O conceito Passive House
O termo Passive House refere-se a um conceito construtivo desenvolvido na Alemanha, em 1988, pelos professores Wolfgang Feist e Bo Adamson, e diz respeito à obtenção de elevado conforto higrotérmico com baixo consumo de energia. A ideia era construir edifícios que praticamente não necessitassem de sistemas ativos de climatização (1). Para isso, além de priorizar a utilização de estratégias passivas básicas como orientação solar adequada, uso de elementos de controle solar, o fator de forma e a medida de compacidade de acordo com o clima, o conceito Passive House também engloba cinco estratégias fundamentais: a. bom nível de isolamento térmico; b. janelas eficientes; c. estanqueidade no envelope; d. ventilação mecânica com recuperação de calor e, por fim, e. minimização das pontes térmicas no envelope.
Em 1991, o conceito Passive House foi aplicado pela primeira vez na construção de uma edificação residencial multifamiliar na cidade alemã de Darmstadt, com o objetivo de proporcionar baixo consumo de energia a um custo aceitável para o clima da Alemanha (2).
As estratégias utilizadas pela Passive House não consistem em uma novidade, mas sim em um acúmulo de conhecimentos e na interação entre as suas diferentes estratégias, que, até então, não haviam sido pensadas como um todo. O conceito é resultado do somatório de estudos anteriores, os quais tiveram início na década de 1930, com as edificações solares, e culminaram no superisolamento desenvolvido na década de 1970.
O conceito Passive House é utilizado internacionalmente e pode ser considerado como a base para a construção de edificações com consumo de energia quase nulo, o que é exigido pela União Europeia para o final da década de 2010. Estima-se que existam cerca de cem mil edificações que utilizam o conceito no mundo (3), sendo a maioria na Europa. Na América Latina, há edificações construídas e certificadas no México, no Chile e recentemente no Brasil (4). A primeira Passive House construída no Brasil foi em 2018, em Natal RN.
Alguns estudos demonstram que a utilização do conceito Passive House para edificações unifamiliares na Região Sul do Brasil pode representar uma redução entre 55,1 e 83,5% na demanda energética e entre 73,7 e 86,2% no desconforto térmico quando comparada a uma edificação convencional (5). Para a mesma região, a aplicação do conceito em habitações de interesse social pode alcançar uma redução da demanda energética entre 56 e 88% (6).
Projeto arquitetônico e o conceito Passive House
O projeto arquitetônico com os critérios Passive House tem como um dos objetivos principais evitar o desperdício de energia e diminuir os impactos ambientais gerados por esse consumo desnecessário. O desperdício de materiais em uma edificação, ainda que privada, é um efeito da incompetência dos projetistas que compromete toda a sociedade (7). Do mesmo modo, se um edifício consome mais energia que o necessário, independente da escala ou do nível social ao qual se destina, gera desperdício que colabora com a degradação, escassez ambiental e energética que afeta a humanidade. Sabendo-se que a questão ambiental e energética é um dos maiores problemas do homem contemporâneo, é possível afirmar que um projeto arquitetônico que não leva em consideração a eficiência energética é inviável para os dias atuais.
Em um projeto preocupado com a realidade energética e ambiental, projetar alinhado com o clima é um critério essencial para busca da pertinência arquitetônica. Ao longo da história, a impertinência da arquitetura está, principalmente, relacionada pela incapacidade de considerar e até desprezar nossa realidade sob vários aspectos, entre eles, o clima (8). O cuidado com a eficiência energética na arquitetura demonstra sua vinculação com seu tempo e a preocupação não só com os valores individuais, mas, acima de tudo, com aspectos mais amplos da vida em sociedade.
Conforme já mencionado, o conceito Passive House tem como premissa fundamental colaborar com a resolução de um dos maiores problemas da realidade atual: o consumo energético e a consequente degradação ambiental. No entanto, quais as interferências desse conceito construtivo no projeto arquitetônico? Diante disso, será discutido brevemente, a influência que as estratégias passivas básicas e as estratégias adotadas pelo conceito Passive House exercem no projeto arquitetônico, de acordo com o programa arquitetônico, o lugar e a construção, condições internas ao problema projetual (9). Como estratégias passivas básicas serão analisadas: a orientação solar, o fator de forma, a compacidade e os elementos de controle solar externo. Já em termos de estratégias Passive House, serão avaliados o isolamento térmico, a estanqueidade, o uso de esquadrias eficientes, a ventilação mecânica com recuperador de calor e o controle das pontes térmicas.
As estratégias passivas básicas e o projeto arquitetônico
Orientação solar
A trajetória aparente do Sol tem influência direta no formato e na implantação da edificação, refletindo na definição de sua orientação e sua composição volumétrica final. É recomendado que a edificação seja implantada no eixo Leste/Oeste, aproveitando ao máximo a radiação solar da orientação Norte (no hemisfério Sul) no inverno, ao mesmo tempo em que se minimiza a incidência da radiação solar Leste e Oeste que possuem mais horas de incidência nos meses mais quentes. O programa de edificações que consideram os aspectos termoenergéticos, irá privilegiar, quando possível, a fachada Norte (hemisfério Sul), em detrimento da fachada Leste e Oeste. Porém, convém lembrar que o efeito da orientação no eixo Leste/Oeste é reduzido conforme a diminuição da latitude, ou seja, com a proximidade da Linha do Equador. Quanto mais próximo ao local de implantação da edificação for da Linha do Equador, menor será a diferença de radiação solar entre as fachadas Norte e Sul e, além disso, diminui a diferença de horas de radiação recebida nos meses mais frios e mais quentes pelas fachadas Leste e Oeste.
A radiação solar própria de cada lugar condiciona o programa arquitetônico, uma vez que interfere na orientação da edificação, reflete no dimensionamento e disposição das aberturas e, também, na distribuição e organização dos ambientes internos. Um edifício voltado para o Norte (hemisfério Sul) costuma ter mais aberturas orientadas nessa direção que para as demais.Nesse sentido, o arquiteto, para atender a essa solicitação de proporção de aberturas, relaciona a distribuição dos ambientes de acordo, não só com as visuais externas, mas também com relação à trajetória aparente do Sol.
Uma edificação bem orientada do ponto de vista termoenergético, portanto, no eixo Leste/Oeste, deve ter também os seus ambientes internos bem distribuídos em função da orientação solar. Ambientes de permanência prolongada, como dormitórios e sala de estar, têm prioridade para orientação Norte e ambientes transitórios são orientados a Sul, Leste ou Oeste, servindo também como amortizadores do clima externo. Embora a orientação de dormitórios para o Leste seja desejável pelo acesso da radiação solar em profundidade no ambiente durante a manhã aquecendo a edificação após um período em que ela esteve resfriada, promovendo efeito bactericida e auxiliando na síntese de vitamina D, há de se atentar que a fachada Leste possui maiores ganhos de calor no verão que no inverno. Assim, pode-se melhorar o aproveitamento da radiação solar em uma Passive House orientando os dormitórios e salas de estar para o Norte (hemisfério Sul), e espaços de circulação ou de serviço, onde a radiação solar não é necessária, ao Sul (10) ou a Oeste, onde a radiação solar é intensa em todas as épocas do ano e não desejável. Dessa forma, o programa arquitetônico tem uma relação direta com as características climáticas do lugar.
No entanto, também devem ser observadas as características do lugar de implantação da edificação relativas ao entorno próximo. Lugares urbanos de alta densidade construtiva e com muitas áreas sombreadas são menos sensíveis à questão da orientação solar que zonas de menor densidade (11). Também é necessário considerar a influência que o relevo e a vegetação exercem no sombreamento da edificação.
A orientação solar também tem consequências na questão construtiva e tecnológica da edificação. Os materiais da envoltória, os fechamentos opacos e transparentes, devem ter suas características térmicas e dimensionais de acordo com a radiação solar recebida em cada orientação, a fim de otimizar a relação de ganhos e perdas energéticas com a eficiência energética.
Compacidade e fator de forma
De maneira geral, em lugares de clima predominantemente frio, formas compactas tendem a diminuir a troca de calor com o ambiente externo, reduzindo o consumo de energia com o condicionamento térmico. Em lugares quentes, a questão do sombreamento próprio da edificação relativiza essa questão, uma vez que formas menos compactas tendem a ter mais áreas sombreadas e, portanto, menores ganhos de calor em períodos quentes.
A relação de compacidade com o lugar, influencia no desenvolvimento da relação espacial do programa da edificação. Em um edifício muito compacto, há menor contato de superfícies do perímetro da edificação com o entorno, diminuindo a possibilidade de comunicação dos espaços internos e do próprio usuário com o ambiente externo, com a radiação solar e com os demais elementos do entorno. Por outro lado, um edifício com menor compacidade, a possibilidade de integração entre os ambientes interno e externo é potencializada. A compacidade está relacionada à maneira com que os espaços internos são organizados entre si e relacionados com o ambiente exterior. Do mesmo modo, um programa mais ou menos compacto tem consequência nas características compositivas e no caráter final da edificação.
A compacidade e o fator de forma são determinantes na definição dos materiais construtivos. Quanto mais irregular for a forma e menor a compacidade, maior a quantidade de pontes térmicas e, provavelmente, maior terá que ser o isolamento térmico (12). As formas irregulares também aumentam o fator de sombreamento que irá impactar no balanço energético anual.
Também é necessário levar em consideração os efeitos construtivos, da tecnologia sobre a compacidade e sobre o fator de forma. Existem muitas edificações Passive House pouco compactas em razão da aplicação de medidas compensatórias, como redução do tamanho das aberturas e instalação de maior quantidade de isolamento térmico nas vedações externas do edifício (13). Isso possibilita que a questão compositiva e programática não seja limitada; entretanto, é necessário ter a consciência de que toda decisão projetual está relacionada também à questão da viabilidade financeira da construção.
Elementos de controle solar
Elementos de controle solar sempre tiveram importante papel na arquitetura, reforçando o caráter de integração da edificação com o lugar. No início do século 20, com o desenvolvimento do cobogó e a sistematização dos brises, a arquitetura alia o domínio das novas tecnologias construtivas ao emprego de elementos convencionais com um novo significado, e dava um caráter associativo (14) que apontava, ao mesmo tempo, para o passado e o futuro.
Elementos de controle solar, como os brises e os cobogós, têm função importante na relação programática da arquitetura através da possibilidade da exposição seletiva da radiação solar aos ambientes internos. Dessa forma, a orientação solar e a disposição dos ambientes internos em relação ao exterior podem ser repensadas por meio de alternativas que minimizam os impactos da radiação solar na edificação. Os elementos de controle solar externos têm funcionado como amenizadores climáticos do lugar, filtrando a radiação solar indesejada e tornando os ambientes mais qualificados para as atividades humanas em todos os períodos do ano, modificando sua relação com o ambiente externo, e abrindo novas possibilidades de uso interno.
Os elementos de controle solar externos, no caso específico os brises, estão diretamente associados aos diferentes programas da edificação. Por exemplo, em edificações residenciais a radiação solar, em período frio, é desejável no espaço interior, o que pode não ocorrer em tipologias escolares, onde a radiação solar direta pode provocar ofuscamentos e desconforto visual (15).
Para cada lugar, de acordo com o clima, topografia, presença de elementos vegetais e construídos, o elemento de controle solar externo como o brise assume, ou deveria assumir, características próprias quanto ao seu dimensionamento. Conforme o clima, a latitude, o entorno e a orientação solar da fachada, os brises podem ter diferentes tamanhos, geometrias e proporções, que possibilitam grande variedade de organização formal e que irão conferir à edificação um caráter, intimamente, vinculado ao clima local. Aliado às possibilidades formais do brise, há uma diversidade de materiais que podem ser empregados na sua composição, os quais possibilitam uma liberdade projetual para definição do caráter desejado pelo arquiteto.
Como cada orientação possui características diferentes quanto à incidência de radiação solar, o dimensionamento do brise deve obedecer a esse fator para ser projetado de acordo com as necessidades de cada fachada. Assim, o brise terá diferentes características de acordo com a orientação solar de cada fachada.
Além da relação direta que os elementos de controle solar têm com o lugar, muitas vezes, também possuem uma forte conexão com o material construtivo e com a própria estrutura da edificação, possuindo um peso considerável na composição do edifício, valorizando a dimensão tecnológica. Em muitos projetos emblemáticos, nos quais o programa remete à tecnologia, como aeroportos, edifícios industriais e administrativos, o reforço do caráter tecnológico das edificações é marcado, também, pela valorização dos sistemas de controle solar (16).
As estratégias do conceito Passive House e o projeto arquitetônico
Isolamento térmico
Nas edificações com conceito Passive House, os fechamentos opacos são pensados mediante o uso de elementos e técnicas construtivas que visam o isolamento térmico, a diminuição das pontes térmicas e as infiltrações de ar. O isolamento térmico variará de acordo com as características climáticas do lugar, exigindo a análise das propriedades térmicas específicas de cada elemento construtivo, e também da espessura mais apropriada dos fechamentos. Por exemplo, o conceito Passive House admite, para climas mais frios, que os fechamentos opacos possam ter uma transmitância térmica de 0,15 W/m².K, enquanto que, para climas mais quentes, poderá ser de 0,45 W/m².K. Para essas duas realidades climáticas, as paredes poderão ter materiais construtivos e espessuras diferentes. Uma parede habitualmente utilizada no Brasil, de 15 cm, composta por tijolos vazados e revestimento de argamassa, tem uma transmitância térmica por volta de 2,3 W/m.²K, enquanto que uma parede de 20 cm, com o mesmo material terá 1,9 W/m².K e outra com 36 cm terá 1,2 W/m².K. Adicionando-se materiais com baixa condutividade térmica, é possível diminuir a espessura dos fechamentos e a sua transmitância térmica. A transmitância térmica do fechamento depende das características de condutividade de cada material componente e da sua espessura.
O isolamento térmico não tem influência significativa na questão projetual, terá maior impacto na questão da composição construtiva dos elementos de fechamento do que, propriamente, na questão programática da arquitetura. Em relação à questão programática, o isolamento térmico poderá exigir, por critérios financeiros, o predomínio de fechamento opacos sobre os transparentes, de acordo com as necessidades de cada clima. A adoção desse critério alterará a relação do espaço interno com o espaço externo, principalmente quanto à permeabilidade e ao diálogo visual.
O isolamento térmico também é influenciado pela geometria da edificação, formas mais compactas tendem a ser mais eficientes do ponto de vista energético, com menor necessidade de isolamento. Nesse caso, a relação compositiva da edificação com o lugar e, também, a distribuição interna dos ambientes, é pensada em conjunto com a geometria exterior compacta.
Pontes térmicas
Um dos aspetos mais importantes para a minimização das pontes térmicas é a forma do edifício: quanto mais regular e menos arestas o edifício tiver, menor as perdas de calor por intermédio das pontes térmicas.
A edificação pode ter qualquer forma desde que, as pontes térmicas sejam corretamente tratadas, porém, evidentemente, quanto mais irregular a forma for, mais pontes térmicas necessitarão ser solucionadas e maior será o custo da construção.
As pontes térmicas também têm relação com os aspectos construtivos, quanto menos regulares as formas adotadas, maior será a preocupação e a necessidade de uso de materiais específicos que diminuam as pontes térmicas causadas pela irregularidade dessa geometria.
Aliás, é importante lembrar que, as pontes térmicas em climas quentes, não têm a mesma relevância que em climas frios (17), ou seja, em climas quentes há maior liberdade projetual em relação a pontes térmicas e a geometria da edificação.
Janelas eficientes
O lugar, nesse caso, o clima aliado ao entorno natural e construído, irá definir quais as características construtivas mais adequadas para a área envidraçada da janela, principalmente, quanto às características que conferem maior ou menor ganho e perda de calor interno, como a transmitância térmica e o fator solar. Para locais onde o clima é mais frio, a transmitância térmica da janela deverá ser menor que para locais de climas com temperaturas mais elevadas. Logo, haverá necessidade de vidros duplos ou triplos para diminuir a transmitância térmica e reduzir as perdas de calor interno. Além da questão do tipo do vidro e da esquadria, outro fator construtivo fundamental é a instalação adequada das janelas nos fechamentos opacos. As janelas devem ser instaladas de forma que não haja pontes térmicas no ponto de encontro das esquadrias com as paredes. As características térmicas das janelas alteram a materialidade, porém, influenciam pouco, ou até mesmo não influenciam, nas características de visualidade e no caráter final da edificação.
O lugar será um fator fundamental para a escolha da proporção de elementos transparentes para cada orientação solar. A orientação da edificação determinará a quantidade, o ângulo e os períodos do ano que cada superfície receberá radiação solar, de acordo com a latitude. Assim, cada orientação influi nas características construtivas que devem ser adotadas pela janela (vidro e esquadria) e na alocação de maior ou menor quantidade de elementos transparentes. Um edifício voltado para o Norte (hemisfério Sul) costuma ter, por critérios energéticos, mais aberturas orientadas nessa direção, enquanto a Leste e Oeste, preferencialmente, deverá ter menor área envidraçada, uma vez que recebem maior quantidade de radiação solar mais no verão do que no inverno. A orientação Leste e Oeste também recebe a radiação solar em ângulo muito baixo, sendo mais difícil o projeto de elementos de controle solar externo. A orientação solar Sul (hemisfério Sul), especialmente para as latitudes maiores que -23,27o(Trópico de Capricórnio), possui o pior balanço energético, pois recebe pouca radiação solar e apresenta perdas energéticas por transmissão térmica mais elevadas que os elementos opacos (18). Dessa forma, do ponto de vista energético, não necessitará de muitas aberturas. Apenas a distribuição de janelas em um volume dado, por exemplo, colocando-as em outras superfícies ou modificando a área de envidraçado, já implica em variações térmicas e visuais do microclima interno (19).
A orientação solar também determinará as características térmicas da janela. Fator solar alto na fachada Sul (Hemisfério Sul) e baixa no Leste e Oeste (20). As fachadas Leste e Oeste são responsáveis por maiores ganhos de calor no verão que no inverno. Por esse motivo, o baixo fator solar, nessas fachadas, auxilia na diminuição do ganho de calor interno nas estações mais quentes do ano.
Na questão programática, os cuidados necessários com o dimensionamento para a eficiência energética e a quantidade de abertura por orientação solar, alteram a relação entre o ambiente interno e externo, principalmente quanto ao dialogo visual destes. Desse modo, pensando de forma a evitar desperdício de energia e de recursos financeiros desnecessários à construção, as visuais mais valorizadas serão, em ordem, a Norte, a Sul, a Leste e por último a Oeste, que preferencialmente, deverá ter menor área envidraçada ou até mesmo não ter.
Estanqueidade
A necessidade da estanqueidade das aberturas com o uso da ventilação controlada, modifica a relação do usuário com o ambiente externo e implica na mudança de hábitos culturais. A estanqueidade pode ser tratada com a aplicação de elementos construtivos que auxiliam na vedação, com a utilização de materiais com continuidade ao redor das janelas, portas e todas as juntas entre o teto, as paredes e o piso. Os materiais usados para criar uma camada hermética intacta incluem: membranas, fitas, emplastros, colas, escudos e juntas. Esses materiais são duráveis, aderentes, fáceis de aplicar e, ambientalmente, corretos(21).
Os cuidados em relação à estanqueidade variam de acordo com o clima do lugar. De forma geral, mas não absoluta, a estanqueidade tem mais efeitos no desempenho energético em edificações de climas frios que em edificações de climas tropicais (22).
Ventilação mecânica com recuperação de calor
A presença da ventilação mecânica com recuperação de calor interfere, pelo menos, em pequena escala, no programa arquitetônico relacionado à distribuição dos ambientes internos. O sistema permite renovar o ar viciado e recuperar o calor resultante do ar exaurido. Para isso, o sistema de ventilação é composto pelos elementos de recuperação de calor e pelos dutos de entrada do ar fresco e exaustão do ar viciado. O recuperador de calor necessita de um espaço físico específico, uma área técnica, com acesso para manutenção que, muitas vezes tem um ambiente próprio ou, conforme o caso, pode ser incorporado a algum espaço residual da edificação. Os dutos de circulação do ar extraído dos ambientes úmidos e insuflados para áreas secas também necessitam de um espaço para sua instalação, porém, na maioria das vezes, são embutidos nos forros e têm pouca interferência no uso da edificação.
Assim como um aparelho de ar-condicionado convencional ou um aquecedor elétrico, com o sistema de recuperação de calor, quanto maior o volume de ar do ambiente interno maior será a energia necessária para manter a temperatura dentro do limite desejado. Dessa forma, considerando a questão da eficiência energética, é necessário pensar no volume de ar interno da edificação, preferindo-se, nessa situação, ambientes com menores dimensões, sendo criterioso no uso de pé-direito elevado, por exemplo.
A questão do uso da ventilação mecânica com recuperação de calor também tem relação com os hábitos culturais do usuário, sendo necessário entender que, em determinados períodos, não é desejável, pela questão energética, proceder à abertura das janelas. Em culturas arquitetônicas da Europa e dos Estados Unidos, acostumadas com sistemas artificiais centrais de condicionamento do ar, é comum o uso das janelas fechadas para manter o calor no interior ou, até mesmo em períodos quentes, para não perder o ar refrigerado. No caso europeu e estadunidense, o ar é, tradicionalmente, renovado por sistema mecânico, evitando, na teoria, que o ar fique viciado com poluentes, fungos e bactérias. Já na cultura arquitetônica brasileira, há o hábito de abrir as janelas para renovar o ar até mesmo em dias de baixas temperaturas externas. A adoção do sistema de dutos de ventilação com recuperação de calor implica em obter o hábito de abrir as janelas somente quando é benéfico energeticamente.
Historicamente as residências brasileiras buscam abertura e integração com o exterior através de janelas, varandas, sacadas e pátios. A utilização de sistema com uso de recuperador de calor no Brasil implica também na mudança de hábitos culturais (23).
Considerações finais
Tendo em vista as crescentes preocupações da atualidade referentes ao alto consumo energético e a degradação ambiental, a arquitetura deverá exercer seu papel e ter como premissa básica de projeto a sua vinculação com o lugar e o clima. Bons exemplos disso podem ser lembrados por intermédio das soluções específicas para cada clima, adotadas historicamente pela arquitetura vernacular. A arquitetura preocupada com eficiência energética, sendo Passive House ou não, deve priorizar meios para mitigar as influências negativas do clima sobre a edificação, com o mínimo possível de consumo de energia, assumindo, para isso, características pertinentes a esse contexto.
A construção de uma edificação com o conceito Passive House se baseia no desempenho das suas cinco principais estratégias e não na determinação de materiais específicos ou na obrigatoriedade de certas configurações espaciais. No entanto, a aplicação das estratégias do conceito terão implicâncias no projeto arquitetônico e devem ser previstas durante a concepção. No projeto, há a necessidade de incluir, na questão programática e construtiva, a utilização de maior quantidade de isolamento térmico do que habitualmente é utilizado, a aplicação de janelas eficientes, e a garantia da orientação solar ideal do edifício, colocando os ambientes que apresentam maiores vãos envidraçados dispostos, de forma geral, à Norte (hemisfério Sul), observando sempre, conforme a exigência climática, o uso de elementos de controle solar. Tem ainda que assegurar a estanqueidade da envoltória e instalar um sistema de ventilação com recuperação de calor, imprescindível para equilibrar a temperatura interior sem grande consumo de energia, além de ser necessário fazer um projeto pormenorizado e uma construção mais criteriosa.
O conceito Passive House descreve um padrão de desempenho termoenergético e não um método de construção específico. Pode ser aplicado com o uso de diferentes materiais e sistemas construtivos, por exemplo, na construção em concreto armado, vidro, madeira, e estrutura metálica. O conceito oferece liberdade projetual, porém, apoia-se em estratégias arquitetônicas que exigirão do arquiteto cuidados específicos para cada situação de implantação.
O conceito não restringe o projeto arquitetônico a diferentes usos e tipologias, independentemente, do programa e da volumetria do edifício. Pode ser adequado a diferentes programas para atender usos habitacionais, escolares, administrativos, industriais, hospitalare etc. As exigências quanto à eficiência energética são diferentes conforme o uso da edificação, e além do projeto arquitetônico, os elementos construtivos, bem como a necessidade do isolamento térmico, precisam ser adaptados a cada realidade.
Um desafio das edificações de baixo consumo energético, como a Passive House, é a questão de flexibilidade no uso do edifício: modificações da organização interna dos espaços devem manter o equilíbrio de produção e consumo de energia do projeto original. Se as funções e a forma de uso do edifício se modificam, é necessário redesenhar o sistema como um todo, ou, pelo menos, adaptá-lo (24).
Para climas tropicais, ou subtropicais, como o brasileiro, um dos principais desafios projetuais é aliar a questão construtiva e tecnológica, relacionadas, principalmente, ao isolamento térmico e aos fechamentos transparentes, com a questão programática relativa aos hábitos culturais de abertura das janelas. A sua aplicação, no Brasil, não dispensa estudos mais aprofundados para que as exigências projetuais deste conceito sejam garantidas, face ao tipo de construção, às exigências climáticas e culturais.
notas
1
PACHECO, Miguel Teixeira Gomes. Ventilação Natural e climatização artificial: crítica ao modelo superisolado para residência de energia zero em Belém e Curitiba. Tese de doutorado. Florianópolis, UFSC, 2013. p. 58.
2
IONESCU, Constantin; BARACU, Tudor; VLAD, Gabriela-Elena, NECULA, Horia, BADEA, A. The historical evolution of the energy efficient buildings. Renewable and Sustainable Energy Reviews, v. 49, 2015. p. 248.
3
MARCELINO, João; GAVIÃO, João. Introdução a Passive House no Brasil. Workshop Passive House, Aveiro, 2019.
4
PHI. Map of Certified Passive House Buildings.
5
VETTORAZZI, Egon. Contribuições das estratégias do conceito Passive House para edificações energeticamente mais eficientes na Região Sul-Brasileira. Tese de doutorado. Porto Alegre, PPGAU UFRGS, 2019, p. 13.
6
DALBEM, Renata; GRALA DA CUNHA, Eduardo; VICENTE, Romeu; FIGUEIREDO, Antonio; et al. Optimization of a social housing for south of Brazil: From basic performance standard to Passive House concept. Energy, v. 167, 2019, p. 1292.
7
PIÑÓN, Helio. Teoria do Projeto. Porto Alegre, Livraria do Arquiteto, 2006, p. 210-212.
8
PRADO, André Luiz. Em busca da pertinência para uma arquitetura tropical. MDC Revista de Arquitetura e Urbanismo, n. 1/3, Belo Horizonte, 2006. p. 10.
9
MAHFUZ, Edson da Cunha. Reflexões sobre a construção da forma pertinente. Projetar 2003, Natal, PPGAU UFRN, 2003, p. 4.
10
LOFTNESS, Vivian; HAASE, Dagmar. Sustainable Built Environments. Springer 2013, p. 431.
11
WASSOUF, Micheel. Da casa passiva a norma passivhaus: a arquitetura passiva em climas quentes. Barcelona, Gustavo Gili, 2014. p. 23-24.
12
MCLEOD, Rob; MEAD, Kym; STANDEN, Mark. Passivhaus Primer: designer’s guide: a guide for the design team and local authorities. Watford, Passivhaus, 2011, p. 2.
13
WASSOUF, Micheel. Op. cit., p. 26.
14
MAHFUZ, Edson da Cunha. Da atualidade dos conceitos de caráter e composição. In VASCONCELLOS, Juliano Caldas; BELEM, Tiago (org.). Bloco (12): o partido arquitetônico e a cidade. Novo Hamburgo, Feevale, 2016, p. 37.
15
GRALA DA CUNHA, Eduardo. Brise-soleil: da estética à eficiência energética. Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 131.07, Vitruvius, abr. 2011 <https://bit.ly/3ny9Qv3>.
16
Idem, ibidem.
17
WASSOUF, Micheel. Op. cit., p. 39.
18
Idem, ibidem, p. 23.
19
RIVERO, R. Arquitetura e clima: acondicionamento térmico natural. Porto Alegre, D. C. Luzzato, 1985, p. 124
20
WASSOUF, Micheel. Op. cit., p. 40.
21
LOFTNESS, Vivian; HAASE, Dagmar. Op. cit., p. 432.
22
WASSOUF, Micheel. Op. cit., p. 43.
23
PACHECO, Miguel Teixeira Gomes. Op. cit., p. 126.
24
BUTERA, Federico M. Zero-energy buildings: the challenges, Milan, 2013, p. 2.
sobre os autores
Egon Vettorazzi é arquiteto e urbanista (Unisc, 2007), mestre em Engenharia Civil e Ambiental, Construção Civil e Preservação Ambiental — Conforto Térmico (UFSM, 2011) e doutor em Arquitetura, Projeto de Arquitetura e Urbanismo (Propar UFRGS 2019). Atualmente é docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da Unila.
Eduardo Grala da Cunha é arquiteto e urbanista formado pela Universidade Federal de Pelotas, com mestrado e doutorado em Arquitetura pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Realizou pós-doutorado na Universidade de Kassel, Alemanha e atualmente é professor associado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas.
Helenice Maria Sacht é arquiteta e urbanista (UFV, 2006), mestre em Arquitetura, Urbanismo e Tecnologia (IAU USP, 2008), doutora em Engenharia Civil pela Universidade do Minho (2013) e pós-doutora em Ciência e Tecnologia Ambiental (UFABC, 2019). Atualmente é docente de Representação Gráfica e Conforto Ambiental no curso de Engenharia Civil de Infraestrutura (Unila).