O processo de projetação é normalmente estruturado e metódico, contudo, não é um processo mecânico. Processos mecânicos têm resultados que podem ser previamente determinados diferentemente do processo criativo em que se empenha o máximo de esforço com o fim de se obter um produto que até então não existia. Por outro lado, o arquiteto genuinamente criativo tende a perder-se ao longo do caminho embora ainda saiba que é responsável pela administração do processo.
Preferencialmente, o arquiteto deve trabalhar sob um controle flexível diferentemente do controle convencional autoritário. Deve estipular um limite de recursos em que possa ajustá-lo ao longo de suas necessidades sendo este comportamento mais eficaz para a qualidade do processo de desenho (1).
O projeto deve ser entendido como sendo parte de um processo, parte de um sistema maior, que tem como objetivo final um produto, no caso, a construção de edifícios sendo fundamental a organização e coordenação do processo de projeto nos empreendimentos da construção civil. A implantação de novas metodologias visando a qualidade do projeto deve estar inserida em um programa mais amplo de qualidade nas empresas; a busca da qualidade do projeto não deve nunca ser uma ação isolada (2).
Melhado declara, didaticamente, que dois conceitos podem ser aplicados ao projeto: o conceito estático e o dinâmico. O primeiro refere-se ao projeto como produto final de um processo. É o conjunto físico de elementos gráficos e descritivos que visam ordenar e orientar os trabalhos executivos. O segundo confere ao projeto um caráter corrente de fluxos e de movimentos, portanto um sentido de processo por meio do qual busca-se encontrar as melhores soluções que justifiquem o empreendimento. Apesar do primeiro termo denotar um caráter rígido, o processo de projeto, como um todo, deve ser gerido de maneira flexível e sistêmica como será demonstrado mais adiante nas seções subsequentes.
“A atividade de projeto não cessa quando da entrega do projeto à obra; na medida em que existe a imprevisibilidade e que a eficácia das decisões tomadas em projeto só pode ser efetivamente avaliada durante a execução, a permanência da equipe de projeto ao longo daquele período é fundamental” (3).
O apelo tecnológico atual vem contribuindo para certo descaso por parte dos projetistas com relação ao uso do tempo e da energia necessária a ser despendida durante o processo de projetação. Esta distorção e esse deslocamento para o mundo virtual podem ser notados mais fortemente no universo da engenharia em que softwares cada vez mais avançados e com “interfaces amigáveis” desprendem os calculistas da concepção e dos atributos arquitetônicos que, na verdade, são o ponto de partida para os cálculos matemáticos.
“Os livros de estruturas para estudantes de arquitetura tendem a se concentrar na análise da mecânica e no projeto de estruturas, raramente explorando suas implicações na arquitetura” (4).
Resumidamente, o objetivo da discussão é o de fazer com que o arquiteto, cada vez mais, entenda que a concepção e o lançamento da estrutura durante os estudos preliminares assumem papel preponderante e basilar para resultados satisfatórios de projeto.
Lançamento estrutural
Inúmeros são os possíveis arranjos dos sistemas estruturais, todavia, alguns desses sistemas requerem ações de projeto mais apuradas, projetistas experientes, obras de grande rigor executivo e maiores investimentos financeiros a exemplo, os sistemas de membranas ou até mesmo as cascas. Diante desta situação, é possível notar que a grande maioria das edificações nos centros urbanos têm como sistema estrutural o arranjo consagrado entre pilares, vigas e placas. Implica, geralmente, em menores custos, auxilia na racionalização do projeto e da obra além de possibilitar satisfatórios aproveitamentos espaciais. Aqui reside e justifica-se o recorte e discussão para este artigo e projeto em estudo.
“Diminuir a dimensão das seções das peças estruturais ou ampliar o vão, afastando os apoios, demanda geralmente soluções diferenciadas, nas quais a estrutura passa ser importante elemento de configuração do espaço” (5).
A redução e/ou ampliação dos ambientes quase sempre provoca novos arranjos de apoio com alteração dos comprimentos de viga e quantidade de pilares. Assim, a estrutura torna-se um fator preponderante de configuração dos espaços fortalecendo a importância do seu lançamento na fase preliminar de estudos. Rebello nessa sentença quis dizer que, durante a fase da concepção arquitetônica, é possível afirmar que sempre serão necessários estudos de forma e de disposição dos elementos estruturais.
O agente responsável pelo lançamento da estrutura é o arquiteto na medida em que define a configuração espacial. É imprescindível, em dado momento, que o engenheiro analise, avalie e posicione o projetista sobre a viabilidade da estrutura por ele concebida. Cabe aqui, neste momento, uma pausa para uma observação ou, se mais adequado for, uma anedota: mesmo que os arquitetos e os engenheiros decidissem nunca mais conviver, felizmente, essa proeza seria impossível face aos apelos profissionais e à completude arquitetônica.
Por definição, a engenharia diferentemente da arquitetura trata objetivamente os procedimentos de lançamento da estrutura estipulando regras e métodos de trabalho. Estas regras são importantes mas, de início, não são tão preponderantes para o lançamento realizado pelo arquiteto. O engenheiro, de um modo geral, quando se depara com o lançamento estrutural, de imediato visualiza o anteprojeto arquitetônico. A partir da análise do anteprojeto inicia a organização e a locação racionalizada dos pilares, das vigas e das soluções de laje seguindo algumas regras consagradas.
Vários compêndios foram concebidos neste sentido. Este procedimento faz parte do processo projetual, porém deve ser o desdobramento de um trabalho preliminar que deveria ser executado pelo arquiteto que é o de conceber e lançar a estrutura no estudo preliminar arquitetônico. Esta prática recorrente por parte dos engenheiros é o resultado de uma metodologia linear e desintegrada de confecção do projeto arquitetônico.
“Dá-se o nome de lançamento de estrutura ao procedimento de locar lajes, vigas e pilares, capaz de suportar as cargas buscando uma disposição que se adapte bem ao projeto arquitetônico sem prejudicá-lo esteticamente. Seria sempre desejável que o arquiteto, ao projetar a arquitetura, estivesse preocupado com a estrutura, de modo que estrutura e arquitetura se integrassem, sem que uma prejudicasse a outra. Infelizmente isso nem sempre ocorre, fazendo com que, muitas vezes, a estrutura tenha que se adaptar de maneira forçada ao projeto arquitetônico. Ou, ainda, que este tenha que ceder às necessidades da estrutura, prejudicando sua estética ou funcionalidade, sofrendo, em situações extremas, modificações profundas” (6).
Salutar destacar o trabalho realizado pelo professor Roberto Corrêa (7) no artigo Integração de Projetos de Estrutura e Arquitetura de Edifícios Ensinados Através de Auxílio Computacional. O artigo contempla uma ilustração que organiza os procedimentos de lançamento estrutural destacando a sua importância uma vez que diminui a probabilidade de erros nas fases seguintes do projeto, evitando o retrabalho.
O diagrama de fluxos na fase de estudos preliminares ilustra os procedimentos que devem ser seguidos pelo projetista nas etapas subsequentes do processo corroborando para a confecção sistêmica e integrada do projeto arquitetônico.
É possível notar que os fluxos são menos rígidos pois permitem retro alimentações do sistema ao longo do processo diferentemente de um fluxo linear que, geralmente, faz com que o projetista se concentre na finalização do projeto arquitetônico para que, a posteriore, sejam iniciados os trabalhos do projeto estrutural.
Estudo preliminar: o todo é diverso da soma das partes
Para a arquitetura a fase mais importante de todo o processo de projeto é a fase de estudos preliminares. Caracteriza-se pelo resultado de um conjunto de variáveis que definem o partido arquitetônico. É a síntese de um conjunto de condicionantes e diretrizes com os quais o arquiteto soube tratar. Nele está presente o conceito fundamental que estipula as características necessárias para a melhor solução arquitetônica dentro daquele contexto. A arquitetura está intimamente vinculada às condições impostas pela vida e, portanto, é também falível. Os edifícios também possuem um dinamismo muito próximo dessas condições. Nascem, vivem, envelhecem e morrem — não prescindem de serviços de manutenção, atenção e acompanhamento contínuo.
Isto quer dizer que o projeto arquitetônico não é apenas a consequência de um sequenciamento ou de um somatório de variáveis que indicarão a solução ideal, o projeto perfeito, o produto exato ou um denominador comum, usualmente percebido e imaginado pelo público leigo. O projeto é adverso à precisão e à pureza do cálculo matemático uma vez que além de tratar de conteúdos precisos, o arquiteto trabalha com variáveis humanas, como a sociologia, a psicologia, o direito, dentre outras disciplinas.
Ao final do processo de projetação o conjunto dos elementos e dos condicionantes que o integram retornarão um resultado plausível e equilibrado, ou seja, a melhor solução passível de se concretizar materialmente. Assim, o todo deve diferir da soma das partes uma vez que o produto final representa mais do que uma superposição linear de números e elementos na medida em que durante o processo não se trabalham somente com atributos mas, sobretudo, o peso absoluto e relativo e a relação entre eles.
Para melhor ilustrar o argumento, pode-se dizer que nesse jogo matemático são realizadas inúmeras operações tais como a soma, a divisão, a subtração, a multiplicação e a potenciação, por exemplo. Os componentes humanos e numéricos desta equação têm uma determinada importância dentro de cada contexto e, portanto a resultante desta fórmula idiossincrática será, indubitavelmente, divergente da expectativa imaginada pelo arquiteto. A soma de um mais dois mais três mais quatro tem que ser, necessariamente, diferente de dez.
O arquiteto por meio de uma reflexão global e holística vislumbra as soluções estruturais e viabiliza o modo pelo qual o edifício ficará de pé. Segue, também, princípios lógicos mas, acima de tudo, acompanha um ordenamento que leva em conta um conjunto de dimensões e de diretrizes que o engenheiro não toma posse. De certa maneira desprendido do cálculo matemático, o lançamento estrutural na fase de estudos preliminares pode ser melhor definido pela ação de concepção da estrutura (8).
As decisões tomadas indicarão um conjunto de desdobramentos correlatos. Não bastasse a grande responsabilidade do projetista nesta fase, o advento da revolução digital exige que o arquiteto possua um conhecimento geral do mundo e das coisas como nunca se havia imaginado antes (9).
Criatividade e solidez
“Um dos grandes desafios da engenharia e da arquitetura em todos os tempos, sobretudo nas épocas mais remotas, relaciona-se com a busca da solução para se criar e manter seguras as aberturas e os espaços internos das construções. Ao longo da história, um grande número de soluções foi experimentado pela humanidade através de seus construtores, arquitetos e engenheiros, com maior ou menor criatividade por tentativa e erro” (10).
A afirmação relata uma condição essencial para a adoção dos espaços destinados às atividades humanas: criatividade e solidez. Estes dois termos podem ter uma acepção análoga à arquitetura e à engenharia, respectivamente. De maneira simples e objetiva, o autor preconiza a integração eterna entre os campos.
Interessa neste contexto compreender a evolução de algumas soluções estruturais, das mais remotas até os dias de hoje, que estejam voltadas a utilização dos espaços cobertos como abrigo, celebrações sociais e religiosas, sepultamentos, moradias, indústrias, viadutos, templos, pavilhões, escritórios, dentre outras, bem como o relacionamento destas soluções com a forma (partido arquitetônico) adotada na arquitetura. Esta relação é de fundamental importância pois pode demonstrar de que maneira se manifesta o diálogo entre arquitetura e estrutura e de que forma a edificação deixa transparecer esta linguagem, reforçando a indissociabilidade dos dois conjuntos: implícita ou explícita, mais ou menos evidente, clara ou obscura.
Em determinados períodos da história da arquitetura as construções evidenciaram a correlação entre forma e estrutura. Neste contexto, podem ser exemplificados os templos gregos, as catedrais góticas e, mais recentemente, as construções do Movimento Modernista onde os edifícios foram despojados de todos os ornamentos esclarecendo aos usuários o sistema estrutural, a técnica construtiva e, muitas vezes, o material utilizado. Diferentemente desta conjugação notória entre forma e estrutura, está a arquitetura produzida no período Barroco em que as construções eram, em sua grande maioria, revestidas com uma profusão de ornamentos que mascaravam o sistema estrutural (11).
Inúmeras são as edificações em que a forma sobrevém dos componentes estruturais. Nestes casos, desempenharam um papel preponderante para o atendimento das exigências espaciais requeridas por funções específicas, contrariando alguns estudiosos deterministas e defensores de que a arquitetura, no caso a concepção da forma — o ideário formalista, vem em primeiro lugar no processo projetual para a posteriore conceber-se a estrutura.
Algumas soluções estruturais possibilitaram a formatação do espaço arquitetônico o qual foi objeto de diferentes usos e funções. O exemplo aqui adotado para análise foi a Igreja Episcopal de Brasília onde foram vistos e revistos os componentes estruturais claramente ligados à arquitetura que evidenciassem ótimas associações e que devem, por parte do leitor, ser contextualizadas no tempo, sob condicionantes humanos, sociais, religiosos, econômicos e de viabilidade tecnológica.
Ousa-se dizer que a arquitetura nada mais é do que um mecanismo de criação de espaços para o desempenho de funções humanas. Estes espaços, por sua vez, podem ser cobertos ou descobertos, protegidos ou desprotegidos, abertos ou fechados, cheios ou vazios, escuros ou iluminados. Entretanto, diante da ordem moderna, sabe-se que nas cidades a maior parcela de esforços e de recursos é empenhada no sentido de elaborar e construir espaços cobertos e protegidos.
Breve preliminar histórico
As antigas cavernas e grutas, provavelmente, foram um dos primeiros espaços cobertos (vãos) convenientemente seguros habitados pelo homem primitivo, argumento que justifica algumas considerações a seu respeito uma vez que possui uma relação intrínseca com o projeto em estudo.
Sua formação, composta de rochas, remete à configuração dos arcos antigos que, por sua vez, são feitos com blocos comprimidos de pedra comportando-se, estruturalmente, como uma viga arqueada. Ilustrativamente, é possível examinar-se na figura a seguir a caverna e o arco, aqui opinado como sendo os primórdios da viga moderna —a viga primitiva.
As cavernas, geralmente, possuem maior altura na parte central e menores alturas livres nas extremidades (laterais onde o teto encontra-se com o solo). Essa característica confere à solução da natureza um comportamento similar ao dos arcos em que as rochas do teto se encontram comprimidas proporcionando a estabilidade estrutural do vão.
O arco feito de pedra é, para a arquitetura e para a engenharia, um elemento curvo utilizado para abranger uma abertura e para suportar as cargas sobre ele dispostas. É composto por uma série de blocos em forma de cunha, isto é, aqueles em que a extremidade superior é mais larga do que o flanco da borda inferior. Estes blocos são chamados de aduelas. Cada peça deve ser cortada precisamente de modo a impor uma pressão contra a superfície dos blocos vizinhos. Desta forma, é capaz de conduzir as cargas uniformemente (12).
Durante a construção de um arco, as aduelas necessitam ser apoiadas até o assentamento da pedra fundamental (central), última a ser colocada no conjunto. A curvatura do arco pode ser semicircular, abatida (arco abatido) ou conjugada com retas e curvas.
Nas antigas construções que utilizavam exclusivamente pedras, os arcos possuíam várias vantagens sobre as vigas. Estendiam-se por aberturas mais largas (maiores vãos) uma vez que podiam ser confeccionados a partir de blocos pequenos de tijolo ou pedra facilmente transportados em oposição a uma viga de pedra monolítica. Outro fato importante é que um arco também pode suportar e transferir aos apoios uma carga muito maior do que uma viga é capaz. Esta capacidade de carga, em primeiro lugar, decorre do fato de que a pressão atuante sobre o arco ou pelo peso próprio de seus blocos tem o efeito de pressionar as aduelas umas contra as outras em vez de separá-las, forçando a estabilidade do conjunto. Esta característica provoca um empuxo nos apoios e se estes não forem devidamente resistentes podem fazer com que a estrutura entre em colapso. Em segundo lugar, o desenho que o arco descreve, isto é, a sua forma, auxilia em grande monta a sua capacidade de suportar as cargas sobre ele aplicadas graças a um princípio básico que envolve o centro de gravidade. Quanto maior a quantidade de massa (material) afastada do centro de gravidade da seção, maior será a capacidade de inércia desta seção, isto quer dizer que menor será a capacidade de giro de suas seções.
Portanto, de acordo com Yopanan, pode-se concluir que “Não é só a resistência do material que garante a um elemento estrutural a capacidade de suportar cargas. Sua forma é muitas vezes mais determinante da sua resistência do que a própria resistência do material. [...] Quando a forma de uma peça estrutural é bem elaborada, ela se traduz em ganho na sua capacidade resistente” (13).
Assim, os suportes verticais sobre os quais repousa o arco, devem ser fortes o suficiente para suportar o empuxo e conduzi-lo para a fundação (como nos arcos romanos). Quando dispostos lado a lado, o empuxo dos arcos é neutralizado pelo arco seguinte e assim, sucessivamente, estabilizando todo o sistema. Esta técnica permitiu que fossem construídas estruturas de pontes de pedra em arco e os antigos aquedutos romanos.
Os arcos já eram utilizados no antigo Egito e na Grécia, mas foram considerados inadequados para a arquitetura monumental e raramente usados pois se tratavam de “falsos arcos” confeccionados por meio do sistema de modilhão. Diferentemente dos arcos de aduelas, os modilhões vencem os vãos pela simples sobreposição das peças que avançam progressivamente umas sobre as outras até se encontrarem no topo do vão. As pedras são comprimidas umas com as outras, contudo, funcionam estruturalmente de forma distinta em comparação aos arcos de aduela.
Os romanos, por outro lado, usaram o arco semicircular em pontes, aquedutos, e na arquitetura monumental. Na maioria dos casos eles não usavam argamassa, confiando simplesmente na precisão dos encaixes feitos em cada pedra. Os árabes popularizaram o uso do arco e foi em suas mesquitas que obtiveram uma aplicação e conotação estritamente religiosa. A Europa medieval fez grande uso do arco ogival, que se constituiu em um elemento básico da arquitetura gótica. Ao final da Idade Média o arco abatido começou a ser introduzido nas construções. Esta forma de arco teve grande valor na engenharia de pontes, pois permitiu o apoio mútuo por uma fileira de arcos, levando o impulso lateral para os pilares em cada extremidade de uma ponte.
Os arcos modernos são confeccionados em aço, concreto e madeira laminada, dentre outros materiais, e são altamente rígidos e leves. Constituem-se até os dias de hoje, um elemento estrutural de grande relevância e utilização.
A tecnologia dos materiais e o aparato tecnológico para elaboração projetual e para a construção civil evoluem constantemente e em ritmo acelerado. Por outro lado, em que pese as infinitas possibilidades de arranjos estruturais, os elementos que os compõe são os mesmos até os dias de hoje: os blocos, as barras (vigas, pilares e cabos) e as lâminas (membranas, placas e cascas). Laugier em seu tratado sobre arquitetura no qual critica a opulência da linguagem barroca, de certa maneira, sintetiza essa nobre constatação. Define o que seria, para ele, a “cabana primitiva”: um sistema edificado de arranjo simples que utiliza formas geométricas básicas, composto por elementos estruturais estritamente necessários ao atendimento do abrigo e da moradia bem como toda a arquitetura derivaria desse simples ideal.
Na Igreja Episcopal de Brasília, estudo de caso, encontramos o “triângulo básico” que não deixa de ser, afinal, vernáculo na arquitetura desde os primórdios em que os abrigos eram definidos por galhos secos, folhagens e couro de animais, passando pelos arcos primitivos e clássicos, pelas catedrais góticas até chegar ao modernismo, referencial histórico que se constituiu em projeto emblemático executado em Brasília.
Igreja Episcopal de Brasília
Selecionada dentre inúmeros outros exemplares, a relação entre a forma e a estrutura da Igreja Episcopal de Brasília apresenta-se de maneira muito legível, dado que o partido estrutural comparece nu, honesto, na volumetria e na fruição do espaço arquitetônico.
O projeto é de autoria do arquiteto Glauco Campello, ainda atuante, no ano de 1961 e o projeto estrutural foi elaborado pelo engenheiro Joaquim Cardozo.
A construção ocorreu no ano de 1962 e o conjunto edificado é composto por uma catedral, um edifício para atividades sociais e escola e uma torre (14).
Glauco Campello, paraibano que teve importante passagem nos primórdios de Brasília, é hoje aposentado do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — Iphan, donde podemos talvez supor sua forte ligação com a História, com as soluções vernaculares simples; no caso da Igreja, solução primorosa.
Eis a genialidade do projeto do arquiteto Glauco Campello: uma única peça de concreto de seção de formato tipo “U” constituiu-se em viga, cobertura, esteio, caibro, e calha, praticamente todos os elementos primordiais de uma edificação.
Com o partido definido agregou-se apenas as peças que serviriam de vedação e de laje de cobertura. Estas peças na verdade são placas pré-moldadas de concreto que, além de verterem as águas pluviais para a grelha no piso, servem também de contraventamento das barras inclinadas.
Além destas, foram estrategicamente colocados entre as vigas tirantes de aço em composição diagonal evitando giros indesejáveis.
O par de barras inclinadas foi estabilizado em função da maneira pela qual foram conjugadas bem como pela seção adotada nas vigas. Isto equivale a dizer que há prevalência de Seção Ativa de acordo com as classificações adotadas por Engel (15).
Numa primeira análise, não é tão simples compreender qual o sistema estrutural adotado mas observando-se rigorosamente os detalhes de junção e apoio das barras, pode-se concluir que se trata de um sistema de pórtico tri articulado. O vértice ou cume formado pelas barras possui uma discreta junta que permite a articulação. As barras, por sua vez, são sutilmente apoiadas em pequenos arranques assentados e fixados no solo de modo a conter os empuxos horizontais. As paredes laterais que compõe a igreja e configuram o espaço interno não são portantes, ou seja, não auxiliam na estabilidade das vigas; tem a função exclusiva de vedação.
Há que se observar que o piso interno da igreja é rebaixado, donde as paredes laterais surgem de um pequeno arrimo. Não é demasiado recordar que o partido triangular pressupõe grande verticalidade porém “pouca altura nas laterais”. Esta sábia atitude do arquiteto otimizou o espaço interno da nave.
Concepção na fase de estudos da Igreja Episcopal de Brasília
Dentro do universo da arquitetura, o lançamento da estrutura se dá na fase de estudo preliminar arquitetônico englobando não e tão somente a locação de elementos estruturais mas, sobretudo, a reflexão entre os fatores determinantes do projeto. A concepção e adoção de um partido arquitetônico é uma tarefa complexa que exige raciocínios objetivos e ao mesmo tempo sensibilidade, criatividade e intuição.
No mesmo caminho, Melhado e Agopyan (16) compilaram uma série de informações, dados e gráficos sobre o conceito e a elaboração do projeto para a construção de edifícios. Propuseram diretrizes para a organização dos procedimentos, coordenação e controle do processo visando a melhoria da qualidade dos projetos de edifícios. Com base neste trabalho, no artigo de Correa (17), nos fundamentos da metodologia do projeto arquitetônico e estrutural de Engel (18) e acrescentando-se outras variáveis e condicionantes inerentes ao projeto arquitetônico, foi possível elaborar um diagrama que demonstra de que maneira e em quais momentos devem ser realizados a concepção e o lançamento estrutural durante o processo de projetação.
O diagrama tem o objetivo de auxiliar a compreensão dos fluxos e rotinas projetuais com ênfase na concepção e no lançamento estrutural na fase de estudo preliminar arquitetônico. O arquiteto, muitas vezes, perde-se no emaranhado projetual omitindo tarefas e procedimentos importantes do processo e o engenheiro, na maioria dos casos, não possui o entendimento holístico da incumbência projetual e supõe compreender o lançamento, como dito anteriormente, como um encadeamento de regras e aferimentos. Pretende-se o clareamento intelectual por parte de ambos.
Foi composto e arranjado, o diagrama, sob uma estrutura bidimensional, sendo esta a que melhor proporcionou inteligibilidade do processo. Contudo, infelizmente, houveram algumas perdas nesta representação mais especificamente no tocante à percepção do caráter sistêmico, dinâmico e acumulativo dos fluxos. As retroalimentações (feedbacks) sofrem interferência de fluxos anteriores que por sua vez interferem nos fluxos seguintes. Esta dinâmica somente é possível ser representada por meio de um modelo tridimensional em cadeia espiral.
O projeto da Igreja Episcopal de Brasília evidencia-se pela simplicidade do partido e das soluções estruturais adotadas. Coerente com o programa arquitetônico e com os conceitos consagrados que pressupõe o projeto de uma Igreja, Glauco Campello sintetizou nessa obra de grande beleza a relação intrínseca entre partido e estrutura.
Espera-se que o estudo que teve como resultante um Diagrama Esquemático para o Lançamento Estrutural com ênfase na fase de estudos preliminares possa auxiliar os estudantes e os projetistas na qualificação dos resultados do processo de projeto.
notas
1
FREDERICK, Mathew. 101 lições que aprendi na escola de arquitetura. São Paulo, Martins Fontes, 2009.
2
MELHADO, Silvio Burrattino; AGOPYAN, Vahan. O conceito do projeto na construção de edifícios: diretrizes para sua elaboração e controle. São Paulo, Epusp, 1995.
3
Idem, ibidem, p. 15.
4
CHARLESON, Andrew W. Estrutura aparente: um elemento de composição em arquitetura. Porto Alegre, Bookman, 2009, p. 7.
5
REBELLO, Yopanan; LOPES, João Marcos; BOGÉA, Marta. Arquiteturas da engenharia ou engenharias da arquitetura. São Paulo, Mandarim, 2006, p. 124.
6
REBELLO, Yopanan. Bases para projeto estrutural na arquitetura. São Paulo, Zigurate, 2007, p. 201.
7
CORREA, Roberto. Integração de projetos de estrutura e arquitetura de edifícios ensinados através de auxílio computacional. Juiz de Fora, Universidade Federal de Juiz de Fora, 2004.
8
REBELLO, Yopanan. Bases para projeto estrutural na arquitetura (op. cit.).
9
ENGEL, Heino. Sistemas Estruturais. Barcelona, Gustavo Gili, 2001, p. 10.
10
CUNHA, José Celso da. A história das construções. Volume 1: Da pedra lascada às Pirâmides de Dahchur. Belo Horizonte, Autêntica, 2009, p. 69.
11
REBELLO, Yopanan; LOPES, João Marcos; BOGÉA, Marta. Op. cit.
12
CUNHA, José Celso da. Op. cit.
13
REBELLO, Yopanan. A concepção estrutural e a arquitetura. São Paulo, Zigurate, 2000, p. 28.
14
GOUVÊA, José Paulo; VALENTIM, Fábio; FREITAS, Anderson. Glauco Campello: caderno de arquitetura. São Paulo, Editora da Cidade, 2015, p. 26.
15
ENGEL, Heino. Op. cit.
16
MELHADO, Silvio Burrattino; AGOPYAN, Vahan. Op. cit.
17
CORREA, Roberto. Op. cit.
18
ENGEL, Heino. Op. cit., p. 29.
sobre os autores
Francisco Afonso de Castro Júnior é graduado em Administração de Empresas (UDF, 1995) e em Arquitetura e Urbanismo (Iesplan, 2007), com especialização em Docência do Ensino Superior (FTP, 2014). Mestre em Tecnologia (2014) e doutorando em Estruturas e Arquitetura (2019), ambos pela Universidade de Brasília.
Marcio Roma Buzar é graduado em Engenharia Civil (UEMA, 1994); mestre (1996) e doutor em Estruturas (2004) pela Universidade de Brasília, onde é professor de Modelos Híbridos de elementos Finitos e de Contorno aplicados às Estruturas (Cilance, 1994).
João da Costa Pantoja é graduado em Engenharia Civil (1991) e mestre em Estruturas e Construção Civil (2003) pela Universidade de Brasília. Doutor na área de Estruturas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2012) e pós-doutor em Estruturas pela Universidade do Porto (2018).