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architexts ISSN 1809-6298


abstracts

português
Este artigo tem por objetivo apresentar a situação do comércio informal, pela ótica dos ambulantes na cidade de São Paulo. Apura-se, a partir de uma pesquisa, a necessidade de incorporar o desenho e planejamento de espaços públicos adequados.

english
This article aims to present the informal commerce situation, from the perspective of street vendors in the city of São Paulo. It is noticeable from a survey the necessity to incorporate the design and planning of appropriate public spaces.

español
Este artículo presenta la situación del comercio informal, desde la perspectiva de los vendedores ambulantes en São Paulo. De una encuesta se desprende claramente la necesidad de incorporar el diseño y la planificación de espacios públicos adecuados.


how to quote

TAGUTI, Mariana Nunes; SANCHES, Débora; BARBOSA, Benedito Roberto. Ambulantes na cidade de São Paulo. Impactos da pandemia e territórios em disputa. Arquitextos, São Paulo, ano 22, n. 262.03, Vitruvius, mar. 2022 <https://vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/22.262/8438>.

A tragédia da pandemia da Covid-19 no Brasil deixará marcas permanentes na população brasileira, com um número incalculável de pessoas contaminadas e com a perda de milhares de vidas, mais de 255 mil mortos início de março de 2021.De acordo com informações da Fundação Oswaldo Cruz — Fiocruz (1) estes números podem ser, ainda, muito maiores — em função da subnotificação, atingindo especialmente os brasileiros de baixa renda que sofrem nas mais diversas formas: moradias precárias, cortiços e favelas; sem acesso à água e ao saneamento básico; condições estas associadas ao grande número de desempregados e ao fim do auxílio emergencial (em dezembro de 2020). Todas estas situações atingem, também de forma grave, a população em situação de rua e os trabalhadores(as) ambulantes que, consequentemente pela falta de renda, não conseguem cumprir o isolamento social para evitar o contágio e transmissão da doença.

No âmbito dos trabalhadores(as) informais o impacto é ainda maior, pois é o setor da população vulnerável que está à margem do sistema de proteção social, uma vez que a proteção está condicionada ao trabalho formal e, mesmo assim, nos últimos anos as garantias de direitos (auxílio-doença, seguro-desemprego e aposentadoria) estão sendo suprimidas pelo Governo Federal.

No primeiro trimestre de 2020, mediante dados obtidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua — PNAD Contínua (2), havia mais de 36.3% de trabalhadores(as) na informalidade, ou seja, mais de 29.2 milhões de pessoas atuando como: ambulantes; faxineiras; entregadores; motoristas de aplicativos; entre outros. Dentro desse percentual, os indivíduos que trabalham na informalidade se declaram pretos ou pardos são a maioria, correspondendo a 58%. Estes empregos, portanto, são aqueles que têm menos garantias e direitos trabalhistas, refletem a desigualdade social intensificada por gênero e raça.

Nas mais diversas localidades brasileiras, em função das tentativas de isolamento social para combater a Covid-19, milhares de trabalhadores(as) ambulantes, muitas vezes com extrema violência, foram impedidos(as) de exercerem suas atividades para garantirem seu sustento diário. Sem conseguir acessar o auxílio emergencial, por vezes, a única forma de sustentar a família era sair às ruas, arriscando-se a perder a mercadoria, considerando que em geral os trabalhadores(as) ambulantes “do corre” (que não tem a autorização para vender mercadorias na rua) trabalham pela manhã para comer à noite, muitos precisam se deslocar em grandes distâncias até o centro de venda de mercadorias e mesmo aqueles considerados permissionários (com autorização da prefeitura), foram obrigados a trabalharem no “corre” (3).

Histórico da luta de trabalhar como ambulante

A história revela que o trabalho dos ambulantes é atividade de subsistência desde o final do século 18 na vila de São Paulo, conforme Hamiltom D’Angelo (4). Os homens partiam para o estado de Minas Gerais a procura do ouro e as mulheres deixadas tinham os doces e quitutes vendidos na rua, a atividade de sobrevivência de suas famílias, sendo as mulheres negras escravizadas as responsáveis pela produção e venda com seus tabuleiros, prática que originou o nome da rua Quitanda na área central. Ao longo do tempo, a falta de feiras e comércio formal na pequena vila, propiciou a atividade do comércio ambulante, porém, as quitandeiras eram denunciadas pela elite paulistana que viam com maus olhos essa atividade, responsabilizando-as pela sujeira e pela propagação de doenças. Deste modo, a Câmara Municipal passou a disciplinar a atividade por meio de uma normatização específica para estes trabalhadores, impondo restrições de horários e locais de venda.

Desde o início destas atividades, trabalhadores sofrem com a regulamentação do poder público e a postura truculenta da fiscalização, com a discriminação por parte da opinião pública. Em 1898 foi promulgada a primeira legislação que proibia a atividade na região central e nas estações ferroviárias, por outro lado, o crescimento desta atividade está relacionado a grande migração interna e externa na cidade de São Paulo (5).

A denominação “ambulante”, conforme João Pamplona, caracteriza como trabalhador autoempregado aquele:

“Que vende diretamente ao consumidor (varejo) produtos diversos (normalmente miudezas e mercadorias de mais baixo valor) ou que presta serviços (normalmente de alimentação) em vias e logradouros públicos (ruas, calçadas, praças, jardins etc.), com ou sem permissão oficial” (6).

Em 1926, vieram a proibição do comércio de produtos comestíveis e repressão pela prefeitura. Em 1936, mais rigor na concessão da licença. No governo Jânio Quadros em 1953, estabeleceu critérios sociais para os beneficiados com a licença, como portadores de deficiências físicas, idosos, entre outros. Em 1960, Ademar de Barros proibiu o comércio de rua (7).

Na gestão da prefeita Luiza Erundina, os trabalhadores foram ouvidos para a proposta de regulamentação, com a criação de comissões e a promulgação da Lei Municipal n. 11.039, de 23 de agosto de 1991 (8) que disciplina o exercício do comércio e prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos, e regulamenta o acesso dos trabalhadores ao Termo de Permissão de Uso — TPU, que precisavam ter tempo mínimo de sete anos de residência em São Paulo. A Lei supramencionada define “ambulante” como:

“Art. 3º — Considera-se Vendedor ou Prestador de Serviços nas vias e logradouros públicos, reconhecido como AMBULANTE, a pessoa física civilmente capaz, que exerça atividade lícita por conta própria ou mediante relação de emprego, desde que devidamente autorizado pelo Poder Público competente” (9).

O pesquisador João Pamplona (10) aponta que o poder público, considera como ambulante apenas trabalhadores autorizados, e a legislação descreve sobre atividade nas seguintes situações:

§ lº — Efetivos, são os Ambulantes que exercem sua atividade carregando junto ao corpo sua mercadoria ou equipamento e em circulação;
§ 2º — De Ponto Móvel, são os Ambulantes que exercem a sua atividade com o auxílio de veículos automotivos ou não, ou equipamentos desmontáveis e removíveis, parando em locais permitidos de vias e logradouros públicos;
§ 3º — De ponto Fixo, são os Ambulantes que exercem a sua atividade em barracas não removíveis em locais previamente designados de vias e logradouros públicos (11).

Embora a legislação possua trinta anos, as discriminações, perseguições, violações de direitos e exclusões dos trabalhadores do espaço público continuam sendo ações desumanas do poder público, como foi o Decreto Municipal 53.154/12 que proibiu as licenças, com a justificativa de

“Adotar medidas para melhorar a vida urbana e o bem-estar da população local, tornando possível o reordenamento do espaço público, assegurando a acessibilidade dos pedestres e preservando a paisagem urbana e o patrimônio cultural” (12).

A partir da situação descrita e diferentes gestões municipais, os trabalhadores iniciaram, em 2011, uma articulação e mobilização que resultou na criação do Fórum dos(as) Trabalhadores(as) Ambulantes da Cidade de São Paulo, com apoio do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Como resultado, estas entidades, juntas, conseguiram revogar as licenças cassadas no ano de 2012.

Neste cenário, atualmente, estima-se que cerca de dois mil trabalhadores possuem a licença, como permissionários de ponto fixo, e cerca de dez mil com autorização para o trabalho em ponto móvel ou por meio do “Tô Legal", programa da atual gestão municipal para obtenção de uma autorização temporária de três meses para as atividades nas ruas da cidade. Apesar do programada citado ter como meta cadastrar quarenta mil trabalhadores, a prefeitura divulgou que, no ano de 2020, foram cadastrados apenas dezoito mil trabalhadores. O programa sofreu diversas críticas desde a sua concepção, em especial no que se refere aos valores cobrados e pela condição provisória dos pontos de trabalho, considerando que a licença precisa ser renovada a cada três meses sem garantia de permanecer no mesmo local.

Segundo dados do Sistema Estadual de Análise de Dados — Fundação Seade (13), no ano de 2009, havia cem mil trabalhadores ambulantes na cidade de São Paulo. Concretamente, não existe um censo que contabilize a quantidade exata dos trabalhadores nas ruas, no dito “corre”, estima-se que cerca de 180 mil trabalhadores estão em atividade de acordo com a PNAD 2018 (14) em toda área metropolitana de São Paulo. A falta de dados precisos referente a esse grupo de trabalhadores(as) inviabiliza a dimensão da atividade na cidade, e dificulta propostas com soluções mais efetivas.

Além do marco regulatório e a postura das diferentes gestões públicas, acredita-se que as atividades dos trabalhadores(as), é uma poderosa rede de produção, distribuição e venda de mercadorias que formam uma trama social, política e popular muito importante, além de ser ampla, extensa e complexa; resultando em impactos significativos para a economia das cidades. Infelizmente, como mencionado anteriormente, não existe um censo atualizado da população ambulante na cidade de São Paulo, que possa direcionar de forma adequada toda esta força econômica, sem criminalizar ou perseguir, com violência, os trabalhadores ambulantes.

São exíguas as pesquisas, no âmbito da arquitetura e urbanismo bem como outras áreas, sobre o tema dos(as) trabalhadores(as) ambulantes e o território em que atuam. Desta forma, para desenvolver o projeto do trabalho final de graduação com recorte nos espaços dos trabalhadores fixos e móveis na região da 25 de março na cidade de São Paulo, a pesquisa denominada “VIDA AMBULANTE: da cidade ao objeto” (15) recebeu apoio do Fórum dos Ambulantes e da Unicab (União Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras Camelôs, Feirantes e Ambulantes do Brasil) que intermediou o processo de escuta entre a universidade e os trabalhadores, fato este que originou um breve questionário para verificar as características dos ambulantes e seu perfil. O resultado, com respostas de 173 trabalhadores — respondidas até início de julho de 2020 — anônimos será apresentado a seguir.

Síntese dos dados

O perfil dos trabalhadores ambulantes em relação a idade está dividido nas seguintes proporções: 10,5% entre 18 e 30 anos, 16% entre 31 e 40 anos, 29% 41 e 50 anos, 35,8% entre 51 e 65 e 8,6% com mais de 66 anos, nota-se que 44,4% tem mais que 51 anos de idade, conforme o Gráfico de idade.

Gráfico de idade
Elaboração Mariana Taguti, 2020

No Gráfico de tempo de trabalho, o tempo que trabalha como ambulante, a grande maioria respondeu que está na atividade há mais de 21 anos, respectivamente 47,8%, seguidos 23,9% entre 11-20 anos, 11,3% entre 6-10 anos e 17% entre 0-5 anos.

Gráfico de tempo de trabalho
Elaboração Mariana Taguti, 2020

Por meios destes dados, pode-se concluir que é um grupo que está envelhecendo e que passou grande parte da sua vida produtiva como ambulante, sem garantias trabalhistas como Aposentadoria e Fundo de Garantia Tempo de Serviço.

Diante das difíceis condições de sobrevivência e necessidades de trabalhar, 78% mencionou o desemprego no mercado formal como principal motivo para se tornar ambulante, como neste relato: “Por falta de melhores oportunidades no mundo formal me tornei um profissional da área informa, e neste outro, sem condições de estudar sem ter uma profissão e desempregado a solução foi entrar como ambulante para sustentar a minha família” (16).

Somadas com a falta de oportunidades de estudos e qualificação profissional 5% declararam como sendo a razão para o trabalho “dificuldades de escrita, sendo assim não achei outro emprego que se encaixasse em mim e não tenho estudos suficiente para obter um trabalho digno na sociedade do trabalho” (17). Para 9% dos entrevistados a atividade é tradição familiar. A falta de serviços, como creches para as mães, também, é um fator da situação do trabalho e ter por perto os filhos, algumas situações são descritas 2% do total. Outra parcela dos 6% declarou possuir alguma deficiência física e a mais recorrente é a visual, conforme o Gráfico de motivo para ser tornar ambulante, a seguir:

Gráfico de motivo para ser tornar ambulante
Elaboração Mariana Taguti, 2020

O Gráfico de porcentagem dos ambulantes que possuem alguma condição de saúde de vulnerabilidade aponta a grande porcentagem de Pessoas com Deficiência entre os trabalhadores, 12% respondeu que possui alguma deficiência física, 7% deficiência visual, 2% deficiência auditiva, 2% deficiência múltipla e 9% problemas de saúde diversas como hérnia, artrose e diabetes. É importante ressaltar que esses trabalhadores não possuem nenhum tipo de garantia quando adoecem, como um auxílio-doença; com o TPU a permissão é individual e intransferível, caso o ponto de venda esteja aberto, sem a presença do permissionário, mesmo que ele esteja com problemas de saúde, o trabalhador pode sofrer penalidade como multa ou cassação de seu TPU.

Gráfico de porcentagem dos ambulantes que possuem alguma condição de saúde de vulnerabilidade
Elaboração Mariana Taguti, 2020

A rotina dessas pessoas é marcada por inúmeros problemas, entre as principais dificuldades apontadas no Gráfico de dificuldades na vivência dos ambulantes destacam-se: 39% citaram a fiscalização violenta e que corriqueiramente, recolhe as mercadorias sem lacrar e são apreendidas, o lacre possibilitaria a devolução caso o ambulante comprovasse posteriormente que a obtenção da mercadoria foi feita de forma de legal; 19% retratou a dificuldade de se conseguir a regularização para trabalhar; 15% comentou sobre as intempéries do tempo, como excesso de sol e a chuva; 15% a discriminação pelos agentes públicos; 6% discorreram sobre a falta de estrutura física como sanitários, espaço para alimentação, entre outros; e 14% mencionou a somatória de todos, conforme relato: “a maior dificuldade é quando a polícia e os fiscais ficam correndo atrás da gente e até mesmo tomarem a nossa mercadoria é muita dor para quem só queria trabalhar e sustentar a família” (18).

Gráfico de dificuldades na vivência dos ambulantes
Elaboração Mariana Taguti, 2020

Outro aspecto importante a verificar relaciona-se ao cotidiano desses trabalhadores, como o local de moradia e o deslocamento para o local do trabalho. Apresentado no Mapeamento das áreas de origem e destino dos trabalhadores ambulantes na cidade de São Paulo, nota-se um movimento do extremo leste, extremo sul e de alguns pontos da zona metropolitana para a região central de São Paulo. É válido ressaltar as três centralidades de destino: na região central com o distrito da Sé; na Zona Leste, a região do Parque do Carmo; e na Zona Sul, o distrito do Jabaquara. Essas grandes distâncias enfrentadas diariamente nos ônibus, metrôs e trens expõem os trabalhadores à infecção por Covid-19, sendo os meios de transporte coletivo considerados pela Organização Mundial de Saúde — OMS, zonas de alto risco de contágio, atrás apenas dos hospitais.

Mapeamento das áreas de origem e destino dos trabalhadores ambulantes na cidade de São Paulo
Elaboração Mariana Taguti, 2020

Nos gráficos de Hábitos de alimentação e Hábitos de higiene, no local do trabalho as condições físicas básicas, como banheiro, não são de fácil acesso: 69,6% responderam que utilizam o banheiro privado a partir de bares, restaurantes, lojas, entre outros; e 30,4% usam os banheiros públicos. Também, a rotina da alimentação apresenta dificuldades no armazenamento da própria comida, 38,2% conseguem levar a sua marmita.

Gráfico de hábitos de alimentação
Elaboração Mariana Taguti, 2020

Gráfico de hábitos de higiene
Elaboração Mariana Taguti, 2020

No contexto da pandemia da Covid-19, foi anunciado pela prefeitura, em março de 2020, o isolamento social e o fechamento do comércio por meio do Decreto Municipal n. 59.283 (19), por esse motivo os ambulantes permissionários tiveram que interromper suas atividades. Apesar da obrigatoriedade de se interromper todas as atividades, as taxas de TPUs, no entanto, continuaram a ser cobradas, com exceção de ambulantes que trabalhavam com mesas e cadeiras, pois por meio da Lei 17.403/2020 (20), a Prefeitura de São Paulo regulamentou a sua isenção.

De acordo com o Gráfico de porcentagem de ambulantes que conseguiram sacar/receber o auxílio emergencial, verificou-se que somente 69,6% dos trabalhadores que responderam ao questionário conseguiram se cadastrar no programa de auxílio emergencial do governo Federal, destes 57,8% conseguiram sacar pelo menos uma vez o benefício. 98,7% apontou que nos meses iniciais as necessidades básicas — como acesso a comida, gastos com moradia, contas de água, luz e gás — ficaram prejudicadas com o isolamento social.

Gráfico de porcentagem de ambulantes que conseguiram sacar/receber o auxílio emergencial
Elaboração Mariana Taguti, 2020

Além disso, o Gráfico de possibilidade de seguir os protocolos de saúde dentro de casa revela que nesta circunstância 51,3% dos trabalhadores afirmaram não conseguir atender às recomendações de isolamento de qualquer membro da família que estivesse infectado pela covid-19. Do mesmo modo, não conseguiram reservar uma área dentro do domicílio para a troca de sapatos e roupas para fazer a higienização adequada, quando necessário sair do isolamento social. São as situações que revelam, em muitas áreas da cidade, a precariedade das habitações e muitas vezes a coabitação, localizadas em áreas sem saneamento básico, sem água canalizada e tratada. A população que faz parte das classes menos abastadas, como os trabalhadores ambulantes, acaba sendo mais exposta à contaminação do vírus e quando infectada tem menos acesso aos cuidados médicos. Existe uma crença que as doenças infecciosas não distinguem classe social, etnia ou sexo, entretanto, os efeitos dessa doença revelaram situações diferentes na cidade desigual.

Gráfico de possibilidade de seguir os protocolos de saúde dentro de casa
Elaboração Mariana Taguti, 2020

Em síntese o questionário foi uma forma de revelar as particularidades e necessidades de parte dos trabalhadores(as) ambulantes — pessoas estas que fazem do espaço público, o lugar para conquistar o seu sustento diário — na cidade de São Paulo em 2020. Verificou-se que quase 36% das pessoas que fizeram parte da pesquisa estão na faixa etária entre 51 e 65 anos de idade, o Estatuto do Idoso (21) considera que pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos são idosas, sendo assim, observa-se que parte desta população necessita de atenção em relação à sua saúde e outras necessidades.

Outro aspecto importante, quase 48% está trabalhando como ambulante há mais de 21 anos, na informalidade sem garantias trabalhistas, aposentadoria, fundo de garantia por tempo de serviço, auxílio salário neste momento de pandemia da Covid-19 e sem plano de saúde privado.

A pesquisa revelou também que 78% não conseguiram trabalho formal, por vários motivos, entre eles: por falta de qualificação técnica, estudos, e/ou principalmente com as mulheres vagas em creches. Confirma-se a necessidade do investimento em políticas públicas para a educação, desde a creche ao ensino superior com urgência, para as futuras gerações conseguirem melhorar a qualidade de vida.

Também, outro dado que merece atenção é a quantidade de trabalhadores(as) que revelaram alguma deficiência física, visual entre outros.

Em suma, para além de todas as dificuldades reveladas acima, o dia-a-dia dos ambulantes é marcado por muitas adversidades: desde o deslocamento da moradia no transporte público precário, lotado, até a rotina no trabalho que muitas vezes é prejudicada pelas intempéries, falta de espaços para alimentação, uso dos sanitários e, principalmente, o medo com a fiscalização violenta.

Considerações finais

Considera-se que são necessárias outras pesquisas, com dados atualizados, que possibilitem uma melhor e mais aprofundada compreensão da conjuntura desse grupo invisibilizado; é urgente a realização de um censo que registre essa situação e viabilize estudos para implementação de políticas públicas adequadas e formulação de leis que atendam de forma mais justa e sensível às necessidades destes trabalhadores(as).

A intenção deste artigo foi revelar os resultados de parte de uma pesquisa realizada na graduação no curso de arquitetura e urbanismo que desenvolveu um projeto desde o (objeto) desenho do carrinho dos ambulantes até o local de trabalho no espaço público, e a aproximação com as entidades que auxiliam os trabalhadores, de forma participativo. Assim, surge a necessidade de conhecer com mais profundidade as pessoas com o propósito de apresentar o contexto totalmente atípico como da pandemia da Covid-19.

Um ano após o início da pesquisa mencionada, faz-se necessário ressaltar que a situação dos trabalhadores(as) ainda é grave (março de 2021), pois a pandemia da Covid-19 contínua em larga escala, causando muitas mortes e apenas 2% da população foi vacinada. A maioria dos trabalhadores não receberam o auxílio emergencial, ou outro apoio governamental, especialmente os permissionários. Apenas em julho de 2020, após a publicação da Lei Municipal n. 17.403 (22), e com assinatura de Termo de Compromisso, os trabalhadores(as) ambulantes puderam voltar a trabalhar. Período de muita luta para garantir a volta ao trabalho.

Estava previsto fevereiro de 2021, a remoção de treze barracas de ambulantes pela subprefeitura do Jabaquara no bolsão Pão de Açúcar, trabalhadores que estão nesses pontos há mais de vinte anos e seriam removidos em meio a uma pandemia sem perspectivas para ir a outro local de trabalho (23), muitas remoções estão acontecendo diariamente na cidade de São Paulo. Mas quando é acrescentado nessa corrida com obstáculos uma pandemia da Covi-19, que afeta a sociedade inteira, a população mais vulnerável acaba sendo fortemente prejudicada, é um cenário de crise sanitária que encontra uma realidade cheia de conflitos e barreiras para estes frágeis trabalhadores(as).

Verifica-se também, o quanto é urgente considerar a realidade destes ambulantes nas cidades brasileiras e incorporar no desenho urbano e planejamento de espaços públicos adequados, tornando-as cidades mais humanizadas, justas e igualitárias.

notas

1
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT). MonitoraCovid-19. Rio de Janeiro, Fiocruz, 2020 <https://bit.ly/3wKI57l>.

2
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2020. Rio de Janeiro, IBGE, 2020 <https://bit.ly/3qF4DT9>.

3
ITIKAWA, Luciana Fukimoto. Trabalho informal nos espaços públicos no centro de São Paulo: pensando parâmetros para políticas públicas. Tese de Doutorado. São Paulo, FAU USP, 2006.

4
D’ANGELO, Hamiltom. Camelô, trabalho informal e sobrevivência: levantamento, caracterização e análise no centro da cidade de São Paulo. Tese de Doutorado. São Paulo, PPGCS PUC SP, 2000.

5
GUERREIRO, Alexandre de Abreu Dallari. Cotidianos trazidos à luz: entrevistas visuais com trabalhadores das e nas ruas paulistanas. Tese de doutorado. São Paulo, PPGSS PUC SP, 2004.

6
PAMPLONA, João. A Atividade informal do comércio de rua e a região central de São Paulo. In Caminhos para o centro: estratégias de desenvolvimento para a região central de São Paulo, Emurb, São Paulo, 2004, p. 312-313.

7
Idem, ibidem.

8
Lei n. 11.039, de 23 de agosto de 1991. Disciplina o exercício do comércio ou prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos do Município de São Paulo.

9
Idem, ibidem.

10
PAMPLONA, João. A Atividade informal do comércio de rua e a região central de São Paulo (op. cit.).

11
Lei n. 11.039, de 23 de agosto de 1991. Disciplina o exercício do comércio ou prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos do Município de São Paulo (op. cit.).

12
ALCÂNTARA, André et al. Ambulantes e Direito à Cidade: trajetórias de vida, organização e políticas públicas. Projeto Trabalho Informal e Direito à Cidade. São Paulo, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, 2013, p. 53.

13
PAMPLONA, João. Mercado Informal, informalidade e comércio ambulante em São Paulo. Revista Brasileira de Estudos de População, v. 30, n. 1, jun. 2013, p. 225-249.

14
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2020 (op. cit.).

15
TAGUTI, Mariana Nunes. Vida ambulante: da cidade ao objeto. Trabalho Final de Graduação. São Paulo, FAU Mackenzie, 2020. Grifo dos autores.

16
Depoimento aos autores.

17
Depoimento aos autores.

18
Depoimento aos autores.

19
Decreto Municipal n. 59.283 de 16 de março de 2020.

20
Lei Municipal n. 17.403 de 17 de julho de 2020.

21
Estatuto do idoso no Brasil. Lei 10.741 de 2003.

22
Lei Municipal n. 17.403 de 17 de julho de 2020 (op. cit.).

23
Manifesto: ambulantes do Jabaquara pedem Socorro. Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, São Paulo, 2021 <https://bit.ly/35jqLLv>.

sobre os autores

Mariana Nunes Taguti é arquiteta e urbanista pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie (2020) e autora do trabalho de final de graduação intitulado Vida Ambulante: da cidade ao objeto.

Débora Sanches é arquiteta e urbanista, mestre em Habitação pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (2008) e doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2015), onde também é professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Eleita conselheira titular do CAU SP (2021-2023) e vice coordenadora geral no Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos.

Benedito Roberto Barbosa é advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e União dos Movimento de Moradia de São Paulo e coordenador da Central dos Movimentos Populares. Mestre (2014), doutorando em Planejamento de Gestão do Território pela Universidade Federal do ABC e pesquisador do LabJuta.

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