituído, como indica o próprio título do projeto, por um conjunto de encaixes de madeira elaborado a partir de tecnologias de modelagem e fabricação digital em duas versões: uma física, que na versão final se configurou na forma de uma “materioteca”, um móvel expositor, contendo 46 encaixes na escala 1:1 em pinus autoclavado (6); e outra digital, no formato open source, compreendendo arquivos editáveis de todos os encaixes. Foram gerados ainda outros dois componentes, sendo um de viés conceitual: o “Organograma de encaixes em madeira” – elemento fundamental para a compreensão da genealogia e classificação dos encaixes, servindo como espécie de guia do catálogo físico –, e outro, este de viés pragmático: o “Manual de fabricação e montagem da materioteca”.
O catálogo teve como base uma investigação sobre a origem dos encaixes tradicionais em madeira, realizada, inicialmente, por meio do levantamento em manuais de carpintaria ou marcenaria provenientes de diferentes regiões do mundo. Levantamento que possibilitou a seleção de quais encaixes poderiam ser considerados como referência, a fim de verificar a possibilidade da existência de um conjunto de encaixes universais, tendo em vista a adequação e produção destes utilizando sistemas de modelagem tridimensional e de manufatura digital. Produção que envolveu a utilização de softwares como: Rhinoceros, SprutCAM e PowerMIll, sistemas de fabricação digital: máquina de corte a laser e CNC Router e, de maneira subsidiária, sistema de fabricação analógica: serra circular, lixadeira, furadeira, entre outros equipamentos, disponíveis no Laboratório de Volumes do DAU PUC Rio.
Trata-se de uma investigação marcada por numerosos estudos e experimentações relacionados à construção dos encaixes em madeira no âmbito da fabricação digital, que proporcionou também a definição de um novo sistema de classificação destes encaixes. Classificação que se configurou como marco referencial do trabalho, pois, em termos metodológicos, se constituiu em elemento fundamental à estruturação do catálogo. Estruturação e, por consequência, construção caracterizada por processo empírico, realizado, porém, com extremo rigor em termos metodológicos. Justifica-se, portanto, explicitá-lo, na medida em que este processo, para além do catálogo propriamente dito, possivelmente pode ser considerado o cerne deste projeto.
Metodologia
A metodologia do trabalho, essência desta investigação de viés aplicado, compreendeu três fases: 1. Princípios estruturantes; 2. Desenvolvimento; 3. Resultados e produtos.
Princípios estruturantes
Esta fase caracterizou-se por dois movimentos simultâneos: 1. Levantamento, seleção, classificação e catalogação de referencial técnico referente aos encaixes tradicionais em madeira e seus respectivos métodos construtivos (métodos analógicos); 2. Instrumentalização da equipe de pesquisa em fabricação digital no que diz respeito à utilização da CNC Router, ou seja, da principal ferramenta de produção, porquanto ofício intrínseco à consecução do projeto.
Levantamento, seleção, classificação e catalogação
Movimento que se caracterizou, inicialmente, pelo levantamento de manuais de carpintaria ou de marcenaria provenientes de países localizados em diferentes regiões do mundo: Argentina, Brasil, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Inglaterra, Itália, Japão e Portugal, compreendendo, no total, 21 manuais. Para tanto, a fim de nortear este levantamento, foram consideradas as seguintes categorias de análise: a) relevância específica do conteúdo para o projeto; b) quantidade dos exemplos de encaixes; c) qualidade dos exemplos de encaixes; d) estrutura de catalogação. Verificou-se que 8 dentre os 21 manuais poderiam ser considerados como referência em seus respectivos países, na medida em que se destacavam em relação aos demais, principalmente no tocante às duas últimas categorias indicadas; estes, portanto, foram os selecionados como referencial técnico (7).
Para quantificar e classificar estes dados foi gerada uma matriz cruzando as informações entre os tipos de encaixes e sua presença nos 8 manuais. A fim de verificar a recorrência e a possibilidade de certa universalidade entre os encaixes analisados foram catalogados inicialmente 24, dentre os quais 9 foram selecionados, utilizando-se como critério a repetição em, no mínimo, 5 manuais. De modo a apresentar o conjunto de encaixes considerados universais e sua recorrência nos manuais foi gerada uma segunda matriz, quadrada, intitulada “8 x 9”
Esta organização, inicialmente, considerou apenas aspectos formais; porém, ao longo de seu desenvolvimento, a observação cada vez mais apurada no que diz respeito tanto a classificação quanto a representação gráfica dos diferentes tipos de encaixes, possibilitou o entendimento de que seria necessário classificar a tipologia dos encaixes não somente por seus aspectos formais, mas sobretudo compreender o desempenho, a performance de cada um deles. Este importante momento do trabalho foi marcado, sobretudo, pelo desenvolvimento e revisão continuada de uma outra matriz denominada “Organograma de encaixes em madeira”, de caráter estruturante no que se refere ao sistema de classificação dos encaixes pesquisados, cuja versão final, discutida em detalhe mais adiante, apresenta a reorganização e a reclassificação dos encaixes em 4 famílias, cuja geratriz são 4 tipos básicos de encaixes universais, a partir dos quais os 46 encaixes foram organizados segundo a inter-relação das categorias forma e desempenho, ou seja, a partir de compreensão relacionada intrinsecamente à noção de tectônica.
Instrumentalização em fabricação digital
Levando em consideração o caráter experimental do projeto – cujo fundamento encontra-se na prática do aprender-fazendo – ao mesmo tempo em que se desenvolveu o processo de levantamento, seleção, classificação e catalogação dos encaixes, foi essencial a instrumentalização da equipe de pesquisa no ofício da fabricação digital. Esta se deu no Laboratório de Volumes do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC Rio. Contando com a orientação do supervisor e do técnico do Laboratório (8), a equipe teve a oportunidade de investigar, por meio de uma série de atividades, sempre relacionadas ao desenvolvimento do projeto do catálogo a aplicabilidade dos softwares SprutCAM (utilizado até dezembro de 2016) e PowerMILL (a partir de janeiro de 2017) empregados nas operações de corte e desbaste para a fabricação de peças na CNC Router e da utilização propriamente dita deste equipamento. Instrumentalização que, em termos práticos, possibilitou o domínio de uma série de aspectos operacionais inerentes à fabricação digital:
- Transferência da “rotina” do SprutCAM e do PowerMILL, leia-se do arquivo gerado pelo software com as especificações de corte e desbaste a ser utilizado na CNC Router;
- Parâmetros de avanço de corte e desbaste gerais e específicos para as peças utilizadas na fabricação dos encaixes;
- Tipos de fresa a serem utilizadas, considerando a relação entre o diâmetro da fresa, a velocidade do corte e a complexidade do desenho da peça a ser fabricada;
- Organização das “rotinas” de acordo com a especificidade do desenho de cada encaixe;
- Fixação das peças de madeira em madeira pinus autoclavado na mesa de corte da CNC Router;
- Configuração da origem da operação (ponto de início de atividade da fresa) da CNC Router a fim de direcionar o processo de fabricação (9).
Ainda no âmbito da instrumentalização, mas acima de tudo caracterizando o que diz respeito a um processo de ação reflexiva e exploratória, foi necessário adaptar o desenho de todos os encaixes selecionados, visto que concebidos originalmente para serem realizados por meio do que se denominou fabricação analógica (carpintaria ou marcenaria), para a fabricação digital – movimento que marcou a fase de desenvolvimento do catálogo.
Desenvolvimento
A etapa de desenvolvimento caracterizou-se sobretudo pela modelagem digital dos encaixes utilizando o software Rhinoceros. Etapa necessária para a fabricação dos encaixes na CNC Router, exigiu um processo de retroalimentação constante e, objetivamente, gerou desenhos próprios para a ilustração do catálogo digital. Além disto, processo durante o qual se percebeu a pertinência da reclassificação dos encaixes.
Produção dos modelos dos encaixes
A partir da catalogação dos encaixes foram elaborados modelos tridimensionais digitais (modelos 3D) dos 46 encaixes. Desenvolvidos em software Rhinoceros, caracterizaram a base de dados (database) tendo em vista a fabricação destes na CNC Router, bem como a produção do catálogo digital. Inicialmente, estes modelos foram desenhados com seção retangular de 45mm x 70mm, em função da madeira disponível no Laboratório de Volumes para fabricação dos primeiros protótipos. Todavia, realizados os primeiros testes na CNC Router, decidiu-se abandonar a seção retangular e adotar a seção quadrada com 55mm x 55mm. Esta modificação foi realizada a fim de caracterizar certa imparcialidade, certa generalidade no formato dos encaixes. Por consequência, todos os encaixes tiveram que ser novamente modelados considerando a seção de 55mm x 55mm, na medida em que o dimensionamento não é, de maneira alguma, fixo e imutável. Pode e deve ser alterado, conforme pressupõe um formato open source, de acordo com demandas projetuais específicas.
Fabricação dos encaixes
Em conjunto com a modelagem digital foi realizada uma série de ensaios de produção dos encaixes em verdadeira grandeza, ou seja, mock-ups (escala 1:1) na CNC Router, para encontrar-se o melhor dimensionamento das peças, ajuste e método de corte tendo em vista assegurar a precisão necessária.
Uma série de questões operacionais relacionadas a CNC Router direcionaram o (re)desenho dos encaixes, no que diz respeito ao seu método de fabricação, configurando um processo de retroalimentação constante entre modelagem 3D e fabricação.
Neste sentido, tendo em mente a etapa instrumentalização, foram realizados numerosos testes a fim de possibilitar a definição de parâmetros específicos para a fabricação final dos encaixes para a “materioteca”: 1. Dimensionamento e seção dos encaixes (atividade realizada concomitantemente à modelagem digital); 2. Método de fixação das peças.
Estes testes foram realizados tendo como base o primeiro conjunto de encaixes fabricados com seção retangular 45mm x 70mm, utilizando peças de madeira pinus autoclavado. Para verificar a aplicação dos parâmetros indicados anteriormente foram selecionados 5 encaixes, dentre 24 de acordo sua complexidade e diversidade de design: espiga interna, abraçadinho, meia-esquadria espiga interna, malhete duplo, rabo de andorinha.
Especificamente, questões práticas relacionadas ao método de fixação das peças de pinus autoclavado na CNC Router merecem ser comentadas, pois a fixação destas na mesa da máquina se mostrou intrinsecamente relacionada a eficiência do processo de fabricação dos encaixes como um todo. Questões que, para além da construção de um conjunto de encaixes, como no caso deste trabalho, logicamente, devem ser objeto de atenção em outras circunstâncias, por exemplo, na fabricação seriada de peças em madeira com encaixes tendo vista à construção de um artefato arquitetônico.
Caracterizando o primeiro sistema de fabricação denominado Sistema 1 – que compreende, neste caso, essencialmente a fixação, o corte e o desbaste das peças para execução dos encaixes – foram utilizadas ripas de compensado naval aparafusadas na mesa da CNC Router para balizar a peça em pinus autoclavado a ser cortada para gerar parte de um determinado encaixe. Parafusos com arruelas foram fixados para travar esta peça a ser cortada sobre as ripas de balizamento de forma a restringir qualquer movimento no sentido vertical que a fresa da CNC Router pudesse causar na peça do encaixe.
Todavia, este Sistema 1 se mostrou ineficiente em diversos aspectos: a) a opção de corte “peça por peça” demandou que a cada peça finalizada toda a fixação fosse removida e recolocada, exigindo, em média, duas horas de execução por peça; b) necessidade de sempre realinhar o ponto inicial da rotina (o caminho a ser percorrido pela fresa) na CNC Router em função da troca continuada de peças; c) os diferentes desenhos dos encaixes nem sempre permitiram que as arruelas fossem fixadas no mesmo ponto devido a mudança da rotina provocando, gradualmente, o enfraquecimento das ripas balizadoras por conta dos diversos furos realizados; d) em função da precariedade do sistema de fixação, as peças vibravam em frequência que comprometeu a execução, acarretando tanto a quebra de peças quanto de fresas durante o processo de corte e desbaste.
Simultaneamente aos testes descritos acima, foi realizada a revisão, ou melhor, a remodelagem dos modelos 3D para adequá-los à seção 55mm x 55mm. Este movimento – fundamental, em termos metodológicos, no processo de trabalho – constituiu-se em mais um ciclo de retroalimentação: modelagem 3D/fabricação/modelagem 3D. Movimento que provocou a reformulação do sistema de fabricação, caracterizando outro sistema – intitulado Sistema 2 –, a fim de resolver as deficiências apontadas anteriormente: tempo de execução, ponto inicial da rotina, “rotina” (caminho da fresa) e vibração. Para tanto, considerando a madeira disponível e o tamanho da mesa da CNC Router, foi determinado, com o auxílio do software Rhinoceros, o número máximo de 7 encaixes (14 peças) a partir de um único bloco de pinus autoclavado com 1500mm x140mm x70mm, além da fabricação de 2 grampos sob medida em maçaranduba (madeira de lei muito mais resistente que o pinus autoclavado) para fixação do bloco na mesa.
Deste modo, o processo de corte de cada peça teve seu tempo reduzido em aproximadamente 75% de duração (cerca de 30 minutos por peça), na medida em que, ao invés de peça por peça, era possível programar apenas uma operação de corte e desbaste contínua para todo o bloco de madeira.
Embora o Sistema 2 tenha reduzido o tempo de corte e desbaste dos encaixes, assim como de fixação e remoção das peças na CNC Router, gerou outro problema decorrente da proximidade das peças a serem cortadas. A cada peça cortada, a resistência do corpo do bloco com 1500mm x 140mm x70mm inevitavelmente diminuía, o que, associado a distância entre os grampos, fazia com que o bloco continuasse vibrando, comprometendo a precisão da operação e, em certos casos, quebrando a fresa.
Para solucionar esse problema, como último movimento para efetivação do sistema de fabricação, definindo o Sistema 3, foi inserido um terceiro grampo intermediário e reduzido o tamanho do bloco de madeira para 1500mm x 70mm x 70mm, e, em consequência diminuindo o número de peças a serem fabricadas por vez. É nesta conformação: bloco de pinus autoclavado 1500mm x 70mm x70mm, 3 grampos em maçaranduba e ordem de corte de peças de encaixe sequencializada, que foram produzidos os 46 encaixes que compõem o “Catálogo de encaixes em madeira”.
Resultados e produtos
Reclassificação dos encaixes
Após verificar novamente, ainda na fase desenvolvimento, os diversos sistemas de classificação e representação gráfica dos encaixes tradicionais em madeira apresentados nos manuais de referência, percebeu-se a possibilidade de reclassificar os 24 encaixes anteriormente relacionados aos 9 encaixes considerados universais não somente pela sua semelhança formal, mas também pelo desempenho (performance) de cada um destes encaixes e suas relações entre si. Esta estratégia possibilitou a incorporação de 22 encaixes, totalizando 46 encaixes e, acima de tudo, possibilitou a elaboração de uma nova forma de classificação dos encaixes em madeira, ou melhor, um sistema de classificação de encaixes cuja estrutura inovadora, configura importante resultado do projeto.
A partir deste entendimento, os 24 encaixes foram reclassificados em 4 formas primárias, cada qual gerando uma família de encaixes: 1. Meia madeira; 2. Espiga interna; 3. Espiga rasgada; 4. Cavilha. Em seguida, foram agrupados em 3 classes com base nas suas soluções de conexão entre peças: 1. Abraçadinho; 2. Rabo de Andorinha; e 3. Meia Esquadria. Por sua vez, os encaixes que derivam diretamente de uma das 4 formas primárias, e que, portanto, não se adequam aquelas classes, foram categorizados apenas como família. Neste sentido, a primeira versão da matriz estruturante, ou seja, “Organograma de encaixes em madeira”, base do futuro catálogo digital, foi, paulatinamente, sendo revisada, apresentando, na sua versão final (10), 4 famílias, cujas geratrizes caracterizam 4 tipos básicos de encaixes universais, a partir dos quais os 46 encaixes foram organizados segundo as categorias tectônica e desempenho.
Catálogo
O “Catálogo de encaixes em madeira”, conforme mencionado, foi elaborado utilizando sistemas de modelagem e fabricação digital. Foram desenvolvidas duas versões, tendo como base o “Organograma de encaixes em madeira”: uma física, na forma de uma “materioteca” contendo 46 encaixes na escala 1:1 em pinus autoclavado; e outra digital, no formato open source, compreendo arquivos editáveis em software Rhinoceros de todos os encaixes, além do ”Organograma” e do “Manual de fabricação e montagem da materioteca”, ou seja, do móvel expositor propriamente dito.
Materioteca
A partir da produção dos 46 encaixes em pinus autoclavado, já com o “Organograma de encaixes em madeira” consolidado, teve início, no primeiro semestre do ano 2017, o desenvolvimento de um expositor para abrigar, organizar e expor este material.
O expositor foi pensado, inicialmente, como um display plano, a ser posicionado frente a uma superfície vertical (por exemplo, uma parede), no qual os 46 encaixes e um painel com o organograma ficariam montados sobre um grid vazado com modulação de 55mm x 55mm construído em MDF 6mm. Ideia descartada após a constatação que o display seria muito grande em termos dimensionais para acomodar todos os encaixes e o organograma. Mesmo subdividido em módulos (3 painéis com aproximadamente 3m x 1m) ainda se mostrou inviável em termos operacionais, ou seja, no que se refere a aspectos como manutenção, manuseio, guarda e transporte.
No início do ano 2018, foi desenvolvido novo estudo, tendo como premissa básica os aspectos operacionais citados anteriormente. Definiu-se que a melhor solução seria desenvolver um móvel expositor, similar a uma mapoteca, para armazenamento, exposição e transporte do conjunto de encaixes.
A materioteca, como esse móvel expositor foi denominado, teve seu projeto elaborado com a utilização dos softwares AutoCAD e Adobe Illustrator e também foi fabricada com a utilização da CNC Router e máquina de corte à laser, em compensado de pinus naval 15mm com encaixe tipo Malhete, a fim de abrigar os 46 encaixes, o organograma e a ficha técnica do projeto. Consiste em uma caixa de 600mm x 930mm x 820mm, contendo 8 gavetas fixadas por meio de corrediças telescópicas (11). Considerou-se o organograma elemento fundamental para a compreensão da genealogia e classificação dos encaixes, servindo como espécie de manual de consulta para a utilização do catálogo físico.
A fabricação da “materioteca” caracterizou-se, assim como ocorreu durante a etapa dedicada especificamente aos encaixes, por um processo empírico marcado pela retroalimentação constante. Projeto submetido, ao longo de 2018, a revisões sucessivas, marcando movimento contínuo e sincrônico que compreendeu operações sobre: desenhos, modelos em escala reduzida fabricados em MDF na máquina de corte à laser e mock-ups de partes da “materioteca” executados na CNC Router ou na máquina de corte a laser na escala 1:1.
Neste sentido, os diversos modelos foram fundamentais para a avaliação e o aperfeiçoamento do projeto, pois permitiram verificar a compatibilização das peças entre si e contribuíram, na prática, para a compreensão de como os encaixes funcionam, qual seria a melhor ordem de fabricação e montagem das peças que compõe a “materioteca”: caixa, gavetas e bandejas (12).
Em paralelo, implementava-se o projeto gráfico do “Organograma de encaixes de madeira”. Assim como no processo de desenvolvimento dos encaixes e da “materioteca”, o formato de apresentação deste componente do catálogo também passou por diversos testes e experimentações, levando-se em consideração questões de legibilidade e manuseio. Considerando que este deveria ser parte integrante da “materioteca”, optou-se pelo formato de folder. A partir dessa opção, foi desenvolvido o projeto gráfico, considerando questões como tamanho, impressão, papel disponível, gramatura e conteúdo do texto relacionado à pesquisa, tendo sido feitos vários testes de impressão, parciais e do todo, até atingir o resultado desejado.
A etapa final de fabricação da “materioteca” caracterizou-se pelo desenvolvimento da versão definitiva dos desenhos das peças com o auxílio dos softwares AutoCAD e Adobe Illustrator. Esses desenhos, em seguida, foram exportados para o software PowerMill, responsável por definir a “rotina” para o corte das peças na CNC Router. Além disto, considerando que a caixa e as 8 gavetas seriam produzidas a partir de 4 chapas de compensado em pinus naval 15mm de 1200mm x 1600mm, foi parte intrínseca do processo de trabalho garantir, por meio de uma série de desenhos específicos, o melhor aproveitamento dessas placas.
Dando continuidade ao processo de construção da ”materioteca”, após o corte das peças foi necessário dar acabamento às mesmas, etapa que, caracterizando o referido processo de fabricação analógica, neste caso, utiliza três tipos de lixadeiras: lixadeira circular, lixadeira orbital e lixa manual, e por fim, aplicação de 2 camadas de seladora. Por fim, a montagem propriamente dita da ”materioteca” foi caracterizada pela execução simultânea da caixa e das gavetas, na quais foram marcados os pontos de fixação dos rodízios da base (caixa) e das corrediças telescópicas (caixa e gavetas) (13), cujo modelo permite a projeção das gavetas em relação ao corpo do móvel, a fim de proporcionar melhor visualização dos encaixes, para a qual contribui também a frente destas ser uma peça de acrílico transparente.
A definição do formato de apresentação do “Organograma de encaixes de madeira”, assim como o processo de desenvolvimento dos encaixes e da ”materioteca”, também passou por diversos testes e experimentações, considerando principalmente aspectos relacionados à legibilidade e ao manuseio. Como o “organograma” se encontra dentro da gaveta 1 – a primeira na parte superior da ”materioteca” – definiu-se que o melhor seria desenvolver um folder que ocupasse o espaço de um encaixe na bandeja, ou seja, 160mm x 160mm. Construiu-se um folder-dobradura, cuja versão final, acondicionada numa caixa de pinus autoclavado 160mm x 160mm, apresenta-se fechada com 140mm x 140mm, tendo 420mm x 560mm quando totalmente aberta, tamanho que permite fácil manuseio do “organograma” leitura das informações (14).
Como último movimento do trabalho, já em 2019 foi desenvolvido “Manual de fabricação e montagem da materioteca”, abordando os seguintes tópicos: 1. Apresentação da materioteca; 2. Material para montagem; 3. Introdução ao processo de fabricação digital; 4. Fabricação e montagem das peças. O desenvolvimento deste manual, inicialmente, contemplou pesquisa sobre uma série de manuais de diferentes produtos, de empresas como Ikea, Tok&Stok, Brastemp, como referência para a compreensão de como é a dinâmica de um manual em sua íntegra e, por desdobramento, subsidiar a definição de questões relacionadas à organização e projeto gráfico do conteúdo deste último produto do trabalho. A definição do conteúdo do manual foi feita a partir de uma análise retrospectiva do processo de montagem da “materioteca”, análise que gerou a oportunidade de rever certos momentos deste processo a fim de otimizar a qualidade do mesmo, fornecendo atualização de certos dados que foram incorporados ao “manual” tendo em vista o aperfeiçoamento do processo de fabricação e montagem da “materioteca”.
Todos os produtos elaborados pela pesquisa serão disponibilizados, ainda no ano 2019, por meio de sistema open source, caracterizando o catálogo digital, a ser disponibilizado ainda este ano por meio do site do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC Rio, com objetivo de possibilitar a execução completa de todos os elementos que constituem o catálogo físico. Ou seja, disponibilização plena de conhecimento a todos aqueles que tenham interesse na temática desta pesquisa.
Considerações finais
O projeto “Fabricação, tectônica e projeto: catálogo de encaixes em madeira”, pesquisa aplicada realizada entre o segundo semestre de 2016 e o primeiro de 2019, permitiu o aprofundamento na compreensão dos encaixes tradicionais em madeira, compreensão atualizada em termos contemporâneos por meio da construção destes por meio de processos relacionados à fabricação digital, proporcionando também como importante resultado nova forma de classificação destes encaixes.
Mas, acima de tudo, projeto que possibilitou a plena implementação de um processo de trabalho marcado pela prática do aprender-fazendo. Trabalho no qual as falhas observadas, ou melhor, os percalços vivenciados geraram ajustes que, através de um movimento de retroalimentação permanente, permitiram o redirecionamento constante das ações intrínsecas à consecução do projeto. Estratégia metodológica que denota a qualidade de uma experiência vinculada à reflexão-na-ação. Estratégia que, para estar em consonância com sua própria natureza é sempre, e necessariamente, inacabada.
Por fim, há que se dizer, espera-se que este projeto sobre “emendas e juntas em madeira”, elementos essenciais à presença de certo tipo de trabalho, de certo tipo de artefato arquitetônico, para além do que diz respeito à técnica de fabricação digital, caracterize material de referência no processo de ensino-aprendizagem em projeto de arquitetura associado à construção contemporânea em madeira.
notas
1
Pesquisa vinculada ao PPGArq DAU PUC Rio, cadastrada no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, desenvolvida no período 2015-2019, com equipe constituída por quatro professores pesquisadores: Marcos Favero (coordenador, 2015-2019), Luciano Alvares (2015-2019), Raul Corrêa-Smith (2015-2016) e Fernando Betim (2015-2016); e oito alunos de graduação, sendo cinco destes bolsistas de iniciação científica CNPq (ver nota 5).
2
SCHÖN, Donald. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre, Artmed, 2000.
3
FRAMPTON, Kenneth. Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in the Nineteenth and Twentieth Century Architecture. Cambridge, MIT Press, 1995, p. 26. Grifo do autor.
4
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Pibic e Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Tecnológica – Pibiti do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, agência do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – MCTIC.
5
Isabella Simões (Pibic CNPq, 2018-2019), Sofia Lundgren (Pibiti CNPq, 2018-2019), Narian Andrade (Pibic CNPq, 2018-2019), Victor Cattete (Pibiti CNPq, 2017-2018) e Lucas Di Gioia (Pibic CNPq, 2016-2018).
6
Fornecedor: TWBrazil.
7
GAZTELU, Luis. Carpinteria de Armar. Madrid, Libreria Editorial, 1899; MARCELLINI, Domingos. Manual prático de marcenaria. São Paulo, Ediouro, 1973; JACKSON, Albert; DAY, David. Manual completo de la madera, la carpintería y la ebanistería. Madrid, Del Prado, 1993; JACKSON, Albert; DAY, David. Good Wood Joints. London, Collins, 1995; CEUKELAIRE, Edwin de. Houtverbindingen. Brussels, FVB, 2013; FAIRHAM, William. Woodwork joints. London, Gutenberg, 2007; NUTSCH, Wolfgang. Manuale tecnico del legno. Roma, Sistemi Editoriali, 2006; SUMIYOSHU, Torashichi; MATSUI, Gengo. Wood Joints in Classical Japanese Architecture. Kajima, Kajima Institute, 1991.
8
Respectivamente, Luciano Álvares, professor, arquiteto e urbanista, membro da equipe de pesquisa e supervisor do Laboratório de Volumes e do Canteiro experimental do DAU PUC Rio; e Marcus Vinicius, arquiteto e urbanista, responsável técnico do laboratório.
9
A fim de consolidar a compreensão dos processos e métodos de fabricação digital para produção do “Catálogo de encaixes em madeira” foi elaborado, pelos bolsistas de Iniciação Científica vinculados à pesquisa, um pequeno manual de operação específico para a CNC Router do Laboratório de Volumes doDAU PUC Rio, detalhando os procedimentos de utilização desta máquina e dos softwares SprutCAM e PowerMILL.
10
Trata-se de versão final em termos de conteúdo, pois, como será visto adiante, o organograma em função do desenvolvimento da “materioteca” sofreu uma última revisão, no que diz respeito ao seu design gráfico para que este – “peça” fundamental do trabalho – fosse incorporada ao móvel expositor juntamente com os 46 encaixes.
11
Cada gaveta possuí uma bandeja em MDF 6mm, pintada com tinta spray na cor preto fosco, onde estão posicionados 6 encaixes em espaços vazados com formato específico, sendo cada encaixe acompanhado de legenda contendo desenho perspectivado e nome em português e inglês. As bandejas 1 e 8 são exceção à regra, pois comportam somente 5 encaixes, sendo que nestas estão abrigados, respectivamente, o organograma e a ficha técnica, componentes que foram objeto de projetos gráficos específicos desenvolvidos simultaneamente à construção da “materioteca”.
12
A título de ilustração deste processo vale mencionar: 1. A avaliação dos primeiros desenhos técnicos implicou na rediagramação do conteúdo de cada bandeja, na medida em que se passou a considerar como determinante o agrupamento por semelhança das peças dos encaixes, bem como o alinhamento e o posicionamento das legendas; 2. A partir da análise dos mock-ups, as gavetas e as bandejas foram redesenhadas e redimensionadas; 3. Neste mesmo momento, já próximo a versão definitiva do projeto, definiu-se que as bandejas deveriam ser pintadas de preto de forma a gerar maior contraste entre estas e os encaixes. Para tanto foi necessário um novo tipo de gravação de legendas por meio da qual o MDF não tivesse sua superfície queimada pelo laser, e foi adotado um procedimento que caracteriza “espécie de desgaste” da superfície do material chamado hachura.
13
Para marcar mais precisamente os pontos de aparafusamento nas laterais da caixa o e nas gavetas foi elaborado um gabarito em papel triplex produzido na máquina de corte à laser e desenhado com auxílio do software AutoCAD. Estratégia importante para dar precisão, agilizar e facilitar o processo de instalação das corrediças na “materioteca”.
14
A partir da definição do formato, foi desenvolvido o projeto gráfico do folder, considerando questões como tamanho, impressão, papel disponível, gramatura e conteúdo do texto relacionado a pesquisa, tendo sido feitos vários testes de impressão, parciais e do todo, até atingir o resultado desejado.
sobre o autor
Marcos Favero é arquiteto e urbanista (1987), mestre (2000) e doutor (2009) em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro. Professor da PUC Rio, atuando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura desde 2013, e no Curso de Arquitetura e Urbanismo desde 2002. Autor de Linhas expandidas. Urbanismos de fronteira: Brasil, Argentina e Uruguai (Editora PUC Rio, 2016).