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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Na emergência de preocupações sobre novas formas de convívio coletivo, esse artigo traz reflexões sobre a qualificação dos espaços livres públicos urbanos, a importância do mobiliário urbano e a necessidade de norma técnica brasileira específica.

english
In the emergency of thinking about new forms of collective living, this article brings reflections on the qualification of public open spaces, the importance of urban furniture and the need for a specific Brazilian technical standard.

español
En la emergencia de pensar nuevas formas de vida colectiva, este artículo trae reflexiones sobre la calificación de los espacios libres públicos, la importancia del mobiliario urbano y la necesidad de un estándar técnico brasileño específico.


how to quote

BRITO, Ana Laura Rosas; SILVEIRA, José Augusto Ribeiro da. Mobiliário urbano. Relevância, novas formas de convívio coletivo e inexistência de norma brasileira específica. Arquitextos, São Paulo, ano 22, n. 257.03, Vitruvius, out. 2021 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/22.257/8300>.

Há décadas, em países de economia desenvolvida, e em cidades como Copenhagen e Nova York, são desenvolvidos estudos (1) e aplicações que indicam que a melhoria da qualidade do espaço urbano, em especial do espaço livre público – ELP, leva a uma consequente melhora das condições de vida de seus habitantes que, cada vez mais, se aglomeram em ambientes urbanos.

A urgência de locomoção com transportes de massa mais eficientes ou individuais não poluentes, como bicicletas, o estabelecimento de áreas mistas de habitação, comércio e serviços, redução dos índices de poluição, disponibilidade de áreas verdes saneadas e acessíveis são algumas das premissas iniciais ao ganho de qualidade no ambiente urbano. Dentro desse rol de critérios, o mobiliário urbano ganha cada vez mais importância nesse cenário sendo o foco desse artigo, que expõe sua relevância e traz reflexões sobre a urgência de formulação de uma norma técnica nacional, que lance diretrizes sobre o tema.

Em geral, mobiliário urbano consiste em elementos, de escala muito próxima à humana, por isso atuam na pequena escala e possuem força de (re)estruturar espaços, provendo locais que antes não tinham função caracterizada em lugares de socializações, convivências comunitárias e mesmo de pertencimento, mediante humanização e ativação de estímulos para engajamentos sociais (2).

Ao longo da expansão das cidades, houve a necessidade de discussões e reflexões em torno de novas soluções para o futuro das aglomerações urbanas e de seus habitantes. Essas, cada vez mais urgentes, diante dos acontecimentos pelos quais tem passado a humanidade, tais como guerras, êxodos em massa de povos, epidemias, crises econômicas que causam o empobrecimento de várias nações e, mais recentemente, a pandemia do vírus Sars-CoV-2 causador da Covid-19 que leva, na atualidade, grande parte da população mundial ao confinamento. Nesse âmbito, há de se esperar dos variados profissionais dos estudos urbanos, sanitaristas, geógrafos, historiadores, economistas, urbanistas, engenheiros, um (re)pensar sobre estratégias de controle sanitário, maneiras mais seguras de translado das pessoas entre cidades e nações, investimentos relevantes em imunizações, saneamentos básicos e infraestrutura em prol da saúde coletiva, ainda negligenciados, seja no mundo capitalista desenvolvido (3), seja em regimes ditos de base socialista, e em nações mais pobres com economias em desenvolvimento, que não encontraram ainda fórmulas sustentáveis de suprir suas demandas (4).

Há de se considerar ainda que, apesar de tantos fatores que pesam contra as cidades, é remota a possibilidade de redução do crescimento de sua população, e uma futura inversão direcionada ao crescimento da população no campo.

Assim sendo, é imperioso promover também, reflexões sobre as estratégias de arranjo dos elementos de menor escala dentro do ambiente urbano e, mais propriamente, sobre os espaços livres públicos que são aqueles destinados aos deslocamentos, permanências, convivências ou co-presenças das pessoas, sendo as ruas, parques, praças, bulevares, orlas marítima e fluvial de áreas urbanas, as estruturas mais permanentes para essas atividades (5).

Espaços livres públicos e a relevância do mobiliário urbano

Os espaços livres públicos são estruturas urbanas amplamente estudadas, tendo em vista sua variedade e universalidade em cidades pelo mundo, nas mais variadas culturas, pois atendem às demandas de circulação e acesso de pedestres, acesso e estacionamento de veículos, áreas de estar, convívio, trabalho e preservação ambiental. Borja (6) destaca que “a cidade é antes de tudo o espaço público, o espaço público é a cidade”, numa associação direta e contundente sobre a relevância dessas estruturas mas, contrariamente a isso, percebe-se na contemporaneidade que muitas administrações públicas adotam práticas antiurbanas baseadas no design hostil em seus espaços livres públicos associado ao mobiliário urbano, como uma “solução” ao trânsito e às permanências “indesejáveis” de indivíduos ou de grupos específicos, tais como, sem tetos, imigrantes, skatistas e prostitutas. Tais medidas transformam a paisagem urbana, com contornos de trincheiras e inospitalidade, traduzindo o poder de barganha e manipulação da cena urbana, em geral, de grupos dominantes minoritários corroborados por governos, em detrimento de desejos e necessidades coletivas (7).

Banco anti moradores de rua em estação de metro, Viena, Áustria
Foto János Korom Dr. [Wikimedia Commons]

Pinos que evitam sentar/deitar em patamar de passeio público, Košice, Slovakia
Foto Wkmdjay [Wikimedia Commons]

Inclinação de patamar evitando sentar/deitar em estação de trem, Viena, Áustria
Foto My Friend [Wikimedia Commons]

Por outro lado, iniciativas em diversas esferas de atuação citadina, top-down ou buttom-up, são animadoras ao apontar que pequenas transformações, com destaque para aquelas de pequena escala como mobiliário urbano, possuem o poder de modificar usos e consequentemente, dinâmicas pré-existentes nos espaços da cidade. O mobiliário quando empregado mediante certos arranjos que podem ser chamados de gentilezas urbanas e, em certos casos, acompanhado de engajamentos sociais, como placemakings por exemplo, conduzem os usuários à permanências nos locais, ou transformá-los em rotas preferenciais de deslocamento e podem até gerar possíveis ativações de atitudes de pertencimento nos ambientes urbanos. Há uma documentação farta sobre esses ganhos de qualidade nos espaços livres públicos de cidades pelo mundo, alcançados com o uso da pequena escala, focada no uso de mobiliário urbano (8).

Bancos Enzo instalados no pátio do MuseumQuartier, em Viena, Áustria [Acervo dos autores, 2007]

Mobília para descanso e xadrez na Washington square park, Nova York, EUA
Foto Nicolás Boullosa [Wikimedia Commons]

Jogo de xadrez em praça na cidade de Genebra, Suíça [Acervo dos autores, 2008]

No Brasil, experiências similares são identificadas, demonstrando um alinhamento com práticas internacionais e desenvolvidas por grupos sociais organizados, ou mesmo movidas por administrações públicas, na implementação de boas práticas urbanas que estimulam maior movimento de pedestres, permanências e mesmo engajamentos sociais dos habitantes frente a realidade de seus espaços públicos.

Mobiliário instalado no Largo da Batata, na cidade de São Paulo, Brasil [Acervo dos autores, 2017]

Parklet instalado no bairro Jardim Paulista, na cidade de São Paulo, Brasil [Acervo dos autores, 2017]

Estação Tubo em Curitiba, Brasil
Foto Gucarpa [Wikimedia Commons]

Contudo, não se intenta passar a crença de que todos os problemas urbanos são passiveis de amenização ou mesmo solução com o uso de tais elementos, mesmo porque quando indevidamente aplicados podem gerar efeitos negativos, como gentrificação de áreas urbanas e intensificação de permanências e fluxos de pedestres em áreas onde tecnicamente não seriam convenientes, por exemplo, colocando pessoas em risco em áreas de grande fluxo de trânsito motorizado, ou ativações de fluxos e permanências em vizinhanças de hospitais e escolas.

Vale destacar que o mobiliário instalado em espaços urbanos ditos “residuais”, como baixios de viadutos, áreas contíguas a obras de infraestrutura de espaços urbanizados, os “terrenos vagos” sem urbanização, e espaços livres públicos em tecido citadino informal (favelas, por exemplo) possuem força ativadora de novos usos e apropriações (9). Ressalva-se ainda a necessidade de, quando da intervenção em qualquer área, observar usos e apropriações pre-existentes e quais seriam aqueles a se consolidar ou substituir. Além disso, destaca-se que existem diferenças intrínsecas em relação ao mobiliário urbano produzido espontaneamente, por grupos ou mesmo indivíduos leigos, em movimentos de apropriações de territórios, que não são passíveis de controle em sua fabricação e instalação por normas formais, cabendo aos poderes públicos e órgãos fiscalizadores averiguarem a presença desses elementos na cena urbana e quando de inadequações, e oferecendo riscos aos usuários, agir no sentido de remoção, alteração ou substituição, mediante estratégias que vislumbram salutarmente a cooperação entre comunidade e administração pública / Organizações Não Governamentais – ONGs.

Mobiliário urbano de construção leiga instalada na favela Beira Molhada, João Pessoa, Paraíba
Foto Peregrino, Brito e Silveira, 2016.

Isso posto, devem pesar nas decisões sobre a produção e instalação desses elementos, a observância de aspectos como demanda de grupos sociais distintos, clima e sazonalidade, entorno edificado, presença ou não de determinados equipamentos arquitetônicos e condições de segurança, pois o espaço urbano é, acima de tudo, heterogêneo do ponto de vista social, político e econômico.

Infelizmente, o quadro recorrente no Brasil apresenta duas faces: a primeira, em que há uma imensa demanda por mobiliário urbano que não é suprida nos espaços livres públicos, e que dê suporte às necessidades dos habitantes; a segunda, é que tais elementos existentes nos espaços urbanos brasileiros, no geral, são de qualidade bastante questionável, considerando a inadequação de materiais para o uso externo, coletivo e para usuários específicos, durabilidade, dimensionamentos inadequados que não observam ergonomia, segurança, acessibilidade, e ainda as questionáveis soluções de design e sustentabilidade ambiental, que envolvem um campo complexo e subjetivo de discussões.

Nesse sentido, duas pesquisas realizadas na cidade de João Pessoa, capital da Paraíba, ilustram os aspectos aqui abordados. A primeira pesquisa, realizada entre os anos de 2012 e 2013, avaliou a situação de importantes equipamentos públicos situados em diferentes bairros da cidade, observando como o mobiliário estava posto, se supria e se estava adequado às necessidades dos usuários. Os equipamentos selecionados foram uma escola pública (o centenário Liceu Paraibano), um centro cultural (o Espaço Cultural José Lins do Rego), um centro de cultura e ciências (a Estação Cabo Branco) e a estação rodoviária da cidade (o Terminal Rodoviário Severino Camelo), todos de grande porte por atenderem centenas de usuários diariamente e de importância central no tecido urbano (10). A segunda pesquisa (11), mais recente, realizada entre os anos de 2016 a 2018, apresentou um comparativo entre dois estudos de caso, que visou entender as condições do mobiliário nos aspectos formais, funcionais e estruturais e seus potenciais de ativação nos espaços livres públicos, ou seja, se ativavam rotas de deslocamentos preferenciais, permanências e/ou sentido de pertencimento, despertando ações em prol da conservação desses elementos e do espaço público. O primeiro estudo de caso, analisou mobiliário situado em um dos principais passeios públicos de beira mar da cidade, o Busto de Tamandaré, que configura um polo de atração, muito visitado pelos habitantes da cidade e turistas; e outro estudo, na Praça Assis Chateaubriand, uma praça de uso local, bastante integrada ao bairro e esse, ao tecido da cidade, e conhecida por possuir um público usuário engajado e participativo.

Os resultados da primeira pesquisa apontam para a falta de mobiliário, em locais que seriam prioritários, e a inadequação de dimensões, encostos e medidas de alturas de assentos, por exemplo, e inadequação de materiais quando da existência do mobiliário nos locais pesquisados, fatos que não sofreram alterações nos anos posteriores.

Busto de Tamandaré e letreiro “Eu amo Jampa”, instalado desde 2015, e inadequações de materiais construtivos [Acervo dos autores, 2017]

Praça Assis Chateaubriand e mobiliário com problemas dimensionais, de materiais e de usabilidade
Acervo dos autores, 2017

Tendo em vista o exposto, não é distante considerar que, após a fase mais crítica da Covid-19, as atividades humanas retomarão, em vários aspectos, às práticas cotidianas mais comuns realizadas antes da pandemia, como acessar os espaços livres públicos de modo mais efetivo e prolongado. As pessoas voltarão a ocupar as ruas, praças e parques, e é oportuno fazer reflexões em torno de quais serão os possíveis caminhos para a (re)estruturação dos espaços livres públicos e o que fazer para torná-los lugares de melhor qualidade e mais salubres para as experiências urbanas daqueles que habitam as cidades pelo Brasil.

Isso posto, haverá a necessidade de revisão de configurações e padrões, sobre como, onde e quando haverão possibilidades de aproximação entre as pessoas, adotando medidas preventivas para o distanciamento adequado entre indivíduos e objetos, provendo facilidades de técnicas de assepsia, manutenção, reposição e descarte do mobiliário urbano. E para que isso ocorra são necessários instrumentos técnicos legais, que embasem as discussões e, possivelmente, as práticas que serão implementadas.

Inexistência de norma brasileira sobre mobiliário urbano

Um instrumento fundamental para embasar as discussões seria uma norma que definisse, no Brasil, o que é pequena escala e o que é mobiliário urbano, suas funções, suas garantias mínimas de segurança embasadas em indicadores salubres e ergonômicos para uso amplo e também específico tais como, o uso por idosos e crianças, materiais construtivos para uso externo, público e coletivo, entre outras questões.

É possível identificar autores brasileiros que discorrem sobre o que é mobiliário urbano (12), mas não há um consenso entre as definições, e essas não possuem o caracter normativo.

A norma da ABNT 9050, válida a partir de outubro de 2015, que trata de Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, estabelece “critérios e parâmetros técnicos a serem observados quanto ao projeto, construção, instalação e adaptação do meio urbano e rural, e de edificações às condições de acessibilidade"(13) e possui algumas seções que tratam sobre mobiliário urbano.

Especificamente, no item 3.1.2.7. Mobiliário Urbano há uma breve definição que detalha o tema como sendo “conjunto de objetos existentes nas vias e nos espaços públicos, superpostos ou adicionados aos elementos de urbanização ou de edificação, de forma que sua modificação ou seu translado não provoque alterações substanciais nesses elementos, como semáforos, postes de sinalização e similares, terminais e pontos de acesso coletivo às telecomunicações, fontes de água, lixeiras, toldos, marquises, bancos, quiosques e quaisquer outros de natureza análoga" (14), bem como alerta que esses objetos precisam atender aos princípios do desenho universal.

Além disso, na mesma seção existem recomendações como proporcionar ao usuário segurança e autonomia de uso;  assegurar dimensão e espaço apropriado para aproximação, alcance e manipulação, postura e mobilidade do usuário, ser projetado de modo a não se constituir em obstáculo suspenso; ser projetado de modo a não possuir cantos vivos, arestas ou quaisquer outras saliências cortantes ou perfurantes; estar localizado junto a uma rota acessível; e estar localizado fora da faixa livre para circulação de pedestre e ser sinalizado. E são listados os itens que compõem a seção destinada ao tema: a) Pontos de embarque e desembarque de transporte público; b) Semáforo de pedestre; c) Telefones públicos; d) Cabinas telefônicas; e) Bebedouros; f) Lixeiras e contentores para reciclados; g) Cabinas de sanitários públicos; h) Ornamentação da paisagem e ambientação urbana – Vegetação; e i) Assentos públicos, que vêm apenas acompanhados de recomendações e medidas ideais muito concisas e relacionadas à acessibilidade e à aproximação de cadeira de rodas.

Entretanto, o que se analisa face o exposto é que na norma ABNT 9050 há um princípio de classificação, mas é insuficiente e desatualizado para englobar todo um conjunto de elementos existentes no ambiente intraurbano, pois alguns itens como telefones públicos e cabines telefônicas já estão em vias de desapareceram dos espaços livres públicos brasileiros, e em várias cidades pelo mundo (15). A norma não elenca outros elementos considerados atualmente mobiliário urbano, como parklets, cadeiras, equipamentos de academia ao ar livre, letreiros, outdoors e paraciclos. Além disso, não se atém sobre a necessidade de obrigatoriedade de projeto de mobiliário, quando criado para uso por público específico, como playgrounds infantis, ou sobre o tempo mínimo de durabilidade em espaços públicos, materiais mais indicados, padrões de resistência a cargas previstas e à exposição externa, às intempéries como sol, chuva, frio e calor, dimensionamentos mínimos e padrões de segurança, formas de manutenção e até mesmo de descarte de tais objetos e quais os responsáveis por tais etapas.

É certo que, muitos desses pontos necessitariam vir em normas atreladas a uma norma inicial classificadora, com apresentação de padrões de desenho, de execução, configuração do sistema de objetos a implantar, construir e/ou fabricar, similar ao que ocorre em muitas normas voltadas para arquitetura, a exemplo de normas específicas sobre alvenaria, caixilhos de janelas, instalações prediais, tendo em vista a quantidade abundante de detalhes, observações e parâmetros de segurança dos componentes.

O Brasil possuía uma norma nacional específica que classificava mobiliário urbano (16), estabelecida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, e elencava seus itens em categorias e subcategorias, segundo suas funções predominantes. Essa não era suficiente, tendo em vista a necessidade de normas atreladas mas, pelo menos, buscava elencar uma listagem de itens que eram, de certa forma, organizados e orientadores do que se tratava o assunto mobiliário urbano.

A citada Norma 9283 ABNT, estabelecida em 1986, foi cancelada pela entidade em 31 de outubro de 2014 sob a alegação de que o setor não a utilizava mais. O catálogo digital (17) da ABNT indica o que entende por setor, como sendo Planejamento Urbano, Urbanismo e Estruturas das Edificações e não há, até hoje, previsão para a produção de nova norma para esse tema específico.

A extinta NBR 9283/1986 necessitava de ajustes e revisões, tendo em vista seus 28 anos de vigência, nos quais surgiram novas tipologias de mobiliários, usos e necessidades na cena urbana. Além disso, possui itens passíveis de críticas, por serem termos ambíguos, ou passíveis de remoções, pois se configuram muito mais como itens pertinentes à infraestrutura urbana, que ao mobiliário urbano propriamente dito, como é possível atestar nos itens “passagem subterrânea”; “pavimentação”; “calçadão”; “sinalização horizontal”; “entrada de galeria telefônica”; “tampão”; “posteação”; “fiação”; “torre”; “antena”; “entrada de galeria de luz e força”; “tampão”; “posteação”; “fiação”; “torre”; “respiradouro”; ou a itens como “circo” e “parque de diversões” que, pelas dimensões, poderiam ser removidos por se configurarem muito mais como arquiteturas efêmeras e/ou temporárias; ou itens vinculados à modais de transporte como ‘trailers', que por questões de função locomoção/deslocamento humano é, indiscutivelmente, muito mais vinculado à uma classificação de equipamento para transporte, na qual as regras de segurança e funcionamento, por exemplo, são distintas.

A existência de norma técnica específica que regulamente ou normalize itens do mobiliário urbano é de utilidade pública, pois estabelece critérios essenciais:

"Norma é o documento estabelecido por consenso e aprovado por um organismo reconhecido, que fornece regras, diretrizes ou características mínimas para atividades ou para seus resultados, visando à obtenção de um grau ótimo de ordenação em um dado contexto. A norma é, por princípio, de uso voluntário, mas quase sempre é usada por representar o consenso sobre o estado da arte de determinado assunto, obtido entre especialistas das partes interessadas” (18).

Dessa maneira, uma norma sobre o tema lançaria diretrizes e tornaria o tema mais acessível a todos, inclusive, parâmetros para fiscalização de produtos e serviços locais. Em muitos casos, as normas técnicas são requeridas para confronto e utilizadas como instrumento de conferência por órgãos competentes na área da arquitetura e do urbanismo e, em ações de fiscalizações, se encontrando casos de incongruências, identificação de erro e soluções inadequadas de projetos, esses órgãos tem o poder de emissão de advertências, multas e suspensões de atividades profissionais. Sobre isso, vide os trabalhos conduzidos pelos Conselhos Regionais de Engenharia e Agronomia – Crea, bem como Arquitetura e Urbanismo – CAU, que seguem suas atividades balizados por normas, tendo em vista a necessidade de se manter padrões de qualidade, com o intuito de proteção aos usuários de produtos e serviços.

Considerações finais

Tendo o exposto, acredita-se que uma norma classificadora de mobiliário urbano serviria como balizadora de qualidade para usuários e atuações profissionais, e suas possíveis ramificações com normas de suporte atreladas, é de extrema importância, tanto para fins acadêmicos, em estudos teóricos, quanto na prática profissional, dando suporte aos diversos profissionais que lidam com o urbano, nas áreas de planejamento e projeto, e na administração pública, em processos de licitações públicas com empresas fabricantes, incorporadoras e construtoras que atuam no ambiente urbano.

Vale salientar que uma norma para mobiliário urbano deve considerar possíveis novos cenários sobre salubridade urbana, num quadro pós-pandemia da Covid-19, com indicativo de possibilidades de configurações e de distribuição de objetos de pequena escala nos espaços livres públicos urbanos. Nesse sentido, gestores, empresas, meio acadêmico e profissionais que produzem soluções para as cidades, necessitam de normas técnicas para as reflexões acerca de novas maneiras de construir e criar lugares, com qualidades necessárias, para uso coletivo e frente à novas perspectivas de convívio.

Alguns poucos municípios brasileiros que possuem norma própria para mobiliário urbano(19) se configuram como exceções, no que a maioria não possui tal instrumento, bem como não possuem nem o corpo técnico para estabelecer critérios sobre o tema, nem mesmo leis sobre posturas urbanas. No geral, cidades médias e capitais possuem citações ao que seria mobiliário, detalhando o significado do termo e vagas considerações sobre o uso dentro de leis orgânicas municipais.

Dessa maneira, e considerando o debate aqui proposto, é lançada um pergunta para a reflexão de gestores, meio acadêmico e corpo técnico dos setores público e privado: como vislumbrar o uso de mobiliário urbano nos nossos espaços livres citadinos, voltados ao uso público e coletivo, sem um instrumento técnico nacional que sinalize padrões de qualidade e de salubridade?

notas

1
Tais fundamentos são expostos nas obras: GEHL, Jan. Cidades para Pessoas. São Paulo, Perspectiva, 2013; KARSSENBERG, Hans et al. 80 lições para uma boa cidade ao nível dos olhos. In KARSSENBERG, Hans (org.). A cidade ao nível dos olhos. Lições para os Plinths. Porto Alegre, EdiPUCRS, 2015, p. 312; BURDETT, Rick. Pensar a cidade para construr a cidade. In ROSA. Marcos L. (org.). Micro planejamento: práticas urbanas criativas. São Paulo, Editora de Cultura, 2011, p 114, e entidades como o Project for Public Spaces – PPS <https://www.pps.org/>.

2
Sobre a possibilidade de tais estruturas beneficiarem os espaços urbanos e mesmo ativá-los, gerando novos e salutares usos, ver o artigo: BRITO, Ana Laura Rosas; SILVEIRA, Jose Augusto Ribeiro da. A pequena escala e a cidade: o mobiliário na ativação dos espaços livres públicos. Anais do XVIII Enanpur, Natal, 2019 <https://bit.ly/3n1VD89>.

3
A exemplo disso, vê-se o exemplo de países como Estados Unidos da América com enormes impedimentos políticos e administrativos para implementarem um sistema de saúde público eficiente, sendo tal assunto discutido claramente em fontes: INSTITUTO LUDWIG VON MISES BRASIL. Como realmente funciona o sistema de saúde americano. Jusbrasil, Salvador <https://bit.ly/3jb3I9g>; International Health Care System Profiles. United States. The Commonwealth Fund, Nova York, June 5th 2020 <https://bit.ly/2YXdaG2>; KOTECHA, Sima. How does US healthcare work? BBC, Londres, March 22th 2010 <https://bbc.in/3lR0A4w>.

4
Fontes como Gates Fundation e Imperial College London trazem estudos aprofundados sobre pandemias mundiais e reflexões sobre maneiras pertinentes de prevenção e controle. Ver: Largest coalition to prevent a pandemic. Gates Foundation, Seattle <https://gates.ly/30p01q3>; Covid-19. Imperial College London, Londres <https://bit.ly/3lMJ1Cv>.

5
Ver CUSTÓDIO, Vanderli et al. Sistemas de espaços livres e forma urbana: Algumas reflexões. 2013. Anais Encontros Nacionais da Anpur, v. 15 <https://bit.ly/2Z0GVWU>.

6
BORJA, Jordi. Espacio público y derecho a la ciudad. Barcelona, 2012 <https://bit.ly/3jcHnZ3>

7
Sobre tais práticas, ver os estudos de: MINTON, Anna, Ground Control: Fear and happiness in the twenty-frist- century city. London, Penguin Books, 2012; HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo, Martins Fontes, 2014; LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5ª edição. São Paulo, Centauro, 2006.

8
Ver os estudos e aplicações práticas de alguns governos e ONGs, tais como: Project for Public Spaces – PPS; CITY ACUPUNCTURE CATALOG: Improving the city life quality through small and precise interventions in urban structure. Croatia, Zagreb Society of Architects, 2014 <https://bit.ly/3aLBNbz>; CASANOVA, Helena; HERNÁNDEZ, Jesús. Public Space Acupuncture: Strategies and Interventions for activating city life. New York, Actar Publishers, 2014 <https://bit.ly/3aIrcOJ>.

9
O artigo intitulado “O espaço livre público informal como lócus da oportunidade e da integração socioespacial da cidade: o caso da favela beira molhada, em João Pessoa – PB, Brasil”, que traz reflexões sobre os espaços livres públicos informais, a importância desses para a cidade formal e as consequências de ativações através de algumas intervenções de pequena escala. PEREGRINO, Yasmin Ramos; BRITO, Ana Laura Rosas; SILVEIRA; José Augusto Ribeiro. O espaço livre público informal como lócus da oportunidade e da integração socioespacial da cidade: o caso da favela Beira Molhada, em João Pessoa – PB, Brasil. Urbe – Revista Brasileira de Gestão Urbana, n. 9 (vol. 3), set./dez. 2017 <https://bit.ly/3lOBdzY>.

10
Ver BRITO, Ana Laura Rosas; BELTRAMINI, Luiza Paes. Os grandes equipamentos públicos de João Pessoa: Alguns casos de descaso. XIV Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, Juiz de Fora, Anais do Entac, 2012 <https://bit.ly/3lQvGZQ>.

11
BRITO, Ana Laura Rosas. A pequena escala e a cidade: o mobiliário na ativação dos espaços livres públicos. Tese de doutorado. João Pessoa, PPGAU UFPB, 2019.

12
"Conjunto de elementos materiais localizados em logradouros públicos ou em locais visíveis desses logradouros e que complementam as funções urbanas de habitar, trabalhar, recrear e circular: cabinas telefônicas, anúncios, idealizações horizontais, vertical e aérea, postes, torres, hidrantes, abrigos e pontos de parada de ônibus, bebedouros, sanitários públicos, monumentos, chafarizes, fontes luminosas etc.”. FERRARI, Celso. Dicionário de Urbanismo. São Paulo, Disal, 2004.

13
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. São Paulo, Associação Brasileira de Normas Técnicas, 2015, p. 1 <https://bit.ly/3vkOt2w>.

14
Idem, ibidem, p. 5.

15
Sobre esse assunto vale lembrar das conhecidas cabines telefônicas vermelhas inglesas que a cada ano são retiradas das cidades britânicas, sem serem repostas, numa clara tendência de que o telefone móvel e pessoal é o fator preponderante. Ver sobre isso, ver artigo do no periódico BBC. PARKINSON, Justin. The yard for red phone boxes that ring no more. BBC News Magazine, London, April 24th 2015 <https://bbc.in/3DK88vM>.

16
ABNT NBR 9283:1986. Mobiliário Urbano – Classificação [cancelada]. São Paulo, ABNT, 30 mar. 1986 <https://bit.ly/2XE6dJY>.

17
Idem, ibidem.

18
ABNT. Normalização: o que é. Associação Brasileira de Normas Técnicas, São Paulo <https://bit.ly/3m4hVHe>.

19
Cidades como Porto Alegre e São Paulo, possuem normas sobre o tema, acessíveis através de seus portais administrativos na internet.

sobre os autores

Ana Laura Rosas Brito é professora do Curso Superior de Tecnologia em Design de Interiores do Instituto Federal da Paraíba. Doutora em Arquitetura e Urbanismo (UFPB, 2019), co-autora em capítulos dos livros Design de Interiores – da teoria à prática (IFPB, 2015); Estudos Urbanos: uma abordagem interdisciplinar da cidade contemporânea (Anap, 2015) e Marcos, Fronteiras e Sinais – Leitura das ruas de João Pessoa (UFPB/PMJP, 2006).

José Augusto Ribeiro da Silveira é professor associado do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do Centro de Tecnologia da Universidade Federal da Paraíba. Doutor em Desenvolvimento Urbano (UFPE, 2004). Publicou artigos, capítulos de livros e organizou livros nas áreas de Planejamento Urbano e Regional, Morfologia e Mobilidade urbana.

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