Nos debates sobre a forma urbana, presente no campo de estudos da Arquitetura, principalmente no campo da morfologia urbana (1) e planejamento territorial, discutem-se questões que relacionam a eficiência da forma da cidade e questões ambientais, fundamentais no contexto atual de mudanças climáticas (2). Ao longo do tempo, é possível identificar dois posicionamentos tidos como contrários, a dispersão e a compactação da forma urbana.
A dispersão da forma urbana é caracterizada pela extensão do tecido urbano para além de áreas consolidadas da cidade, nas quais, segundo Nestor Goulart Reis (3) ocorre a formação de nebulosas de núcleos urbanos descontínuos em diferentes dimensões e um amplo sistema de infraestrutura viária, formando o que Maria Encarnação Beltrão Sposito e Cathy Chatel (4) chamam de descontinuidades territoriais. Por outro lado, a compactação da forma urbana contemporânea é caracterizada pela concentração de áreas construídas e densidade populacional, intensificação de atividades econômicas, sociais e culturais, de modo a modificar a estrutura de assentamentos urbanos em busca dos benefícios ambientais e sociais (5). O que contribui para a redução das distâncias entre as moradias, trabalho e serviços, além da diminuição consumo de energia, poluição e uso mais coerente da infraestrutura urbana (6). Neste debate, a abordagem hegemônica da cidade compacta é almejada e apresenta-se como solução urbanística ideal, em relação à dispersão urbana (7).
Na cidade de Belém, este debate estaria articulado ao aumento de demanda por terra urbana advindo de migração campo-cidade, intensificada no final da década de 1960 e, na sequência, pela ação de políticas habitacionais para a implantação de conjuntos habitacionais na porção periférica da Região Metropolitana de Belém — RMB. Propõe-se neste artigo que associado às políticas habitacionais, o marco regulatório urbanístico enfatizou diretrizes para um planejamento disperso e, mesmo que não tenha sido plenamente praticado, houve o espraiamento do tecido urbano com a inserção de novas tipologias habitacionais e a desarticulação viária entre os assentamentos urbanos que compõem a RMB.
Assim, este artigo, ao propor padrões na análise da forma de ocupação de conjuntos habitacionais, busca compreender transformações na forma urbana de Belém. A primeira parte do artigo apresenta o debate de compactação e dispersão na forma urbana de Belém, expondo o início da ocupação do território e os aspectos que influenciaram na expansão da mancha urbana. Na segunda parte é apresentado o discurso dos planos diretores formulados a partir da década de 1970 e suas proposições com relação a expansão urbana. Na última parte, propõe-se uma sistematização do estudo de padrões da forma de ocupação de conjuntos habitacionais construídos em Belém, os quais são utilizados para análise do desenho do parcelamento e suas relações com o entorno viário, servindo ainda como registro da data em que foram construídos e a duração de uma certa condição de dispersão em direção a compactação novamente, caracterizando o ciclo de crescimento urbano da RMB.
Considerações sobre a forma urbana de Belém
Até 1960, Belém conteve o seu crescimento em uma porção limitada do território, chamada de Primeira Légua Patrimonial — atual centro metropolitano. A Primeira Légua Patrimonial de Belém é uma porção de terras de 4.110 hectares doada em 1627 pela Coroa Portuguesa ao Conselho Municipal de Belém, que seguiu a determinação legal do sistema enfitêutico ao conceder ao município o domínio pleno da terra e a atribuição de conceder terras a terceiros, além de ser responsável pela gestão fundiária e urbanística (8). O espaço compreendido pelo limite do que hoje se considera seu Centro Histórico (bairros da Cidade Velha e da Campina) e o limite da Primeira Légua Patrimonial teve um Plano de Expansão (1883-1886) desenvolvido pelo engenheiro Odorico Nina Ribeiro, o qual regulou o parcelamento do solo por meio de uma malha viária regular e ortogonal, com espaços livres e institucionais em determinadas quadras; valorizou a terra urbana; e garantiu o alinhamento e alargamentos de vias.
O Plano de Expansão apresentou diretrizes importantes para o ordenamento urbano e a ocupação mais densa da porção central de Belém, definindo limites à expansão urbana até meados de 1960 (9). Contudo, ele não foi efetivado em sua totalidade, pois o sítio físico de Belém sempre apresentou terrenos alagadiços e pantanosos, comum em área de várzea amazônica (10). Seriam necessárias intervenções hidráulicas, aterros e dragagem de áreas alagadas para garantir a ocupação da terra, o que seria custoso ao município. Então, o Plano de Expansão estabeleceu-se em grande medida nas áreas de cotas altas, componentes da cidade formal, em áreas valorizadas da cidade e onde estiveram as principais atividades urbanas, e não seguiu para as áreas de cotas baixas, local de moradia da população de baixa renda, com terras mais baratas e sem valor para o mercado imobiliário devido aos suscetíveis alagamentos, comumente chamadas de baixadas (11).
Apesar da segregação socioespacial na Primeira Légua Patrimonial de Belém, até a década de 1960 houve uma estrutura urbanística que concentrou áreas construídas e densidade altas, oferta de comércio e serviço, presença de áreas verdes e de lazer acessíveis a partir de distâncias caminháveis. As terras fora do limite da Primeira Légua Patrimonial, constituíram um cinturão institucional — mosaico de grandes áreas institucionais, como aeroporto, áreas de patrimônio das forças armadas e instituições de ensino e pesquisa — que limitaram o crescimento devido aos usos institucionais e a maciços verdes ali existentes. Após o cinturão institucional, havia grandes glebas de uso rural e algumas vilas de moradores lindeiros às principais conexões viárias de acesso a Belém, posteriormente estas vilas formaram as sedes de municípios que após serem desmembrados passaram a formar a RMB. As características do parcelamento apresentadas evidenciam que a configuração espacial de Belém, delimitada pela Primeira Légua Patrimonial até o final da década de 1960, mantinha características da forma urbana compacta, em contraposição a um processo de crescimento urbano, que se iniciou logo em seguida.
O novo momento de transformação da forma urbana de Belém ocorre a partir da década de 1960 e 1970 por uma série de redefinições na estrutura econômica, social e política na Amazônia, através de decisões geopolíticas da Ditadura Civil-Militar (12). Uma dessas decisões foi a criação de rodovias federais na Amazônia que objetivou conectá-la ao Centro-Sul do Brasil. Ao mesmo tempo, que incentivou a ocupação da terra rural na Amazônia por agricultores expropriados de diversas regiões do país, sob a justificativa de que a ocupação era necessária para garantir a segurança nacional. No entanto, estas decisões impostas à Amazônia ocasionaram conflitos no campo e, juntamente com os impactos de Grandes Projetos Econômicos implantados na região, acarretaram na expulsão de camponeses e extrativistas para as periferias das grandes cidades amazônicas (13).
O movimento migratório foi absorvido em grande medida nas baixadas da Primeira Légua Patrimonial de Belém, ocupando ainda mais as áreas alagadas e adensando áreas de cotas altas por meio da ocupação dos miolos de quadras através da propagação de vilas e passagens residenciais, o que resolveu em parte o problema da falta de habitação. Contudo, ocasionou problemas ambientais, à medida que retirou a reserva de áreas verdes e livres da parte alta da cidade, impermeabilizando o solo e aumentando a descarga de águas pluviais na parte baixa, intensificando os alagamentos nas baixadas (14).
Por outro lado, as transformações na forma urbana de Belém são mais evidentes quando as políticas habitacionais do Banco Nacional da Habitação — BNH viabilizaram a implantação de grandes conjuntos habitacionais além dos limites da Primeira Légua Patrimonial de Belém, como forma de resolver o déficit habitacional. Para tanto, o BNH previu o atendimento diferenciado para cada família de acordo com a faixa de renda, tais como: popular, atendido pela Companhia de Habitação do Estado do Pará — Cohab PA, para famílias de até três salários mínimos; econômico, atendido por cooperativas habitacionais para famílias de três a seis salários mínimos; e o médio, atendido por empresas incorporadoras para famílias de mais seis salários mínimos (15).
Os primeiros conjuntos habitacionais foram construídos sob responsabilidade da Cohab PA e a implantação ocorreu em terras doadas pelo Estado ou nas terras da própria Companhia. Em geral, estas eram distantes do centro metropolitano de Belém e estavam lindeiras aos principais acessos viários na época. Os conjuntos habitacionais foram planejados de modo independente e não foram articulados entre si, o que resultou em vazios urbanos entre eles e a área central de Belém. Além disso, não contaram com estrutura necessária para assegurar acesso aos serviços, empregos, espaços públicos e qualidade de vida para os moradores. Garantia-se apenas o acesso à moradia com inúmeras unidades habitacionais. Essa lógica de implantação de conjuntos habitacionais se estendeu durante as décadas de 1970 e 1980 para a periferia distante de Belém e o município vizinho conurbado, Ananindeua. Conjuntos habitacionais do segmento popular, sob responsabilidade da Cohab, representaram 34 % do total, contabilizando mais 22 mil unidades habitacionais para 23 conjuntos habitacionais (16).
Posteriormente, com a consolidação dos primeiros conjuntos habitacionais foi possível a construção dos demais, sob responsabilidade das cooperativas habitacionais e empresas incorporadoras, seguindo a mesma lógica de implantação a partir de descontinuidades territoriais de assentamentos urbanos, característica da dispersão da forma urbana. A RMB se transformou e foram direcionadas às classes de renda mais baixas outros modos de vida que não estavam relacionadas à concentração de atividades urbanas ou aglomeração populacional. Ao mesmo tempo, valorizou-se a área central de Belém, historicamente o local de moradia das classes mais altas.
No decorrer deste percurso, ressalta-se que desde a década de 1970 planos urbanísticos, de caráter metropolitano, apresentaram propostas de regulação e ordenamento territorial na RMB, com objetivos de determinar as diretrizes à expansão e à ocupação urbana, conforme será exposto no item seguinte deste artigo.
A relevância dos planos urbanísticos
A política habitacional do BNH conduziu o crescimento urbano em direção à periferia de Belém e aos municípios da RMB, o que rompeu com o conceito de expansão com adensamento, que se limitava à Primeira Légua Patrimonial da cidade (17). Com o início da expansão metropolitana induzida pelos conjuntos habitacionais, a Prefeitura Municipal de Belém — PMB criou na década de 1970 a Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém — Codem, para instituir o planejamento integrado na região metropolitana, então composta apenas pelos municípios de Belém e Ananindeua. Os primeiros planos podem ser caracterizados como exemplares de cunho compreensivo, conforme sugerido por Antônio José Lamarão Correa (18) e Flávio Villaça (19).
O primeiro deles é o Plano de Desenvolvimento da Grande Belém — PDGB, de 1975, que direcionou ao Estado o poder do planejamento urbano e afirmou que a mancha urbana da RMB deveria ser contida pelo ordenamento territorial, em favor da compacidade da forma urbana, bem como as políticas habitacionais do BNH deveriam ser combinadas com as proposições elaboradas pelo PDGB (20). A presença do rodoviarismo foi fundamental à concepção do PDGB, pois a proposta do Plano baseou-se na continuação da malha viária da Primeira Légua Patrimonial de Belém através de uma superestrutura viária, de caráter metropolitano, em direção aos conjuntos habitacionais construídos ou em construção à época. Todavia, não foi dada atenção a malha viária na escala local. A ampliação da superestrutura viária ocorreu sem que houvesse diretriz de articulação com os vazios urbanos e com o sistema viário dos conjuntos habitacionais, tampouco houve definição para a ocupação e uso do solo no interior das quadras definidas pela superestrutura viária.
O PDGB definiu zonas prioritárias à urbanização em etapas de cinco anos (1980, 1985 e 1990). Para o período de 1980, a ampliação da infraestrutura e da malha viária ocorreria em áreas adjacentes à Primeira Légua Patrimonial; no Distrito de Icoaraci (antiga vila do século 19), em áreas abrigadas por parte dos conjuntos habitacionais construídos ou em construção; e grande parte da zona rural de Ananindeua, no eixo da Rodovia BR-316. Contudo, a ampliação da urbanização para este período excluiu parte dos conjuntos habitacionais já existentes.
Para o de 1985, a ampliação seria em áreas do eixo de crescimento ao longo da avenida Augusto Montenegro e em parte dos conjuntos habitacionais excluídos da etapa anterior. Na última etapa, em 1990, a prioridade para urbanização seria em algumas áreas adjacentes às etapas anteriores, contudo criava grandes vazios urbanos (21). Constata-se que o PDGB se contradisse no discurso de compactação da forma urbana, pois na prática a ampliação do tecido urbano da RMB, sem que haja articulação com a ocupação urbana existente, enfatiza o padrão disperso da forma urbana, análogo ao que as políticas habitacionais do BNH propuseram.
Em 1980 foi apresentado o Plano de Estruturação Metropolitana — PEM, o qual caracterizou a RMB em duas porções: a. a área consolidada, com elementos da compacidade e b. a área de expansão com características de dispersão. A proposta do PEM foi baseada em uma descentralização concentrada na área dispersa, que enfatizou a criação de novos subcentros de fácil acesso viário, oferta de serviços, áreas comerciais e empregos, para que a população suprisse suas demandas percorrendo distâncias menores. E na tentativa de conter processos especulativos, propôs a formação de um fundo de terras pelo Estado e a aplicação de multas para os proprietários de terrenos à espera de valorização (22). Até então, as atividades de comércio, serviço e áreas de lazer estavam concentradas na área central da Primeira Légua Patrimonial de Belém.
No PEM, assim como no PDGB, foi marcante a presença do rodoviarismo guiando os eixos de expansão. Contudo, a singularidade do PEM esteve na proposição de uma via secundária, que foi o entreposto do fluxo local e do fluxo metropolitano representado pelas rodovias de cunho estrutural. Buscou-se maneiras de aumentar as conexões viárias para o fluxo local, a fim de reduzir a dependência em relação às rodovias estruturantes de caráter metropolitano e também com o intuito de reduzir a interferência do fluxo metropolitano nas vias de caráter local.
Ainda que as proposições do PEM fossem direcionadas a apresentar melhorias das conexões viárias, em direção à compactação da área de expansão, notou-se que vias locais foram pouco detalhadas e as quadras de grandes extensões permaneceram sem articulação viária. Assim como, alguns conjuntos habitacionais construídos ou em construção não foram considerados na estruturação viária proposta pelo Plano. De maneira que, a malha viária permaneceria com baixa conectividade e alta dependência das rodovias, característica da dispersão urbana.
Nenhum dos planos urbanísticos foram colocados em prática. Segundo José Júlio Ferreira Lima, Ana Cláudia Duarte Cardoso e Ana Carolina Gomes Holanda (23) houve dificuldade para a implantação do PDGB, pois as condições de acessibilidade dos subcentros propostos não favoreceram a criação de novas centralidades à RMB naquele momento e as diretrizes de planejamento foram reduzidas a indicações sem articulação com ações governamentais. Além disso, as proposições feitas pelo PDGB foram generalistas e superficiais, excluindo questões sociais importantes e prevalecendo o caráter técnico.
Para o PEM, Tiago Veloso dos Santos (24) explica que a baixa efetividade e concretização do plano estiveram relacionadas ao seu grau de abstração, o qual acarretou o distanciamento da realidade política e econômica regional, com propostas generalistas e por vezes não condizentes com a capacidade orçamentária e institucional da RMB. Além disso, ambos os planos basearam-se em abordagens semelhantes, utilizaram o zoneamento para relacionar aspectos espaciais e o desenvolvimento socioeconômico, e perdeu-se a dimensão urbanística e a escala da vivência das pessoas, bem como as preocupações com as características locais: morfológicas, topográficas e socioculturais.
O planejamento metropolitano, mediante os planos urbanísticos, foi ineficaz em concretizar a regulação e o ordenamento territorial da RMB. E os conjuntos habitacionais foram construídos seguindo as diretrizes internas da Cohab PA, cooperativas habitacionais e empresas incorporadoras. Efetivamente, a política habitacional da RMB foi conduzida a partir da falta de articulação entre os órgãos públicos municipais e estaduais, destoante do que seria mais adequado para os moradores, do ponto de vista da oferta de serviços, empregos e lazer.
Padrões da forma de ocupação de conjuntos habitacionais: da dispersão à compactação
A dispersão urbana estipulada pela implantação de conjuntos habitacionais na área de expansão metropolitana de Belém modificou a paisagem urbana e inseriu arranjos espaciais diferentes dos que existiram na Primeira Légua Patrimonial. O estudo de padrões da forma de ocupação desses conjuntos habitacionais mostra-se relevante para compreender como ocorreram as transformações na forma urbana da RMB.
Dessa maneira, a partir de análises dos arranjos espaciais dos conjuntos habitacionais, verificou-se que há pouca variação de localização, disposição de lotes, edificações (geralmente térreas ou até quatro pavimentos), material utilizado para a construção e o público alvo. Contudo, ao sistematizar sua implantação e sua articulação com o entorno constatou-se que há diferentes configurações na forma, tamanho, e dimensões do conjunto habitacional que constituem padrões da forma de ocupação que se repetem pelo território de Belém e Ananindeua. Os padrões da forma de ocupação de conjuntos habitacionais podem ser classificados em: 1. padrão diferenciado, 2. padrão mimetizado e 3. padrão fragmentado.
O padrão diferenciado tem o traçado viário, a disposição das quadras, dos lotes e das áreas de lazer específico para determinado conjunto habitacional, o que faz com que ele tenha características únicas e seu desenho seja diferenciável em relação ao entorno. No entanto, mantém algumas articulações viárias que resultam na continuidade do traçado e faz com que haja certa articulação com o seu entorno, o que facilita a conexão e o deslocamento entre diferentes assentamentos urbanos.
O padrão diferenciado é representado pelo Conjunto Habitacional Gleba 1, no bairro da Marambaia em Belém. Foi um dos primeiros conjuntos habitacionais a serem construídos fora dos limites da Primeira Légua Patrimonial em 1968 (25). Seu traçado foi articulado com as vias existentes e parcialmente com os demais assentamentos urbanos formais e informais que surgiram, sem perder a singularidade do seu arranjo espacial. Nota-se claramente a distinção das quadras retangulares compostas por doze praças e o seu entorno imediato.
Outro padrão da forma de ocupação é o mimetizado. Os conjuntos habitacionais deste padrão replicam o arranjo espacial de outros assentamentos urbanos, de forma que a disposição de vias, quadras, lotes e áreas de lazer sejam iguais ou semelhantes. Por isso, pode confundir a delimitação da área do conjunto habitacional de outros assentamentos ao seu redor. Por esta razão, a continuidade da malha viária aumenta a conectividade com o entorno, criando inúmeras entradas e saídas no conjunto habitacional, o que melhora a acessibilidade e favorece a concentração de áreas construídas e densidade populacional, além da possibilidade de utilização de diversos modais de transporte.
O exemplar utilizado para representar o padrão mimetizado é o Conjunto Habitacional Guajará 1, inaugurado em 1983. O Conjunto pertence ao município de Ananindeua (conurbado a Belém) e replica o arranjo espacial de um conjunto habitacional anterior e mais expressivo, o Conjunto Habitacional Cidade Nova, o qual é composto por nove subdivisões entregue em etapas (1977 a 1986), que juntas somam mais de 28 mil unidades habitacionais (26). No início, o Conjunto Habitacional Cidade Nova ocupou áreas rurais do município de Ananindeua, distante doze quilômetros dos limites da Primeira Légua Patrimonial de Belém, sem a possibilidade de conexão com outros assentamentos urbanos. A dinâmica de crescimento do Conjunto influenciou no traçado viário, na disposição das quadras e dos lotes da maioria dos demais assentamentos urbanos (formais e informais) que surgiram ao seu redor, ocorrência que gerou uma grande mancha urbana homogênea.
Observa-se que quando conjuntos habitacionais que seguem os padrões mimetizado e diferenciado são implantados próximos às áreas urbanas consolidadas, há inúmeras possibilidades de articulação por meio do sistema viário, o que ajuda na concentração de atividades econômicas e sociais. Além de aproveitar intensamente o uso do solo, sem espraiar o tecido urbano da cidade, contribuindo à compactação da forma urbana. De maneira contrária, quando conjuntos habitacionais que seguem estes padrões são inseridos em áreas isoladas, com pouca ou nenhuma conexão viária, eles produzem núcleos urbanos descontínuos, contribuindo à dispersão da forma urbana. Neste caso, a área urbana consolidada da cidade e os núcleos urbanos isolados terão dinâmicas de crescimento diferentes, mas intrinsecamente relacionados entre si, como foi o caso do Conjunto Habitacional Cidade Nova, já citado. Ou seja, dependendo da localização e implantação, os dois padrões podem gerar diferentes formas urbanas.
O último padrão identificado foi o fragmentado. Este faz referência aos conjuntos habitacionais fechados que apresentam barreiras físicas, como muros ou cercas, e por isso, afetam a mobilidade urbana e acessibilidade da cidade, uma vez que geram a segregação da malha viária. Este padrão reproduz a dispersão da forma urbana e descontinuidade do traçado viário independente da proximidade de áreas urbanas consolidadas ou não, pois sua malha viária não apresenta possibilidades de articulação com assentamentos vizinhos.
O exemplar selecionado para representar este padrão foi o Conjunto Habitacional Fechado Natália Lins, construído em 1989 sob responsabilidade da empresa incorporadora Villa Del Rey (27). Ele é composto por blocos de apartamentos de quatro andares, ligado à avenida Augusto Montenegro (via troncal) e possui muros que impossibilitam o acesso e a continuidade da malha viária. Outros assentamentos fechados como este foram replicados e tornaram-se comuns ao longo desta avenida.
A consolidação da área de expansão metropolitana da RMB só foi possível por conta da implantação de infraestrutura viária e extensão das redes públicas de abastecimento de água, esgoto, drenagem e energia para os grandes conjuntos habitacionais da Cohab, bem como estruturação de seus principais eixos viários de conexão, a Rodovia BR-316 e a avenida Augusto Montenegro. A ocupação da terra por novos assentamentos urbanos (formais e informais) se deu após a construção dos conjuntos habitacionais e da reprodução de seus padrões da forma de ocupação (diferenciado, mimetizado e fragmentado), mas sem eficiente regulação urbanística ou gestão pública do espaço urbano.
Os padrões mimetizado e diferenciado foram reproduzidos pelos demais conjuntos habitacionais que surgiram, assim como houve a inserção de ocupações espontâneas nos vazios urbanos adjacentes aos conjuntos habitacionais, aproveitando a infraestrutura urbana já instalada. Contudo, estes foram construídos por grupos socialmente excluídos e a configuração urbana foi resultante da moradia autoconstruída solta na gleba, sem garantia de oferta de infraestrutura de qualidade e sistema de espaços livres.
Pela facilidade de reprodução, o padrão mimetizado foi o mais replicado pelas ocupações espontâneas da RMB, e aos poucos a malha viária tornou-se homogênea, bem como a concentração de áreas construídas ficou mais evidente, por conta do uso habitacional. Com isso, a forma construída da área de expansão, que outrora foi dispersa por conta da política habitacional, tornou-se compacta por conta da moradia autoconstruída e da articulação precária entre os assentamentos urbanos, sem a redução das distâncias entre trabalho e serviços ofertados, que ainda são majoritários na área central de Belém.
Desde a implantação dos conjuntos habitacionais da Cohab PA, alguns lotes já haviam sido adquiridos por particulares que aguardavam a valorização da área de expansão. Os terrenos adquiridos pelo capital privado reproduziram o padrão fragmentado, iniciado por conjuntos habitacionais fechados e incorporado na forma de loteamentos e condomínios fechados destinados às classes média e alta. Esses assentamentos urbanos fechados foram estabelecidos nas proximidades dos principais eixos viários de expansão, e por isso, contam com facilidade de acesso aos subcentros existentes e à área central de Belém. No entanto, por conta da existência de barreiras físicas, não há possibilidade de extensão e articulação da malha viária com os assentamentos vizinhos.
Desta maneira, o espaço construído da área de expansão metropolitana de Belém é formado por uma compactação fragmentada, pois as áreas mais afastadas são locais de moradia de classes sociais de menor renda, e reproduziram padrões espaciais que possibilitaram a articulação viária e facilitaram a concentração de áreas construídas e densidade populacional. Por outro lado, as áreas bem estruturadas foram destinadas aos empreendimentos fechados da classe média e alta, e segregaram a malha viária e fragmentaram o território da área de expansão metropolitana, fato que prejudica a acessibilidade, a oferta de transporte público e a mobilidade urbana dos grupos sociais em diferentes níveis. Portanto, a forma urbana da RMB é formada por um mosaico de assentamentos urbanos próximos entre si, mas desconexos, fragmentados, que constituem barreiras físicas e sociais, as quais contribuem para a segregação socioespacial do espaço metropolitano de Belém.
Conclusão
O estudo das transformações da forma urbana, encaminhado pelo debate de compacidade e dispersão, auxilia na análise de como se desenvolve as ações de agentes econômicos e sociais sobre a cidade. Para Belém, o estudo mostrou que os limites da Primeira Légua Patrimonial da cidade foram ultrapassados mediante interferência de ações públicas federais em escala regional e local, rompendo com uma compacidade pré-existente e introduzindo a dispersão pela área de expansão através da construção de conjuntos habitacionais.
A dispersão urbana fez parte de Belém e foi resultado do crescimento da área metropolitana carente de infraestrutura, saneamento e plano de alinhamento. Todavia, não faltou planejamento, planos urbanísticos existiram durante a década de 1970 e 1980 e enfatizaram a dispersão. Faltaram medidas concretas de implementação do ordenamento territorial; ação conjunta entre os diversos órgãos públicos responsáveis pela expansão; e gestão territorial e regulação fundiária para os diversos assentamentos urbanos que surgiram após os conjuntos habitacionais.
As análises de padrões espaciais de conjuntos habitacionais mostraram que, a longo prazo, a forma urbana dispersa foi transformada em uma compactação fragmentada, pois diversos assentamentos urbanos destinados aos mais pobres se articularam de modo precário, formando núcleos urbanos compactos. Contudo, os demais assentamentos urbanos direcionado às classes mais altas formaram barreiras físicas e criaram grandes zonas fragmentadas por toda área de expansão.
A busca pela integração entre as partes fragmentadas, articulada à implantação de infraestrutura básica na porção compactada precária, é um dos grandes desafios do planejamento urbano na RMB. Além disso, se o atual espraiamento do tecido urbano não for contido pelo aumento do controle estatal no ordenamento territorial, o crescimento urbano permanecerá resultando em uma forma urbana desconexa, desarticulada, fragmentada, carente de espaços livres e de oferta de comércio e serviços, e altamente excludente, do ponto de vista socioespacial.
notas
1
REGO, Renato Leão; MENEGUETTI, Karin Schwabe. A respeito de morfologia urbana. Tópicos básicos para estudos da forma da cidade. Acta Scientiarum Technology, v. 33, n. 2, Maringá, 2011 <https://bit.ly/3unGodj>.
2
THOMAS, Louise; COUSINS, Will. The compact city: A successful, desirable and achievable urban form? In. JENKS, Mike; BURTON, Elizabeth; WILLIAMS, Katie (org.). The compact city: A sustainable urban form? London, E & FN Spon, 1996, p. 53-66.
3
REIS, Nestor Goulart. Sobre a dispersão urbana. São Paulo, Via das Artes, 2009.
4
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão; CHATEL, Cathy. Forma e expansão urbanas no brasil: Fatos e hipóteses. Primeiros resultados do banco de dados Brasópolis. Revista Cidades, n. 21, Chapecó, Universidade Federal da Fronteira Sul, 2015.
5
BURGUESS, Rod. The compact city debate: A global perspective. In. JENKS, Mike; BURTON, Elizabeth; WILLIAMS, Katie (org.). Op. cit., p. 9-25.
6
HILLMAN, Mayer. In favour of the compact city. In. JENKS, Mike; BURTON, Elizabeth; WILLIAMS, Katie (org.). Op. cit., p. 36-45.
7
PESCATORI, Carolina. Cidade compacta e cidade dispersa: ponderações sobre o projeto do Alphaville Brasília. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 17, n. 2, Brasília, FAU UnB, mai./ago. 2015 <https://bit.ly/3Da5JLJ>.
8
ABREU, Paula Vanessa. A Morfologia do Plano de Expansão da Cidade de Belém e a Estrutura Fundiária do Município no Século 19. Dissertação de mestrado. Belém, PPGAU UFPA, 2016.
9
Idem, ibidem.
10
MOREIRA, Eidorfe. Belém e sua expressão geográfica. Obras reunidas de Eidorfe Moreira. Belém, Cejup, 1989
11
SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA. Monografia das baixadas de Belém: subsídios para um projeto de recuperação. 2ª edição. Belém, Governo do Estado do Pará, 1976.
12
Historiadores e sociólogos defendem a expressão “ditadura civil-militar”, uma vez que a ditadura de 1964 teve o apoio e ampla participação da sociedade civil no processo. A questão autoritária era muito bem entendida pelos militares, entretanto, a questão moral de conscientização veio por parte de civis, tais como empresários, populares, segmentos organizados e imprensa, que possuíam interesse político na instauração do golpe. Ver em: REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro, Zahar, 2014.
13
CARDOSO, Ana Cláudia Duarte; LIMA, José Júlio Ferreira. Tipologias e Padrões de Ocupação na Amazônia Oriental. In Cardoso, Ana Cláudia Duarte (org.). O Urbano e Rural na Amazônia. Belém, Editora UFPA, 2006, p. 55-93.
14
ABELÉM, Auriléa Gomes. Urbanização e remoção: por que e para quem? Belém, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, NAEA UFPA, 1989.
15
TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. A cidade dispersa: os novos espaços de Assentamentos em Belém e a Reestruturação Metropolitana. Tese de doutorado. São Paulo, FFLCH USP, 1998.
16
Idem, ibidem.
17
ABELÉM, Auriléa Gomes. Op. cit.
18
CORRÊA, Antônio José Lamarão. O espaço das ilusões: planos compreensivos e planejamento urbano na Região Metropolitana de Belém. Dissertação de mestrado. Belém, NAEA UFPA, 1989.
19
VILLAÇA, Flávio. Uma contribuição para a história do planejamento urbano no Brasil. In DEÁK, Csaba; SCHIFFER, Sueli Ramos (org.). O processo de urbanização no Brasil. São Paulo, Edusp, 1999, p.169-243.
20
Codem; BNH; DS. Plano de Desenvolvimento da Grande Belém — PDGB. Belém, Codem/BNH/DS, 1975.
21
Idem, ibidem.
22
GEOTÉCNICA. Planos Diretores para Áreas Urbanas de Belém. Belém, Geotécnica, 1980.
23
LIMA, José Júlio Ferreira; CARDOSO, Ana Cláudia Duarte; HOLANDA, Ana Carolina Gomes. Impasses e desafios na gestão da Região Metropolitana de Belém. Cadernos Metrópole, n. 14, 2005, p. 103-126 <https://bit.ly/36mypp8>.
24
SANTOS, Tiago Veloso dos. Fronteiras de papel: uma análise da perspectiva metropolitana em planos diretores da Região Metropolitana de Belém. Dissertação de mestrado. Belém, PPGEO UFPA, 2010.
25
TRINDADE JÚNIOR, Saint-Clair Cordeiro da. Op. cit.
26
Idem, ibidem.
27
Idem, ibidem.
sobre os autores
Ana Carolina Pontes Moutinho é arquiteta e urbanista (2017) e mestre pela Universidade Federal do Pará.
Thales Barroso Miranda é arquiteto e urbanista (2018) e mestre pela Universidade Federal do Pará.
José Júlio Ferreira Lima é arquiteto e urbanista pela Universidade Federal do Pará (1986), mestre em Arquitetura pela Universidade de Fukui (1991), mestre em Desenho Urbano pela Oxford Brookes University (1994), Ph.D. em Arquitetura pela Oxford Brookes University (2000) e professor titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará.