As características do Brutalismo Paulista se espalharam pelas cidades brasileiras em todas as regiões do país. Ao tratar desse tema no contexto paranaense, Abílio Guerra inicia sua análise apresentando os termos “influência” e “transposição cultural”, os quais utiliza para tratar de “um conjunto de princípios culturais de um dado ambiente de origem” e que “passa necessariamente por um sem número de pequenos e grandes ajustes para que seja possível seu enraizamento no ambiente cultural de chegada”, afirmando então, que influências e transposição cultural ocorrem de modo simultâneo, já que no caso da influência cultural “o sujeito influenciado escolheu em alguma medida seu objeto de desejo dentre um conjunto expressivo de ofertas culturais” (1).
Em se tratando de arquitetura no Paraná, a historiografia da arquitetura moderna no Brasil reconhece dois momentos de destaque: a atuação de João Batista Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi, no final dos anos 1940 e ao longo da década seguinte, sendo a Estação Rodoviária de Londrina o exemplo mais notório e, a partir de 1962, a produção dos arquitetos de formação acadêmica paulistana em Curitiba.
Sobre o segundo momento, Luis Salvador Gnoato (2) e Paulo Cesar Braga Pacheco (3) afirmam tratar-se de uma arquitetura que “resulta em uma interpretação genuína” (4). Essa arquitetura foi amplamente divulgada, por ser resultado de concursos nacionais e internacionais, tornando os arquitetos conhecidos como “concurseiros” e “papa-concursos” ou ainda “Grupo do Paraná”.
Objetiva-se então avançar a discussão acerca da arquitetura paranaense, tendo como objeto de estudo uma outra arquitetura do Paraná, a arquitetura dos edifícios institucionais da cidade de Londrina nas décadas de 1970 e 1980, quando o emprego do concreto aparente e a exploração da estrutura são evidentes. Busca-se a origem das ideias, a fim de identificar de que maneira ocorreram ajustes na produção arquitetônica no interior do Paraná, considerando um movimento estadual e nacional, atualizando debates acerca da arquitetura paranaense.
O ambiente de chegada
Londrina, no norte paranaense, surge a partir da atuação da Companhia de Terras Norte do Paraná, por meio do loteamento e venda de pequenas propriedades no final da década de 1920 (5) e já em 1934, foi elevada a sede municipal. A posição geográfica e a implantação da ferrovia foram determinantes para o desenvolvimento da cidade como centro de distribuição de produtos agrícolas (6).
Nos anos 1950, Londrina despontava como polo regional de domínio da produção cafeeira, culminando num elevado aumento populacional seguido do surgimento de novos loteamentos, bem como de sua verticalização, que procurava atestar a riqueza da cidade que nascera moderna (7). As referências de uma linguagem moderna para os novos edifícios eram trazidas da metrópole paulista por intermédio de grandes empresas. Neste processo, destaca-se a inserção de obras projetadas por João Batista Vilanova Artigas e Carlos Cascaldi (8).
Londrina passou a receber, a partir da década de 1960, arquitetos como Ivan Jekoff (1920-2007), Léo de Judá Barbosa (1938-2013), Luiz César Silva (1933-1996) e Carlos Sérgio Bopp (1937-), tendo sido a primeira geração de arquitetos locais. A segunda geração seria composta por arquitetos atuantes a partir de meados de 1970.
Já em 1990, Hugo Segawa (9) menciona as oportunidades que Londrina proporcionou aos arquitetos migrantes na década de 1970. Dentro desse contexto, “é fundamental notar que a arquitetura e o urbanismo produzidos naquela região [...] apresentam ressonâncias e dissonâncias em relação aos seus antecedentes – paulistanos, curitibanos, metropolitanos, globais” (10). Visando compreender tais relações, toma-se como ponto de partida a formação desses profissionais e as interações existentes entre eles.
Entre os primeiros profissionais que se estabelecem na cidade, observam-se origens distintas: Ivan Jekoff, arquiteto búlgaro, formado arquiteto-engenheiro pela Escola Técnica Superior de Viena em 1949, chegou ao Rio de Janeiro em 1950 e trabalhou por três anos no escritório dos MMM Roberto. Em 1960, a convite da Construtora Alvorada, fez seu primeiro projeto em Londrina, o Edifício Alaska, de dezesseis pavimentos (11). Leo de Judá Barbosa, natural de Belo Horizonte, mudou-se para Londrina no final da década de 1960, assumindo por duas gestões a Secretaria de Planejamento da cidade. Luiz Cesar da Silva, por sua vez, nasceu em Santo Antônio da Platina, no Paraná, e mudou-se para Londrina ainda criança. Formou-se pela Faculdade de Arquitetura Mackenzie em 1958 e posteriormente retornou a Londrina. Por fim, Carlos Sérgio Bopp, natural do Rio Grande do Sul, graduado arquiteto em 1960 pela Universidade do Rio Grande do Sul, chega em Londrina no ano seguinte em busca de oportunidades profissionais.
Observa-se, que os profissionais que deram início a uma cultura arquitetônica em Londrina vêm de diversas formações, inclusive de origem internacional. Essa heterogeneidade é percebida também nos profissionais que chegariam à cidade na década seguinte.
Com relação a essa segunda geração de profissionais, atuantes em Londrina nos anos 1970, fixaram-se na cidade arquitetos recém graduados pela Universidade Federal do Paraná. Entre os que se estabeleceram em Londrina, o arquiteto Julio Ribeiro (1946-1994) e José Carlos Spagnuolo (1951-), dois profissionais ligados ao desenvolvimento da arquitetura imobiliária na cidade. Outro nome importante nesse momento é o de João Baptista Bortolotti (1936-), que vivia em Londrina desde 1941, formando-se em Arquitetura pela Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, e que esteve envolvido no desenvolvimento do Centro Cívico, junto a Bopp e Silva.
Silva e Bopp chegaram à cidade entre no início dos anos 1960 e trabalharam em parceria por diversas vezes, principalmente em projetos de edifícios institucionais em Londrina. Participaram na formação do Clube de Engenharia e Arquitetura de Londrina, além da colaboração na criação do Curso de Arquitetura da Universidade Estadual de Londrina, em 1979. Bortolotti, Spagnuolo e Ribeiro também estiveram nesse desenvolvimento, nos anos iniciais do curso (12).
Dentre esse grupo visualizam-se diferentes fontes de referências projetuais, através de suas origens e formações acadêmicas. Esses nomes, porém, não são os únicos na lista de profissionais que transformaram Londrina em uma cidade moderna. Alguns arquitetos atuantes em Curitiba e em São Paulo também participaram desse desenvolvimento. Radicados na capital paranaense, tiveram produções arquitetônicas em Londrina a equipe formada por Luiz Forte Netto (1936-), Joel Ramalho Junior (1934-) e José Maria Gandolfi (1933-), todos formados pela Universidade Mackenzie, além do arquiteto Carlos Emiliano França e do engenheiro Rubens Meister – ambos graduados pela Universidade Federal do Paraná, e, por fim, José Marcos Loureiro Prado, formado pela Universidade Federal de Minas Gerais. Nota-se que, embora residentes em Curitiba, a maioria tinha formação acadêmica em outros estados.
Por fim, há alguns arquitetos atuantes em São Paulo que também desenvolveram projetos isolados em Londrina. Marcos Souza Dias (1943-), formado pela Universidade de São Paulo, projetou o Instituto Agronômico do Paraná (1971). O escritório composto por João Carlos Bross (1934-), Altino Mário dos Santos (13) e Ricardo Julio Leitner (1933-), formados pela Universidade Mackenzie, desenvolveu o projeto do campus da Universidade Estadual de Londrina e os edifícios que abrigam o Centro de Ciências Exatas (1972). Siegbert Zanettini (1934-), formado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo – FAU USP, realizou o projeto da agência do Unibanco (1983).
As relações profissionais e pessoais formam uma teia de informações, base da arquitetura da década de 1970 na cidade, ilustrada no gráfico abaixo. Também mostra a criação dos cursos de Arquitetura da Universidade Federal do Paraná – UFPR e da Universidade Estadual de Londrina – UEL e as relações entre os profissionais dentro e fora do ambiente acadêmico.
Os arquitetos que produziram seus projetos para Londrina na década de 1970 foram, em sua maioria, são formados na década de 1950 em São Paulo, na Faculdade Mackenzie. Deste grupo, porém, apenas um deles se fixou em Londrina: Luiz César da Silva. A presença desses profissionais no curso de arquitetura da UFPR também se faz relevante, já que alguns deles formaram profissionais que posteriormente chegariam em Londrina. É importante mencionar que os docentes da UFPR foram, em sua maioria, formados em São Paulo e que os profissionais atuantes em Londrina se concentram em uma formação paulista ou curitibana.
Os estudos realizados por Luis Salvador Gnoato, Paulo Cesar Braga Pacheco e Michele Schneider Santos (14) para a arquitetura paranaense, identificando um Grupo do Paraná, revelam outro lado da questão: a necessidade de um olhar atento para o interior do Estado. Partindo da pergunta de Guerra: “Qual seria ou quais seriam as características essenciais de uma arquitetura paranaense?” (15).
Para procurar responder tal questão, examinam-se obras construídas em Londrina na década de 1970 e início de 1980 pelos arquitetos anteriormente mencionados, conformando uma outra arquitetura paranaense. São edifícios institucionais que se destacam pela presença do concreto aparente, muito utilizado na escola brutalista paulista, os quais constituem uma arquitetura pouco divulgada, praticamente desconhecida (16). Pretende-se identificar e demonstrar características dessa produção no interior do Paraná que a distinguem do brutalismo paulista e da arquitetura do Grupo do Paraná, responsável pelo ideário da arquitetura paranaense até então.
Cronologicamente, a primeira obra é o edifício do Instituto de Previdência do Estado, projetado pela equipe formada por Forte Netto, Gandolfi e Ramalho Junior, nomes que também pertencem ao “Grupo do Paraná”. Depois, o conjunto do Centro Cívico, composto pelos projetos para a Prefeitura Municipal e Câmara de Vereadores, de Luiz César Silva e Carlos Sérgio Bopp, em meados dos anos 1970, com a contribuição de João Baptista Bortolotti; e o Fórum, aprovado em 1983, projeto de Carlos Emiliano França. Tais obras são exemplares de profissionais com distintas formações e origens, servindo como meio de comparação e análise da difusão e transposição de ideias na arquitetura paranaense.
Instituto da Previdência do Estado
O projeto do Instituto da Previdência do Estado, em Londrina, foi aprovado em 1970 e a obra encarregada à Firma Imobiliária Coroados. Decorrente de uma boa repercussão com o projeto para o IPE de Curitiba, o arquiteto Joel Ramalho Junior lembra:
“O IPE de Curitiba teve repercussão boa na época e tal. E aí eles falaram: vamos fazer um IPE de Londrina, menor e tal. [...] O de Londrina foi em função desse, (de Curitiba) por a gente ter um bom resultado aqui. E aqui a gente ganhou por causa da titulação. Era um concurso de títulos do mesmo assunto” (17).
Constituído por um volume em concreto aparente elevado em lote de esquina, o edifício se impõe ao seu entorno, evidenciando acessos, circulação vertical e recepção, que é centralizada no térreo. A modulação das janelas realiza-se através dos pilares que transferem a carga das lajes nervuradas dos três pavimentos superiores para as grandes vigas de transição do térreo, que descarregam os esforços nos quatro pilares de seção quadrada presentes no térreo e subsolo. Isso possibilita que as plantas dos pavimentos fiquem inteiramente livres. Joel Ramalho Junior comenta sobre o projeto, que faz uso da estrutura como partido:
“É um projeto que basicamente é a estrutura. Isso aqui cai lá embaixo, uma carga muito uniformemente distribuída e o vigamento, um em cada... e acabou dando uma modulação assim... a planta é isso. Estruturalmente o balanço de um terço e vão de três que é o conceito mais racional” (18).
As circulações horizontais e verticais são organizadas de maneira simétrica, articulando os espaços de serviço e àqueles flexíveis ao uso. Quanto à iluminação natural, foram projetados e executados brise-soleils horizontais articulados de alumínio na fachada Norte entre os pilares modulados (19). As aberturas formam em seu conjunto três planos horizontais. Os corredores são iluminados por aberturas na fachada Leste e Oeste. No subsolo, são utilizadas claraboias.
Externamente a modulação estrutural confere unidade ao partido arquitetônico, predominando os cheios sobre os vazios, aproximando-o às características da arquitetura brutalista paulista, elencadas por Ruth Verde Zein (20), também quanto à composição em planta livre, com a concentração de serviços e circulação bem definida.
No subsolo, buscou-se aproveitar o máximo da área do terreno para receber um pequeno estacionamento, ambientes de serviços e algumas salas de atendimento e exames. Devido à inclinação do terreno, o acesso ao subsolo se dá diretamente pela rua Pará, na qual há uma parede em concreto armado no alinhamento predial. Nesse local encontra-se a inserção de um painel em relevo no concreto aparente, no qual são representados os grãos de café, desenhado por Orlando Busarello especificamente para o edifício do IPE. Atualmente, se encontra colorido. Tal painel remete a uma atitude plástica praticada pelo chamado “Grupo do Paraná”. Os relevos amplamente utilizados em obras desses profissionais, parecem ser uma espécie de assinatura da equipe paranaense.
Prefeitura e Câmara Municipal
Na década de 1970, a administração municipal de Londrina tinha necessidade de aumentar o espaço de atendimento à população e a construção de um centro cívico com áreas adequadas para novas demandas. A localização foi escolhida às margens do lago Igapó, o que traria crescimento da cidade para aquela região (21). Com o uso do concreto aparente, o projeto da Prefeitura de Londrina foi mencionado por Segawa em 1990 em seu “Dossiê Interior”, publicado na revista Projeto a fim de exemplificar o milagre dos anos 1970 (22).
Originalmente, o projeto previu dois blocos idênticos ligados por um núcleo contendo circulação vertical e sanitários formando, em planta, um “H”. A equipe formada por Carlos Sérgio Bopp e Luiz César da Silva foi responsável, tendo participação de João Baptista Bortolotti, que teria colaborado como funcionário do município. Bopp e Bortolotti apresentam esse momento:
“A grande importância minha aí em Londrina foi num determinado momento, foi [...] em setenta, setenta e três... nós fizemos o Centro Administrativo ali de Londrina, o Luiz César participou junto comigo. A Prefeitura e a Câmara de Vereadores. São duas obras que a gente fez” (23).
“Eu era funcionário da prefeitura, então a participação minha foi uma condição por causa das informações que vinham da prefeitura. [...] Eu participei como funcionário da prefeitura. Então não aparece (sic) como autor” (24).
Cada bloco foi organizado a partir de um vazio vertical inserido ao centro do edifício, e a circulação, em cada pavimento, corta esse vazio. Essa circulação é o que liga os dois blocos, passando pelo volume de circulação vertical existente entre eles. A organização espacial de cada pavimento é flexível, em planta livre, possibilitando a inserção de divisórias leves conforme a necessidade.
O fluxo principal é centralizado, ligando os blocos de atendimento ao bloco central de circulação vertical e sanitários. De acordo com Bortolotti, “foi construído o primeiro módulo que naquela época era considerado suficiente, e que depois ficaria, para o futuro crescimento da cidade, se faria o outro módulo, que não foi construído” (25).
Com a adoção da laje nervurada e a modulação dos pilares tem-se a possibilidade de flexibilização dos espaços. Essa solução estrutural em grelha para abrigar os grandes vãos livres, de acordo com informações de Carlos Sergio Bopp, foi uma sugestão dada pela construtora. Segundo o arquiteto, foi uma decisão em conjunto, importante para a representatividade do edifício.
Originalmente, na parte interna do edifício, ficavam expostos em concreto aparente os pilares e a laje nervurada. Além disso, “ficavam à mostra as instalações elétricas e hidráulicas. Ao longo dos anos, modificações foram introduzidas, sendo uma das mais significativas a ocultação da laje grelhada por um forro” (26).
Externamente, a estrutura horizontal em concreto é explicada por Bopp:
“A intenção era de criar o beiral como proteção de sol. Para poder ter pano de vidro bem amplo e com isso talvez eliminar até a persiana de dentro, à medida que você tem um grande beiral... e manter a transparência. Se tem o avanço e o plano inclinado. O plano inclinado foi para fugir da mesmice. E marcar bem. Uma forma bem marcante” (27).
Tão importante quanto o edíficio da prefeitura, tem-se a Câmara de Vereadores, concluída em 1977. Dos mesmos arquitetos, o “concreto aparente com linhas simples, transmitindo sobriedade aos edifícios dos poderes públicos” teria sido o partido arquitetônico, destaca Bortolotti (28). Nota-se pela volumetria do edifício que o projeto partiu da plenária, com uma estrutura de coroamento explicada por Bopp: “a gente queria esconder, deixar fechado em si mas com uma forma que revelasse a plenária. Porque o resto era janela... era coisa assim que não interessava. Como forma em geral” (29).
Ao redor da plenária, acomodam-se as funções administrativas em um volume retangular. Nesse volume é adotada a planta livre, com fins de flexibilidade através de divisórias leves, a mesma solução adotada para a Prefeitura e muito frequente na arquitetura brutalista paulista. Externamente, a horizontalidade do edifício é enfatizada por elementos vazados que fecham os jardins internos, propiciando iluminação natural. Recentemente, o arquiteto foi convidado para realizar o projeto de ampliação da Câmara, porém os planos não chegaram a ser concretizados.
Como curiosidade, Bopp menciona que teria planejado a inserção de dois paineis de Poty Lazarotto na fachada da Câmara, dando indícios de uma referência comum aos relevos utilizados pelos arquitetos do “Grupo do Paraná”.
“O Poty. Eu tenho o desenho dele para essas duas paredes curvas aqui. Mas não foi feito. Eu tenho o desenho disso. Mas nem passei pra frente o desenho dele” (30).
Os dois edifícios revelam características comuns à arquitetura do brutalismo paulista, com suas plantas livres, volumetrias equilibradas, circulações e setorizações bem definidas, além do uso do concreto aparente. Projetos de meados da década de 1970, estariam reproduzindo elementos já consolidados em São Paulo, mas que no interior do Paraná eram pioneiros. Importante relembrar a origem dos profissionais responsáveis: embora Luiz César Silva fosse formado pelo Mackenzie, em São Paulo, Sérgio Bopp tem formação no Rio Grande do Sul, carregando repertório distinto dos arquitetos reconhecidos da arquitetura paranaense – o Grupo do Paraná.
Fórum de Londrina
A equipe de Carlos Sérgio Bopp planejou um edifício de oito pavimentos para o Fórum, “formando uma cortina no lado oposto à praça” (31). Este projeto, porém, foi substituído pelo do arquiteto Carlos Emiliano França.
Inaugurado em 1983 e demolido em 2019 (32), o edifício era composto por dois blocos em desnível interligados por rampas. O acesso principal consistia por rampa que chegava ao segundo pavimento. O elemento era destacado por uma marquise, delimitando claramente a entrada do edifício. As proporções do conjunto são de horizontalidade, com destaque para os brise-soleils fixos, soltos do edifício, em concreto, circundando todo o perímetro do prédio, dando a impressão de que seria apenas um grande bloco. Decisão essa que o próprio arquiteto coloca como funcional, mas também como uma linguagem.
“Ele tem uma linguagem de soltar o volume de dentro que é envidraçado. Então esse volume, claro, você tem uma iluminação farta, bem integrada com esses espaços de jardins. Porque a implantação dele é no meio de um jardim, então existe a integração. Então se eu deixasse o vidro completamente nu a insolação e o prédio ia sempre sofrer. Então pra economizar com energia, ar condicionado etc. e tal, eu optei por fazer esse trabalho que deu uma linguagem ao prédio e ao mesmo tempo ele ganha esse sombreamento permanente”(33).
Para a composição interna, França criou um volume quadrado de sanitários que, rotacionado, atende aos dois blocos. As escadas se diferenciam por seu formato triangular, em concreto aparente, formando volumes destacados no vazio vertical que separa os dois grandes blocos principais. Desta forma, serviços e circulação são o destaque da composição interna, ligando os edifícios através de volumes específicos para cada função. Quanto aos demais espaços, o projeto previa divisórias leves, para suprir as necessidades de cada momento. Como anexo, a plenária segue a mesma linguagem, com brise-soleils em uma das fachadas.
Procurando relações de referências projetuais, há de se notar similaridades entre este edifício e o Edifício-Sede do Tribunal de Contas do Paraná, obra de 1967, dos arquitetos Roberto Luiz Gandolfi e José Sanchotene, arquitetos pertencentes ao Grupo do Paraná. Indo um pouco mais distante temporal e fisicamente, em Brasília, há o Palácio da Justiça e o Palácio do Itamaraty, ambos de Niemeyer. Com a diferença de quase uma década entre o projeto do Fórum e os demais edifícios do Centro Cívico, destaca-se mais uma vez a formação do arquiteto responsável. Carlos Emiliano França, graduado pela UFPR, com professores pertencentes ao Grupo do Paraná, traz para Londrina uma linguagem diluída com relação ao brutalismo paulista, até mesmo pelo distanciamento cronológico existente.
Uma outra arquitetura paranaense
No livro Conexões Brutalistas, Ruth Verde Zein (34) trata do brutalismo como um ideário que se difundiu por todo o mundo, não tendo um foco geográfico central. No Brasil, a arquitetura produzida nos anos 1970 está relacionada aos vários edifícios que serviam como laboratórios experimentais de uma linguagem formada nas décadas anteriores. O uso de formas puras e a ênfase na estrutura do edifício prevalecem nas escolas de arquitetura como a representação de uma “verdade”, conceito muito presente no movimento moderno.
Dentre as obras apresentadas acima é seguro afirmar que a base modernista é aquela que rege as decisões projetuais dos profissionais envolvidos. Isso se confirma através das distintas origens de formação e da percepção dos próprios arquitetos. Os responsáveis por esses projetos são unânimes em declarar que a referência maior dessa linguagem foi a arquitetura de Le Corbusier e a repercussão das obras de Niemeyer em Brasília. Por consequência, a arquitetura se desenvolve a partir da definição da estrutura, e o uso do concreto aparente vinha para evidenciá-la. Sobre o assunto, Bopp procura explicar:
“É, na verdade a estrutura é a arquitetura, a arquitetura é a estrutura. Essa é a máxima. [...] Mas vamos dizer, o justificar esse brutalismo aí... a partida foi Le Corbusier. A partida foi ele. O pai de todos. Era referência maior. Mas baseado na busca da pureza da forma. E baseado na estrutura como arquitetura. Essa é a explicação que eu tenho” (35).
Apresentadas as obras de alguns dos personagens envolvidos na construção da arquitetura em Londrina, amplia-se a possibilidade de buscar características específicas da arquitetura paranaense, questionamento anteriormente realizado por Abílio Guerra. Como já visto, dentre esses atores da conhecida arquitetura paranaense – aquela dos concursos – alguns estiveram também presentes na produção de Londrina.
Em entrevistas, quando interrogados com relação a uma arquitetura especificamente paranaense, Forte Netto não hesita em dizer que ela “se diferencia, mas dentro de uma mesma escola” (36). Ramalho Junior responde de maneira pontual comparando o uso do concreto aparente em São Paulo, que seria mais veemente ao uso realizado pelos profissionais radicados no Paraná. Para exemplificar seu ponto de vista, o arquiteto contrasta o edifício da FAU USP com os relevos presentes nas obras da equipe curitibana. Enquanto no primeiro a textura provinha das fôrmas, revelando a construção, no segundo havia uma intenção ornamental. Ornamento, contudo, num espírito modernista de integração das artes, no qual fica evidente a importância do artista plástico Poty Lazzarotto.
Fábio Penteado (37), sobre o uso do concreto aparente, afirma que teria iniciado em São Paulo como uma moda, um dogma dentro dos concursos públicos. Anos depois, no Paraná, essa moda se repetiria, porém com a superfície detalhada em relevos. Compreende-se que o concreto aparente, na produção do Grupo do Paraná, era mais um padrão a ser seguido, um modo de fazer ou uma “moda”, que não carregava a intensidade e a força que o material possui em sua forma mais rústica, crua, aparente, que havia no discurso ético da arquitetura brutalista paulista. Nesse sentido, tentando ilustrar essa diferença, é curiosa a frase de Ramalho de que “no Paraná o pessoal dá uma ajeitada” (38). A explicação se confirma nas obras de Londrina com a inserção de painéis de concreto aparente com relevos, que, inclusive, foram utilizados no antigo IPE, tanto na capital como em Londrina.
Os painéis de Poty Lazzarotto estão presentes também em Londrina, como se pretendia para a Câmara de Vereadores. Não é um caso único: no projeto do Hotel Crystal, também de Bopp, encontra-se o painel “Lendas Brasileiras”, do mesmo artista. Há também o uso desse mesmo artifício em formas geométricas planejadas por Bopp para a fachada do edifício da antiga Editora Tibagi. Se, por um lado, essa característica aproxima as obras de Londrina às de Curitiba, por outro demonstra que o uso dos painéis com relevos não é exclusivo do chamado Grupo do Paraná. O recurso se justifica pela representatividade dos trabalhos de Poty, e também pode ser visto como uma herança da integração das artes, desde o edifício do Ministério da Educação, uma constante nas obras de Niemeyer para Brasília e em algumas obras de Vilanova Artigas, como o Ginásio de Guarulhos, Casa Taques Bittencourt e a Casa Rubens de Mendonça, conhecida como Casa dos Triângulos.
O reconhecimento da arquitetura produzida em Londrina na década de 1970 e início da de 1980 torna-se um elemento a mais para a compreensão do alcance que a arquitetura moderna tomou no Brasil. Sua proximidade com São Paulo e a grande referência cultural falam alto no conjunto de obras, que envolve muitos arquitetos. Como outras arquiteturas consideradas brutalistas no Brasil, a arquitetura de Londrina apresenta características que remetem à produção da Escola Paulista Brutalista amplamente elencados por Zein (39). Percebe-se que a solução plástica e projetual dos edifícios está relacionada a essa estética brutalista, onde a estrutura é definidora do partido arquitetônico: há o predomínio pelo monobloco na composição e a flexibilidade de usos como principal característica em planta. São espaços que se aproximam à medida que são concebidos por elementos de uma mesma origem: a arquitetura moderna.
A arquitetura dos edifícios institucionais produzidos nas décadas de 1970 e 1980 em Londrina possui características que a aproximam daquela produzida em Curitiba. Evidentemente, as semelhanças devem-se à atuação de arquitetos em ambas as regiões ou da contratação realizada por uma mesma instituição e que seguem, por consequência, pressupostos programáticos similares, independentemente do local implantado.
Não há dúvida, também, que tanto a arquitetura curitibana como a londrinense tem como referencial, no mesmo período, a arquitetura paulista. Não se trata, contudo, de um fenômeno singular, mas de assimilação de ideias e repertórios irradiados por grandes centros urbanos, que encontram vasto terreno para disseminação em áreas de expansão econômica e urbana no interior brasileiro. Nesse sentido, é uma manifestação inserida em um contexto de dimensões nacionais, transcendendo a escala estadual ou regional.
O que distingue a arquitetura produzida em Londrina? Certamente a resposta se encontra na adaptação do conjunto de ideias de matriz paulista às especificidades locais – físicas, técnicas, econômicas e culturais. Ao fim das contas, é a expertise individual do projetista respondendo às condições de cada projeto, às quais se agrega um repertório referencial preexistente.
Para além dos méritos estéticos – não se trata de colocar as obras de Londrina no mesmo patamar dos modelos paulistanos – importa reconhecer as obras londrinenses como elementos de compreensão da difusão da arquitetura moderna no Brasil, e reafirmar a presença da arquitetura moderna como fator fundamental na constituição da paisagem urbana do norte do Paraná.
notas
1
GUERRA, Abilio. O brutalismo paulista no contexto paranaense. A arquitetura do escritório Forte Gandolfi. Resenhas Online, São Paulo, ano 09, n. 106.02, Vitruvius, out. 2010 <https://vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/resenhasonline/09.106/3792>.
2
GNOATO, Luis Salvador. Arquitetura e Urbanismo de Curitiba: Transformações do Movimento Moderno. Tese de doutorado. São Paulo, FAU USP, 2002.
3
PACHECO, Paulo Cesar Braga. O risco do Paraná e os concursos nacionais de arquitetura 1962-1981. Dissertação de mestrado. Curitiba, Propar UFRGS / PUC PR, 2004.
4
Idem, ibidem, p. 73.
5
ARIAS NETO, José Miguel. O Eldorado: representações da política em Londrina, 1930/1975. Londrina, Editora UEL, 1998.
6
GODOY, Teba Yllana. Três pioneiros da arquitetura londrinense: Ivan Jekoff, Léo de Judá Barbosa, Luiz César Silva. Dissertação de mestrado. São Paulo, FAU USP/DAU UEL, 2001.
7
CASARIL, Carlos Cassemiro. Formação sócio-espacial de Londrina-PR e seu processo precoce de verticalização urbana. Revista Discente Expressões Gráficas, n.7, ano VII, Florianópolis, jun. 2011, p.32-53.
8
REGO, Renato Leão; et al. Ideias viajantes: estudos de caso do norte do Paraná. Anais do IV Enanparq Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Porto Alegre, 25 a 29 jul. 2016, Porto Alegre, Propar UFRGS, 2016; SUZUKI, Juliana Harumi. Idealizações de modernidade: arquitetura dos edifícios verticais de Londrina 1949-1969. São Paulo, Kan, 2011.
9
SEGAWA, Hugo. Dossiê interior: arquiteturas realizadas fora dos grandes centros. Revista Projeto, n. 135, out. 1990, São Paulo, p. 49-78.
10
REGO, Renato Leão; et al. Op. cit., p. 5.
11
SUZUKI, Juliana Harumi. Idealizações de modernidade: arquitetura dos edifícios verticais de Londrina 1949-1969 (op. cit.), p. 57.
12
Idem, ibidem, p. 70-71.
13
Data de nascimento não encontrada.
14
GNOATO, Luis Salvador. Op. cit.; PACHECO, Paulo Cesar Braga. Op. cit.; SANTOS, Michele Schneider. A arquitetura do escritório Forte Gandolfi 1962-1973. Dissertação de Mestrado. São Paulo, FAU Mackenzie, 2011.
15
GUERRA, Abilio. Op. cit.
16
Segawa, no ‘Dossiê Interior’ publicado na revista Projeto 135 (1990) identificou e destacou algumas dessas obras (Fórum, Prefeitura e Câmara de Vereadores). Há ainda pesquisas que contemplam um maior conjunto de obras em Londrina de autores como Juliana H. Suzuki, Franciane S. Mota, Teba Y. Godoy, Rafael R. de Moraes.
17
JUNIOR, Joel Ramalho. Depoimento a Franciane Schreiner da Mota, dez. 2017.
18
Idem, ibidem.
19
Os brise-soleils foram retirados durante uma reforma e não são mais utilizados.
20
ZEIN, Ruth Verde. A arquitetura da escola paulista brutalista 1953-1973. Tese de doutorado. Porto Alegre, Propar UFRGS, 2005.
21
BORTOLOTTI, João Baptista. Planejar é preciso: memórias do planejamento urbano de Londrina. Londrina: Midiograf, 2007, p.161.
22
SEGAWA, Hugo. Dossiê interior: arquiteturas realizadas fora dos grandes centros (op. cit.), p. 49-78.
23
BOPP, Carlos Sergio. Depoimento a Franciane Schreiner da Mota, dez. 2017.
24
BORTOLOTTI, João Baptista. Depoimento a Franciane Schreiner da Mota, nov. 2017.
25
Idem, ibidem.
26
SUZUKI, Juliana Harumi. Um breve panorama da arquitetura brutalista em Londrina-PR. Anais do10º Seminário DOCOMOMO Brasil, 15 a 18 out. 2013, Curitiba. PUC PR, 2013, p. 8.
27
BOPP, Carlos Sergio. Depoimento concedido a Franciane Schreiner da Mota (op. cit.).
28
BORTOLOTTI, João Baptista. Planejar é preciso: memórias do planejamento urbano de Londrina (op. cit.), p.161.
29
BOPP, Carlos Sergio. Depoimento a Franciane Schreiner da Mota (op. cit.).
30
Idem, ibidem.
31
BORTOLOTTI, João Baptista. Planejar é preciso: memórias do planejamento urbano de Londrina (op. cit)., p.162.
32
O edifício foi demolido em maio de 2019, para dar espaço a um novo fórum criminal que terá três subsolos, sete pavimentos e capacidade para 18 unidades judiciais, projetado pelo Departamento de Engenharia e Arquitetura do Tribunal de Justiça do Paraná.
33
FRANÇA, Carlos Emiliano. Depoimento a Franciane Schreiner da Mota, jan. 2018.
34
ZEIN, Ruth Verde. Brutalist Connections: a refreshed approach to debates & buildings. São Paulo, Altamira Editorial, 2014.
35
BOPP. Carlos Sergio. Depoimento a Franciane Schreiner da Mota, dez. 2017.
36
FORTE NETTO, Luiz. Depoimento a Franciane Schreiner da Mota, jan. 2018.
37
PENTEADO, Fabio. Meio século de arquitetura. AU. Arquitetura e Urbanismo, v.168, São Paulo, mar. 2008, p. 62-65.
38
JUNIOR, Joel Ramalho. Depoimento a Franciane Schreiner da Mota (op. cit.)
39
ZEIN, Ruth Verde. A arquitetura da escola paulista brutalista 1953-1973 (op. cit.).
sobre os autores
Franciane Schreiner da Mota é arquiteta e urbanista (UFPR, 2012), especialista em Projetos e Obras Públicas de Edificações (UEPG, 2015) e em Projetos de Interiores e Iluminação (Unicesumar, 2019). Mestre em Metodologia de Projetos (UEL, 2018) e docente do curso de Arquitetura e Urbanismo na Faculdade União de Campo Mourão.
Juliana Suzuki é arquiteta e urbanista pela (UEL, 1989), com pós-doutorado pela FAU USP (2018-2019). É professora associada do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPR e professora colaboradora do Programa de Pós-graduação Associado em Arquitetura e Urbanismo PPU-UEM-UEL. Autora do livro Artigas e Cascaldi: Arquitetura em Londrina (Ateliê Editorial, 2003).
Sidnei Junior Guadanhim é professor associado da Universidade Estadual de Londrina no Curso de Graduação em Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós Graduação Associado em Arquitetura e Urbanismo PPU-UEM-UEL. Arquiteto e urbanista (UEL, 1994) e doutor em Arquitetura e Urbanismo (FAU USP, 2002).