No Brasil, as tipologias de apartamentos de três e quatro dormitórios geralmente continham a dependência de empregada, como observado por Simone Barbosa Villa (1), fruto de análise de 482 projetos de edifícios de apartamentos construídos em São Paulo de 1910 a 2002 — e Douglas Queiroz Brandão (2), que analisou 3.000 plantas de apartamentos lançados entre 1995 e 2000 em 50 cidades brasileiras.
Para Elizabeth Silva (3) e Souza (4), o “quartinho” e o banheiro de serviço destinados às empregadas domésticas, mensalistas ou diaristas, são reveladores do seu estatuto, sobretudo, ao se considerar os apartamentos de padrão médio brasileiro, constituindo, em geral, cubículos que só comportam uma cama minúscula e um pequeno guarda-roupa, muitos até mesmo desprovidos de janela.
Com base em um estudo etnográfico realizado no Rio de Janeiro, Donna Goldstein (5) destaca como o “quartinho” passou de moradia a espaço para uso apenas diurno; além de descrever o banheiro de serviço, em via de regra, como área diminuta que mal tem lugar para um chuveiro e um vaso sanitário. Constituindo ambientes de segregação, é no “quarto e banheiro de empregada” que o respeito com as posses alheias desaparece; esses espaços podem conter tudo que deve permanecer escondido para não desordenar a beleza e a organização da casa, sendo verdadeiros “espaços de despejo” (6).
Para Edite Galote Carranza (7), o descaso dos arquitetos em relação aos parâmetros de qualidade espacial do quarto de empregada estaria relacionado, em parte, a uma prática de trabalho que muitas vezes se baseia na repetição de soluções “consagradas no mercado”; e pelo fato desses, por serem mais suscetíveis às aspirações de seu próprio grupo de origem e, de forma ainda que inconsciente, favorecerem a permanência do status quo sociocultural, a manutenção de uma hierarquia social expressa nos espaços.
Atualmente, questionamentos têm sido levantados sobre o uso e a real necessidade da dependência de empregada, uma vez que a presença da trabalhadora doméstica mensalista nas residências tem sido cada vez menor, sobretudo, no período noturno, devido à substituição pelo serviço de diaristas pelas famílias de renda média, tendência confirmada pelo Instituto de Pesquisa Aplicada (8) que, a partir da comparação de dados de 1995 e 2015, verificou a ocorrência de uma redução de 89% no número de empregadas residentes na casa dos patrões e um aumento de 73,2% na quantidade de diaristas. O aumento dos valores pagos por esse serviço associado a crises econômicas, teriam dificultado a manutenção do custo do empregado no orçamento das famílias de classe média (9).
Corroborando o fenômeno de desaparecimento da empregada doméstica mensalista que dorme no local do emprego, os resultados das pesquisas de Mario de Oliveira Saleiro Filho (10), no Rio Janeiro, Fernando de Oliveira Morais (11), em João Pessoa, e de Jéssica Caroline Rodrigues de Lima (12), em Maceió, apontaram para a existência de uma tendência de supressão da dependência de empregada nos programas de edifícios de apartamentos de padrão médio. Por outro lado, Eugenio Goussinsky (13) e Gabriela Mendrado (14) discorrem sobre um movimento recente de inclusão da dependência de empregada em plantas de apartamentos produzidos em Portugal, cuja intenção se baseia em atender às demandas de famílias brasileiras abastadas que para lá se mudam, e que hoje ocupam o terceiro lugar entre os estrangeiros que mais compram imóveis no país.
A dependência de empregada consiste em um fato cultural, a reflexão sobre sua natureza constitui uma forma de atingir uma maior compreensão sobre o modo de vida do povo brasileiro. O objetivo deste artigo foi investigar as principais tipologias de dependências de empregadas domésticas adotadas em edifícios verticais multifamiliares desde o surgimento dessa tipologia no Brasil, na década de 1910, até a primeira metade da década de 1940, com foco em três capitais: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.
A pesquisa pautou-se em revisão de literatura de obras acadêmicas, levantamento documental de peças gráficas e fotográficas de projetos de edifícios de apartamentos em publicações especializadas, além de análise de projeto de plantas de apartamentos construídos no período de 1910 até à primeira metade da década de 1940 nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Investigaram-se as diferentes configurações de projeto adotadas nos espaços direcionados aos empregados domésticos e os fatores que influenciaram nessas escolhas.
Os antecedentes da localização das dependências de empregadas nos edifícios multifamiliares
Nos prédios parisienses de estilo haussmaniano, os quartos de empregadas (chambres-de-bonnes) situavam-se nos últimos andares (quase sempre no sexto andar) ou nas mansardas (15), e contavam com banheiros de uso compartilhado distribuídos ao longo dos corredores do andar (16). A partir da década de 1910, a falta de pessoal doméstico qualificado e a diminuição da área dos apartamentos promoveu o desaparecimento dos alojamentos de empregados franceses, reduzidos a um ou no máximo dois pequenos quartos contíguos à cozinha (17).
Alba (18) destaca que em 1900 mais de 90% das famílias norte-americanas não contratavam serviçais, situação relacionada à pouca oferta de mão de obra disposta a aceitar este tipo de trabalho, ao consequente aumento dos seus salários, sobretudo, após a Primeira Guerra Mundial, e também à entrada dos eletrodomésticos nos lares. Até meados dos anos 1950, em várias grandes cidades do país teriam sido construídos edifícios multifamiliares com um ou dois andares reservados para quartos ou apartamentos básicos para empregadas domésticas (19).
Giulia Turcatel (20) e Rebecca Ginsburg (21) também apontam a existência em meados da década de 1950, em alguns subúrbios de alta densidade em Johanesburgo na África do Sul, de grandes edifícios de apartamentos com projetos modernistas e cujos topos abrigavam alojamentos para trabalhadores domésticos compostos por quartos individuais e banheiros comunitários. Esses alojamentos eram apelidados de skylight locations, acessados somente por escadas, uma vez que os elevadores não chegavam até o último andar (22).
No Brasil, o serviço doméstico continuou a ser um aspecto cultural importante da sociedade (23), alimentado pela existência de uma grande oferta de mão de obra barata, predominantemente feminina e de baixa escolaridade, que muitas vezes encontrava nessa atividade a porta de entrada para o mercado de trabalho urbano (24). De acordo com Luís Octávio de Faria e Silva (25), a existência de empregadas domésticas, mesmo nas residências de classe média, é uma das características das sociedades em vias de desenvolvimento e que, no Brasil, foi por muito tempo associada à moradia das mesmas na residência dos patrões. Conforme Donna Goldstein (26), empregar uma trabalhadora doméstica tem sido um meio pelo qual as famílias brasileiras sinalizam sua adesão à classe média, sendo, portanto, elemento considerado essencial para manter estilos de vida dessa classe.
Por outro lado, a contratação de empregadas domésticas foi e ainda hoje consiste em um elemento significativo para a liberação de certo contingente de mulheres para atuar no mercado de trabalho, na medida em que a cobrança em relação ao gerenciamento da casa e dos filhos ainda recai de forma mais intensa sobre elas (27). Conforme Heleieth Saffioti (28): “a liberação de algumas mulheres dos trabalhos domésticos dá-se às expensas das empregadas domésticas, portanto, de outras mulheres [...] permanece constante, entretanto, a divisão social do trabalho segundo os sexos”. Não raro também é possível encontrar casos de empregadas domésticas que precisam se valer do serviço informal de outras mulheres para tomar conta de seus filhos, situação retratada no documentário “Doméstica” (2012) de Gabriel Mascaró.
Principais configurações dos dormitórios de empregadas
Observou-se a existência de quatro configurações principais de dormitórios de empregadas: (C) cobertura com quartos de empregadas; (I) quartos de empregadas internos nas unidades de apartamentos; (H) hall de serviço do pavimento tipo com quartos de empregados; (T) térreo com quartos de empregados. Verificou-se também a existência de seis outras subcategorias ou tipologias mistas.
Nas coberturas
No Brasil, a configuração que concentra todos os dormitórios de empregados no último pavimento (cobertura, ático, sótão ou mansarda) dos edifícios teria sido inspirada possivelmente nas chambres-de-bonne parisienses do século 19, situadas nas mansardas dos edifícios burgueses (29). Além disso, essa influência da cultura arquitetônica francesa, teria sido intensificada pela participação de profissionais estrangeiros, sobretudo europeus, na construção dos primeiros edifícios verticais na cidade do Rio de Janeiro — que nas primeiras décadas do século 20 carecia de mão de obra especializada capaz de atender à sociedade que se modernizava (30).
A regulamentação tardia da profissão de arquiteto no país, ocorrida apenas no ano de 1933 por meio da Lei nº 23.569/1933, teria também favorecido a participação de estrangeiros como projetistas (31). Ademais, muitos arquitetos brasileiros tinham sua formação fundamentada nos preceitos da arquitetura europeia, obtida no exterior, ou mesmo no Brasil com mestres estrangeiros (32).
Até o início da década de 1940, o andar da cobertura dos edifícios brasileiros era considerado uma área desvalorizada pela proximidade com o telhado e equipamentos de serviço, como as casas das máquinas dos elevadores ou a caixa-d’água (33). A desvalorização comercial e simbólica deste último andar não decorria assim de uma dificuldade de acesso como nos edifícios europeus do século 19, uma vez que grande parte dos edifícios com quartos de empregados alocados na cobertura já contavam com elevador; mas sim, da persistência cultural do entendimento de que as mansardas dos edifícios eram ocupadas pelos mais pobres e pelos artistas boêmios (34).
Denise Vianna Nunes (35) destaca que muitos dos primeiros edifícios de apartamentos construídos no país, tanto arranha-céus de luxo quanto pequenos prédios para renda, apresentavam quartos alinhados no sótão, sendo estes inicialmente direcionados para solteiros, remetendo à solução das vilas operárias do século 19 que ofereciam unidades diferenciadas para celibatários; e que esses espaços, depois, passariam a ser destinados aos empregados domésticos.
Essa configuração foi utilizada em diversos edifícios, como no Praia do Flamengo (1923), Tamandaré (1927), Itaoca (1928), Palacete São Paulo (1929) e Barth (1940), no Rio de Janeiro; e também nos edifícios Angel (1927), Paissandu (1935), Regência (1939) e Tana (1950), em São Paulo.
O Praia do Flamengo (1923), projetado pelo arquiteto francês Joseph Gire, construído na praia do Flamengo, foi o primeiro edifício de apartamentos em altura da Zona Sul do Rio de Janeiro (36). Os apartamentos não contavam com área de serviço ou lavanderia interna, que se situava junto ao WC de serviço no hall de serviço do pavimento tipo. No pavimento de cobertura encontravam-se 17 depósitos, 13 quartos para empregados, cujas dimensões variavam de 11 a 18 m², e 2 banheiros de serviço.
O Itaoca (1928), projetado pelo arquiteto escocês Robert Prentice e pelo austríaco Anton Floderer, foi um dos primeiros edifícios verticais construído no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro (37). Seus apartamentos não apresentavam banheiro de serviço e nem área de serviço no seu interior, limitando-se à existência de dois tanques situados no corredor de serviço que interliga as unidades do pavimento e que se abre para uma galeria. No último pavimento do edifício estão alocados 48 quartos para empregados, um para cada apartamento e quatro para uso dos funcionários do edifício, além de quatro banheiros.
No pavimento térreo
Para Denise Vianna Nunes (38), a configuração de alojamentos de empregados dispostos em construções separadas do edifício principal, nos fundos do pavimento térreo, apresentava semelhanças em relação à forma com os antigos cortiços do século 19, cuja unidade residencial se compunha de um cômodo com uma porta e uma janela enfileiradas e banheiros coletivos. Esses alojamentos térreos também eram bastante semelhantes às edículas presentes nas residências unifamiliares, construções separadas da construção principal e situadas nos fundos dos terrenos, que variavam do telheiro para tanque anexo ao banheiro da empregada até o sobrado composto por vários quartos de empregados, banheiro, sala de passar roupa, lavanderia, depósitos e garagens; bastante reproduzidas nas residências das classes abastadas e da classe média até a Segunda Guerra Mundial (39).
No edifício Higienópolis (1935), projetado pelo paulista Rino Levi e construído em São Paulo, os dormitórios de empregadas foram agrupados sobre o bloco de garagens, separado da construção principal por uma área ajardinada com playground para crianças. Os demais apartamentos do pavimento tipo apresentavam em seu interior apenas um WC de serviço (lavabo), o que indica que o banho das empregadas era realizado no bloco do alojamento.
No interior dos apartamentos
Os dormitórios e banheiros de empregadas inseridos nos primeiros edifícios verticais multifamiliares construídos ao longo da década de 1910 e em uma parcela da produção de 1920, em São Paulo, eram, em geral, dispostos dentro dos apartamentos, no setor de serviço e próximas à cozinha; configuração adotada na maioria das residências unifamiliares da época. Estes espaços eram mantidos segregados dos ambientes sociais e íntimos, principalmente, pelo uso de longos corredores (40).
Curiosamente, esses primeiros edifícios não contavam com lavanderia na área de serviço, sendo tais equipamentos, assim como os dutos de evacuação de lixo, acrescidos aos projetos de apartamentos, apenas no final da década de 1920 (41). No entanto, cabe destacar que a provisão de um espaço exclusivamente destinado a lavar roupa dentro dos apartamentos foi considerado um luxo durante toda a primeira metade do século 20 (42). Nos casos de edifícios cujas áreas de serviço e respectivos tanques não se encontravam claramente configurados, os terraços posteriores destas edificações teriam sido possivelmente utilizados para tal função, condição reforçada pelo costume, comum durante muito tempo nas moradias brasileiras, de encarregar a lavagem doméstica de roupas a lavadeiras avulsas (43).
Alguns edifícios desse período já apresentavam soluções que fugiam parcialmente à configuração padrão “dependência de empregada dentro da área de serviço dos apartamentos”, como no edifício Esther (1936), projetado pelos arquitetos Álvaro Vital Brazil e Adhemar Marinho, em São Paulo — exemplar que contava com o banheiro de serviço e os tanques de lavar roupa disposto no hall de serviço do pavimento tipo.
No hall de serviços do pavimento tipo
A alocação de dormitórios de empregadas no hall de serviço dos pavimentos tipos foi uma tendência que possivelmente antecedeu à entrada definitiva deste espaço no interior dos apartamentos, e que pode ser ilustrada nos edifícios Tucumã e Lutetia.
O Tucumã (1941), projetado por Joseph Gire, situado na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, apresenta seis dormitórios e dois banheiros para empregadas domésticas no hall de serviço de cada um dos seus seis pavimentos tipo, sendo estes dispostos próximos à escada e ao elevador de serviço. Segundo Denise Vianna Nunes (44), as dependências de empregada desse edifício apresentam grandes janelas e cerca de 20 m2de área, dimensão bastante confortável comparado aos padrões atuais.
No Lutetia (1939), projeto de Mario dos Santos Maia, construído na cidade de Belo Horizonte, verificou-se a existência no pavimento tipo de uma galeria ou hall de serviço polifuncional, que além de servir como circulação, constituía uma extensão dos apartamentos, sendo utilizada para serviços domésticos como secagem de roupas, já que os apartamentos não dispunham de espaço específico de lavanderia ou área de serviço, contanto apenas com um tanque situado na cozinha. Na galeria de serviço, encontravam-se também quatro quartos de empregada e três banheiros de serviço (45).
Exemplares híbridos
Nas coberturas com lazer
No Regência (1939), projetado por Arquimedes de Barros Pimentel, o último pavimento era composto por espaços para uso das empregadas domésticas (onze quartos, dois banheiros e terraço) e ambientes para uso dos inquilinos (bar, sala de bem-estar). Tal configuração revela o início da valorização deste andar pelas famílias proprietárias. No interior dos quatro apartamentos de cada pavimento tipo do edifício foi mantido o WC de serviço.
Nas coberturas com apartamentos
No Barth (1943), projetado por Robert Prentice, o pavimento de cobertura apresenta uma característica de transição entre os edifícios direcionados à classe alta construídos até então (cujo andar superior era normalmente destinado aos quartos de serviço) e aqueles que começavam a ser erguidos na década, que apresentavam coberturas luxuosas reservadas a um ocupante. No último andar desta edificação existe uma seção destinada ao alojamento de empregados, com sete quartos, um banheiro, um WC (lavabo) e um apartamento exclusivo para o porteiro; e o espaço destinado aos inquilinos, com quatro unidades de apartamentos interligados por uma varanda comum. Os seis apartamentos do pavimento tipo apresentam W.C de serviço no seu interior e um depósito, que também seria possivelmente um quarto para a empregada, uma vez que os quartos da cobertura não seriam suficientes para atender aos quarenta apartamentos do edifício.
Na cobertura e no térreo
O Tamandaré (1927), projetado pelo argentino Alejandro Baldassini, apresenta quartos de empregada nos pavimentos de cobertura e térreo. Nos fundos do lote existe uma edícula utilizada no pavimento térreo como garagem para doze automóveis, e no primeiro andar como alojamento de empregados, composto por dez quartos e dois banheiros. O último pavimento (sótão) do edifício apresenta quatorze quartos e um banheiro para empregados, 28 depósitos para malas e a casa de máquinas. No interior dos apartamentos, observa-se a existência de um pequeno WC de serviço.
No térreo e no interior dos apartamentos
Nos edifícios Biarritz (1938), Florida (1938), Missouri (1942) e Guautemoc (1941), construídos no Rio de Janeiro, observa-se o emprego de um alojamento de empregados no fundo do lote no pavimento térreo e também dependências completas (quarto e banheiro de serviço) dentro do setor de serviço dos apartamentos (46).
Na cobertura e no interior dos apartamentos
O Anchieta (1940), projetado por Robert Prentice e construído no Rio de Janeiro, apresenta no último pavimento quatorze quartos e dois banheiros para empregados, um apartamento para o zelador, composto de dois quartos, banheiro e cozinha, e as casas de máquinas dos elevadores. Esse edifício apresenta um átrio interno circundado por um extenso corredor de serviço que proporciona a ventilação dos banheiros, cozinhas, áreas de serviço e das dependências de empregados também existentes no interior dos seis apartamentos que compõem o pavimento tipo (47).
No hall e no interior dos apartamentos
O Randrade (1941), projetado por Luiz Pinto Coelho e construído em Belo Horizonte (48), apresenta os dormitórios de empregadas situados, juntamente com um banheiro de serviço, dentro do setor de serviço privativo dos apartamentos; e também situados, junto com um banheiro e uma área de serviço, no hall do pavimento tipo.
Conclusões
A construção de espaços reservados ao uso por empregadas domésticas dentro dos projetos de edifícios foi marcada até a primeira metade dos anos 1940 por uma grande variação de soluções em termos de configuração (quartos individuais e alojamentos coletivos) e disposição — no pavimento térreo como edícula, no pavimento tipo, no pavimento de cobertura e no interior dos apartamentos — sendo identificados neste estudo pelo menos quatro tipologias principais e seis subtipos (tipologias híbridas) adotados em edifícios de três cidades brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte.
Essa diversidade inicial na forma de se planejar os dormitórios de empregada estava fortemente relacionada à atuação de arquitetos estrangeiros no país durante esse período; à grande influência da arquitetura francesa na formação de arquitetos brasileiros; às referências do modo de morar nas residências unifamiliares (a exemplo da “edícula” ou do dormitório de empregada vizinho à cozinha); da persistência de alguns entendimentos culturais, como exemplo a associação dos últimos andares dos edifícios à ocupação pelos mais pobres, apesar da possibilidade de acesso pelos elevadores; e do caráter ensaístico que marcou a produção, a qual visava atrair maior aceitação do público ao morar em apartamentos.
Porém, todas essas soluções guardam como ponto comum o desejo de promover o distanciamento entre os integrantes das famílias moradoras das unidades de apartamentos e suas empregadas domésticas, seja de maneira mais radical, por meio da externalização e separação de forma vertical (no térreo ou no último andar) ou horizontal (no pavimento tipo) dos alojamentos coletivos dessas; ou pelo isolamento espacial de dependências individuais dentro de apartamentos, cujos espaços eram funcionalmente estanques, hierarquizados e distribuídos conforme a rígida setorização em áreas sociais, íntimas e de serviço.
Os andares reservados aos alojamentos de empregados domésticos foram gradualmente condenados ao desaparecimento, fato que, segundo Sonia Chacon (49), estaria relacionado aos sucessivos escândalos advindos do “projeto permissivo e da localização afastada”. Para Eduardo Vanini (50), os dormitórios de empregada teriam adentrado “definitivamente” nos apartamentos a partir do lançamento de edifícios direcionados à população de renda média.
Segundo Luísa Sopas Rocha Brandão (51), a disposição do dormitório da empregada em um pavimento distinto do apartamento de seus patrões levava à necessidade logística de estabelecimento de uma jornada de trabalho mais bem definida, e com isso, maior dificuldade à exploração dessa mão-de-obra — condição que poderia ter motivado o descarte gradativo dessa solução de projeto. Pode-se supor também que a valorização da vista do alto associada à disseminação do uso do elevador também tornava mais interessante a ocupação do pavimento de cobertura por apartamentos, em geral, maiores e mais caros, ou mesmo por espaços de lazer para os moradores.
Assim, os resultados desta pesquisa permitem afirmar que as dependências de empregada (quarto e banheiro) construídas no Brasil nem sempre foram dispostas dentro do setor de serviço dos apartamentos, ou seja, configuradas a partir de uma única solução, existindo o período histórico de 1910 até a primeira metade dos anos 1940 em que esses espaços foram marcados por uma maior diversidade arquitetônica.
notas
1
VILLA, Simone Barbosa. Apartamento metropolitano: habitações e modos de vida na cidade de São Paulo. Dissertação de mestrado. São Carlos, EESC USP, 2002.
2
BRANDÃO, Douglas Queiroz. Diversidade e potencial de flexibilidade de arranjos espaciais de apartamentos. Tese de doutorado. Florianópolis, PPGEP UFSC, 2002.
3
SILVA, Elizabeth. Maids, machines and morality in Brazilian homes. Feminist Review, v. 94, n. 1, 2010, p. 20-37.
4
SOUZA, J. F. A. de. Paid Domestic Service in Brazil. Latin American Perspectives, v. 7, n. 1, 1980, p. 35–63.
5
GOLDSTEIN, Donna. The aesthtics of domination: class, culture, and the lives of domestic workers. Laughter out of place: race, class and sexuality in a Rio Shanytown. Berkeley, University of California Press, 2003.
6
Idem, ibidem, p. 80.
7
CARRANZA, Edite Galote. O quartinho invisível — escovando a história da arquitetura da paulista a contrapelo. São Paulo, G&C, 2018.
8
INSTITUTO DE PESQUISA APLICADA. Retrato das desigualdades de gênero e raça — 1195 a 2015. Brasília, Ipea, 2015.
9
DUARTE, H. Levantamento do IBGE mostra aumento no número de diaristas. Jornal Nacional, Rio de Janeiro, 2 nov. 2016.
10
SALEIRO FILHO, Mario de Oliveira. A dependência da dependência de empregado: de espaço segregado a espaço invertido? Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, FAU UFRJ, 2001.
11
MORAIS, Fernando de Oliveira. O quartinho: a dependência doméstica na habitação multifamiliar na cidade de João Pessoa (PB) no século 21. Dissertação de mestrado. João Pessoa, FAU UFPB, 2017.
12
LIMA, Jéssica Caroline Rodrigues de. Pela porta de serviço: análise espacial das dependências de empregadas dos edifícios de apartamentos nas décadas de 1960-1990 na cidade de Maceió/AL. Dissertação de mestrado. Maceió, FAU UFAL, 2019.
13
GOUSSINSKY, Eugenio. Portugal: imóveis ganham quarto de empregada para agradar brasileiros. Jornal R7, São Paulo, 28 mar. 2018 <https://bit.ly/3baSFsn>.
14
MENDRADO, Gabriela. Portugal vira nova Miami para brasileiros. A Tarde, Caderno imobiliário, Salvador, 28 abr. 2018 <https://bit.ly/3md7jph>.
15
Sótão com janelas que se abrem sobre as águas do telhado. PINHAL. O que é mansarda? Colégios de arquitetos, Mogi das Cruzes, 15 fev. 2009.
16
RIAL, Carmen Silvia; GROSSI, Miriam Pillar. Vivendo em Paris: velhos e pequenos espaços numa metrópole. Antropologia em primeira mão, n. 42, PPGAS UFSC, 2000.
17
Idem, ibidem.
18
ALBA, M. E. Domestic Service. Encyclopaedia Britannica, vol. 7, Chicago, University of Chicago, 1949, p 515-516.
19
HARRIS, David Evan. “Você vai me servir”: Desigualdade, proximidade e agência nos dois lados do Equador. Dissertação de mestrado. São Paulo, FFLCH USP, 2007.
20
TURCATEL, Giulia. A space for one's own: a comparative case study of live-in domestic workers’ spaces in South Africa and Italy. Master of arts. 2015.
21
GINSBURG, Rebecca. Perspectives. “Come in the Dark”: Domestic Workers and Their Rooms in Apartheid Era Johannesburg, South Africa”. Perspectives in Vernacular Architecture, v. 8, People, Power, Places, 2000.
22
TURCATEL, Giulia. Op. cit.
23
No ano de 2017, o Brasil ocupou a primeira posição no ranking de nações com maior número de trabalhadores domésticos no mundo (dados da Organização Internacional do Trabalho, 2017).
24
WENTZEL, Marina. O que faz o Brasil ter a maior população de domésticas do mundo. BBC News Brasil, São Paulo, 26 fev. 2018.
25
SILVA, Luís Octávio de Faria e. Os quintais e a morada brasileira. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo, v. 11, n. 12, Belo Horizonte, dez. 2004, p. 61-78.
26
GOLDSTEIN, Donna. Op. cit.
27
BESSE, Susan K.; OLIVEIRA, Lólio Lourenço de. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil, 1914-1940. São Paulo, Edusp, 1999.
28
SAFFIOTI, Heleieth. Emprego doméstico e capitalismo. Rio de Janeiro, Avenir, 1979, p.197.
29
MARINS, Paulo César Garcez. Habitação e vizinhança: limites da privacidade no surgimento das metrópoles brasileiras. In SEVCENKO, Nicolau. História da vida privada no Brasil. Volume 3 — República: da belle époque à era do rádio. São Paulo, Companhia das Letras, 1998, p. 131-214.
30
CABRAL, Maria Cristina; PARAIZO, Rodrigo Cury. Presença estrangeira/Foreign presence arquitetura no Rio de Janeiro (1905-1942). Rio de Janeiro, Rio Book’s, 2018.
31
VIDOTTO, Taiana Car; MONTEIRO, Ana Maria Reis de Goes. O discurso profissional e o ensino na formação do arquiteto e urbanista moderno em São Paulo: 1948 — 1962. Pós. Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP, v. 22, n. 38, dez. 2015, p. 20-37.
32
VILLA, Simone Barbosa. Op. cit.
33
VANINI, Eduardo. Quartos de empregada doméstica geram debate sobre segregação. O Globo, Rio de Janeiro, 14 ago. 2016.
34
PASSOS, Luiz Mauro do Carmo. Edifícios de apartamentos Belo Horizonte, 1939 — 1976: formações e transformações tipológicas na arquitetura da cidade. Belo Horizonte, AP Cultural, 1998.
35
NUNES, Denise Vianna. Edifícios residenciais de Firmino Saldanha — morar moderno na zona sul do Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, FAU UFRJ, 2009.
36
CABRAL, Maria Cristina; PARAIZO, Rodrigo Cury. Op. cit.
37
Idem, ibidem.
38
NUNES, Denise Vianna. O processo inicial de verticalização da praia do Flamengo. Uma análise tipo-morfológica dos edifícios de apartamentos de luxo. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, FAU UFRJ, 2014.
39
BITTAR, William Seba Mallmann; VERÍSSIMO, Francisco Salvador. 500 anos da casa no Brasil. As transformações da arquitetura e da utilização do espaço da moradia. 2ª edição. Rio de Janeiro, Ediouro. 1999.
40
LEMOS, Carlos. Cozinhas, etc: um estudo sobre as zonas de serviço da casa paulista. 2.edição. São Paulo, Perspectiva, 1978.
41
VILLA, Simone Barbosa. Op. cit.
42
NUNES, Denise Vianna. Vivir Moderno: particularidades en Rio de Janeiro. Anais do II Congresso Internacional Cultura e Ciudad, 2019, Granada, 25 jan. 2019.
43
PINHEIRO, Maria Lúcia Bressan. Arquitetura residencial verticalizada em São Paulo nas décadas de 1930 e 1940. Anais do Museu Paulista, v. 16, n. 1, São Paulo, jan./ jun. 2008, p. 109-149.
44
NUNES, Denise Vianna. O processo inicial de verticalização da praia do Flamengo. Uma análise tipo-morfológica dos edifícios de apartamentos de luxo (op. cit.).
45
PASSOS, Luiz Mauro do Carmo. Op. cit.
46
CANDIDA, Simone; LIMA, Ludmilla de; BERTOLUCCI, Rodrigo; AUTRAN, Paula. Luxo de outros tempos: Dakota carioca guarda charme de um nobre Flamengo. O Globo, Rio de Janeiro, 19 out. 2014.
47
CABRAL, Maria Cristina; PARAIZO, Rodrigo Cury. Op. cit.
48
PASSOS, Luiz Mauro do Carmo. Op. cit.
49
CHACON, Sonia. Um estudo tipológico das transformações das edificações multifamiliares no Rio de Janeiro, entre 1930 e 2000: O caso do bairro de Botafogo. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, FAU UFRJ, 2004, p. 45.
50
VANINI, Eduardo. Op. cit.
51
BRANDÃO. Luísa Sopas Rocha. A dependência de empregadas na arquitetura paulistana: Análise da disposição da área de serviço nas plantas baixas de edifícios multifamiliares construídos em São Paulo entre as décadas de 1930 e 1970. Anais do V ENANPARQ: Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Salvador, 2018.
sobre os autores
Jéssica Caroline Rodrigues de Lima é arquiteta e urbanista (Ufal, 2015); mestra em arquitetura (Deha FAU Ufal, 2019) e doutoranda no programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina, com dissertação selecionada para publicação em formato de livro pelo Edital Fapeal/Edufal/Cepal n. 08/2020.
Alexandre Márcio Toledo é arquiteto (Ufal, 1985), mestre em arquitetura (Propar UFRS, 2001) e doutor em engenharia civil (PPGEC UFSC 2006). Professor da Ufal, desde 1995, lotado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, na qual lidera o Grupo de Estudos em Projeto de Arquitetura, desde 2006. Orientador de mestrado e doutorado no Programa Dinâmicas do Espaço Habitado Deha FAU Ufal.