Este artigo, resultado de uma pesquisa de mestrado defendida no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia – PPGAU/FAUeD/UFU, tem por objetivo compreender como a ideia, enquanto projeto, desenvolve-se ao longo do processo de projeto, da ideia inicial a obra em uso. Para isso, selecionou-se como objeto de estudo a obra do Centro Administrativo de Uberlândia, projeto do escritório de Acácio Gil Borsoi com o arquiteto Milton Leite, fruto de concurso nacional realizado em 1990. Na pesquisa utilizou-se de uma metodologia que envolveu levantamento de dados e análise de projeto mesclada a alguns elementos de avaliação pós-ocupação. A junção de todas essas ferramentas permitiu um entendimento mais amplo do objeto de estudo, sobre ótica da análise da evolução da ideia.
Uma questão recorrente observada na arquitetura é a diferença entre o discurso, o projeto enquanto ideia, e os resultados obtidos na prática com essa mesma ideia. Como surgem essas divergências? Seria um problema de levar o conceito ao projeto ou de execução do mesmo? Seria uma inadequação do projeto ao contexto e aos usuários em que o mesmo é imposto? Com essas questões em mente, buscou-se, através do da análise da obra do Centro Administrativo de Uberlândia, compreender como a ideia se transforma. Quais os agentes envolvidos no processo e suas contribuições? Em que momentos decisões importantes foram definidas e quais suas implicações na atual configuração do espaço?
Como resultado, esse artigo espera contribuir para o fornecimento de subsídios que norteiam o processo de projeto nos ateliês de ensino, bem como na prática profissional. Nas palavras de Maria Lúcia Malard (1), “o nosso objetivo como pesquisadores deverá ser o de gerar conhecimentos que os arquitetos possam aplicar para fazerem melhores projetos”. No caso dessa pesquisa, propõe-se gerar um novo conhecimento acerca do entendimento das transformações projetuais determinadas no processo de projeto e sua contribuição para o resultado final da obra do Centro Administrativo de Uberlândia.
Para responder à questão aqui proposta, descreve-se a seguir a metodologia eleita para tratar esse assunto, que no caso foi uma conciliação entre o levantamento de dados e a combinação de algumas ferramentas de avaliação pós-ocupação com análise de projeto. Trata-se em seguida do objeto de estudo, o conjunto de edifícios do Centro Administrativo de Uberlândia, obra importante para o contexto da arquitetura brasileira (2) produzida no início dos anos de 1990. Em seguida são descritos e discutidos os resultados dessa análise das transformações pelas quais a obra passou desde o estudo preliminar até a sua situação atual.
Metodologia e objeto de estudo
Como objeto de estudo, buscou-se uma obra arquitetônica dentro do contexto da arquitetura brasileira que tivesse a evolução de sua ideia documentada, pois assim poder-se-ia estudar suas transformações ao longo das etapas de estudo preliminar, projeto executivo e adequações posteriores.
Com base nisso, optou-se pelo Centro Administrativo de Uberlândia, conjunto de edifícios responsável por abrigar os funcionários dos órgãos Executivo e Legislativo municipais da cidade de Uberlândia, cidade essa situada na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, no estado de Minas Gerais. Essa obra foi concebida a partir do resultado do concurso de projeto realizado em 1990, vencido pela equipe formada pelos arquitetos Acácio Gil Borsoi, Janete Costa, Milton Leite Ribeiro, Marco Antônio Borsoi e Rosa Maria Chagas Aroucha (3). Foi inaugurada em 1993 e continua em uso desde então. Além de ter uma importância regional e nacional, a escolha fundamentou-se no fato de haver documentação de vários momentos de seu desenvolvimento, ou seja, do estudo preliminar vencedor do concurso, o projeto executivo e as transformações posteriores a sua inauguração.
O Centro Administrativo de Uberlândia, localizado no cruzamento das avenidas João Naves de Ávila e Anselmo Alves dos Santos, é composto por dois conjuntos de edifícios, um destinado ao Legislativo e outro ao Executivo. O primeiro, do Legislativo, é formado por dois blocos, sendo um destinado ao Plenário da Câmara e outro aos gabinetes dos vereadores e demais instalações de apoio. O segundo, do Executivo, é formado por três blocos, sendo um o Gabinete do Prefeito, e dois, reservados às secretarias e áreas de apoio. Esses dois conjuntos articulam-se em torno do platô da praça cívica, local para o qual estão diretamente voltados o Gabinete do Prefeito e o Plenário da Câmara. Os demais espaços ao redor desses edifícios são constituídos por estacionamento e pequenas áreas verdes envolvendo os demais edifícios do conjunto.
Uma vez estabelecido o objeto de estudo, passou-se a definição da metodologia a ser empregada. Quando se analisa uma obra arquitetônica, é comum aplicar-se a ela análise de projeto ou avaliações pós-ocupação – APO, no entanto, após confrontar as questões elaboradas e o objeto de estudo, constatou-se que o emprego de apenas uma delas não abrangeria toda a questão aqui proposta. Isso se daria porque nas análises não se levaria em conta o desempenho dos edifícios assim como eles estão hoje. Já as avaliações pós-ocupação focam somente no estado atual – 2019, sem levar em conta as mudanças pelas quais o mesmo passou. Sendo assim optou-se por uma mescla de elementos de análise de projeto e APO para assim contemplar todo o espectro de evolução da ideia. Entendendo evolução aqui não como um simples refinamento linear de uma ideia, mas como as transformações pelas quais a mesma passa ao longo de um determinado processo ou período de tempo.
No tocante ao entendimento do objeto de estudo, buscou-se aliar à análise de projeto um contexto histórico para assim entender as intenções por trás da ideia apresentada, utiliza-se para isso a metodologia de padrões de intenção proposta por Michael Baxandall (4). Segundo ele, o relacionamento entre o problema; a cultura; e a descrição da obra resultante, permitiria entender as intenções de determinado autor, vistas por ele como soluções racionais a problemas que existem em determinados contextos culturais e históricos (5).
Para alcançar esse objetivo, passou-se ao levantamento de informações sobre o Centro Administrativo de Uberlândia. Isso incluiu dados sobre o concurso, a equipe vencedora, os desenhos apresentados no estudo preliminar, os projetos executivos, entrevistas com pessoas ligadas ao projeto e anotações sobre as modificações pelas quais os edifícios passaram após serem inaugurados. Uma das dificuldades encontradas nessa fase foi encontrar a documentação relativa ao edital do concurso e o caderno completo com os projetos executivos, uma vez que esses itens não estavam bem organizados no arquivo da Prefeitura Municipal de Uberlândia. Isso limitou o entendimento de quais elementos contribuíram para as questões respondidas pelo projeto, elementos esses que Lawson (6) denomina geradores de problema. Por exemplo, a leitura do edital permitiria entender a maneira como demandas foram atendidas no projeto e se determinadas inadequações de uso surgiram por desacordo com o solicitado no edital ou pelo mesmo não ser preciso em suas exigências.
A partir dessa coleta de dados, elaborou-se uma análise de projeto que utilizou a metodologia proposta por Leupen et al (7). Sua escolha se deu pelo fato dos procedimentos propostos pelos autores serem abrangentes, sobretudo no que diz respeito ao contexto espacial no qual o edifício está inserido. No livro Proyecto y análisis, Leupen et al elencam as ferramentas que podem ser utilizadas para a leitura de um projeto, tais como plantas, cortes, isométricas explodidas etc, assim como também adição, desmontagem e justaposição de informações a fim de revelar como determinados elementos do projeto se relacionam. Além disso, ele estabelece também cinco tópicos sobre os quais a análise pode se apoiar: ordem e composição; projeto e uso; projeto e estrutura; projeto e tipologia; e projeto e contexto. Optou-se por não utilizar o item projeto e tipologia por entender que o mesmo não se aplicava ao objeto estudado.
Com base no levantamento histórico e na análise de projeto do objeto de estudo, optou-se por utilizar, dentre as várias ferramentas de APO elencadas por Paulo Afonso Rheingantz e Juliane Figueiredo (8), relacionadas à percepção do espaço por um indivíduo (neste caso o pesquisador), o walkthrough e os mapas comportamentais. Além delas, acrescentou-se também, do ponto de vista técnico, avaliações de conforto bioclimático por esse ser um dos condicionantes do estudo preliminar apresentado pelos arquitetos no memorial do concurso.
Para desenvolver algumas das análises e avaliações listadas utilizou-se também de recriações digitais dos edifícios que compõem o Centro Administrativo de Uberlândia, através dos programas Sketchup, Sol-ar e Ecotect.
Resultados
Levantamento de dados
A pesquisa a respeito do Centro Administrativo de Uberlândia, permitiu trazer à tona essa importante obra de Acácio Gil Borsoi, coordenador do projeto ao lado de Janete Costa e Milton Leite. Acácio Borsoi (1924-2009) é considerado por Segawa (9) um dos arquitetos peregrinos, ou seja, aqueles que levaram do Rio de Janeiro e São Paulo as ideias modernistas para o restante do Brasil. Sua obra, desenvolvida em grande parte na região Nordeste do país, pode ser dividida em três períodos (10). Sua fase de formação que vai até a década de 1960, como influência da escola carioca de arquitetura modernista. A segunda de 1968 a 1989, onde adota uma postura estruturalista que remete ao brutalismo. E a última fase que vai de 1989 ao fim da vida, onde observa-se uma visão de maior síntese e maturidade (11).
Da segunda fase destaca-se a Assembleia Legislativa de Teresina (1984), projeto em que se observa muitos elementos que posteriormente seriam empregados no Centro Administrativo de Uberlândia. No que diz respeito à organização espacial destaca-se o pátio coberto por uma grande cobertura ondulada em torno do qual o programa se resolve. No uso dos materiais, salienta-se o uso estrutural e plástico do concreto e os fechamentos internos em tijolo aparente.
Além de Borsoi, é importante destacar também o trabalho de Janete Ferreira da Costa e Milton Leite Ribeiro. Janete Costa (1932-2008) é natural de Olinda – Pernambuco. Graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade Nacional de Arquitetura da UFRJ (1961) e em Planejamento de Interiores pelo Instituto Joaquim Nabuco em Recife (1979). Segundo Andréa Halász Gáti (12), Janete pesquisou, produziu e divulgou a arte popular e o artesanato em diversos momentos de sua vida profissional. Isso era alcançado através da incorporação desses elementos aos seus projetos de interiores e das curadorias e exposições que ela organizava.
Por sua vez, Milton Leite (1944) nasceu em Uberlândia, e graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade Silva e Souza em 1978 no Rio de Janeiro. É através de seu contato com Almir Gadelha (13) que se estabelece a parceria com o escritório de Borsoi para participação no concurso de ideias para o Centro Administrativo de Uberlândia.
O estudo preliminar apresentado no concurso é semelhante ao atual conjunto em muitos aspectos. Na proposta inicial o conjunto já apresentava três edifícios interligados, destinados ao Executivo, e outros dois, também interligados, reservados ao Legislativo. Esses dois conjuntos são articulados por um platô que também assume a função de praça cívica. Local esse com espaços para “eventos comemorativos e culturais” e “comícios e meetings” respectivamente próximo ao Executivo e ao Legislativo (14).
Para os edifícios do Gabinete do Prefeito e o Plenário da Câmara, denominados na prancha do estudo preliminar como edifícios simbólicos, foi criada “uma forma plástica diferenciada (símbolo)” (15), com ambos os edifícios lançados sobre a praça fazendo um contraponto ao outro. Os acessos aos edifícios foram pensados de forma a englobar os fluxos provenientes das quadras dos bairros circundantes e da praça cívica, situando os halls e recepções dos edifícios no nível das avenidas por onde passam os transportes coletivos (16).
Um dos principais condicionantes desse projeto foi o conforto ambiental. O memorial apresentado no estudo preliminar enfatiza a disposição dos edifícios no sentido Leste-Oeste e a importância da ventilação transversal entre as fachadas Norte e Sul, onde também se utilizou de brises para proteção solar (17).
Por fim, é importante mencionar os materiais e as técnicas construtivas descritas no estudo preliminar. Nos edifícios simbólicos (Gabinete do Prefeito e Plenário da Câmara) prevaleceu o uso do concreto tanto como elemento estrutural como por sua plasticidade. Já nos demais edifícios, predominou um uso racional do mesmo com uso de uma solução porticada modular com vão de 5 m x 10 m e balanço de 2,5 m articulada a uma retícula de 1,25 m x 1,25 m (18). No entanto, deve-se destacar que no desenho apresentado ao lado dessa descrição, na prancha apresentada no concurso, nota-se uma malha de 8 x 6 módulos, o que equivaleria a 10 x 7,5 m. Aqui levanta-se a hipótese dessa divergência ser um indício de que a modulação ainda estava em processo de definição.
As modificações do projeto, do estudo preliminar apresentado no concurso, para o projeto executivo, desenvolvido pela equipe vencedora, não se caracterizam como uma ruptura, mas um refinamento da ideia.
A implantação dos edifícios no projeto de execução mantém a mesma observada no estudo preliminar, com pequenas modificações em decorrência de um aumento no comprimento dos dois blocos de apoio do conjunto do Executivo. No projeto paisagístico, nota-se uma grande mudança na praça cívica, que deixa de ser um platô homogêneo dotado de um pouco de vegetação e um espelho d’água que circunda o conjunto do legislativo e termina numa cascata, para assumir uma forma mais complexa, com uma presença maior de espécies vegetais e a eliminação da cascata, sem perder sua destinação de espaço cívico, conforme previsto no memorial do estudo preliminar.
No que se refere à arquitetura dos edifícios, as alterações mais notáveis ocorreram nos dois blocos do apoio do Executivo. No estudo preliminar esses blocos possuíam um formato “ferradura” com a parte interna entre os dois braços descoberta. Na execução esse espaço recebeu uma cobertura ondulada em alvenaria armada semelhante à do bloco de apoio do Legislativo, criando um pátio/praça interna. A fachada Nordeste (Az 61º) foi fechada com uma parede em cobogó para completar assim a conversão da “ferradura” em um bloco fechado. Além disso, utilizou-se de um escalonamento das fachadas Noroeste (Az 331º) e Sudeste (Az 151º) no lugar dos brises para a proteção solar.
O conjunto dos edifícios do Legislativo se manteve fiel ao apresentado no estudo preliminar. No entanto, observa-se no bloco de apoio da Câmara a alteração no sentido de execução da ondulação da cobertura, que foi rotacionada em 90 graus, provavelmente por questões estruturais – armando no sentido de menor vão. Na fachada voltada para a Avenida João Naves, o avanço para proteção dos veículos na entrada principal do edifício foi retirado e as aberturas foram redesenhadas.
Os principais edifícios de cada conjunto, o Gabinete do Prefeito e o Plenário da Câmara, se mantiveram volumetricamente fiéis ao apresentado no estudo preliminar, como pequenas alterações em rasgos nas fachadas que foram inseridos a fim de proporcionar iluminação e ventilação natural a ambientes de apoio.
Em relação aos demais elementos arquitetônicos externos, a alteração mais relevante observada foi a das passarelas de ligação entre os blocos. No estudo preliminar era previsto que as mesmas seriam em casca de tijolo, no entanto, sua execução foi em estrutura metálica com pintura na cor vermelha.
Além do levantamento das alterações entre o estudo preliminar e o projeto executivo, é importante destacar também os elementos que foram definidos apenas nesta fase do projeto. Dentre eles destaca-se as cores empregadas nas circulações verticais e horizontais do Centro Administrativo. A equipe optou pelo emprego das cores primárias azul, vermelho e amarelo. As demais cores presentes no conjunto são resultantes dos materiais empregados, como o concreto e os tijolos aparentes em algumas das paredes internas.
No que diz respeito a arquitetura de interiores, Janete Costa optou pela utilização dos mesmos materiais empregados na parte externa dos edifícios. Como exemplo pode-se citar os bancos fixos das praças cobertas, em concreto aparente, e a escada helicoidal, em estrutura metálica. Deve-se destacar o motivo decorativo presente nas fachadas e espaços internos dos edifícios, executado em concreto aparente, e em madeira apenas do balcão do Plenário do Legislativo.
Como mencionado anteriormente, Janete Costa procurava valorizar a arte e o artesanato brasileiro em seus trabalhos. No Centro Administrativo, destaca-se os painéis do artista mineiro Amílcar de Castro, instalados no hall do auditório do Executivo e na lateral do bloco de apoio do Legislativo, e de obras de artistas locais em vários espaços.
A execução da obra do Centro Administrativo ficou a cargo das construtoras Parente e Construtora Centro Oeste – CCO, respectivamente encarregadas da estrutura e dos acabamentos.
Até aqui debruçou-se sobre o levantamento das transformações pelas quais o projeto passou do estudo preliminar ao projeto executivo, contudo, para alcançar a premissa de entender a evolução e em que ponto importantes decisões de projeto são tomadas, faz-se necessário também compreender as transformações sofridas após sua inauguração.
Após sua execução, o Centro Administrativo de Uberlândia passou por pequenas alterações, a maior parte relacionada a adequação de algumas áreas de atendimento ao público nos blocos do Executivo. Em parte, em função do aumento da demanda, uma vez que a cidade passou de 354.667 habitantes (19) na realização do concurso para 604.013 em 2010 (20). A seguir serão enumeradas as principais alterações e suas possíveis causas.
A primeira dessas alterações após a inauguração se deu nos guichês de atendimento ao público. Sua proposta original era que as pessoas fossem atendidas através de janelas guilhotinas, evitando assim que elas precisassem entrar no interior do espaço destinado aos funcionários. No entanto, logo no início do funcionamento constatou-se que essa solução não atendia a demanda que esse local recebia. Em função disso, alguns guichês foram removidos, passando o atendimento para um espaço mais amplo no interior das secretarias. Apesar disso, muitos locais ainda preservam algumas dessas janelas guilhotinas, agora porém, sem uso.
As demandas em relação ao atendimento ao público também implicaram na implantação de piso elevado em algumas regiões, pois o sistema de cabeamento e lógica sob o solo, previsto em projeto, não ser suficiente para atender as tecnologias utilizadas naquele local.
Outra importante alteração ocorreu no subsolo do segundo bloco do Executivo. Inicialmente quase todo espaço ali seria destinado a estacionamento e uma pequena parte, em seu perímetro, a oficinas. A região passou por uma adaptação perdendo grande parte de vagas no estacionamento para abrigar espaços destinados ao atendimento ao público e outras áreas de apoio como vestiário e gráfica.
No subsolo do bloco de apoio do Legislativo ocorreu algo semelhante, porém sem perda de vagas do estacionamento subterrâneo. Lá a região antes destinada a depósitos, foi adaptada para áreas administrativas, cozinha, refeitório e demais locais de apoio, mesmo com deficiência de ventilação e iluminação naturais.
Pequenas alterações ocorreram em decorrência de atualizações nas normas de acessibilidade e do envelhecimento dos edifícios que compõem o conjunto do Centro Administrativo. Em relação às normas elenca-se as correções nas alturas dos guarda-corpos, nas bitolas dos corrimões e no piso podo tátil. Em relação às decorrentes do envelhecimento, destaca-se a perda de certos revestimentos como, por exemplo, as pastilhas que revestem as circulações verticais e parte do painel de Amílcar de Castro presente na lateral externa do bloco de apoio do Legislativo.
Para responder à questão levantada da divergência entre o planejado em projeto e os resultados alcançados com a obra construída, faz-se necessária também uma compreensão de como os edifícios são resolvidos espacialmente e qual o desempenho dessas configurações, recorrendo-se metodologicamente às análises de projeto e às avaliações pós-ocupação. Contrapondo os dados obtidos ao levantamento das transformações é possível entender em que momento foram tomadas decisões que implicam em divergências em relação ao desejado em projeto.
Análise de projeto
As análises de projeto permitiram a compreensão de como a implantação, organização espacial e questões compositivas foram desenvolvidas no Centro Administrativo de Uberlândia. Agrupa-se a seguir os resultados dessas análises em quatro tópicos selecionados com base nos propostos por Leupen et al: projeto e contexto; ordem e composição; projeto e uso; e projeto e estrutura.
No que se refere a projeto e contexto, observou-se que a implantação do conjunto não está orientada exatamente no sentido Leste-Oeste como descreve o memorial do concurso, mas sim alinhada a malha urbana de seu entorno, com seus principais edifícios alinhados com as avenidas Anselmo Alves do Santos e Ubiratã.
Já no que diz respeito a ordem e composição, constatou-se uma mescla de elementos compositivos modernistas, como as fachadas compostas por brises, e característica clássicas, como a hierarquia e a simetria. Essa última, assim como a implantação, também comprometeu o desempenho do edifício no tocante ao conforto bioclimático, conforme observado nas avaliações.
Em relação a projeto e uso, observou-se que apesar das semelhanças, os dois conjuntos que compõem o Centro Administrativo de Uberlândia apresentam diferenças internas no tocante à organização espacial. No conjunto do executivo há uma disposição centralizada na praça e nas circulações que rodeiam a mesma, com as áreas de apoio nas extremidades do bloco e o espaço entre elas ocupado pelas secretarias. Já no bloco de apoio do legislativo, tem-se um zoneamento onde a praça central coberta permanece, mas as áreas de circulação e apoio estão distribuídas de forma mais homogênea por pavimento, pelo fato de cada gabinete contar com sua própria instalação sanitária.
Sobre o tópico projeto e estrutura, destaca-se o uso do concreto aparente, tanto com função estrutural como estética. No gabinete do prefeito e no plenário da câmara, edifícios de destaque de cada um dos conjuntos, ele é empregado como ambas as funções. Já nos demais blocos de apoio, predomina um uso funcional, ainda que a questão plástica esteja presente em alguns elementos, como os brises e nas grandes empenas cegas. Nos locais onde predomina a aplicação funcional, utiliza-se de uma retícula de 1,25 m por 1,25 m para a modulação da estrutura. Além do concreto, destaca-se também o emprego da cerâmica armada nas coberturas dos blocos de apoio do conjunto, solução essa executada pelo engenheiro uruguaio Ariel Valmaggia (21).
Avaliações pós-ocupação
As avaliações dos edifícios do conjunto do Centro Administrativo permitiram entender como os elementos investigados no levantamento de dados e nas análises de projeto se comportam em uso. Essas avaliações foram aplicadas aos dois blocos de apoio do executivo e à praça cívica do conjunto. Seus resultados estão dispostos nos três tópicos a seguir: Walkthrough, mapas comportamentais e avaliações de conforto.
No Walkthrough foram observadas questões relativas a dois temas: condições de ventilação e iluminação; e os usos das praças em cada um dos blocos. No que diz respeito ao primeiro tema, constatou-se a existência de alguns ambientes nas áreas de apoio – instalações sanitárias e copa para funcionários – sem iluminação e ventilação naturais – nem mesmo mecânica. No segundo tema verificou-se que, apesar de serem parecidas, as duas praças internas possuem usos diferentes, sendo que a do bloco 1 funciona mais como local de descanso e palestras, ao passo que a do segundo bloco abrange mais locais para espera.
Os mapas comportamentais foram aplicados tanto à praça cívica, quanto àquelas cobertas no interior dos dois blocos de apoio do conjunto do executivo. Nessa primeira, constatou-se que seu principal uso é o de ligação entre o bairro Santa Mônica e o hipermercado e shopping que margeiam a avenida Anselmo Alves. Notou-se também outros usos, como a feira semanal promovida pela Prefeitura Municipal. Atividades de lazer passivo foram constatadas apenas nos poucos locais onde havia bancos ou muretas à sobra de alguma vegetação. Já no tocante a seu uso cívico, pode-se observar que de fato o local acolhe algumas atividades coerentes com esse uso, embora tenha-se notado a presença de manifestações em locais não planejados, como a entrada do plenário da Câmara.
Nas praças internas cobertas dos dois blocos de apoio do executivo, verificou-se uma concentração de fluxos no segundo edifício, principalmente por esse ser o local onde está situada a plataforma de atendimento ao público. Observou-se também que o novo mobiliário de espera inserido nesse mesmo local, funcionou como uma barreira que deslocou e concentrou os fluxos de circulação nas laterais dessa área, causando um pouco de congestionamento em alguns momentos.
No tópico relacionado à avaliação de conforto, verificou-se a partir do software Ecotect que as fachadas Noroeste (Az 331º) e Sudeste (Az 151º), principais responsáveis pela ventilação e iluminação dos espaços destinados às secretarias, não protegem adequadamente da radiação solar para a cidade de Uberlândia que tem latitude de 18° 54′ 41″ Sul. Quando confrontada a solução atual com aquela observada no estudo preliminar, observou-se que o problema já existia, porém em menor intensidade do que a utilizada hoje. Além disso, notou-se que o posicionamento dos edifícios não é favorável ao aproveitamento dos ventos predominantes da região (Nordeste e Leste) para a ventilação cruzada. Já nas praças cobertas observa-se o contrário, um eficiente fluxo de ventos graças às aberturas nas extremidades das abóbodas na cobertura, constituindo um efeito chaminé, e as aberturas dos cobogós. Na praça cívica nota-se que os poucos bancos existentes não estão posicionados nas áreas de sombreamento da vegetação ali existente.
Discussões
A partir desses resultados chegou-se as seguintes considerações em relação às transformações pelas quais a obra passou e qual a origem de determinadas questões observadas no atual conjunto. Aqui é importante salientar que todas as alterações observadas ao longo do desenvolvimento do projeto são de responsabilidade da equipe vencedora do concurso. Não havendo registro de modificações importantes que não tenham passado por sua aprovação. No em tanto, não foi possível identificar se as alterações nos pós uso foram de responsabilidade da equipe.
O primeiro ponto a ser levantado diz respeito ao entendimento de que a priorização de elementos de composição clássica na organização espacial e estética colaborou para alguns dos pontos problemáticos observados no projeto, sobretudo aqueles relacionados à questão de conforto bioclimático e inadequação de iluminação e ventilação natural de algumas das áreas de apoio (sanitários e copa) dos blocos do executivo, talvez pela escolha em prevalecer a estética do volume.
No que se refere ao conforto, observou-se que a opção pela simetria nos desenhos entre as fachadas Noroeste (Az 331º) e Sudeste (Az 151º), comprometeu o desempenho das proteções solares na medida em que impôs uma mesma solução para elevações com orientações diferentes. Além disso, a proposta empregada não apresentou um resultado satisfatório sobretudo nos blocos de apoio do executivo, local desprovido de equipamento de ar-condicionado e, portanto, mais dependente ainda desse tipo de proteção. Em contraste, o bloco de apoio do legislativo apresentou um desempenho bem superior.
No que diz respeito ao uso dos espaços comuns presentes no conjunto do Centro Administrativo, deve-se destacar que na Praça Cívica conforme proposta descrita no memorial do estudo preliminar “área calma livre do tumulto urbano” era destinada para atos políticos e eventos comemorativos” nota-se uma baixa utilização, talvez pela ausência de infraestrutura de apoio, tais como mobiliário urbano. Nas praças cobertas existentes no interior dos blocos de apoio do Executivo observa-se o oposto, um local com variedade de usos, indo desde de uma simples espera à celebração de festas. Isso se dá provavelmente pelas condições de conforto eficientes e por estarem inseridas em um local de grande de fluxo de pessoas.
O zoneamento espacial mostrou-se bastante eficiente e equilibrado, com boa distribuição entre as áreas de circulação, apoio e os espaços destinados às secretarias. Suas funções e uso atendem bem, mesmo após 27 anos de sua inauguração e de um aumento natural da demanda em virtude do crescimento da cidade.
Considerações finais
Essa pesquisa permitiu reconstruir as transformações pelas quais o objeto de estudo, o Centro Administrativo de Uberlândia, passou ao longo de sua concepção, do estudo preliminar apresentado no concurso, ao edifício em uso. Ao adicionarmos a esse levantamento as análises de projeto e avaliações pós-ocupações, conseguiu-se um entendimento mais amplo de como a ideia, enquanto projeto, evolui e em que momento decisões importantes para o projeto, foram tomadas. Em relação a isso, pode-se afirmar que essas decisões de projeto não estão restritas a uma única fase do processo, mas se estendem por todo ele, estando presentes até nas transformações que se alongam por toda sua vida útil, demandadas pelo uso e manutenção.
Ressalta-se também a contribuição metodológica em propor abordagens de pesquisa através da mescla de ferramentas de análise de projeto e avaliações pós-ocupação.
notas
1
MALARD, Maria Lúcia. Alguns problemas de projeto ou ensino de arquitetura. In MALARD, Maria Lúcia (org.). Cinco textos sobre arquitetura. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2005, p. 94.
2
SEGAWA, Hugo; LAURENTIZ, Lu de; BORSOI, Marco Antônio Gil. Centro Administrativo de Uberlândia. Revista Projeto, n. 166, 1993, p. 58.
3
RIBEIRO, Milton Leite. Mílton Leite Arquitetos, 2017. Centro Administrativo de Uberlândia. Disponível em: <https://www.miltonleitearquitetos.com.br/>.
4
BAXANDALL, Michael. Padrões de intenção: a explicação histórica dos quadros. São Paulo, Companhia das Letras, 2006.
5
Idem, ibidem, p. 72.
6
LAWSON, Bryan. Como arquitetos e designers pensam. São Paulo, Oficina de Textos, 2011, p. 86.
7
LEUPEN, Bernard et al. Proyecto y análisis – evolución de los principios em arquitectura. Barcelona, Gustavo Gili, 1999.
8
RHEINGANTZ, Paulo Afonso; Figueiredo, Juliane. Observando a qualidade do lugar: procedimentos para a avaliação pós-ocupação. Rio de Janeiro, PROARQ/FAU/UFRJ, 2009.
9
SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo, Edusp, 1998.
10
WOLF, José; BORSOI, Marco Antônio [1999]. Apud FEITOSA, Ana Rosa Soares Negreiros. A produção arquitetônica de Acácio Gil Borsoi em Teresina: análise dos critérios projetuais em Edifícios Institucionais. Dissertação de mestrado. Porto Alegre, Propar UFRGS, 2012, p. 29.
11
FEITOSA, Ana Rosa Soares Negreiros. Op. cit., p. 31.
12
GÁTI, Andréa Halász. Arte e artesanato na arquitetura de interiores moderna de Janete Costa. Dissertação de Mestrado. Recife, MDU UFPE, 2014, p. 79.
13
Borsoi e Almir Gadelha trabalharam juntos no início da carreira, no Rio de Janeiro, e colaboraram em alguns outros projetos ao longo de sua trajetória. Desses, destaca-se a proposta apresentada por eles e Janete Costa no concurso para o Museu de Pompidou na década de 1970 e o Conjunto Inez Andreazza (1979) em Caçote, Recife. Ver mais em FUNCULTURA. Inventário – Acácio Gil Borsoi, 2015 <http://acaciogilborsoi.com.br/>.
14
BORSOI, Marco Antonio; DANTAS, N. B. (Org.). Acácio Gil Borsoi: arquitetura como manifesto. Recife, 2006, p. 50.
15
Idem, ibidem, p. 50.
16
Idem, ibidem, p. 50
17
Idem, ibidem, p. 51.
18
Idem, ibidem, p. 51.
19
DATASUS. Portal da saúde, 2019. Informações de Saúde (TABNET), Demográficas e Socioeconômicas <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/cnv/popmg.def/>.
20
IBGE. IBGE | Cidades, 2019. Minas Gerais | Uberlândia | Panorama <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/uberlandia/panorama/>.
21
SEGAWA, Hugo; LAURENTIZ, Lu de; BORSOI, Marco Antônio Gil. Centro Administrativo de Uberlândia. Revista Projeto, n. 166, São Paulo, 1993, p. 66; DE SANTANA, Daniela Regina Sales; SILVA, Paula Maciel. Ariel Valmaggia e a tecnoestática das cascas de cerâmica armada em Pernambuco. In Anais do 13º Seminário Docomomo Brasil, Salvador, 7 a 9 de out. 2019.
sobre os autores
Elcio de Oliveira Garcias é arquiteto urbanista, mestre em Arquitetura e Urbanismo pelo PPGAU/FAUeD da Universidade Federal de Uberlândia (2019) e especialista em reabilitação sustentável pelo Reabilita da Universidade de Brasília (2012).
Patricia Pimenta Azevedo Ribeiro é Arquiteta urbanista, Professora PPGAU / FAUeD / UFU. Pós- doutora PROURB/FAU/UFRJ, Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAUUSP / USP (2007), Mestre em Arquitetura pela EESC-USP (1998), Especialista em Design pela UIA – Universitá Internazionale del’Arte (Firenze- 1984).