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architexts ISSN 1809-6298

abstracts

português
Este artigo tem como objeto de estudo o Parque da Cidade de Brasília, aqui abordado a partir de seu contexto de criação, suas características de configuração, seus usos diversificados e seu estado de conservação.

english
The object of study of this article is Parque da Cidade de Brasília (the city park), here discussed based on the context of its creation, its characteristics of configuration, its diversified uses, and its state of preservation.

español
Este artículo tiene como objeto de estudio el Parque de La Ciudad de Brasília, aquí abordado desde su contexto de creación, sus características de configuración, sus usos diversificados y su estado de conservación.


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GUIMARÃES, Sávio Tadeu; GUERREIRO, Laura de Castro Oliveira. O Parque da Cidade da “cidade-parque” Brasília. Considerações sobre seu contexto, características, usos e conservação. Arquitextos, São Paulo, ano 21, n. 251.01, Vitruvius, abr. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/21.251/8044>.

Bosque do Parque da Cidade em Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2019

 

“O urbanismo moderno se caracteriza por uma clara concepção orgânico-paisagística que oferece às zonas verdes um papel de componente primordial. De fato, na estruturação da cidade, as zonas verdes buscam constituir, em seu conjunto, um sistema unitário com funções não somente higiênicas e protetoras mas, principalmente, compositivas e estéticas” (1).

O maior parque público de Brasília, o Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek, mais conhecido como Parque da Cidade, engendrou a reflexão aqui sistematizada sobre a importante categoria espacial dos parques urbanos, da qual o Parque da Cidade faz parte apresentando, também ele, uma considerável importância em suas múltiplas dimensões. De fato, o Parque da Cidade consiste em um elemento de relevância no projeto de uma cidade considerada síntese de um momento histórico não só do urbanismo, mas também dos próprios parques urbanos e do paisagismo que o integram; além disso, consiste no maior espaço verde de área livre situado na área central de Brasília, com grande número de frequentadores, fornecendo atividades diversas e auxiliando na diminuição da poluição ambiental. Tal parque se revela, assim, como um importante estudo de caso, tanto no contexto específico da cidade de Brasília quanto no contexto geral desta categoria espacial, evidenciando a influência de características histórico-culturais e socioambientais na apropriação e utilização de sua espacialidade.

Sob tais considerações, o artigo apresenta o Parque da Cidade de Brasília, tendo como linha condutora dessa abordagem enfoques considerados relevantes para uma melhor reflexão sobre sua importância, como suas influências, sua história, seus equipamentos, seus usos e as condições de manutenção em que se encontram algumas de suas ambiências assim conformadas, entre o espaço concebido e o espaço vivido. Atualmente são crescentes as sensibilizações em relação ao meio ambiente, assim como a elaboração de códigos de postura profissional para a salvaguarda e conservação de equipamentos urbanos como as praças, jardins e parques, públicos e urbanos, vitais como ambiência de apoio a muitas centralidades. Nesse contexto, em meio à manutenção de características de seu projeto e ao desuso ou reconfiguração de algumas de suas ambiências, expressando satisfações ou dificuldades e novas aspirações, o Parque da Cidade evidencia, sobretudo, sua presença viva em Brasília.

Contexto, características, usos e conservação do Parque da Cidade

Vias de acesso, elementos naturais e equipamentos de apoio do Parque da Cidade em Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2020

O termo “parque urbano” refere-se, comumente, a um espaço caracterizado, sobretudo, por uma área livre composta de elementos naturais situado dentro da malha urbana das cidades. Podendo ser considerado como um desdobramento dos históricos jardins e praças, o parque urbano, visto como uma categoria ou sistema espacial, teve sua profusão mundial durante o século 19, em meio ao período industrial, ao ser assimilado como uma excelente estratégia de controle ambiental e social nas cidades que então se adensavam. Contudo, sua existência precede até mesmo a do “jardim botânico”, difundidos no século 16 em meio às novidades conhecidas e estudadas a partir das Grandes Navegações (2). De fato, de acordo com Panzini, foi no período romano que parques e jardins receberam uma diversificação tipológica, e foi também em Roma que os “jardins”, inicialmente privados, passaram a ser abertos para serem desfrutados pelo público; já os espaços designados comumente como “praças”, voltados ao encontro e convívio, passaram, também a partir de tal época, a serem revestidos por arborização.

“A função sanitária do verde no ambiente urbano foi lembrada pelo maior teórico de arquitetura e urbanística da época antiga, Vitrúvio, que em seu célebre tratado, Da arquitetura, escreveu: Portanto, visto que nos lugares abertos os humores prejudiciais ao corpo são absorvidos pelo ar [...], eu creio que nas cidades seja, sem dúvida, oportuno construir ao ar livre passeios muitos amplos e ricos em plantas ornamentais” (3).

Com o tempo, várias conceituações, classificações e procedimentos têm sido estabelecidos de maneira a auxiliar no entendimento e na manutenção dessas categorias espaciais, sejam diretrizes ou posturas recomendadas ou normatizações de caráter local, nacional ou internacional. Séculos após as considerações de Vitrúvio, a noção do termo garden city foi difundida mundialmente a partir das proposições do inglês Ebenezer Howard para uma cidade-jardim da era moderna que se prenunciava na virada do século 19 para o século 20. Pouco tempo depois, no contexto das chamadas Cartas Patrimoniais, elaboradas após encontros de especialistas e instituições diversas, a célebre Carta de Atenas, de 1933, junto à sua valorização da modernidade maquínica que pautou a primeira metade do século 20, também reforçou a importância da presença da natureza na cidade ao evidenciar que, quanto mais uma cidade cresce, menos as “condições naturais” são respeitadas em seu meio – por “condições naturais” entende-se a composição dos elementos que são necessários para a vida dos seres vivos, como o sol, o espaço salubre e a vegetação. De acordo com tal Carta, “todo bairro residencial deve compreender a superfície verde necessária à organização racional dos jogos e esportes das crianças, dos adolescentes e dos adultos” (4).

Sob esse contexto, em que o Parque da Cidade de Brasília e a própria cidade estão inseridos como desdobramentos, entre replicações e inovações, outros casos concretizados se destacaram como as cidades inglesas de Howard são Letchworth (1904) e Hampstead Garden (1905), consideradas as primeiras obras que seguem à risca o conceito de garden city, e a cidade indiana de Chandigarh (1949), que se vincula ao conceito de cidade-jardim, por conta de seus idealizadores prévios Albert Mayer e Matthew Nowicki e pelas similar valorização da natureza também presente na Carta de Atenas, ao mesmo tempo que se vincula ao conceito de uma cidade-máquina, também expresso na Carta mencionada acima, que tanto difundiu o urbanismo funcionalista defendido por Le Corbusier, responsável pela configuração final do projeto da cidade. Mas, no Brasil, cabe especificar, a difusão do conceito garden city foi bastante precoce: a Cia. City, empresa imobiliária inglesa, construiu em São Paulo o Jardim América (1917-1919) projetado por Parker e adotado em outros bairros residenciais, não só na capital paulista, mas também em outras cidades brasileiras, geralmente, como uma solução para as classes mais abastadas (5).

De certo modo, tais casos representam uma continuidade do que já ocorria desde a implementação inicial do programa dos parques urbanos no país pois, diferentemente de seu congênere europeu, no Brasil, o parque urbano não surgiu “da urgência social de atender às necessidades das massas urbanas da metrópole do século 19” (6), ele surgiu, num país que ainda não possuía uma rede urbana expressiva como a das metrópoles mundiais da época, como como um equipamento complementar do cenário das elites emergentes, desejosas em desfrutar dos benefícios ou valores europeus. Assim como a dimensão socioeconômica se atrelou de modo mais explícito na implementação dos parques brasileiros, Kathryn Moore (7), por sua vez, enfatiza a dimensão político-econômica na adoção desses equipamentos mundo afora em sua observação de que, em muitos casos, a parte de toda diversidade e dos potenciais específicos dos biomas presentes no território brasileiro, os parques ou as áreas naturais como matas ou cursos d’água tendem a ser “encaixados” entre lotes e ruas após as decisões de caráter econômico já terem sido tomadas.

Paisagem do Planalto Central do Brasil em Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2018

Em meio a esse contexto de influências entre experiências internacionais e nacionais no âmbito da implementação de parques urbanos, a formulação urbana vinculada ao garden city consistiu em uma das influências de vários dos projetos elaborados para o concurso organizado por Oscar Niemeyer a pedido do então presidente da república para a construção da nova capital brasileira, Brasília, no Planalto Central Brasileiro, mais de meio século depois da Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, também conhecida como Missão Cruls (1892-1893), ter estudado a região – em sua topografia, clima, hidrografia, geologia, flora, fauna, recursos minerais e materiais de construção preexistentes – e demarcado o que inicialmente ficou conhecido como Quadrilátero Cruls, no intuito de atender à Constituição de 1891, que determinou a reserva de uma área do território nacional, de 14.400 km2, a ser escolhida para a nova capital do país (8). Iniciada em 1956 e inaugurada em 1960, a nova capital Brasília, expressa em sua linguagem projetual, a partir dessa síntese contextual, tais influências socioculturais e político-econômicas e, mais explicitamente percebidas as influências estético-estilísticas que configuraram o imaginário do homem moderno da primeira metade do século 20, extremamente envolvido e confiante nas benesses do processo de industrialização em curso – a adoção de materiais industrializados, da abstração formal, da setorização funcional e da prototipagem de equipamentos arquitetônicos e urbanísticos para um homem universal são apenas algumas das correlações simbólicas passíveis de elaboração sobre tal contexto.

Vista do Plano Piloto da cidade-parque Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2018

Envolta por influências da cidade-jardim de Ebenezer Howard, da cidade linear de Arturo Soria y Mata, da cidade funcionalista de Le Corbusier, entre outras proposições da época (9) e características próprias (10), Brasília, concebida sob quatro escalas distintas que traduzem a concepção urbana da cidade – a monumental, a residencial, a gregária e a bucólica – ao manter uma massa natural significativa em relação a tantas outras cidades, e sob aspectos como a integração, de forma harmônica, de um conjunto de edifícios com a natureza de seu sítio preexistente, foi facilmente correlacionada à expressão “cidade-parque”. De fato, a escala bucólica da cidade, que confere seu caráter de cidade-parque não apenas prevê como também explicita suas as áreas livres, tanto aquelas contíguas a terrenos edificados (ou previstos para edificação) quanto aquelas destinadas à preservação paisagísticas e ao lazer. E se a imersão do projeto no meio natural existente amplia sua assimilação em meio à natureza e ao conceito de parque, o desenho de seu Plano Piloto, delineado a partir do cruzamento de dois grandes eixos que entremeiam vegetação e edifícios suspensos pelos pilotis permitindo a permeabilidade de visuais e fluxos, potencializam sobremaneira o verde – ainda que em alguns momentos tais áreas verdes tenham sido projetadas ou mantidas como cenários inacessíveis ou não convidativo ao uso.

Detalhe da cidade-parque Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2018

Entre essas manchas verdes, naturais ou manipuladas como paisagens, destacam-se também em Brasília, como elementos parcelares de sua escala bucólica, suas áreas oficialmente reconhecidas como parques, ampliando ainda mais sua assimilação como cidade-parque. Decerto, formais ou informais, em Brasília “o núcleo urbano é contornado por vastos parques”, como evidenciado por Franco Panzini (11). Parques como Horto Florestal e o Parque Olhos d´Água, situados na Asa Norte da cidade, além de sua importância ambiental, configuram-se como importantes áreas de ócio e lazer locais. Porém, nenhum parque em Brasília, apresenta a vastidão de território ou oferece a diversidade de atividades que o Parque Sarah Kubitschek apresenta e propicia. O Parque da Cidade, localizado ao longo da Asa Sul do Plano Piloto, tem como aspecto geral, em seus 420 hectares que o colocam como um dos maiores parques urbanos do mundo, a amplitude de gramados e vegetação majoritariamente do cerrado e equipamentos disponibilizados para o lazer de visitantes locais ou turistas. Inaugurado em 1978, cerca de duas décadas após a ideia inicial prevista no Plano Piloto e com várias diferenças, como bem abordado por Joana Dias Tanure (12), ainda assim, como em outras obras de grande porte da cidade edificadas posteriormente à sua inauguração, o projeto teve como responsáveis por sua criação as mesmas lideranças que conduziu e se destacaram no planejamento da cidade, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, além de Roberto Burle Marx e Glauco Campello.

Parque da Cidade na cidade-parque Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2019

Evidentemente, pela categoria do projeto em questão, um parque, o grande destaque do mesmo tende a recair em suas amplas áreas livres, configuradas por equipamentos que se perdem em meio à grande extensão ocupada por elementos naturais, em um paisagismo moderno característico da época e de seu idealizador, Roberto Burle Marx, reconhecido pelo Instituto Americano de Arquitetos como o criador do paisagismo moderno. Sob a premissa comum do programa de boa parte dos parques, de oferecer ventilação para as habitações próximas ou até mesmo funcionar como um pulmão da cidade, o trabalho de Burle Marx pode ser identificado no parque, de modo geral, nas “formas do lago e dos espelhos d’água, nos grandes pisos, nos canteiros elevados e nas espécies utilizadas na grande praça central” (13). Especificamente, as estratégicas adotadas pelos modernistas em suas concepções, pela presença de representações artísticas na concepção espacial, como a pintura e a escultura integradas à espacialidade arquitetônica, podem ser conferidas nas obras pioneiras e influentes de Burle Marx, e também no Parque da Cidade, pelo acréscimo de elementos naturais, nativos da localidade em questão e dispostos em concepções formais abstratas comumente adotadas pela linguagem modernista. A construção dessa peculiar morfologia do espaço criada por Burle Marx é assim especificada por Siqueira (14): “ao valer-se de formas geométricas, acaba arranjando uma forma de subtrair-se da racionalidade de seus desenvolvimentos internos; quando, em outras ocasiões, recorre a formas orgânicas, consegue impor-lhes uma ordem diversa daquela de seu processo de crescimento”.

Paisagismo do Parque da Cidade em Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2020

Ainda que a configuração de um parque e a paisagem que ele engendra seja quase sempre determinada pela predominância de elementos naturais, as demandas ou interesses por atividades diversas mais passíveis de serem atendidas em grandes áreas abertas que, em muitas centralidades urbanas, só são encontradas nos parques e jardins públicos, com o tempo ampliaram e continuam a ampliar enormemente os usos de tais espacialidades, a partir da implementação de numerosas tipologias de edificações ou equipamentos, permanentes ou temporários. A partir dessa ampla possibilidade de configurações, usos e assimilações a partir dos elementos naturais que tendem prevalecer em um parque, como ocorre no Parque da Cidade, quanto a seu arranjo estrutural, sua conformação pode ser descrita de modo sucinto como sendo marcada pela linearidade e espaços predominantemente planos, onde se destacam seus elementos viários, como pontes, caminhos, ciclovias e estacionamentos que se espalham ao longo de toda área pontuada por elementos edilícios e de apoio entre a predominância de elementos naturais. Mais especificamente, além dos espaços administrativos e de segurança e dos espaços de serviço como banheiros, vestiários e mobiliários diversos, distintas possibilidades de atividade local são proporcionadas pelo pavilhão de exposições, biblioteca, restaurante, “castelinho”, bancas de jornal, quiosques, churrasqueiras, centro hípico, piscina de ondas, pista de patinação, circuito de kart, quadras poliesportivas, parquinho infantil (o Parque Ana Lídia) e de diversões (o Parque Nicolândia); já as ambiências naturais, amplas ou delimitadas às ilhas que compõem o lago, são compostas, em sua maioria pela vegetação local, pertencente ao bioma do cerrado visando estimular o ócio, o lazer e o convívio entre os usuários.

Parque de Diversões no Parque da Cidade em Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2020

E, em se tratando de um equipamento público, de grande escala, situado na área central da cidade, voltado a um público variado, isento de qualquer gradeamento e aberto 24h por dia (como poucos parques públicos do país), os numerosos equipamentos que compõem o parque proporcionando usos tão diversificados não foram dispostos ao acaso. Ainda que haja certa diferença entre o que foi planejado para o Parque da Cidade e o que de fato foi concretizado, é possível identificar, seja pela exploração do parque (como pedestre ou em algum modal de transporte), seja pelo apoio de suas peças sinaléticas, a correlação de funções ou intenções na escolha da proximidade entre os equipamentos que se avizinham, ora formando zonas específicas ora interligando tais zonas. O Parque da Cidade possui, inclusive, diretrizes estabelecidas para seu zoneamento, o Plano de Uso e Ocupação do Parque Dona Sarah Kubi tschek – PUOC Pq (15), que divide o parque em cinco zonas de atividade assim explicitadas: a “zona administrativa”, que compreende espaços para orientação e atendimento ao visitante, ambulatório e algumas áreas de recreação coletiva; a “zona da feira”, prevista para permitir a realização de eventos, como festas dos Estados, festas das Nações, feiras temporárias, entre outras atividades de caráter efêmero; a “zona do lago”, criado como um elemento de enriquecimento paisagístico, abrigo de ilhas e plantas aquáticas explorável por meio de pedalinhos; a “zona Cultural”, definida a partir de uma grande praça integrada por restaurantes e envolta por quiosques e outros equipamentos e ambiências para estar, piqueniques e churrascos; a “zona esportiva”, dividida em áreas relacionadas às características de atividades esportivas específicas.

Atividades no Parque da Cidade em Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2020

No que diz respeito à conservação dos jardins-públicos ou parques urbanos, antigos ou ainda “jovens”, considerados relevantes para o meio onde se situam, como o Parque da Cidade de Brasília, um pertinente documento internacional – outro código de posturas entre as demais Cartas Patrimoniais – consiste na Carta de Florença, elaborada em 1981, após encontro na referida cidade sob a organização do International Comitee on Monuments and Sites/International Federation of Landscape Architects – Icomos / Ifla, na qual é explicitado que “um jardim histórico é uma composição arquitetônica e vegetal” e, sendo este o material principal, a paisagem formada por esses elementos compositivos é viva e, como tal, renovável dentro de uma ideia de conservação de sua essência. Do ponto de vista histórico ou mesmo da arte, de acordo com o mesmo documento, o parque urbano apresenta um interesse público e, além disso, se vincula ao conceito de monumento e de monumento histórico, portanto, “deve ser salvaguardado”. Nesse sentido, deve ser objeto de constantes trabalhos de manutenção ou intervenção para sua conservação, se atentando à sua visibilidade e acessibilidade, a seus elementos materiais naturais ou construídos, às expressões da cultura imaterial ali expressas, além de outras características do lugar. A Carta de Florença postula, ainda, que eventualmente pode ser pertinente a reconstituição de elementos perdidos de um jardim público, porém, nesses casos, deve-se manter a autenticidade tanto em relação ao desenho e volume da parte reconstituída quanto em relação à escolha de vegetais e minerais que os constitua. O Artigo 4 de tal documento elenca quatro itens essenciais a assimilação e, consequentemente, conservação de um parque ou jardim:

“seu plano e os diferentes perfis do seu terreno;
suas massas vegetais: suas essências, seus volumes, seu jogo de cor, seus espaçamentos, suas alturas respectivas;
seus elementos construídos ou decorativos;
as águas moventes ou dormentes, reflexo do céu” (16).

No que diz respeito à conservação dos parques urbanos no Brasil, é cabível se pautar, inicialmente, pelo Decreto Nº 84.017, de 27 de setembro de 1979, onde essas categorias ou sistema espacial, junto a parques naturais, parques ecológicos e reservas ambientas, é normatizada. Segundo tal regulamento, tais espaços são dotados de atributos naturais excepcionais e, por isso, configuram-se como objeto de preservação permanente e em seu conjunto. Considerando como o principal objetivo desses equipamentos urbanos e públicos, a preservação dos ecossistemas naturais, podem os mesmos serem destinados a fins científicos, culturais, educativos e recreativos. Sob tal contexto, a premissa é a de proteção integral da flora, fauna e das belezas naturais do parque, sendo que a exploração de seus recursos é, por isso, proibidas por lei. Outra diretriz de conservação internacional, mas criada no Brasil, consiste na Carta de Juiz de Fora (17),também conhecida como Carta dos Jardins Históricos Brasileiros, elaborada em 2010, a partir de encontro ocorrido em tal cidade, sob a organização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, da Fundação Mariano Procópio – Marpo e da Fundação Casa de Rui Barbosa. Em tal documento são assinaladas, desde definições do objeto às suas problemáticas mais constantes, desde recomendações para sua conservação àquelas voltadas para sua gestão, além de elencar outros códigos de postura e normativas específicos elaborados para tais espacialidades no Brasil e no exterior.

Sintetizando muitas das questões comumente presentes nas discussões sobre a conservação de casos representativos dessa categoria espacial no Brasil, principalmente aqueles já alçados ao status de patrimônio, Carlos Fernando de Moura Delphim (18) evidencia que para uma maior garantia das ações de salvaguarda e conservação do objeto em questão – que, obviamente, também envolve seu entorno – a intervenção sobre o mesmo deve se pautar em conceitos básicos presentes no campo teórico da preservação, sobretudo, nos conceitos de valor, integridade e autenticidade. Sob tal consideração inicial, o autor assinala que a conceituação do “valor” ou “valores” do objeto engloba material, desenho, conservação, localização e o entorno. Com relação à “integridade”, o autor enfatiza que esta se refere a quanto o bem é completo e o quanto ainda preserva do equilíbrio entre seus diversos elementos componentes originais. Já no que se refere à “autenticidade”, o autor evidencia a importância desse atributo que se refere à originalidade dos materiais e às formas de construção que foram utilizados na época e que devem ser consideradas tal como eventual peculiaridade do objeto a ser conservado.

Mesmo que nem todas as atividades propostas inicialmente para o Parque da Cidade sejam possibilitadas por não terem sido concebidas suas espacialidades, mesmo considerando o possível desestímulo ao uso contínuo de áreas livres como a de um parque por conta das especificidades climáticas locais com forte incidência solar em boa parte do ano e chuvas abundantes nas estações da primavera e verão, se sua vivência cotidiana permite especular sobre sua vitalidade, essa pode ser corroborada por dados da história de mais quatro décadas de existência do Parque da Cidade (19) e, segundo reportagem do Jornal de Brasília (20), suas atratividades espalhadas por toda sua extensão têm atraído para ela, em média, mais de 14 mil pessoas de segunda a sexta-feira, cerca de 40 mil nos fins de semana, números que tendem a ser ampliados para 80 mil quando acontecem eventos. Todavia, se muitos dos problemas relacionados à manutenção local são continuamente resolvidos, à parte da valorização do parque pelos moradores e das normativas do PUOQ Pq, aqueles à espera de solução contribuem para a diminuição de determinadas atividades no Parque da Cidade. Antes administrado pelo Governo e outros órgãos distritais e, atualmente, pela Secretaria de Turismo Federal, diversos problemas têm passado por essas duas situações, de resolução e espera: se questões relacionadas com o acesso, a iluminação, a vegetação, a segurança e o vandalismo têm sido pautas constantes, a antiga piscina de ondas, tão icônica para uma ideia de “cidade moderna”, atualmente desativada, consiste numa das reivindicações mais constantes daqueles que por ali passaram nos anos 1980 e 1990 e ainda a guardam em suas memórias e transmitem tais recordações para as gerações posteriores.

Piscina de Ondas do Parque da Cidade em Brasília DF Brasil
Foto Sávio Guimarães, 2019

Conclusão

A presente análise, desenvolvida a partir da abordagem do Parque da Cidade de Brasília, de seu contexto de influências, características específicas, usos variados e possibilidades de conservação, reforça, a nosso ver, a importância a ser dada hoje a esse equipamento público da cidade, assim como a outros casos representativos dessa categoria ou sistema espacial, a dos parques urbanos. Se já no início dos primeiros agrupamentos as áreas naturais, ainda que manipuladas pelo homem, assumiam certa relevância por questões simbólicas ou estéticas, cresce na atualidade a valorização de tais espacialidades por outras razões, afinal, nos últimos dois séculos têm sido grandes as transformações engendradas junto à urbanização das cidades, sobretudo pelo processo de industrialização e por muitos de seus desdobramentos, como a crise ambiental, de causa ou agravamento comumente a tal processo atribuída.

A partir dessa abordagem também consideramos ter sido possível evidenciar que o Parque da Cidade Dona Sarah Kubitschek, em Brasília, possui um amplo espaço que auxilia não apenas às demandas e desejos de atividades como o lazer da população local e dos tantos turistas que visitam a capital do país por várias razões, mas que também atua em questões mais amplas, afinal, sua extensa área aberta composta, sobretudo, por elementos naturais e por onde a passagem de correntes de ar, amenizam as temperaturas da cidade favorecendo, numa assimilação sistêmica, todo o meio ambiente. Essas duas características principais relativas ao uso e à configuração do Parque da Cidade o tornam, dessa maneira, um importante aliado no cotidiano de seus usuários e nos mecanismos de conforto urbano em Brasília, enfatizando, assim, a importância de algumas de suas várias dimensões, como a histórica, a social e a ambiental.

notas

1
FARIELLO, Francesco. Lar arquitectura de los jardines: de la Antiguidad al siglo 20. Barcelona, Reverte, 2008, p. 15.

2
Ressalte-se que, apesar da difusão dessa categoria espacial a partir do século 16, há referências de casos similares ainda na Antiguidade, na antiga cidade egípcia de Karnak e também em cidades da China. Ver: Idem, ibidem.

3
PANZINI, Franco. Projetar a natureza: arquitetura da paisagem e dos jardins desde as origens até a época contemporânea. São Paulo, Senac, 2013, p. 88. Grifo do original.

4
CURY, Isabelle (Org.). Cartas patrimoniais. Rio de Janeiro, Iphan, 2004, p. 26.

5
CAVALCANTI, Lauro. Moderno e brasileiro: a história de uma nova linguagem na arquitetura (1930-60). Rio de janeiro, Jorge Zahar, 2006.

6
MACEDO, Silvio Soares; SAKATA, Francine Gramado. Parques urbanos no Brasil. São Paulo, Edusp, 2003, p. 16.

7
MOORE, Kathryn. A cultura da natureza. In MOSTAFAVI, Mohsen; DOHERTY, Gareth (Org.). Urbanismo Ecológico. São Paulo, Gustavo Gili, 2014.

8
SENRA, Nelson de Castro (Org.). Veredas de Brasília: as expedições geográficas em busca de um sonho. Rio de Janeiro, Centro de Documentação e Disseminação de Informações do IBGE, 2010.

9
CHOAY, Françoise. O urbanismo. São Paulo, Perspectiva, 2018.

10
CAVALCANTI, Lauro. Op. cit.

11
PANZINI, Franco. Op. cit., p. 565.

12
TANURE, Joana Dias. O projeto de paisagismo de Burle Marx e equipe para o “Parque da Cidade” em Brasília/DF. Dissertação de Mestrado. Brasília, FAU UnB, 2007.

13
Idem, ibidem, p. 90.

14
SIQUEIRA, Vera Beatriz. Burle Marx. São Paulo, Cosac & Naify, 2001, p. 15.

15
GT PARQUE DA CIDADE. Plano de Uso e Ocupação do Parque Dona Sarah Kubitschek. Brasília, GDF, 2001.

16
CURY, Isabelle (Org.). Op. cit., p. 254.

17
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional <http://portal.iphan.gob.br/pagina/detalhes/226>.

18
DELPHIM, Carlos Fernando de Moura (Org.). Manual de intervenção em jardins históricos. Brasília, Ministério da Cultura/Iphan, 2005.

19
TANURE, Joana Dias. Op. cit.

20
SCONETTO, Raphaella. Parque da Cidade chega aos 40 anos com sinais de abandono. Jornal de Brasília – Cidades, Brasília, 11 out. 2018 <http://jornaldebrasilia.com.br/ cidades/parque-da-cidade-chega-aos-40-anos-com-sinais-de-abandono/>.

sobre os autores

Sávio Tadeu Guimarães, é arquiteto urbanista (UFJF), mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFF), doutor em Planejamento Urbano e Regional (IPPUR UFRJ), pesquisador (situ-AÇÕES) e professor em cursos de Graduação e Mestrado em Arquitetura e Urbanismo (Centro Universitário de Brasília).

Laura de Castro Oliveira Guerreiro, é arquiteta urbanista e mestra em Arquitetura e Urbanismo (Centro Universitário de Brasília).

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