Uma análise territorial do estado sob as diferentes faces do desenvolvimento
A proposta é desenvolver uma análise relacionada ao acirramento de desigualdades socioespaciais no estado de São Paulo tendo como parâmetro a proposta metodológica e os resultados obtidos em pesquisa realizada em 2002 por Manoel Lemes da Silva Neto (1).
Admitindo que contrastes revelam realidades díspares, e que por vezes revelam relações de liderança e competitividade de determinados lugares sobre outros, os índices apresentados permitem compreender como e onde os desdobramentos (causas e consequências) inerentes ao fenômeno técnico-econômico surgem no estado mais produtivo do país, contribuindo na compreensão de processos e dinâmicas associados às desigualdades. Nesse sentido, o índice final (Índice de Interação Técnico-Econômica – ITE) assume dois pontos de apoio seguros para a análise do território a partir de uma série de subíndices complementares entre si: os sistemas de engenharia e a atividade econômica.
O ITE é um índice composto a partir da associação de subíndices obtidos por variáveis primárias de diversas fontes, tais como Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – Seade, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel.
A intenção é apresentar os resultados alcançados com a atualização dos bancos de dados produzidos na pesquisa original e que, georreferenciados, permitem reconhecer como o comportamento do território sob a influência desses indicadores tecnológicos, sociais e econômicos aconteceu num intervalo de aproximadamente quinze anos. Para ilustrar a obtenção desses índices a partir das variáveis primárias, a fórmula referente ao indicador estará ao lado de cada figura.
Sistemas de engenharia
Encerrado pelo Índice de Conectividade dos Sistemas de Engenharia – ICSE, é composto por três subíndices principais: os índices de Potencialidade de Conexão aos Sistemas de Transportes – IPCT, de Potencialidade de Conexão aos sistemas de Telecomunicações – IPCTC e de Potencialidade Urbana – IPU).
A representação que expressa tal índice permite compreender a relação que os lugares estabelecem com o todo a partir da infraestrutura de fluxos, telecomunicações e desenvolvimento social e urbano. Desse modo, pode-se avaliar quais lugares estabelecem ligação territorial direta com o estado, quais apresentam maior potencial de conexão midiática bem como o modo de desenvolvimento das cidades, além de fatores antrópicos como escolaridade e renda da população. De imediato, é possível perceber o destaque na região da macrometrópole e arredores, estendendo-se em direção ao estado do Rio de Janeiro e Brasília pelos vetores de crescimento consolidados.
Índice de Potencialidade de Conexão dos sistemas de Transportes – IPCT
Trata-se da reunião de dados relativos à conexão de transportes rodoviários e aeroviários. Elaborado a partir das relações estabelecidas pelas distâncias em relação aos equipamentos de fluxo. Os mapeamentos claramente revelam vínculos aos sistemas rodoviário – IPCTR e de aeroportos – IPCTA, segundo sua magnitude e característica. A reunião de ambos no índice final, é, portanto, um balanceamento entre os dois sistemas, coincidentes em importância na região da macrometrópole paulista, onde nota-se uma evidente densidade de fluxos induzida pela presença de fixos de alto impacto, materializados por aeroportos e estruturas rodoviárias.
Enquanto o sistema de rodovias aparece difuso pelo estado relacionado principalmente às rodovias Anhanguera, Washington Luís e Raposo Tavares, num desenho radial de origem na capital, o sistema de aeroportos, por sua vez, materializa-se na forma de raios de abrangência municipais, com destaque para os equipamentos operados pela Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – Infraero, nos municípios de São José dos Campos, São Paulo e Campinas, resultando no comportamento gráfico do índice que os reúne.
Índice de Potencialidade de Conexão dos Sistemas de Telecomunicação – IPCTC
Trata-se da reunião de dados acerca da potencialidade de conexão aos sistemas de comunicação de massa – IPCCM, bem como a conectividade aos sistemas de Wifi gratuitos pelo território do estado – IPCW. São Paulo, Campinas, Guarulhos, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto detém os maiores valores para o índice de conectividade aos sistemas de Wi-fi. Ainda que haja concentração nos vetores, há destaques em municípios específicos, demonstrando gradual interesse por parte dos projetos estaduais (a exemplo do programa Acessa SP) em difundir estruturas de comunicação gratuitas. Municípios como Indiana, Ipiguá e Penápolis são exemplos de polaridades que se instauram em porções menos desenvolvidas do território do estado, consolidando contrastes entre municípios vizinhos, que aparentam relações de dependência. Agrupamentos maiores como São Carlos-Araraquara, Bauru-Piratininga e São José do Rio Preto-Mirassol revelam pontualidades específicas que extravasam o vetor de expansão, mas que ainda desempenham relações importantes, principalmente em relação aos municípios tangentes. A análise gráfica do índice indica ser um dos temas que mais fomenta desigualdades no espaço.
Ilustrando tais desigualdades, apenas no município de São Paulo, são 344 pontos de acesso gratuito à rede Wifi, enquanto 41,7% dos municípios do estado não contam com nenhum ponto de acesso. O Índice de Potencialidade de Conexão dos sistemas de Comunicação de Massa, por sua vez, reúne diferentes tecnologias de serviços de televisão por assinatura (MMDS, TVA, e TVC).
A própria natureza das redes de telecomunicação pode explicar esse fenômeno. Por estabelecerem conexões virtuais, os entrepostos físicos não se colocam de forma tão determinante, apesar de dependerem de infraestruturas de rede. Pode-se dizer que é uma espécie de iniciativa de afirmação de alguns lugares em relação aos sistemas globais, raciocínio fundamental para compreensão do período.
Índice de Potencialidade Urbana – IPU
Agrega fatores territoriais e antrópicos pelos índices de expansão urbana – IEU, de hierarquia funcional dos centros urbanos – IHU e socioeconômico e tecnológico da população – Iset – contemplando escolaridade – IES, rendimento familiar – IRF e potencialidade tecnológica da população – IPT. Em suma, organiza um recorte detalhado da organização do estado em relação ao desenvolvimento das cidades e da população.
O mapeamento mais curioso se dá justamente no índice de expansão, estabelecido no período de 2009 a 2018: os municípios que mais revelaram crescimento populacional foram justamente os menos densos. A porção menos habitada do estado (extremo sul e oeste), foi a que mais registrou crescimento populacional. Municípios como Quadra, Pedra Bela, Barra do Chapéu e Paraibuna exibiram os valores mais significativos, enquanto a capital estacionou na 618ª posição, das 645 cidades estudadas. Poderia-se recorrer à hipótese de crescimento acelerado das cidades médias e/ou satélites no estado, uma realidade latente principalmente nas últimas duas décadas. Contudo, a hipótese mais adequada é simplesmente que os lugares mais dotados de infraestrutura, e portanto de empregos e pessoas estão chegando ao limite. É fato que municípios mais desenvolvidos econômica e produtivamente não abrigam a melhor qualidade espacial devido ao histórico crescimento macrocefálico, completamente alheio a qualquer urbanidade. É de se esperar, portanto, que haja maior crescimento relativo. Isto é, a taxa de crescimento de determinado município de menor porte pode ser menor que a da capital. Contudo, apresenta maior índice devido a sua situação original.
Enquanto isso, o Índice de Hierarquia Funcional dos Centros Urbanos – IHU é constituído pelo Região de Influência das Cidades – Regic, publicação do IBGE que busca estudar a hierarquia da rede urbana do país, baseando-se no fluxo de informações, bens e serviços. A análise indica a repetição do padrão: São Paulo, Campinas, Piracicaba, São José do Rio Preto e Ribeirão Preto em destaque – municípios dos quais três compõem regiões metropolitanas e um aglomerado urbano-, seguidos por municípios que revelam menor índice como Araraquara, Bauru, Araçatuba e Marília, confirmando a lógica inerente ao estado.
Por fim, o índice socioeconômico e tecnológico da população – Iset é conformado por subíndices relativos à escolaridade – IES, rendimento familiar – IRF e potencialidade tecnológica da população – IPT.
A leitura da representação do índice de escolaridade permite avaliar que a maior quantidade de matrículas no ensino médio concentra-se na porção sul e sudeste do estado, bem como a extremo oeste. Um padrão incomum para o estado, embora as regiões metropolitanas de Santos, São Paulo e Campinas estejam contempladas.
Em relação ao Índice de Rendimento Familiar – IRF, o vetor Ribeirão Preto – São Paulo – São José dos Campos, novamente em destaque, revela a tendência natural em concentrar famílias detentoras de maior renda – embora proporcionalmente o custo de vida e valor da terra também sejam mais elevados. Por outro lado, os extremos sul e oeste estabelecem evidente contraste com a realidade das metrópoles, denunciando oportunidades desiguais de trabalho, desenvolvimento, qualificação e sistemas produtivos.
O Índice de Potencialidade Tecnológica da população é o que relativamente exibe mais contrastes e menor padronização. As variáveis se relacionam à incidência de matrículas em curso superior e presença de empregos especializados. Pode-se dizer que expõe um tipo de segregação socioespacial na medida que não há interação entre tecnologia e desenvolvimento. Isto é, por mais que haja subsídios intelectuais, não há interação para com o processo de desenvolvimento econômico. Ao relacionar o mapa com índice seguinte que revela o comportamento da atividade econômica no estado, a afirmação sobre essa desconexão torna-se perceptível.
Enquanto IPT exibe um padrão difuso e contrastante com o entorno imediato, o Índice de Atividade Econômica – IAEC materializa-se num padrão concentrado na capital, que se difunde pelo território gradualmente. É a típica sobreposição que permite a compreensão de uma desigualdade socioespacial oculta. Isto é, tomar a capacitação da população como qualificação do espaço é um equívoco, uma vez que a análise de atividade econômica não coincide espacialmente, revelando uma interrupção no processo intelectual-econômico.
Atividade Econômica
Encerrado pelo Índice de Atividade Econômica – IAEC, é composto por dois subíndices principais: os índices de Dinâmica Econômica Municipal – Idem e de Dinâmica Econômico-Tecnológica – Idet. Permite avaliar a tanto o desenvolvimento econômico quanto a arrecadação tributária no estado. Nesse sentido, a representação final antevê a padronização conhecida (vetores de desenvolvimento), com pontuações graduais. Tais pontuações podem ser explicadas pela análise dos índices, caso a caso. Há indicadores que ressaltam a concentração, enquanto outros revelam uma dispersão não intuitiva, mas que estabele uma série de hipósteses sobre o comportamento e relações dos municípios entre si, de modo a compreender as dinâmicas territoriais que revelam o processo produtivo, as regiões de qualificação da produção, de concentração dos equipamentos financeiros e de arrecadação dos maiores valores em impostos.
Índice de Dinâmica Econômica Municipal – Idem
O índice conta com variáveis relativas a arrecadações municipais e estaduais na forma de impostos como IPTU, ICMS, ISS, bem como a distribuição de agências bancárias, valor em depósitos bancários e valor em operações de crédito pelo território do estado. Em termos de representação, assemelha-se muito ao índice composto IAEC. Isso devido a seu valor nos índices, que apresenta-se naturalmente maior que o outro índice complementar Idet.
Por tratar-se de indicadores referentes a valores pecuniários, permite observar graficamente os lugares que mais contribuem com impostos em termos gerais. A representação indica que não somente onde o valor da terra é maior, contribui-se mais com a receita total arrecadada. Cidades menos desenvolvidas contribuem relativamente em mesma medida quando comparadas a municípios mais prósperos, mesmo que não apresentem destaque em quaisquer outros indicadores positivos.
O índice de renda municipal, calculado segundo o PIB dos municípios é típico do estado mais produtivo do país. Excetuando-se a porção sul e leste (litoral), é um tema que não apresenta tantos contrastes e padrões. Considerando que o estado (mesmo contemplando esferas tecnológicas ímpares no país), ainda mantém uma produção diversificada, todos os municípios encontram participação no quadro produtivo geral.
Ainda compondo o subíndice total, o índice de receitas públicas é fragmentado em Índice de Arrecadação de Tributos Municipais – IATM, ISS e Índice de Tributos Estaduais – Iate. A análise seleciona dois polos de configurações distintas para discussão. O primeiro, a norte do estado, composto por pontos fragmentados altamente contrastantes entre municípios tangentes e o segundo, a densa região da macrometrópole e arredores. Os índices seguintes permitem fragmentar o diagnóstico.
Em relação ao índice de arrecadação de tributos municipais, contemplado por IPTU e ISS, observa-se grande semelhança com o índice superior. No entanto, os maiores valores de IPTU concentram-se em cidade litorâneas como Santos, Ilhabela, Bertioga, Guarujá, Praia Grande, São Sebastião, Ubatuba. Em contrapartida, os maiores valores para o ISS contemplam cidades nos arredores da capital, como Barueri e Poá, seguidos por Paulínia, Cubatão e São Caetano do Sul. Assim sendo, a capital aparece somente em 15º lugar, indicando informações importantes sobre o preço da terra pelo IPTU e localização de maior concentração de prestação de serviços pelo ISS.
Além disso, é possível observar o extermo sul do estado, detentor de quase nenhum destaque em relação ao todo, indicando baixo valor da terra, bem como pouca ou nenhuma representatividade em serviços de qualquer natureza. Dado absolutamente constrastante com a realidade inerente às regiões metropolitanas, ainda mais tomada a proximidade relativa ao estado.
Em relação ao índice complementar de arrecadação de tributos estaduais, conformado pelos valores municipais de ICMS, o padrão é natural na medida que os municípios mais desenvolvidos e detentores de maior contingente produtivo também são aqueles que circulam mais mercadorias, fornecendo maior retorno ao estado, e vice-versa, tornando a realidade de disparidades cada vez mais consolidada.
Por fim, o índice de movimento financeiro constituído pelo número de agências bancárias, valor em depósitos bancários e valor em operações de crédito chama a atenção pela densidade de determinados municípios, obedecendo ao padrão estabelecido. Em relação aos três temas, a ordem dos municípios, em linhas gerais, se mantém. São Paulo domina todas as temáticas, seguido de Osasco, Ribeirão Preto, São Bernardo do Campo, Santo André, Barueri, Santos e mais uma série de cidades que se não encontram-se em extrema proximidade com a capital, compõem regiões metropolitanas ou aglomerados urbanos. Embora graficamente a representação sob o aspecto da localização em quantidade de agências bancárias seja a mais concentrada nas regiões metropolitanas, os índices para depósitos e operações de crédito aparecem mais dispersos pelo estado, resultando no índice final.
Índice de Dinâmica Econômico-Tecnológica – Idet
O índice abrange dados relativos a valor adicionado e atividades econômicas modernas, produção de alto valor agregado, produtos elétricos e eletrônicos. Composto pelos subíndices Índice de Produção de Alto Valor Agregado – Ipava e Índice de Atividades Econômicas Modernas – IAEM. Evidencia a importância de municípios altamente produtivos, seja na indústria, comércio ou serviços, bem como a especificidade das produções.
O índice de produção de alto valor agregado investiga as indústrias de produtos elétricos e eletrônicos, bem como de circuitos impressos. A concentração de empresas do ramo nos municípios específicos evidencia a preferência por polos altamente tecnológicos, em relação ao estado e ao país. As regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas aparecem em destaque, seguidas pelos municípios de São José dos Campos e Bauru, mais afastados do polo, mas que ainda contam com representatividade. Em relação à versão anterior da pesquisa, que registrou 51 municípios sede para indústrias de produtos elétricos e eletrônicos, a atualização mostrou aumento em 8 municípios, totalizando 59. No entanto, o número de empresas caiu em 142 unidades.
O Índice de Atividades Econômicas Modernas – IAEM conformado por Índice de Valor Adicionado – IVA, Índice de Empregados em Atividades Econômicas Modernas – IEMP e Índice de Estabelecimentos que abrigam Atividades Econômicas Modernas – IEST assemelha-se com o Índice Total (IDET). É mais representativo em relação ao IPAVA, uma vez que abrange mais municípios para análise.
O índice de valor adicionado contempla valores para indústria, comércio e serviços, e assemelha-se à representação sobre o PIB, na medida que grande parte dos municípios atingem patamares suficientemente representativos expostos pela relativa homogeneidade da representação.
Os demais índices IEMP e IEST referem-se à incidência de atividades econômicas modernas, e assim como IPAVA apresentam-se em poucos municípios. Embora o número de estabelecimentos por vezes seja baixo, o número de empregados chega a competir com os maiores valores: é o caso de municípios mais dispersos. Ainda sim, a repetição do padrão acontece.
Embora alguns indicadores expressem maior peso graficamente, todos, em suas particularidades contribuem para o índice de Interação Técnico-Econômica – ITE. É possível perceber, no quadro geral, disparidades entre magnetismos gerados pelo território e sua constante transformação. Observar como o espaço se comporta sob os diferentes aspectos do desenvolvimento social, econômico, físico e financeiro é compreender que as dinâmicas se complementam, mas ocorrem em dimensões específicas, contribuindo para a construção de lugares, no sentido da exposição de suas mais sutis especificidades e demandas. Toda essa construção, no entanto, não é somente fruto das consequências do desenvolvimento natural, mas de conjuntos de ações políticas, determinantes das condições em que tal desenvolvimento acontece.
Uma leitura do espaço pelo índice de Interação Técnico-Econômica – ITE num intervalo de quinze anos
“Considerar o espaço como esse conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações [...] permite, a um só tempo, trabalhar o resultado conjunto dessa interação, como processo e como resultado, mas a partir de categorias susceptíveis de um tratamento analítico que, através de suas características próprias, dê conta da multiplicidade e da diversidade de situações e de processos” (3).
O raciocínio, em princípio, apropria-se da afirmação acima na perspectiva em que a pesquisa busca a compreensão de um desenvolvimento interno, de lógicas próprias, que pretende ser entendido sob as mais diversas faces do desenvolvimento urbano, técnico-econômico, social e produtivo. A união indissociável entre fenômeno econômico e produção tecnológica é a típica relação que fatalmente indica desenvolvimento. Nessa perspectiva, a análise dessa junção aponta as tendências de organização espacial do território, e portanto onde, como e para onde os lugares se desenvolvem.
Apenas três anos após a conclusão da pesquisa original, “em 2006, as regiões metropolitanas de São Paulo, Baixada Santista e Campinas abrigavam 24 milhões de habitantes. Ocupando área correspondente a 0,16% do território nacional, elas representavam 13% da população brasileira e 59% da população paulista. No mesmo ano, as três unidades regionais foram responsáveis por 63% do PIB estadual” (4).
Comparativamente, em 2017, as regiões metropolitanas de São Paulo, Baixada Santista e Campinas abrigavam 27 milhões de habitantes. Admitindo que a extensão em área se manteve (0,16% do território nacional), ainda representam 13% da população brasileira e 60% da população paulista. As três unidades regionais, contudo, foram responsáveis por 69% do PIB no estado de São Paulo.
O quadro retratado em 2006 não somente tendia, como realmente se tornou mais acentuado. A lógica é simples: quanto mais influente e detentor dos meios de desenvolvimento técnico-econômico um determinado agrupamento se tornar, maior será seu magnetismo em relação a outros lugares. Em outras palavras, quanto mais desenvolvido um determinado arranjo de municípios se tornar, maior será sua capacidade de atrair investimento, e portanto, desenvolvimento. É hoje a realidade e a materialização das lógicas de mercado, que, defronte um Estado que não prioriza a aplicação de uma política territorial, acaba tornando-se poderosa e preponderante na organização do território.
Ao mesmo tempo, tal desenvolvimento vem às custas do empobrecimento e esquecimento de outros tantos lugares. Pode-se citar o pontal do Paranapanema, ou o extremo sul do estado, por muitas vezes invisíveis na leitura gráfica dos índices expostos por essa pesquisa. São regiões que, claramente relegadas, não possuem atrativos suficientemente fortes para competir com os agrupamentos desenvolvidos, e tampouco serão assistidas por uma política de regeneração socioespacial tão cedo. Isto se dá, novamente, por uma questão interna, fortemente relacionada à ação política na esfera territorial, que não busca desenvolver todo o estado, necessariamente. Apenas uma parcela de São Paulo aparece como território interessante aos olhos do mercado, uma realidade que tende a manter-se caso o sistema político não se aproprie do problema, permitindo que a desigualdade socioespacial não apenas permaneça, mas torne-se cada vez mais clara.
Há, portanto, uma evidente acentuação do desenvolvimento econômico nos lugares mais produtivos. A concentração dos meios de produção torna-se cada vez mais atrativa ao mercado e a uma política que em princípio obedece a ele. Nesse sentido, essa aglutinação permite que aglomerados mais desenvolvidos tornem-se com o tempo, cada vez mais poderosos. O aumento das desigualdades aparece a nível estadual. Simultaneamente, há diminuição de pontos de contraste devido ao magnetismo dos pontos de desenvolvimento, isto é, praticamente, há uma grande região detentora dos meios técnico-produtivos, e uma região ainda maior que contrasta grandemente em quase todos os aspectos com a primeira – como a análise gráfica dos índices pôde demonstrar.
Conclusões
Em face ao panorama construído pela interpretação dos indicadores, acrescenta-se o cenário globalizado altamente competitivo em que se desenvolve esse sistema (técnico-econômico). Teriam as regiões menos representadas, sob tais aspectos, perspectivas na dimensão de uma competição igualitária? A espacialização do índice ITE ilustra os comandos ocultos que determinam a organização espacial: as regiões que ditam e as que obedecem a lógicas e hierarquias aparecem como setores muito bem delimitados no estado, denunciando o panorama sobre o qual a política territorial deve atuar por meio da urbanização (5).
Nesse sentido, o título “espaços da desigualdade”, é altamente revelador: o objetivo final é buscar transparecer graficamente as lógicas que, simultaneamente, produzem regiões absolutamente desprovidas de qualquer investimento, e induzem um grau elevadíssimo de interação técnico-econômica em grandes aglomerados conformados por municípios extremamente influentes a nível estadual ou nacional.
Apesar disso, a análise não é simplesmente intuitiva. Ao relacionar determinados temas, é possível deduzir realidades ocultas, que não revelam-se nos índices primários. Exemplificando, os índices referentes à escolaridade e qualificação intelectual da população não necessariamente expressam graficamente um desenho coincidente aos de desenvolvimento tecno-econômico. Isto é, apesar de diversas regiões fora dos vetores de crescimento revelarem números satisfatórios acerca das questões educacionais, estas não necessariamente conseguem induzir essa qualificação em direção aos avanços tecnológicos ou econômicos, como demonstram os índices que expressam essa dinâmica.
É nesse cenário de contrastes que a afirmação dos lugares como tais se faz ainda mais importante. Apesar da reconhecida relação de competitividade dada tanto pelo período histórico como pelas novas relações de troca e trabalho, mais do que nunca, as municipalidades precisam se afirmar a fim de tornarem-se interessantes nessa conjuntura estadual. É nas peculiaridades do lugar que este se destaca na totalidade, e torna-se atraente para integrar um jogo de interesses maior que suas fronteiras. Nessa perspectiva, os modos de produção, as relações de troca, as maneiras de se relacionar social e politicamente específicas dos lugares tendem a transparecer. Contudo, se não se revelarem como uma causa interessante, tendem a ser encobertas por dinâmicas maiores e mais poderosas. São Paulo, como um estado extremamente diversificado em sua produção, é o cenário perfeito para o exercício desse pensamento: pode-se reconhecer desde atividades altamente tecnológicas até a produção agrícola mais rudimentar, o que é, necessariamente, uma boa determinante.
É, portanto, necessário, para além dos planos locais, regionais, ou estaduais, abranger a realidade em seus pormenores, a fim de contemplar as demandas e necessidades conforme a natureza dos lugares. É na diversidade que se encontra a sobrevivência, e é, portanto, no olhar atento sobre as regiões menos assistidas que a multiplicidade reside.
Se, por um lado, os lugares melhor equipados, as “regiões ganhadoras” de que falava Lipietz e Benko (6), pois bem, se esses lugares são beneficiados pela presença maciça do mercado e do aparato tecnológico que garante o seu funcionamento, as demais reivindicam ações mais específicas do poder público para garantirem alguma chance de competitividade. Contando apenas com forças endógenas, pouco poderão fazer pelo próprio desenvolvimento.
Reconhece-se que o fator “competitividade” é, hoje, decisivo para o desenvolvimento regional. Aliás, os efeitos perversos da adoção desse conceito como paradigma de desenvolvimento econômico e social (7), não descartam a possibilidade de usá-lo como critério para a identificação de regiões estruturalmente em desvantagens. Ao contrário, ao apontar os contextos regionais complexos, as “regiões do mandar”, o índice denuncia as “regiões do fazer” (8), as comunidades que são merecedoras da atenção especial por parte do Estado, pelo menos quanto à manutenção e sobrevivência de suas culturas e modos de vida paralelamente conciliados com a dinâmica tecnológica e econômica da atualidade.
notas
NE – O artigo é resultado de pesquisa de iniciação científica produzida no PIC (Programa de Iniciação Científica) 2017 da PUC-Campinas, com recursos do CnPq.
1
SILVA NETO, Manoel Lemes da. Proposição de um índice de interação técnica e econômica para os municípios do Estado de São Paulo. São Paulo: Fipe/USP, mar. 2002. Mimeo. (Relatório de pesquisa).
2
Alguns índices exercem maior peso sobre o indicador final devido à natureza de seus valores. Isto é, quanto maior a discrepância entre valores municipais, menor o valor correspondente ao índice, e vice-versa.
3
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo; razão e emoção. São Paulo, Hucitec, 1996, p. 51-52
4
SILVA NETO, Manoel Lemes da. Evolução e tendências da gestão metropolitana em São Paulo (parte 1), set. 2010, p. 4.
5
SILVA NETO, Manoel Lemes da. Novas regiões, outros desafios: a regionalização do novo mercado em São Paulo e suas implicações no planejamento urbano-regional. Cadernos Ippur, v. 20, n. 1, Rio de Janeiro, jan./jul. 2006, p. 49-75.
6
LIPIETZ, Alain, BENKO, Georges. As regiões ganhadoras: distritos e redes; os novos paradigmas da geografia económica. Oeiras, Celta Editora, 1994.
7
“A competitividade é um outro nome para a guerra, desta vez uma guerra planetária, conduzida, na prática, pelas multinacionais, as chancelarias, a burocracia internacional, e com o apoio, às vezes ostensivo, de intelectuais de dentro e de fora da Universidade. [...] Como podemos, mesmo assim, admirar-nos de que, aqui e ali, estourem guerras e corra o sangue, já que a Nova Ordem Mundial que se constrói é baseada numa competitividade sem limites morais”. SANTOS, Santos. Técnica, espaço, tempo: globalização e meio técnico–científico informacional. São Paulo, Hucitec, 1994, p. 35.
8
Idem, ibidem, p. 114-117.
sobre a autora
Nathália Giassetti Ongaro é arquiteta e urbanista (Puccamp, 2019), e integrante do grupo de pesquisa Laboratório de Desenho de Estratégias Urbano-Regionais na mesma universidade desde 2016. Foi premiada por mérito científico sob a forma de artigo intitulado “Espaços da desigualdade: agrupamentos territoriais de alta performance no estado de São Paulo”, em 2018.
Manoel Lemes da Silva Neto é arquiteto e urbanista, mestre e doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo e especialista em Gestão do Desenvolvimento Regional pelo Instituto Latino-americano e do Caribe de Planificação Econômica e Social. É professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo do Centro de Ciências Exatas, Ambientais e de Tecnologias da PUC-Campinas.